O estreito acesso das Pessoas com Deficiência aos serviços de saúde em uma capital nordestina

The limited access of People with Disabilities to health services in a northeastern capital

Tássia Mayra Oliveira Farias Maria do Socorro Veloso de Albuquerque Raquel Santos Oliveira Tereza Maciel Lyra Gabriella Morais Duarte Miranda Pollyana Ribas de Oliveira Sobre os autores

Resumo

Analisou-se, a partir das dimensões disponibilidade-acomodação e adequação, o acesso das Pessoas com Deficiência (PcD) aos serviços de atenção especializada. Trata-se de estudo de caso de abordagem qualitativa com triangulação de fontes a partir de pesquisa documental, dados dos Sistemas de Informações em Saúde e entrevistas semiestruturadas com gestores, profissionais de saúde e PcD. Observou-se a ampliação de serviços de reabilitação no Recife, embora não tenha sido possível analisar a capacidade de produção de tais serviços. Os achados apontam para a existência de barreiras arquitetônicas e urbanísticas e insuficiência de recursos nos serviços estudados. Ademais, há um longo tempo de espera para atenção especializada e um difícil acesso às tecnologias assistivas. Pôde-se observar ainda que os profissionais têm baixa qualificação para atender às necessidades das PcD e não se tem instituído um processo de educação permanente para os trabalhadores dos diversos níveis de complexidade. Conclui-se que a instituição da Politica Municipal de Atenção Integral à Saúde da PcD não foi suficiente para garantir o acesso aos serviços de saúde com continuidade do cuidado, considerando a permanência da fragmentação da rede de atenção, ferindo, assim, o direito à saúde deste segmento.

Palavras-chave:
Acesso aos serviços de saúde; Pessoas com Deficiência; Sistemas Integrados de Cuidados de Saúde

Abstract

The access of People with Disabilities (PwD) to specialized care services was analyzed on the basis of the availability-accommodation and adequacy dimensions. This is a case study with a qualitative approach and triangulation of sources based on documentary research, data from the Health Information Systems and semi-structured interviews with managers, health professionals and PwD. There was an expansion of rehabilitation services in Recife, although it was not possible to analyze the production capacity of such services. The findings point to the existence of architectural and urban barriers and insufficient resources in the services studied. Furthermore, there is a long waiting time for specialized care and difficult access to assistive technologies. It was also observed that professionals have low qualifications to meet the needs of PwD and a process of permanent education in different levels of complexity has not been instituted for workers. The conclusion drawn is that the institution of the Municipal Policy of Comprehensive Health Care for the PwD was insufficient to guarantee access to health services with continuity of care, considering the permanence of the fragmentation of the care network, thus violating the right to health of this segment.

Key words:
Access to health services; People with Disabilities; Integrated Health Care Systems

Introdução

A discussão sobre o acesso das Pessoas com Deficiência (PcD) aos serviços de saúde demonstra que este direito é mais restrito para eles, se comparado às outras pessoas11 Amorim EG, Liberalli R, Medeiros Neta OM. Avanços e desafios na atenção à saúde de pessoas com deficiência na atenção primária no Brasil: uma revisão integrativa. Holos 2018; 1:224-236.. Isso porque, a deficiência é uma condição atravessada por aspectos históricos, culturais e sociais que produzem um quadro de exclusão social e dificultam o acesso aos direitos básicos, expondo-os a maiores situações de vulnerabilidade22 Organização das Nações Unidas (ONU). Organização Mundial da Saúde (OMS). Relatório mundial sobre a deficiência. São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São Paulo (SEDPcD); 2012..

Desde o final da década de 1980, o Brasil vem ampliando a legislação voltada para os direitos da PcD. Na área da saúde, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência (PNSPPD) instituída em 2002, hoje denominada Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (PNSPcD), tem como diretrizes a promoção da qualidade de vida, assistência integral, prevenção de deficiências, ampliação dos mecanismos de informação, organização e funcionamento dos serviços de atenção à PcD e capacitação de recursos humanos33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Anexo da Portaria nº 1.060, de 5 de junho de 2002. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Diário Oficial da União; 2002..

Outros marcos normativos surgiram, construindo um arcabouço importante para o cuidado da PcD. Em 2009 foi promulgada a Convenção Mundial dos Direitos da Pessoa com Deficiência44 Brasil. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União 2009; 26 ago.; em 2011 foi publicado o Plano Nacional de direitos da Pessoa com Deficiência - Viver Sem Limites; e em 2012 foi implantada a Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência (RCSPcD) no âmbito do SUS, com a proposta de organizar os serviços de referência na atenção básica, especializada, hospitalar, urgência e emergência, e assim qualificar o atendimento e expandir serviços voltados a PcD55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União; 2012.. Por fim, em 2015 foi publicada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI)66 Brasil. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União 2015; 7 jul..

