Associação entre capital social e padrões alimentares em mulheres do Sul do Brasil

Lisandréa da Conceição Caetano Anderson Garcez Fernanda de Souza Bairros Juvenal Soares Dias da Costa Maria Teresa Anselmo Olinto Sobre os autores

Resumo

O presente estudo objetivou verificar a associação entre aspectos psicossociais (capital social) e padrões alimentares em mulheres adultas. Realizou-se um estudo transversal, de base populacional, com uma amostra representativa de 1.128 mulheres, de 20 a 69 anos de idade, residentes na área urbana do município de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em 2015. Os padrões alimentares foram identificados com base na frequência de consumo alimentar e classificados em: saudável (frutas, vegetais e alimentos integrais), de risco (alimentos ultraprocessados) e brasileiro (arroz e feijão), enquanto o capital social foi avaliado por meio de uma escala de eficácia coletiva. Observou-se que 18,9% da amostra foi classificada com alta eficácia coletiva. Após ajuste para potenciais fatores de confusão, observou-se uma probabilidade 44% maior para adesão ao padrão saudável (RP [razão de prevalência] = 1,44; IC95% [intervalo de confiança de 95%]: 1,01-2,03; p = 0,040) e 71% maior para o padrão brasileiro (RP = 1,71; IC95%: 1,18-2,47; p = 0,004) entre as mulheres com um maior nível de eficácia coletiva, quando comparadas às com baixo nível de eficácia coletiva. Assim, este estudo verificou uma relação significativa entre aspectos psicossociais e consumo alimentar em mulheres.

Palavras-chave:
Capital social; Aspectos psicossociais; Padrões alimentares; Mulheres

Introdução

Importantes mudanças ocorreram no consumo alimentar da população nas últimas décadas, observando-se principalmente um aumento do consumo de alimentos considerados não saudáveis (incluindo alimentos processados e ultraprocessados como iogurtes, sorvetes, refrigerantes, sucos, biscoitos, embutidos, hambúrgueres, pizzas, entre outros) e uma consequente diminuição dos considerados saudáveis (incluindo os alimentos in natura e minimamente processados, como frutas, verduras, legumes, leite e carnes)11 Organização Pan Americana de Saúde (OPAS). Modelo de Perfil Nutricional da Organização Pan-Americana da Saúde. Washington, DC: OPAS; 2016.. Essas mudanças tornaram o aspecto alimentar um dos principais fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis e mortalidade22 Centers for Disease Control and Prevention (CDC). U.S Departament of Health and Human Services. National Diabetes Statistics Report, 2020 [Internet]. 2020. [cited 2020 dez 3]. Available from: https://www.cdc.gov/diabetes/pdfs/data/statistics/national-diabetes-statistics-report.pdf
https://www.cdc.gov/diabetes/pdfs/data/s...
,33 World Health Organization (WHO). Dieta, Nutrición y Prevención de Enfermedades Crónicas. Geneva: WHO; 2003.. Nesse sentido, a abordagem do padrão alimentar compreende, de forma mais complexa, o consumo usual combinado de alimentos e nutrientes, considerando possíveis influências ambientais, culturais ou religiosas44 Panagiotakos D. a-priori versus a-posterior methods in dietary pattern analysis: a review in nutrition epidemiology. Nutr Bull 2008; 33(4):311-315.. Além disso, estudos apontam que mulheres tendem a apresentar padrões alimentares considerados mais saudáveis, incluindo um maior consumo de alimentos in natura e minimamente processados, quando comparado aos homens55 Polo TCF, Corrente JE, Miot LDB, Papini SJ, Miot HA. Dietary patterns of patients with psoriasis at a public healthcare institution in Brazil. An Bras Dermatol 2020; 95(4):452-458.

6 Olinto MT, Willet WC, Gigante DP, Victora CG. Sociodemographic and lifestyle characteristics in relation to dietary patterns among young Brazilian adults. Public Health Nutr 2011; 14(1):150-159.
-77 Naja F, Nasreddine L, Itani L, Chamieh MC, Adra N, Sibai AM, Hwalla N. Dietary patterns and their association with obesity and sociodemographic factors in a national sample of Lebanese adults. Public Health Nutr 2011; 14(9):1570-1578..

O capital social tem sido investigado como um importante aspecto psicossocial associado à ocorrência de diversos desfechos em saúde, incluindo obesidade88 Yun-Hsuan W, Moorea S, Dubeb L. Social capital and obesity among adults: Longitudinal findings from the Montreal neighborhood networks and healthy aging panel. Prev Med 2018; 111:366-370., estresse, transtornos mentais comuns e comportamentos favoráveis à saúde, como atividade física e hábitos alimentares99 Pattussi MP, Olinto MTA, Canuto R, Silva Garcez A, Paniz VM, Kawachi I. Workplace social capital, mental health and health behaviors among Brazilian female workers. Soc Psychiatr Epidemiol 2016; 51(9):1321-1330.. O capital social se refere às habilidades dos indivíduos para atingir objetivos, que não conseguiria alcançar sozinho, por meio da participação em redes sociais ou outras estruturas sociais1010 Carrillo-Álvarez E, Riera RJ. Measuring social capital: further insights. Gac Sanit 2017; 31(1):57-61.. Dessa forma, o capital social encontra-se nas relações entre pessoas e grupos de pessoas, incluindo características da organização social, como confiança, normas e redes de relacionamento responsáveis por uma melhora da eficiência e da eficácia da sociedade1111 Putnam RD, Leonardi R, Nanetti RY. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press; 1993..