Entretanto, e apesar disso, nos últimos anos tem se vivenciado um cenário de austeridade fiscal com impacto nas políticas sociais, dentre elas a destinada à saúde da PcD. Vivencia-se, assim, um distanciamento da perspectiva de implantação efetiva de uma rede integral de atenção à saúde77 Lyra TM, Albuquerque MSV, Oliveira RS, Miranda GMD, Oliveira MS, Carvalho E, Santos HF, Penn-Kekana L, Kuper H. The National Health Policy for people with disabilities in Brazil: an analysis of the content, context and the performance of social actors. Health Policy Plan 2022; 37(9):1086-1097..

Historicamente, a situação das PcD no Brasil é marcada por um processo de invisibilidade. Nesse sentido, a pandemia da COVID-19 foi emblemática pela ausência de informações relativas às pessoas com deficiência que foram infectadas e pela falta de política específica, o que implicou na redução de acesso aos serviços88 Melo DCF, Siqueira PC, Maciel ELN, Delcaro JCS, Robaina IMM, Jabor PM, Gonçalves Júnior E, Zandonade E. Pessoas com Deficiência e COVID-19 no estado do Espírito Santo, Brasil: entre a invisibilidade e a falta de Políticas Pública. Cien Saude Colet 2022; 27(11):4203-4212..

Para além da COVID-19, é importante ressaltar que o acesso aos serviços de atenção especializada e básica para PcD é indispensável. Partindo do pressuposto de que o entendimento do conceito de acesso é impreciso na literatura especializada, esta pesquisa pretende demonstrar que há diversas abordagens sobre ele, produzindo variações de sentido99 Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saude Publica 2004; 20(2):190-198.

10 Donabedian A. An introduction to quality assurance in health care. New York: Oxford University; 2003.

11 Frenk J. The concept and measurement of accessibility. In: White KL. Health Services Research: An Anthology. Washington: PAHO; 1992.

12 Starfield B. Acessibilidade e primeiro contato: a "porta". In: Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002. p. 207-246.

13 Andersen RM. Revisiting the Behavioral Model and Access to Medical Care: Does It Matter? J Health Soc Behav 1995; 36(1):1-10.

14 Oliver A, Mossialos E. Equity of access to health care: outlining the foundations for action. J Epidemiol Community Health 2004; 58(8):655-658.
-1515 Levesque JF, Harris MF, Russell G. Patient-centred access to health care: conceptualising access at the interface of health systems and populations. Int J Equity Health 2013; 12:18..

O presente artigo baseia-se na proposta de acesso de Levesque et al.1515 Levesque JF, Harris MF, Russell G. Patient-centred access to health care: conceptualising access at the interface of health systems and populations. Int J Equity Health 2013; 12:18. a qual envolve desde a percepção das necessidades de cuidados em saúde até a continuidade do uso dos serviços. O conceito tem sua compreensão sistematizada na interação entre 5 dimensões do serviço (acessibilidade, aceitabilidade, disponibilidade e acomodação, acessibilidade financeira e adequação) e 5 capacidades individuais dos usuários (de perceber, de procurar, de alcançar, de pagar e de se envolver)1515 Levesque JF, Harris MF, Russell G. Patient-centred access to health care: conceptualising access at the interface of health systems and populations. Int J Equity Health 2013; 12:18..

Nesse contexto, optou-se por trabalhar duas dimensões do acesso: a disponibilidade e acomodação e a adequação. A primeira envolve o alcance concreto do serviço em tempo hábil, considerando características individuais, urbanas e da estrutura e organização das unidades de saúde. A segunda dimensão traz aspectos da utilização do serviço e suas consequências para o cuidado, para isso analisa o grau de adequação entre o serviço e a necessidade do usuário, o que é ofertado e a forma que as ações de saúde são prestadas1515 Levesque JF, Harris MF, Russell G. Patient-centred access to health care: conceptualising access at the interface of health systems and populations. Int J Equity Health 2013; 12:18..

Há estudos que apontam barreiras de acesso para as PcD relacionadas com a disponibilidade e acomodação e com a adequação dos serviços de saúde1616 Castro AMM, Silva JS, Macedo LCSA, Rosa NSF, Bertussi DC, Santos MLM, Merhy EE. Barreiras ao acesso a serviços de saúde à pessoa com deficiência no brasil: uma revisão integrativa. Praticas Cuidado Rev Saude Colet 2021; 2:1-25.. Assim, entende-se que a garantia do acesso é um fenômeno complexo que ultrapassa a existência legal e física da RCSPcD, pois envolve aspectos subjetivos, políticos, econômicos e sociais, o que fragiliza a efetivação da RCSPcD1717 Machado WCA, Pereira JS, Schoeller SD, Julio LC, Martins MMFPS, Figueiredo NMA. Integralidade na rede de cuidados da pessoa com deficiência. Texto Contexto Enferm 2018; 27(3):e4480016., uma vez que, um dos maiores desafios no âmbito dos direitos das PcD trata-se justamente da efetivação daquilo que está posto em lei1818 Maior I. Breve trajetória histórica do movimento das pessoas com deficiência. São Paulo: Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência; 2015.