Na área da alimentação e nutrição, diferentes indicadores psicossociais têm sido associados ao estado nutricional nos diferentes ciclos da vida1212 Xin Y, Ren X. Social capital as a mediator through the effect of education on depression and obesity among the elderly in China. Int J Environ Res Public Health 2020; 17(11):3977.

13 Kamphuis CBM, Groeniger JO, Poelman MP, Beenackers MA, Lenthe FJ. How does bridging social capital relate to health-behavior, overweight and obesity among low and high educated groups? A cross-sectional analysis of GLOBE-2014. BMC Public Health 2019; 19:1635.
-1414 Duke NN, Borowsky IW, Pettingell SL. Parent perceptions of neighborhood: relationships with US youth physical activity and weight status. Matern Child Heal J 2012; 16(1):149-157., ao comportamento alimentar1515 Yang Y, Wang S, Chen L, Luo M, Xue L, Cui D, Mao Z. Socioeconomic status, social capital, health risk behaviors, and health-related quality of life among Chinese older adults. Health Qual Life Outcomes 2020; 18(1):291., além do consumo de alimentos1616 Loch MR, Souza RKT, Mesas AE, González AD, Rodriguez-Artalejo F. Associação entre capital social e autopercepção de saúde em adultos brasileiros. Rev Saude Publica 2015; 49:53.,1717 Johnson CM, Sharkey JR, Dean WR. Eating Behaviors and Social Capital are Associated with Fruit and Vegetable Intake Among Rural Adults. J Hunger Environ Nutr 2010; 5(3):302-315. e da dieta1818 Kritsotakis G, Chatzi L, Vassilaki M, Georgiou V, Kogevinas M, Philalithis AE, Koutis A. Social capital, tolerance of diversity and adherence to Mediterranean diet: the Rhea Mother-Child Cohort in Crete, Greece. Public Health Nutr 2015; 18(7):1300-1307.. Estudos apontam que maiores níveis de capital social estão associados ao maior consumo de alimentos considerados saudáveis (incluindo principalmente alimentos in natura e minimamente processados, como frutas, vegetais, verduras e hortaliças)1919 Litt JS, Soobader Mah-J, Turbin MS, Hale JW, Buchenau M, Marshall J. The influence of social involvement, neighborhood aesthetics, and community garden participation on fruit and vegetable consumption. Am J Public Health 2011; 101(8):1466-1473.,2020 Sorensen G, Stoddard AM, Dubowitz T, Barbeau EM, Bigby J, Emmons KM, Berkman LF, Peterson KE. The influence of social context on changes in fruit and vegetable consumption: results of the healthy directions studies. Am J Public Health 2007; 97(7):1216-1227., sendo que essa associação tende a ser mais evidente em mulheres do que em homens1717 Johnson CM, Sharkey JR, Dean WR. Eating Behaviors and Social Capital are Associated with Fruit and Vegetable Intake Among Rural Adults. J Hunger Environ Nutr 2010; 5(3):302-315.,2121 Lindström M, Hanson BS, Wirfält E, Ostergren PO. Socioeconomic differences in the consumption of vegetables, fruit and fruit juices. The influence of psychosocial factors. Eur J Public Health 2001; 11(1):51-59. O capital social também parece ter um efeito mediador, reduzindo as diferenças socioeconômicas de mulheres no consumo de frutas, por exemplo2121 Lindström M, Hanson BS, Wirfält E, Ostergren PO. Socioeconomic differences in the consumption of vegetables, fruit and fruit juices. The influence of psychosocial factors. Eur J Public Health 2001; 11(1):51-59.

Esses achados apontam uma importante influência do contexto social sobre os hábitos alimentares. Contudo, a relação entre capital social e padrão alimentar é escassa e ainda não explorada no cenário brasileiro, considerando-se a sua importância para políticas públicas sobre o consumo alimentar de coletividades no campo da saúde coletiva. Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo principal investigar a associação entre capital social e padrões alimentares de mulheres residentes em um município do Sul do Brasil. Espera-se que esta investigação possibilite um melhor entendimento e o avanço do conhecimento sobre a presente temática, considerando-se a sua natureza inédita de explorar a associação entre capital social e consumo alimentar no contexto brasileiro, utilizando-se de padrões alimentares. Os achados deste estudo visam contribuir na formulação de políticas públicas e estratégias de ação em saúde, alimentação e nutrição.

Métodos

Delineamento

Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, com uma amostra representativa de mulheres adultas, entre 20 e 69 anos de idade, residentes na área urbana do município de São Leopoldo, RS, Brasil. Esta pesquisa fez parte de um projeto maior realizado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos, entre fevereiro e outubro de 2015, intitulado “Condições de vida e saúde de mulheres adultas: estudo de base populacional no Vale do Rio dos Sinos”.

População do estudo

Mulheres de 20 a 69 anos residentes na zona urbana de São Leopoldo, município da região Metropolitana de Porto Alegre e localizado a 33 km da capital do estado do Rio Grande do Sul. São Leopoldo possui uma área de 102.738 km2 e, segundo estimativa do Censo 2010, uma população de 214.087 habitantes, com predomínio do sexo feminino (109.845)2222 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades@: São Leopoldo/RS [Internet]. [acessado 2020 nov 15]. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=431870&search=riogrande-do-sul|sao-leopoldo. Acessado em: 25 de novembro 2015
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. A densidade demográfica do município é de 2.060,31 habitantes/km2. No ano de 2010, o Índice de Desenvolvimento Humano do Município (IDHM) era de 0,739, classificado como alto e, superior ao índice do Brasil (0,727)2323 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Cidades: São Leopoldo/RS [Internet]. 2020. [acessado 2020 set 30]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=432200
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/...
.

Processo amostral

A amostragem deste estudo foi realizada por conglomerados, incluindo dois estágios. No primeiro foram sorteados, de forma sistemática, 45 dos 371 setores censitários de São Leopoldo, segundo o Censo de 2010, e no segundo, 36 domicílios em cada setor. Todas as mulheres que preenchiam os critérios de inclusão - morar no município e ter de 20 a 69 anos de idade - foram convidadas a participar. Foram excluídas do estudo mulheres que não residiam no domicílio sorteado, gestantes, aquelas em cadeira de rodas ou com membros inferiores imobilizados na semana anterior à entrevista e sem condições de responder ao questionário.

O cálculo amostral para o estudo maior foi realizado considerando vários desfechos que seriam investigados na pesquisa, sendo que o maior tamanho foi obtido para o desfecho “exame citopatológico atrasado” e a exposição “escolaridade”. O cálculo de tamanho de amostra necessário foi realizado considerando-se uma razão de risco de 2,0, nível de 95% de confiança, poder estatístico de 80% e razão de não exposto-exposto de 1:2. Ao valor obtido, acrescentaram-se 10% para eventuais perdas e recusas e 15% para controle de fatores de confusão, totalizando 1.281 mulheres. Para avaliar as associações entre os aspectos psicossociais com os padrões alimentares, a amostra obtida teve um poder de 70% ou mais para detectar como significativas razões de prevalência de 1,3 ou maiores para exposições que afetam de 33,6% a 78,0% da população, com um nível de 95% de confiança.

Coleta de dados

A coleta de dados foi obtida por meio de entrevistas presenciais conduzidas por entrevistadores. Um programa de treinamento foi realizado com o objetivo de padronizar a aplicação de questionários padronizados, pré-codificados e testados. A realização de um estudo-piloto foi aplicado em um setor censitário não incluído entre os sorteados para a pesquisa. A validade interna da mesma foi avaliada por meio do controle de qualidade efetuado em uma amostra aleatória de 10% das pessoas incluídas na pesquisa. O presente estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Protocolo 653.394, em 20/5/2014). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Avaliação do consumo alimentar (desfecho)

Os desfechos avaliados contemplaram três padrões alimentares (PAs): saudável, de risco e brasileiro. Esses PAs foram previamente identificados e publicados por Ternus et al.2424 Ternus DLuisa, Henn RL, Bairros F, Costa JS, Olinto MTA. Padrões alimentares e sua associação com fatores sociodemográficos e comportamentais: Pesquisa Saúde da Mulher 2015, São Leopoldo (RS). Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190026. em 2019. Os PAs foram obtidos por meio da aplicação de um questionário de frequência alimentar (QFA) com 82 itens alimentares consumidos nos últimos três meses. A frequência de consumo de cada alimento ou item se referia ao dia, semana ou mês. Essas informações foram transformadas em frequência-dia. Previamente à identificação dos PAs, verificou-se a frequência de consumo de cada item alimentar, sendo excluídos aqueles com consumo abaixo de 20%. Posteriormente, os itens alimentares foram incorporados em grupos, com base na composição nutricional, no uso culinário, na sazonalidade, na frequência de consumo e na forma como já se encontravam agrupados no QFA.

A derivação dos PAs foi realizada por meio da análise de componentes principais (ACP), incluindo uma adequada aplicabilidade do presente método (coeficiente de Kaiser-Mayer-Olkin ≥ 0,60) e suficiente correlação entre os itens (p < 0,001 para o teste de esfericidade de Bartlett). Os itens alimentares que apresentaram carga fatorial absoluta ≥ 0,30 foram considerados como contribuindo significativamente para um determinado fator (PA). Os PAs (saudável, de risco e brasileiro) foram obtidos e nomeados de acordo com o impacto dos alimentos na saúde ou segundo aspectos culturais dos grupos alimentares presentes e sua representatividade pelos valores de carga fatorial. O PA saudável apresentou o maior percentual de explicação da variância (11,6%), ou seja, foi o PA que melhor representou o consumo dessa população. Mais detalhes sobre os procedimentos e as análises para a obtenção dos respectivos PAs na presente população estão disponíveis em publicação anterior2424 Ternus DLuisa, Henn RL, Bairros F, Costa JS, Olinto MTA. Padrões alimentares e sua associação com fatores sociodemográficos e comportamentais: Pesquisa Saúde da Mulher 2015, São Leopoldo (RS). Rev Bras Epidemiol 2019; 22:e190026..

O PA saudável foi definido como aquele composto predominantemente por alimentos in natura e minimamente processados, como hortaliças verdes, frutas cítricas, hortaliças, frutas comuns, frutas de época, gordura vegetal, cereais integrais, suco natural, laticínios com baixo teor de gordura, peixes, oleaginosas e lentilha. O PA de risco foi definido como aquele composto predominantemente por alimentos processados e ultraprocessados como alimentos fritos, fast-food, panificados doces, chocolate e sorvete, maionese, embutidos, industrializados, lanches assados, churrasco, cremes com alto teor de gordura, refrigerantes/suco industrializado e ovos. Finalmente, o PA brasileiro foi definido como aquele composto predominantemente por alimentos típicos do prato tradicional brasileiro, com base em itens minimamente processados, como arroz branco, feijão, cereais refinados, massa, carnes fritas, farofa, carnes vermelhas, cereais integrais e oleaginosas.