Desde 2016, esse cenário tem se agravado, diante de uma abordagem que reduz a participação do Estado em políticas públicas e que negligencia as necessidades desse segmento social, ampliando assim as condições de desigualdade e as diversas barreiras que impedem a vida em sociedade1919 Borges ML, Costa JRC. A abordagem das políticas públicas para inclusão das pessoas com deficiência no Brasil. Rev Disruptiva 2020; 1(3):26-40..

Face ao exposto, este artigo partiu do seguinte questionamento: como ocorre o acesso aos serviços especializados da rede de cuidados à pessoa com deficiência na cidade do Recife-PE? Tendo, pois, por objetivo analisar, a partir das dimensões disponibilidade-acomodação e adequação, o acesso das PcD aos serviços de atenção especializada nesta cidade.

Percurso metodológico

Trata-se de um estudo exploratório que utilizou a abordagem qualitativa2020 Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Cien Saude Colet 2012; 17(3):621-626. e desenho do tipo estudo de caso2121 Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2005., uma vez que esse possibilitou a utilização de diversas fontes de dados, subsidiando a sua triangulação a fim de compreender os significados do fenômeno em sua complexidade. Segundo Robert Yin2121 Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3ª ed. Porto Alegre: Bookman; 2005. o estudo de caso contribui com o conhecimento dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais, políticos e de grupo, além de outros fenômenos.

A triangulação das fontes de dados foi realizada a partir da análise documental dos atos normativos nacionais e locais referentes ao acesso às ações e serviços de saúde da PcD; da exploração de Sistemas de Informações em Saúde; e, por fim, das entrevistas semiestruturadas, em dois serviços especializados da RCSPcD, um Centro Especializado em Reabilitação e um hospital.

A fonte documental buscou contextualizar o objeto de pesquisa a partir dos documentos de referência: a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência33 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Anexo da Portaria nº 1.060, de 5 de junho de 2002. Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Diário Oficial da União; 2002.; a Portaria nº 793/2012, que institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do SUS44 Brasil. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União 2009; 26 ago.; e a Política Municipal de Atenção Integrada à Saúde da Pessoa com Deficiência de Recife2222 Pernambuco. Secretaria de Saúde do Recife. Portaria nº 067, de 13 de dezembro de 2016. Institui a Política Municipal de Atenção Integrada à Saúde da Pessoa com Deficiência. Diário Oficial do Município; 2016..

A pesquisa nos Sistemas de Informação em Saúde objetivou caracterizar a oferta de ações e serviços em reabilitação na cidade do Recife a partir da base de dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e do Sistema de Informação Ambulatorial (SIA), ambos disponibilizados no site do Departamento de Informática do Ministério da Saúde (DATASUS), de domínio público.

A atenção especializada da RCSPcD é composta por Centros de Especialidades Odontológicas (CEO); leitos hospitalares; estabelecimentos habilitados em serviço de reabilitação e pelos Centros Especializados em Reabilitação (CER), nas modalidades II, III e IV44 Brasil. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União 2009; 26 ago.. Para caracterizar a rede especializada de reabilitação no Recife foram explorados os arquivos de Habilitação (com códigos 2201, 2202, 2203, 2204, 2205, 2206, 2207, 2208, 2209, 2210, 2211) disponíveis no CNES, nos anos de 2009 e 2019.

Do SIA foram explorados os dados referentes à produção ambulatorial de Órtese, Prótese e Materiais Especiais (OPM) - Grupo 07, no período de 2009 a 2019. Não foi possível analisar toda produção ambulatorial relacionada à reabilitação da PcD, em virtude da impossibilidade de o Sistema discriminar os procedimentos voltados exclusivamente para as PcD.

Para realização das entrevistas, partiu-se da compreensão de que a complexidade da realidade não pode ser totalmente captada, logo, não há ponto de saturação a ser alcançado. Assim sendo, optou-se pela realização de uma amostra intencional e heterogênea, a partir dos seguintes critérios: sujeitos com poder de informação e com diversidade de representação, a fim de alcançar diferentes leituras e perspectivas sobre o fenômeno estudado2323 Salgado CM. Amostra e transferibilidade: como escolher os participantes em pesquisa qualitativa em Saúde. In: Bosi MLM, Gastaldo D, organizadoras. Tópicos avançados em pesquisa qualitativa em Saúde. Petrópolis: Vozes; 2021.. Dessa forma, participaram quatro profissionais de saúde de dois serviços especializados; quatro PcD, usuárias destas unidades de saúde, sendo dois cuidadores; e um gestor da PMAISPcD, totalizando 9 participantes (Quadro 1).