Após a obtenção dos escores de consumo gerados para cada um dos PAs, estes foram divididos em percentis e categorizados em baixo consumo (< percentil 75) e alto consumo (≥ percentil 75), sendo que quanto mais alto o escore, maior a adesão de consumo ao padrão.

Avaliação dos aspectos psicossociais (exposição)

A exposição principal em estudo contemplou a avaliação de aspectos psicossociais (capital social), obtida por meio da aplicação da escala de eficácia coletiva de Sampson et al.2525 Sampson RJ, Raudenbush SW, Earls F. Neighborhoods and violent crime: A multilevel study of collective efficacy. Science 1997; 277(5328):918-924. Essa escala contempla um total de dez questões, incluindo afirmações que avaliam os constructos de controle social informal (cinco questões) e de coesão social (cinco questões).

O controle social informal se refere à capacidade de um grupo em regular os seus membros de acordo com os seus próprios princípios. As cinco questões desse constructo contemplam os seguintes aspectos: percepção dos entrevistados sobre a ajuda recebida de vizinhos em caso de acontecerem problemas na vizinhança, como adolescentes matando aula e perambulando pela rua, pichando paredes, muros ou prédios públicos, mostrando desrespeito a um adulto; de vizinhos ajudando em situações críticas como uma briga; e fechamento da unidade de saúde mais próxima. Já o constructo de coesão social diz respeito à confiança e à solidariedade entre os vizinhos. Assim, as cinco questões desse constructo contemplam a percepção em relação aos seguintes aspectos: se os vizinhos se ajudavam; se a vizinhança era unida e amigável; se as pessoas eram confiáveis; se davam-se umas com as outras; e se possuíam os mesmos valores.

As categorias de resposta para cada uma das questões foram obtidas por meio de uma escala do tipo Likert de 5 pontos. Por fim, um escore de eficácia coletiva foi obtido por meio do somatório das respostas do total das dez questões aplicadas. Similarmente, as respectivas respostas para as questões referentes aos constructos avaliados foram somadas de modo a construir os escores de controle social informal e de coesão social, respectivamente. Maiores escores representavam maiores níveis de percepção dos constructos avaliados. Os escores obtidos (variáveis numéricas contínuas) foram categorizadas em quartis, e posteriormente reclassificados em baixo (≤ percentil 25), médio (25 < percentil < 75) e alto (≥ percentil 75).

Variáveis explanatórias

Características demográficas, socioeconômicas e comportamentais foram utilizadas para caracterizar a amostra e para controle de possíveis fatores de confusão na análise multivariável. As características demográficas utilizadas foram: idade (20-29 anos; 30-39 anos; 40-49 anos; 50-59 anos; 60-69 anos), cor da pele autorreferida (branca; outras) e situação conjugal (com companheiro [casada/em união]; sem companheiro [solteira/separada/divorciada/viúva]). Entre as socioeconômicas foram consideradas: anos completos de estudo (< 4 anos; 4 a 7 anos; 8 a 10 anos; ≥ 11 anos) e classe econômica (A/B; C; D/E) classificada segundo o critério proposto pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), tendo como base a posse de determinados bens materiais, escolaridade do chefe da família e número de empregados2626 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de Classificação Econômica - 2015 [Internet]. 2015. [acessado 2020 set 30]. Disponível em: https://www.abep.org/criterio-brasil
https://www.abep.org/criterio-brasil...
.

As características comportamentais incluíram: hábito de fumar (nunca fumou; ex-fumante; fumante); consumo de álcool na última semana (não [sem consumo]; sim [consumo moderado/elevado]; e atividade física no lazer com base no IPAQ curto adaptado (suficientemente ativa [≥150 min./semana de atividade física moderada/vigorosa]; insuficientemente ativa [<150 min./semana atividade física moderada/vigorosa])2727 Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC, Braggion G. Questionário internacional de atividade física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ Fis Saude 2001; 6(2):5-18..

Análises estatísticas

A entrada dos dados foi efetuada no programa EpiData versão 3.1, com dupla digitação e posterior comparação. As variáveis numéricas foram descritas por média e desvio-padrão, e as variáveis categóricas por meio de frequências absolutas e relativas. Razões de prevalência (RPs) para as associações entre aspectos psicossociais e alto consumo (≥ percentil 75) dos padrões alimentares (PAs) foram obtidas por meio de regressão de Poisson2828 Barros AJD, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3(1):21., incluindo três modelos de análise2929 Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227.: Modelo I (análise não ajustada - bruta); Modelo II (análise ajustada para características demográficas e socioeconômicas); Modelo III (análise ajustada para o Modelo II e características comportamentais). As características demográficas, socioeconômicas e comportamentais que obtiveram associação com os desfechos (PAs), a um nível de significância < 20% (p < 0,20) na análise bruta, foram incluídas nos modelos multivariados como potenciais fatores de confusão.

Todas as análises foram realizadas no software Stata (StataCorp, College Station, TX, USA) versão 14.0, considerando um p-valor menor que 5% (p < 0,05) como estatisticamente significante.

Resultados

Das 1.281 mulheres inicialmente previstas, 11,9% não forneceram todos os dados necessários. Dessa forma, 1.128 mulheres foram consideradas e incluídas na análise final deste estudo. As médias de idade e anos de estudo foram de 43,4 anos (DP ± 13,9) e 8,7 anos (DP ± 3,9), respectivamente.

A Tabela 1 apresenta as características gerais da amostra, assim como as respectivas distribuições das prevalências de alto consumo dos padrões alimentares saudável, de risco e padrão brasileiro segundo características demográficas, socioeconômicas, comportamentais e de aspectos psicossociais. A amostra foi composta, em sua maioria, por mulheres de cor de pele branca (74,5%), que viviam com companheiro (63,8%) e de intermediária classe econômica (52,8%). Em relação às características comportamentais, a maior parte das mulheres investigadas eram não fumantes (58,6%), não consumidoras de bebida alcoólica (73,9%) e consideradas insuficientemente ativas (85,6%). Em relação aos aspectos psicossociais, observou-se que 18,9% da amostra foi classificada com alta eficácia coletiva (≥ percentil 75), enquanto 8,3% e 17,8% das mulheres reportaram um alto controle social informal e coesão social, respectivamente.

Tabela 1
Características gerais da amostra e prevalências de alto consumo (≥ percentil 75) dos padrões alimentares (PAs) saudável, de risco e brasileiro, conforme características demográficas, socioeconômicas, comportamentais e aspectos psicossociais em mulheres adultas do Sul do Brasil, 2015 (n = 1128).

Em relação ao consumo dos padrões alimentares, observou-se que a prevalência do alto consumo do padrão saudável foi crescente conforme a faixa etária e a escolaridade (associação diretamente proporcional), assim como maior probabilidade de adesão entre mulheres brancas e ex-fumantes (Tabela 1). Em relação ao alto consumo do padrão alimentar de risco, observou-se uma associação inversa com a idade. A prevalência do alto consumo deste padrão também foi maior conforme o aumento da escolaridade e entre aquelas que reportaram um consumo regular de bebida alcoólica.

Já o alto consumo do padrão alimentar brasileiro demonstrou associação inversa com o aumento da escolaridade e mais prevalente entre as mulheres com cor de pele não branca, que não consumiam regularmente bebida alcoólica e fumantes (Tabela 1).

Para a associação entre padrões alimentares e os aspectos psicossociais (exposição principal em estudo), verificou-se que as prevalências de alto consumo dos padrões alimentares saudável e comum brasileiro foram significativamente maiores entre as mulheres que reportaram maiores níveis de controle social informal, coesão social e eficácia coletiva (capital social). Contudo, resultados significativos não foram observados para o padrão alimentar de risco (Tabela 1). As razões de prevalências brutas (Modelo I) para as respectivas associações estão apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2
Razões de prevalências (RPs) brutas e ajustadas para a associação entre aspectos psicossociais e alto consumo (≥ percentil 75) dos padrões alimentares (PAs) saudável, de risco e brasileiro em mulheres adultas do Sul do Brasil, 2015 (n = 1.128).

Após ajuste para potenciais fatores de confusão (Modelo III), observou-se um efeito independente dos aspectos psicossociais (capital social) na adesão aos padrões alimentares saudável e comum brasileiro (Tabela 2).

Verificou-se uma probabilidade 44% maior para adesão ao padrão saudável (RP = 1,44; IC95%: 1,01-2,03; p = 0,040) e 71% maior para adesão ao padrão comum brasileiro (RP = 1,71; IC95%: 1,18-2,47; p = 0,004) entre as mulheres que relataram um maior nível de eficácia coletiva, quando comparadas às com baixo nível de eficácia coletiva. Entre os dois aspectos psicossociais avaliados e relacionados ao constructo de eficácia coletiva (capital social), observou-se uma maior magnitude de associação para o aspecto de controle social informal, comparado ao de coesão social (Tabela 2).

Discussão

O presente estudo buscou explorar a associação entre capital social e padrões alimentares (saudável, de risco e brasileiro) em mulheres adultas de 20 a 69 anos de idade, pertencentes a uma amostra representativa de base populacional, residentes no Sul do Brasil. Entre os principais achados, destaca-se que as mulheres com alto nível de capital social apresentaram um alto consumo dos padrões alimentares saudável e brasileiro. O efeito do capital no consumo dos padrões alimentares se mostrou independente, após ajuste para potenciais fatores de confusão. Resultados significativos não foram observados para a associação entre capital social e o consumo do padrão alimentar de risco (padrão não saudável).

O padrão alimentar saudável, identificado em nossa amostra, foi composto por frutas frescas, hortaliças, cereais integrais, oleaginosas e alimentos de origem animal com baixo teor de gordura. Essa composição se assemelha a outros achados na literatura sobre um consumo alimentar considerado saudável, sendo composta principalmente pela presença de frutas e vegetais99 Pattussi MP, Olinto MTA, Canuto R, Silva Garcez A, Paniz VM, Kawachi I. Workplace social capital, mental health and health behaviors among Brazilian female workers. Soc Psychiatr Epidemiol 2016; 51(9):1321-1330.,1616 Loch MR, Souza RKT, Mesas AE, González AD, Rodriguez-Artalejo F. Associação entre capital social e autopercepção de saúde em adultos brasileiros. Rev Saude Publica 2015; 49:53.,1919 Litt JS, Soobader Mah-J, Turbin MS, Hale JW, Buchenau M, Marshall J. The influence of social involvement, neighborhood aesthetics, and community garden participation on fruit and vegetable consumption. Am J Public Health 2011; 101(8):1466-1473.. Padrões alimentares considerados saudáveis também foram reportados por mulheres jovens e adultas de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil3030 Gimeno SGA, Mondini L, Moraes SA, Freitas ICM. Padrões de consumo de alimentos e fatores associados em adultos de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil: Projeto OBEDIARP. Cad Saude Publica 2011; 27(3):533-545.,3131 Arruda SPM, da Silva AAM, Kac G, Goldani MZ, Bettiol H, Barbieri MA. Socioeconomic and demographic factors are associated with dietary patterns in a cohort of young Brazilian adults. BMC Public Health 2014; 14:654.. Além disso, nossos achados corroboram outros estudos que observaram maior consumo alimentar saudável com o avanço da idade entre mulheres residentes da região do Vale do Brazos, Texas/EUA1717 Johnson CM, Sharkey JR, Dean WR. Eating Behaviors and Social Capital are Associated with Fruit and Vegetable Intake Among Rural Adults. J Hunger Environ Nutr 2010; 5(3):302-315., enquanto pessoas mais jovens de uma amostra de adultos libaneses tenderam a apresentar um padrão alimentar de risco77 Naja F, Nasreddine L, Itani L, Chamieh MC, Adra N, Sibai AM, Hwalla N. Dietary patterns and their association with obesity and sociodemographic factors in a national sample of Lebanese adults. Public Health Nutr 2011; 14(9):1570-1578., caracterizado pela presença de alimentos ultraprocessados ricos em sódio, açúcar e gorduras.