Quadro 1
Seleção dos sujeitos da pesquisa.

Foi selecionado o único CER sob gestão municipal no território do Recife, estruturado em 2016, motivado pela Epidemia da Síndrome Congênita do Zika Vírus (SCZV) e habilitado como CER II. O hospital, por sua vez, foi incluído por ser a principal referência para o CER II estudado.

Os roteiros das entrevistas exploraram as dimensões Disponibilidade-Acomodação e Adequação. Na primeira dimensão, buscou-se compreender a disponibilidade de recursos para que o serviço fosse alcançado em tempo hábil, com questões envolvendo aspectos da estrutura, do contexto do ambiente, dos atores sociais e da oferta. Na segunda dimensão, o roteiro continha questões relacionadas a quais serviços são prestados e de que modo são prestados, relacionando-se a aspectos como qualidade técnica e interpessoal, coordenação e continuidade do cuidado.

Em virtude da pandemia da COVID-19, as entrevistas foram realizadas de acordo com a escolha de cada participante, parte no formato online, por meio da plataforma Google Meet, e outras presencialmente, nas unidades de saúde, seguindo todas as recomendações sanitárias. As entrevistaram duraram em média 50 minutos.

Os dados relacionados à rede de serviços e à produção ambulatorial das OPM foram analisados por meio de frequência relativa e absoluta no Programa Excel e, no último caso, por meio do método de regressão Joinpoint2424 Kim HJ, Fay MP, Feuer EJ, Midthune TN. Permutation tests for joinpoint regression with applications to cancer rates. Stat Med 2000; 19(3):335-351. (regressão por pontos de inflexão). Foram calculadas a variação percentual anual (APC: annual percent change) e a variação percentual média do período analisado (AAPC: average annual percent change), com α=5%.

As entrevistas foram transcritas e analisadas mediante a Análise de Conteúdo de Bardin2525 Bardin L. Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. e da Condensação de significados de Kvale2626 Kvale S, Brinkmann S. Interviews: learning the craft of qualitative research Interviewing. 2ª ed. Thousand Oaks: SAGE; 2009., uma vez que a análise de conteúdo permite o deslocamento da descrição para interpretação das informações. O conceito orientador da análise realizada foi o da dimensão disponibilidade e acomodação e da adequação do acesso1515 Levesque JF, Harris MF, Russell G. Patient-centred access to health care: conceptualising access at the interface of health systems and populations. Int J Equity Health 2013; 12:18..

Este artigo é produto de uma dissertação de mestrado, com parecer aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (CAAE: 35033020.0.0000.5208). Faz parte do projeto de pesquisa “Fortalecendo a inclusão de pessoas com deficiência no Sistema de Saúde no Brasil: explorando o acesso das pessoas com deficiência aos serviços de saúde em Pernambuco”, desenvolvido pelo Instituto Aggeu Magalhães (Fiocruz/Pernambuco), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a London School of Hygiene and Tropical Medicine, com financiamento do Newton Fund.

Resultados e discussões

Essa sessão de resultados e discussões está organizada a partir das dimensões Disponibilidade e Acomodação, e Adequação.

Disponibilidade e acomodação

A oferta de serviços de reabilitação para PcD relaciona-se com a disponibilidade e acomodação do acesso no âmbito da RCSPcD. Entre os anos de 2009 e 2019 observou-se um crescimento dos serviços habilitados em reabilitação na cidade de Recife (Tabela 1).

Tabela 1
Número de habilitações em reabilitação na cidade de Recife.

Foi possível conhecer a evolução do cadastro de estabelecimentos com habilitação em reabilitação no Sistema Único de Saúde, entretanto, não foi possível analisar o registro de procedimentos de reabilitação específicos para as PcD nos serviços habilitados, uma vez que os Sistemas de Informações de racionalidade assistencial não possuem códigos que especifiquem o cuidado exclusivo às PcD. Logo, não é possível inferir que o crescimento de serviços habilitados implicou na ampliação da capacidade de produção ambulatorial em reabilitação no município.

A instituição da RCSPcD em 2012 e as consequências da Epidemia da SCZV foram marcos importantes na análise do crescimento dos serviços de reabilitação. Segundo Aguiar2727 Aguiar DV. Oferta de serviços especializados em reabilitação no âmbito da rede de cuidados à pessoa com deficiência: análise do perfil dos estabelecimentos e cobertura regional entre 2012 e 2017 [dissertação]. Brasília: Universidade de Brasília; 2018., a região Nordeste está entre aquelas que apresentou maior expansão no número de habilitações para reabilitação entre 2012 e 2017, principalmente devido as consequências da Epidemia da SCZV.