Esta pesquisa revelou uma maior probabilidade de adesão ao padrão alimentar saudável à medida que o nível de capital social era maior (controle social informal, coesão social, eficácia coletiva). Após ajustes para as características comportamentais e fatores sociodemográficos, mulheres com alto nível de coesão social e eficácia coletiva mantiveram maiores probabilidades de apresentar um consumo do padrão alimentar saudável. Nesse sentido, pesquisa conduzida por Johnson et al.1717 Johnson CM, Sharkey JR, Dean WR. Eating Behaviors and Social Capital are Associated with Fruit and Vegetable Intake Among Rural Adults. J Hunger Environ Nutr 2010; 5(3):302-315. na região do Vale do Brazos, Texas/EUA, em uma amostra majoritariamente feminina (74,7%), verificou que o maior consumo de frutas e vegetais estava associado positivamente ao gênero feminino e a maior capital social. Enquanto Xue e Cheng3434 Xue X, Cheng M. Social capital and health in China: exploring the mediating role of lifestyle. BMC Public Health 2017; 17:863. apontaram associação significativa entre o consumo alimentar saudável e a percepção de confiança e o relacionamento social na vizinhança em uma amostra nacionalmente representativa de chineses entre 16 e 102 anos de idade.

Observamos ainda que a maioria dos trabalhos publicados avaliaram o consumo de frutas ou frutas e vegetais como itens alimentares saudáveis no intuito de investigar a relação entre o consumo desses alimentos e o capital social em diferentes contextos sociais no Brasil99 Pattussi MP, Olinto MTA, Canuto R, Silva Garcez A, Paniz VM, Kawachi I. Workplace social capital, mental health and health behaviors among Brazilian female workers. Soc Psychiatr Epidemiol 2016; 51(9):1321-1330.,1616 Loch MR, Souza RKT, Mesas AE, González AD, Rodriguez-Artalejo F. Associação entre capital social e autopercepção de saúde em adultos brasileiros. Rev Saude Publica 2015; 49:53. e em outros países, como Estados Unidos1717 Johnson CM, Sharkey JR, Dean WR. Eating Behaviors and Social Capital are Associated with Fruit and Vegetable Intake Among Rural Adults. J Hunger Environ Nutr 2010; 5(3):302-315.,1919 Litt JS, Soobader Mah-J, Turbin MS, Hale JW, Buchenau M, Marshall J. The influence of social involvement, neighborhood aesthetics, and community garden participation on fruit and vegetable consumption. Am J Public Health 2011; 101(8):1466-1473.,2020 Sorensen G, Stoddard AM, Dubowitz T, Barbeau EM, Bigby J, Emmons KM, Berkman LF, Peterson KE. The influence of social context on changes in fruit and vegetable consumption: results of the healthy directions studies. Am J Public Health 2007; 97(7):1216-1227., Finlândia3333 Nieminen T, Prättälä R, Martelin T, Härkänen T, Hyyppä MT, Alanen E, Koskinen S. Social capital, health behaviours and health: a population-based associational study. BMC Public Health 2013; 13:613., China3434 Xue X, Cheng M. Social capital and health in China: exploring the mediating role of lifestyle. BMC Public Health 2017; 17:863., Suécia2121 Lindström M, Hanson BS, Wirfält E, Ostergren PO. Socioeconomic differences in the consumption of vegetables, fruit and fruit juices. The influence of psychosocial factors. Eur J Public Health 2001; 11(1):51-59, Japão3232 Motohashi K, Kaneko Y, Fujita K, Motohashi Y, Nakamura A. Interest in dietary pattern, social capital, and psychological distress: a cross-sectional study in a rural Japanese community. BMC Public Health 2013; 13:933. e Holanda1313 Kamphuis CBM, Groeniger JO, Poelman MP, Beenackers MA, Lenthe FJ. How does bridging social capital relate to health-behavior, overweight and obesity among low and high educated groups? A cross-sectional analysis of GLOBE-2014. BMC Public Health 2019; 19:1635.. Outros estudos contemplaram diferentes grupos alimentares, como fast-food e bebidas adoçadas1717 Johnson CM, Sharkey JR, Dean WR. Eating Behaviors and Social Capital are Associated with Fruit and Vegetable Intake Among Rural Adults. J Hunger Environ Nutr 2010; 5(3):302-315., carnes e água1313 Kamphuis CBM, Groeniger JO, Poelman MP, Beenackers MA, Lenthe FJ. How does bridging social capital relate to health-behavior, overweight and obesity among low and high educated groups? A cross-sectional analysis of GLOBE-2014. BMC Public Health 2019; 19:1635., além de frutas e vegetais.