Neste cenário de epidemia, a cidade do Recife habilita o seu Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI) em Centro Especializado em Reabilitação do tipo II junto ao Ministério da Saúde. Entretanto, os profissionais apontam que este serviço ainda está vivenciando a transição de NDI para CER II, com infraestrutura insuficiente e processo de trabalho mais próximo ao funcionamento do NDI:

Os profissionais, a maioria tem experiência de trabalhar com crianças de no máximo até cinco anos, com estimulação precoce. Que é o objetivo da microcefalia. Mas como agora é CER, estamos vendo como é que se agregam outros profissionais que possam atender outras faixas etárias maiores. (Profissional 2 do CER II).

Não tem como exigir mais recursos materiais se a gente não tem uma estrutura física adequada. (Profissional 1 do CER II).

Nesse caso, aspectos da disponibilidade e acomodação do serviço, como a quantidade de profissionais qualificados para o público do CER II, a insuficiência de recursos e do próprio espaço físico da instituição impactam na capacidade de resposta do serviço para atender às necessidades das PcD.

A análise documental da PMAISPcD revela que seu conteúdo prevê a ampliação e qualificação dos espaços de reabilitação da atenção especializada. No entanto, instituída de forma tardia e com sua origem associada às questões sanitárias da Epidemia da SCZV, as ações voltadas à concretização desses objetivos ainda são tímidas.

Neste sentido, Albuquerque et al.2828 Albuquerque MSV, Lyra TM, Melo APL, Valongueiro SA, Araújo TVB, Pimentel C, Moreira MCN, Mendes CHF, Nascimento M, Kuper H, Pen-Kekana L. Access to healthcare for children with Congenital Zika Syndrome in Brazil: perspectives of mothers and health professionals. Health Policy Plan 2019; 34(7):499-507., evidenciam que historicamente a oferta assistencial para PcD se organiza de forma fragmentada e insuficiente, as diversas consequências clínicas da Epidemia da SCZV surgiram para revelar um vazio assistencial e demonstrar o quanto o sistema de saúde não está preparado para cuidar da PcD.

Para além da insuficiência de recursos, os achados apontam ainda para existência de problemas arquitetônicos e urbanísticas, que se configuram como importantes barreiras de acesso aos serviços:

Ele não é 100% acessível, tem rampa de acesso para os dois blocos. Em algumas salas, eles não entram e os banheiros também não são adaptados [...] Para o deficiente visual a gente não tem sinalização. (Profissional 1 do CER II).

Ontem eu cheguei tarde na consulta, porque passaram quatro ônibus superlotados que não dava nem para entrar com a cadeira. (Mãe de criança com deficiência intelectual).

Apesar da legislação brasileira garantir a autonomia da PcD em espaços urbanos e sociais, estabelecendo desenhos universais, adaptações razoáveis e normas de acessibilidade instituídas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)2929 Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). NBR 9050. Acessibilidade de Pessoas com Mobilidade Reduzida às Edificações, Espaços e Equipamentos Urbanos. Rio de Janeiro: ABNT: 2015., percebe-se que as barreiras arquitetônicas e urbanísticas permanecem como um problema que alcança a maioria dos espaços de convivência social no Brasil.

Nesse sentido, a acessibilidade arquitetônica nos serviços de saúde ainda é um grande obstáculo de acesso, interferindo negativamente não apenas no primeiro contato com a instituição, mas também na desmotivação para continuidade do cuidado, assim como observado por Castro et al.1616 Castro AMM, Silva JS, Macedo LCSA, Rosa NSF, Bertussi DC, Santos MLM, Merhy EE. Barreiras ao acesso a serviços de saúde à pessoa com deficiência no brasil: uma revisão integrativa. Praticas Cuidado Rev Saude Colet 2021; 2:1-25. e Martins et al.3030 Martins KP, Medeiros TM, Costa TF, Costa KNFM, França ISX. Mobiliários e instalações sanitárias em unidades de saúde da família: acessibilidade física para pessoas com deficiência. Rev Pesq Cuid Fundam 2018; 10(4):1150-1155..

Os participantes também referem dificuldades na oferta de OPM, caracterizada pelos longos tempos de espera:

A gente encaminha para uma órtese, prótese [...] mas às vezes demora, é que a demanda é realmente muito grande para esses serviços. Então a gente encaminha e nem sempre vai ser rápido. (Profissional 2 do CER II).

A garantia de OPM tem sido um grande desafio para PNSPcD. Dados do Ministério da Saúde demonstram pontos críticos das oficinas ortopédicas, no âmbito da gestão, formação e inovação, que resultam em uma cobertura insuficiente (de apenas 42% no SUS)3131 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Ciência e Tecnologia. Pesquisa "CERBRASIL: Avanços, Desafios e Operacionalização dos Centros Especializados em Reabilitação (CER). Brasília: MS; 2020., acarretando, portanto, um longo tempo de espera para o acesso às tecnologias assistivas.

A produção ambulatorial de OPM aponta para um crescimento inicial, seguinda de uma queda a partir do ano de 2015 (Figura 1).

Figura 1
Tendência da produção Ambulatorial do subgrupo (0701) órteses, próteses e materiais especiais, segundo modelo Joinpoint, por forma de organização no município do Recife.

A queda observada a contar de 2015 pode estar relacionada às mudanças de governo no período Dilma-Temer-Bolsonaro que reduziram o financiamento das políticas públicas. Um exemplo é o Projeto de Lei Orçamentária (PLN 28/2020)3232 Accioly D. Governo quer cortar R$ 81,8 bilhões em despesas nos ministérios [Internet]. Senado Nóticias; 2020. [acessado 2022 jul 11]. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/09/01/governo-quer-cortar-r-81-8-bilhoes-em-despesas-nos-ministerios.
https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
, que gerou a Lei nº 14.144, de 22 de abril de 2021, prevendo um corte de 50,7% dos recursos destinados ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, onde está localizada a política voltada aos direitos da PcD.

A redução do registro de procedimentos pode ser uma das diversas faces da restrição do acesso às tecnologias assistivas e expressar também a necessidade de investimentos públicos para ampliação desse acesso. Principalmente porque, segundos dados do Institudo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3333 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde 2019 - Ciclos de Vida. Rio de Janeiro: IBGE; 2021. os recursos de OPM mais custosos são, em sua grande medida, assegurados pelo SUS.

A atenção especializada à saúde no Brasil se constituiu, historicamente, como uma das grandes dificuldades no SUS, caracterizada pela insuficiência de recursos e serviços públicos3434 Tesser CD, Poli Neto P. Atenção especializada ambulatorial no Sistema Único de Saúde: para superar um vazio. Cien Saude Colet 2017; 22(3):941-951.. Esse parece ser também o retrato da rede especializada da cidade do Recife.

Adequação

A adequação refere-se a quais serviços são prestados e de que modo são realizados, relacionando-se a aspectos como qualidade técnica e interpessoal, coordenação e continuidado do cuidado1515 Levesque JF, Harris MF, Russell G. Patient-centred access to health care: conceptualising access at the interface of health systems and populations. Int J Equity Health 2013; 12:18..

A qualificação dos profissionais é, portanto, elemento fortemente relacionado à dimensão da Adequação. Os entrevistados destacam a necessidade de formação para o cuidado da PcD e revelam o pouco investimento no processo de educação permanente. Para os profissionais entrevistados há insuficiência de espaços de formação para os trabalhadores da saúde que estão no cuidado à PcD do CER II:

Então tem alguns profissionais, eu também me coloco dentro, que precisaria estar capacitado para isso. Ter treinamento, oferecer cursos para se preparar melhor, para receber essa demanda que está chegando cada vez mais. (Profissional 2 do CER II).

Eu acho que o que pode melhorar é isso, você qualificar esse profissional para atender esse segmento [...] Então a gente iniciou, mas não conseguiu dar continuidade com profissionais na atenção básica. (Gestor).

Percebe-se um incipiente processo de educação permanente que não considera a necessidade de oferta de espaços formativos, tampouco, a diversidade de trabalhadores envolvidos nos diversos níveis de complexidade da RCSPcD. A este respeito Machado et al.1717 Machado WCA, Pereira JS, Schoeller SD, Julio LC, Martins MMFPS, Figueiredo NMA. Integralidade na rede de cuidados da pessoa com deficiência. Texto Contexto Enferm 2018; 27(3):e4480016., apontam que esse processo de investimento na formação profissional acontece principalmente por meio de iniciativas privadas do trabalhador.

O pouco investimento na formação repercute no cuidado ofertado e na capacidade dos profissionais de responder às complexas e continuas necessidades das PcD. Nesse contexto, uma mãe aponta a dificuldade desde à atenção básica, que impede a coordenação do cuidado, provocando um vazio assistêncial e a dificuldade de aproximação das necessidades da PcD:

Começando da unidade básica de saúde, não tem ninguém de agente de saúde com capacidade de nem entender o que o paciente precisa ou quer, não tem coragem nem de vir na porta, saber se está precisando de uma consulta, se as vacinas estão em dia, nada. (Mãe de criança com deficiência intelectual).