O capital social identificado em nosso estudo foi mensurado a partir dos componentes de controle social informal, coesão social e eficácia coletiva. Tais aspectos psicossociais se referem à capacidade do grupo para aplicar normas sociais, expressar solidariedade e se envolver em ações coletivas2525 Sampson RJ, Raudenbush SW, Earls F. Neighborhoods and violent crime: A multilevel study of collective efficacy. Science 1997; 277(5328):918-924.. A percepção do indivíduo para situações que necessitem de auxílio de vizinhos e sua percepção de confiança, solidariedade e união por um objetivo comum tendem a revelar entendimentos compartilhados de um grupo1010 Carrillo-Álvarez E, Riera RJ. Measuring social capital: further insights. Gac Sanit 2017; 31(1):57-61.,1111 Putnam RD, Leonardi R, Nanetti RY. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University Press; 1993.. Essa dimensão cognitiva é comumente explorada nos estudos de capital social de forma isolada ou combinada com aspectos de dimensão estrutural, que por sua vez diz respeito às configurações e aos padrões das relações sociais estabelecidas3535 Moore S, Kawachi I. Twenty years of social capital and health research: a glossary. J Epidemiol Community Health 2017; 71(5):513-517..

Destaca-se que não localizamos estudos prévios que tenham avaliado o consumo de padrões alimentares identificados para determinada amostra como desfecho de interesse à exposição dos aspectos psicossociais (capital social), contudo, verificamos um estudo que investigou o interesse no consumo de um padrão alimentar considerado saudável3232 Motohashi K, Kaneko Y, Fujita K, Motohashi Y, Nakamura A. Interest in dietary pattern, social capital, and psychological distress: a cross-sectional study in a rural Japanese community. BMC Public Health 2013; 13:933.. Nessa pesquisa de Motohashi et al.3232 Motohashi K, Kaneko Y, Fujita K, Motohashi Y, Nakamura A. Interest in dietary pattern, social capital, and psychological distress: a cross-sectional study in a rural Japanese community. BMC Public Health 2013; 13:933., a reciprocidade entre os moradores de uma cidade rural no norte do Japão e o senso de pertencimento à comunidade foram os elementos de uma dimensão cognitiva do capital social utilizados para verificar a associação entre: interesse ao padrão alimentar considerado saudável, capital social e sofrimento psicológico. Enquanto Sorensen et al.2020 Sorensen G, Stoddard AM, Dubowitz T, Barbeau EM, Bigby J, Emmons KM, Berkman LF, Peterson KE. The influence of social context on changes in fruit and vegetable consumption: results of the healthy directions studies. Am J Public Health 2007; 97(7):1216-1227. utilizaram tanto a dimensão cognitiva quanto a estrutural para examinar a relação de fatores do contexto social e mudanças no consumo de frutas e vegetais a partir de dois ensaios clínicos randomizados, um desenvolvido com pacientes de um centro de saúde e outro entre trabalhadores de uma pequena empresa da área metropolitana de Boston/EUA. Ambos os estudos citados apontaram que o maior capital social estava associado ao consumo de alimentos saudáveis.

O padrão alimentar brasileiro, identificado na amostra deste estudo, foi composto por arroz branco, feijão, cereais refinados, massas, carnes fritas, farofa e carnes vermelhas. Tais alimentos são considerados típicos da culinária brasileira, inclusive na região Sul do país onde a pesquisa foi conduzida. Outros estudos nacionais em diferentes regiões do Brasil também identificaram composições alimentares semelhantes, evidenciadas principalmente pela presença de arroz e feijão, ainda que tenham denominado o padrão alimentar com outro nome66 Olinto MT, Willet WC, Gigante DP, Victora CG. Sociodemographic and lifestyle characteristics in relation to dietary patterns among young Brazilian adults. Public Health Nutr 2011; 14(1):150-159.,3131 Arruda SPM, da Silva AAM, Kac G, Goldani MZ, Bettiol H, Barbieri MA. Socioeconomic and demographic factors are associated with dietary patterns in a cohort of young Brazilian adults. BMC Public Health 2014; 14:654.,3636 Hoffmann M, Mendes KG, Canuto R, Garcez AS, Theodoro H, Rodrigues AD, Olinto MTA. Padrões alimentares de mulheres no climatério em atendimento ambulatorial no Sul do Brasil. Cien Saude Colet 2015; 20(5):1565-1574.

37 Selem SS, Castro MA, César CLG, Marchioni DML, Fisberg RM. Associations between dietary patterns and self-reported hypertension among Brazilian adults: a cross-sectional population-based study. J Acad Nutr Diet 2014; 114(8):1216-1222.
-3838 Sichieri R, Castro JFG, Moura AS. Fatores associados ao padrão de consumo alimentar da população brasileira. Cad Saude Publica 2003; 19(1):S47-S53.. Uma probabilidade 71% maior de adesão ao consumo deste padrão alimentar foi observado entre as mulheres com alto nível de capital social.