Amorim et al.11 Amorim EG, Liberalli R, Medeiros Neta OM. Avanços e desafios na atenção à saúde de pessoas com deficiência na atenção primária no Brasil: uma revisão integrativa. Holos 2018; 1:224-236. em pesquisa sobre o acesso da PcD na atenção básica, revelam que as barreiras atitudinais e a falta de qualificação dos profissionais para lidar com este público são importantes desafios para o acesso. No caso da cidade do Recife, é preciso avançar na formação e qualificação do trabalho, o que revela que a qualificação profissional é um compromisso que precisa ser inserido na agenda de prioridades do Estado.

Outro aspecto fundamental para avaliação da Adequação refere-se à garantia da continuidade do cuidado. O cuidado da PcD exige o acompanhamento longitudinal, mas segundo uma entrevistada, essa tem sido importante barreira de acesso:

Se tivesse onde continuar com as fisioterapias dela. A única coisa que me queixo é isso, é poder continuar e ficar de mãos atadas em relação a isso. (Mãe de criança com deficiência física).

Esse obstáculo expressa a discrepância entre o pressuposto legal da integralidade e da universalidade da atenção e a real dificuldade das PcD para acessar os serviços de saúde nos diversos níveis de complexidade.

O longo tempo de espera para o atendimento e a ausência de fluxos bem definidos que priorizem e assegurem o acesso à reabilitação também foram identificados problemas relacionados à Adequação:

É, tempo de espera. Tem pessoas que relatam que para conseguir o atendimento com a neuropediatra passou dois anos na fila de espera. E para chegar muitas vezes na reabilitação tem que passar pela especialista para ela prescrever a reabilitação. (O profissional 1 do CER II).

Por que agora é mais fácil, como já estou no CER II [...] então se tudo eu consigo pela regulação é por que eu já estou dentro, mas eu não esqueço a dificuldade que foi entrar.

O maior tempo de espera por atendimento, resulta em impactos negativos no prognóstico do usuário3434 Tesser CD, Poli Neto P. Atenção especializada ambulatorial no Sistema Único de Saúde: para superar um vazio. Cien Saude Colet 2017; 22(3):941-951.,3535 Almeida PF, Giovanella L, Martins Filho MT, Lima LD. Redes regionalizadas e garantia de atenção especializada em saúde: a experiência do Ceará, Brasil. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4527-4540.. Essa é uma das principais consequências da oferta insuficiente na atenção à saúde da PcD. No atual contexto de austeridade fiscal, estes aspectos não deixam de estar relacionados ao subfinanciamento do SUS3636 Menezes APR, Moretti B, Reis AAC. O futuro do SUS: impactos das reformas neoliberais na saúde pública - austeridade versus universalidade. Saude Debate 2020; 43(5):58-70..

Além dessas dificuldades, a insuficiência de serviços na rede também está relacionado aos aspectos observados na dimensão regulação dos serviços, que insere diversos entraves nesse sistema, os quais possuem forte repercussão na continuidade do cuidado. Um dos objetivos da introdução da regulação em saúde é potencializar a gestão de equipamentos e recursos humanos, de modo a qualificar o acesso aos serviços de saúde3737 Albuquerque MSV, Lima LP, Costa AM, Melo Filho DA. Regulação assistencial no Recife: possibilidades e limites na promoção do acesso. Saude Soc 2013; 22(1):223-236.,3838 Melo EA, Gomes GG, Pereira PHB, Carvalho JO, Guabiraba KPL. A regulação do acesso à atenção especializada e a Atenção Primária à Saúde nas políticas nacionais do SUS. Physis 2021; 31(1):e310109..

Em tese a regulação assistencial possui capacidade de reduzir as iniquidades do acesso, adequando a oferta de serviços à necessidade do usuário, mediante um diagnóstico local. Assim, conforme Albuquerque et al.3939 Pinto LF, Soranz D, Scardua MT, Silva IM. A regulação municipal ambulatorial de serviços do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro: avanços, limites e desafios. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1257-1267., isso implica em articulações da esfera técnica e política, na produção de respostas adequadas ao que o usuário precisa do ponto de vista clínico.

Associado a esta questão da regulação, restringir o acesso inicial ao serviço de saúde, destaca-se a cultura do alcance de vagas por fluxos informais à regulação. Pois, se a regulação surge para “desprivatizar” as vagas, mas diante de sua escassez não o faz, acaba tornando o usuário suscetível à busca de outras formas de acesso ao serviço de saúde.

Os princípios da universalidade e da equidade devem ser materializados e a regulação é uma função que assegura a sua concretização. As intervenções alheias aos fluxos assistenciais se apresentam também como impeditivos ao acesso universal e equitativo:

Politicamente ainda é muito forte essa presença de um político [...] Cirurgias canceladas por que botam preferências na frente. [...] É aquela pessoa que liga para o diretor e diz - oh tem um fulano de tal aí e tem que fazer essa cirurgia, então os outros são esquecidos. (Profissional 2 do hospital).

Observa-se que para além da regulação da atenção, outras formas de acesso e gestão das vagas emergem como produto das diversas forças de poder e interesses atuantes.

Dessa forma, a regulação clientelística surge como modo de acesso aos serviços, mediado por figuras políticas que se utilizam basicamente da barganha e da pressão para flexibilizar e agilizar os fluxos normais de acesso.

O resultado dessa relação clientelista é por um lado a conquista de votos a partir do prestígio conquistado pelo ator político, e, por outro lado, a redução da capacidade política e operacional da regulação governamental de produzir o acesso equitativo3939 Pinto LF, Soranz D, Scardua MT, Silva IM. A regulação municipal ambulatorial de serviços do Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro: avanços, limites e desafios. Cien Saude Colet 2017; 22(4):1257-1267.. Para além do acesso da PcD, essa é uma prática que vai contra a universalidade do acesso, uma vez que restringe o uso dos serviços de saúde e esvazia o sistema de regulação, tornando-o um instrumento sem eficácia.

A regulação em saúde está entre os principais desafios para a Adequação dos serviços, visto que a fragilidade dos fluxos que não consideram a realidade e o contexto de vida das PcD, seus territórios e trajetórias percorridas dentro do sistema de saúde apresenta-se também como um impeditivo para o acesso à saúde:

Todas as vezes que eu pedi encaminhamento [...] dizia que tinha que primeiro vir para o sistema e o sistema que jogava. Uma vez jogou para um hospital bem longe. Eu não fui, porque para mim ficava muito difícil chegar até lá.

No caso da cidade do Recife, a situação agrava-se pelo fato da Secretaria Municipal de Saúde ter baixa governabilidade para descentralização da oferta da rede complementar, que permaneceu concentrada em determinados bairros e alinhada aos interesses privados ao invés da necessidade assistencial do território4040 Albuquerque MSV, Morais HMM, Lima LP. Contratualização em saúde: arena de disputa entre interesses públicos e privados. Cien Saude Colet 2015; 20(6):1825-1834., o que tem um impacto importante na acessibilidade geográfica do usuário.

Considerações finais

A dimensão Disponibilidade-Acomodação está diretamente relacionada à existência de recursos de saúde e, nesse caso, a ampliação do número de serviços habilitados em reabilitação foi um avanço observado, embora não tenha sido possível analisar a capacidade de produção de tais serviços. Ademais, há barreiras de acesso arquitetônicas e urbanísticas e uma redução na oferta de OPM.

O CER II, implantado no contexto da Epidemia da SCZV, centrou-se em um único ciclo de vida, a infância, ocasionando indisponibilidade de oferta para outras faixas etárias.

Na dimensão adequação, observou-se que o município não tem instituída uma Política de Educação Permanente para o conjunto de trabalhadores dos diversos níveis de complexidade, em decorrência disso os profissionais que trabalham nos serviços que atendem PcD encontram-se diante de uma formação ainda inadequada para atender as demandas específicas desse grupo social.

Considerando a interdependência entre as duas dimensões de acesso disponibilidade e adequação, pode-se afirmar que a insuficência da oferta de serviços especializado traz repercussões para o potencial da regulação assistencial em facilitar o acesso a uma oferta adequada e oportuna. No caso das necessidades assistenciais da PcD tem se traduzido num mecanismo de restrição de acesso à atenção especializada. No âmbito da adequação, no que diz respeito à forma como serviços prestados, o caso do Recife revela a permanência das formas históricas de uma atenção fragmentada com prejuizos à continuidade do cuidado.

Diante da complexidade do objeto de pesquisa, há que se considerar como limitação deste trabalho a escolha por abordar apenas duas dimensões do acesso proposto por Levesque et al.1515 Levesque JF, Harris MF, Russell G. Patient-centred access to health care: conceptualising access at the interface of health systems and populations. Int J Equity Health 2013; 12:18., já que as cinco dimensões estão fortemente interrelacionadas.

Ante os achados deste estudo, considera-se que as claras restrições de acesso à rede de atenção à PcD expressam a incipiente priorização das decisões nas esferas da política e da economia para atender às reais necessidades em saúde desse segmento populacional. Faz-se necessário pontuar que esse cenário não está dissociado do histórico subfinanciamento do SUS, e que atualmente passa por um processo de desfinanciamento, os quais se desdobram em aspectos macrocontextuais como a insuficiência de serviços na rede de saúde e em fatores locais, como a dificuldade de expansão da RCSPcD no Recife e da defesa intransigente de um direito que lhe é fundamental, a saúde.

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  • Financiamento

    Newton Fund.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Maio 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2022
  • Aceito
    25 Out 2022
  • Publicado
    27 Out 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br