Uma hipótese para esse achado é de que os recursos gerados pelo capital social reforcem as características alimentares do contexto social marcado por hábitos alimentares tradicionais. Avaliar o consumo alimentar a partir da identificação de padrões alimentares tem se mostrado uma análise sensível às complexidades do contexto no qual os indivíduos estão inseridos, como fatores culturais, sociais, ambientais, demográficos e econômicos33 World Health Organization (WHO). Dieta, Nutrición y Prevención de Enfermedades Crónicas. Geneva: WHO; 2003.,44 Panagiotakos D. a-priori versus a-posterior methods in dietary pattern analysis: a review in nutrition epidemiology. Nutr Bull 2008; 33(4):311-315.,3939 Hu FB. Dietary pattern analysis: a new direction in nutritional epidemiology. Curr Opin Lipidol 2002; 13(1):3-9.. Em decorrência da especificidade desse padrão alimentar e da escassez de estudos sobre a temática do capital social no contexto nacional, estudos prévios sobre essa relação não foram identificados na literatura científica. Contudo, podemos considerar que a relação entre aspectos psicossociais e o consumo desse padrão alimentar pode perpassar os mesmos conceitos abordados anteriormente para a relação entre capital social e o padrão alimentar saudável, considerando-se que o consumo desse padrão pode ser considerado um marcador de consumo saudável.

Já o padrão alimentar de risco foi composto predominantemente por alimentos fritos, fast-food, panificados doces, chocolate e sorvete, maionese, embutidos, industrializados, lanches assados, churrasco, cremes com alto teor de gordura, refrigerantes e sucos em pó industrializados. Destaca-se que, no presente estudo, o consumo desse padrão alimentar não demonstrou associação significativa com o nível de capital social. Nesse sentido, esse achado vem a corroborar investigação anterior, conduzida com uma amostra de residentes da região do Vale do Brazos, Texas/EUA, em que também não se observou uma associação entre capital social com comportamentos alimentares de risco, incluindo o consumo de fast-food e bebidas açucaradas, por exemplo1717 Johnson CM, Sharkey JR, Dean WR. Eating Behaviors and Social Capital are Associated with Fruit and Vegetable Intake Among Rural Adults. J Hunger Environ Nutr 2010; 5(3):302-315..

Entre os dois aspectos psicossociais avaliados e relacionados ao constructo de capital social, uma maior magnitude de associação para o aspecto de controle social informal, comparado ao de coesão social, foi observado nas associações exploradas. O controle social informal se refere à capacidade de um grupo em regular os seus membros de acordo com os seus próprios princípios, enquanto coesão social diz respeito a confiança e solidariedade entre os vizinhos2525 Sampson RJ, Raudenbush SW, Earls F. Neighborhoods and violent crime: A multilevel study of collective efficacy. Science 1997; 277(5328):918-924.. Com base nessa diferença, pode-se aventar a hipótese de que os aspectos mais amplos relacionados ao controle social informal são os que propiciam atitudes que influenciam o consumo alimentar. Nesse sentido, Johnson et al.1717 Johnson CM, Sharkey JR, Dean WR. Eating Behaviors and Social Capital are Associated with Fruit and Vegetable Intake Among Rural Adults. J Hunger Environ Nutr 2010; 5(3):302-315. verificaram um maior consumo de frutas e vegetais em altos níveis de capital social, a partir de uma escala de dimensão extrafamiliar com base em questionamentos que verificavam, em parte, a atitude dos membros de um grupo em relação à intervenção em favor do mesmo.

O ponto forte deste estudo foi ter sido conduzido com base populacional, contemplando uma amostra representativa de mulheres adultas, e utilizado instrumentos previamente testados e validados para a obtenção dos níveis de presença do aspecto psicossocial investigado (capital social), assim como para a obtenção e definição dos padrões alimentares. Também foram realizadas análises multivariadas para a associação entre capital social e padrões alimentares, incluindo o controle para importantes fatores de confusão, o que reforça o rigor metodológico do presente estudo.

Contudo, algumas limitações devem ser destacadas e mencionadas. Uma limitação diz respeito ao seu delineamento, considerando que estudos com delineamento transversal são limitados quanto ao estabelecimento de relações causais. Assim como uma presença de causalidade reversa entre capital social e alto consumo do padrão alimentar também não pode ser totalmente descartada, considerando-se que tanto exposição quanto desfecho foram avaliados ao mesmo tempo. Nesse sentido, apesar de aspectos psicossociais desfavoráveis tenderem a alterar o consumo de um padrão alimentar, esses também poderiam ser apenas consequências do seu consumo. Dessa forma, estudos longitudinais tornam-se necessários para confirmar as relações identificadas neste estudo.

Outra possível limitação se refere à validade externa deste estudo; ou seja, este foi conduzido com uma amostra de mulheres residentes na área urbana de uma cidade da região Sul do Brasil. Nesse sentido, seus achados devem ser considerados para grupos populacionais semelhantes, principalmente em decorrência dessa amostra não ter incluído homens e não representar a população em geral. Considerando-se esses aspectos, tal limitação poderia ser superada por meio da realização de estudos de base populacional, incluindo homens e mulheres. Dessa forma, novos estudos poderiam contribuir para a melhor elucidação da presente temática, por meio da comparação da relação entre capital social e consumo alimentar entre residentes das áreas urbana e rural, por exemplo.

Em conclusão, o presente estudo revelou uma importante relação entre aspectos psicossociais e consumo alimentar. Mulheres com maiores níveis de capital social demonstraram um alto consumo de padrões alimentares saudáveis. Assim, nossos resultados sugerem que recursos produzidos no ambiente social com base na confiança, na identidade e no pertencimento tendem a contribuir de forma positiva para o consumo de alimentos considerados saudáveis. Nesse sentido, os achados deste estudo indicam que uma agenda de proposição de estratégias, ações e políticas públicas de alimentação e nutrição para promoção da saúde e prevenção de doenças na população deveria considerar a melhoria dos aspectos psicossociais, tanto no nível individual quanto coletivo.

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  • Financiamento

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Processo n. 457235/2014-4).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Jul 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2022
  • Aceito
    10 Nov 2022
  • Publicado
    12 Nov 2022
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br