Consumo abusivo de álcool em idosos com diabetes mellitus tipo 2 da atenção primária à saúde: um estudo transversal

Rinaldo Eduardo Machado de Oliveira Lívia Maria Ferrante Vizzotto Consoli Anelize Roveri Arcanjo Godoy Laercio Joel Franco Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se analisar o consumo abusivo de álcool em idosos com diabetes mellitus tipo 2 da atenção primária à saúde. Trata-se de um estudo transversal com coleta de dados domiciliar, realizado no período de março a outubro de 2018, na Estratégia Saúde da Família de Ribeirão Preto, São Paulo. Os dados foram obtidos por entrevistas face a face com aplicação de um formulário. O padrão de consumo de álcool foi estimado pelo Alcohol Use Disorders Identification Test-C. Participaram 338 idosos com diabetes mellitus tipo 2, sendo que 19,2% (IC95% 15,0-23,4) consumiam álcool abusivamente. Entre eles, observou-se maior frequência do sexo masculino (63,1%), faixa etária entre 60 e 64 anos (35,4%), classe econômica C (49,2%), escolaridade de 1 a 4 anos (53,8%) e multimorbidade (92,3%). Verificou-se a associação negativa entre consumo abusivo de álcool e adesão à farmacoterapia (RP = 0,55; IC95% 0,36-0,86). A frequência do consumo abusivo de álcool, bem como a não adesão ao tratamento medicamentoso entre aqueles com padrão de consumo elevado mostrou-se preocupante, uma vez que pode conduzir a complicações do diabetes. Logo, salienta-se a importância do cuidado multidimensional ao idoso e a educação em saúde na atenção primária.

Introdução

O diabetes mellitus (DM) é uma das principais doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), caracterizada pela etiologia multifatorial e complexa, com alterações na produção/secreção de insulina pelas células beta pancreáticas11 Rodacki M, Teles M, Gabbay M, Montenegro R, Bertoluci M. Classificação do diabetes. Diretriz Oficial da Sociedade Brasileira de Diabetes [Internet]. 2022. [acessado 2022 ago 3]. Disponível em: https://diretriz.diabetes.org.br/classificacao-do-diabetes
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. No Brasil, em 2019, estimou-se que 20,2% das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos apresentavam diagnóstico médico para essa doença22 Malta DC, Bernal RTI, Nogueira de Sá ACMG, Silva TMR, Iser BPM, Ducan BB, Schimdt MI. Diabetes autorreferido e fatores associados na população adulta brasileira: Pesquisa Nacional de Saúde, 2019. Cien Saude Colet 2022; 27(7):2643-2653..

O DM é um notável problema de saúde pública e uma condição sensível à atenção primária (CSAP)33 Alfradique ME, Bonolo PF, Dourado I, Lima-Costa MF, Macinko J, Mendonça CS, Oliveira VB, Sampaio LF, Simoni CD, Turci MA. Internações por condições sensíveis à atenção primária: a construção da lista brasileira como ferramenta para medir o desempenho do sistema de saúde (Projeto ICSAP - Brasil). Cad Saude Publica 2009; 25(6):1337-1349.. Logo, almeja-se que ações de promoção à saúde, rastreamento, controle da doença, prevenção de agravos e reabilitação ocorram na atenção primária à saúde (APS)44 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMGV. Primary care for diabetes mellitus patients from the perspective of the care model for chronic conditions. Rev Latino Am Enferm 2017; 25:e2882.. No país, há linhas de cuidado às DCNTs, sendo uma delas destinada ao DM. Por meio dessa iniciativa, pretende-se executar estratégias relacionadas a hábitos alimentares, prática regular de exercícios físicos e uso de medicamentos, bem como a autogestão da doença55 Ministério da Saúde (MS). Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: diabetes mellitus. Brasília: MS; 2013..

No cuidado integral às pessoas com DM na APS, o consumo de álcool torna-se algo preocupante, especialmente entre os idosos66 Luis MAV, Garcia MVL, Barbosa SP, Lima DWC. O uso de álcool entre idosos atendidos na Atenção Primária à Saúde. Acta Paul Enferm 2018; 31(1):46-53.. O uso de bebidas alcoólicas pode ocasionar hipoglicemia ou hiperglicemia, que podem ocasionar complicações. Além disso, sabe-que o álcool pode interferir na ação dos medicamentos, conduzir ao aumento da pressão arterial sistêmica, a cirrose hepática e quedas. Outras consequências podem ser listadas, como prejuízos no comportamento global e déficits no funcionamento cognitivo e intelectual77 Schrieks IC, Heil ALJ, Hendriks HFJ, Mukamal KJ, Beulens JWJ. The effect of alcohol consumption on insulin sensitivity and glycemic status: a systematic review and meta-analysis of intervention studies. Diabetes Care 2015; 38(4):723-732.,88 Mudd J, Larkins S, Watt K. The impact of excess alcohol consumption on health care utilisation in regional patients with chronic disease - a retrospective chart audit. Aust N Z J Public Health 2020; 44(6):457-461..

Reconhece-se que o uso de álcool favorece o desenvolvimento de complicações agudas e crônicas relacionadas ao DM66 Luis MAV, Garcia MVL, Barbosa SP, Lima DWC. O uso de álcool entre idosos atendidos na Atenção Primária à Saúde. Acta Paul Enferm 2018; 31(1):46-53.

7 Schrieks IC, Heil ALJ, Hendriks HFJ, Mukamal KJ, Beulens JWJ. The effect of alcohol consumption on insulin sensitivity and glycemic status: a systematic review and meta-analysis of intervention studies. Diabetes Care 2015; 38(4):723-732.
-88 Mudd J, Larkins S, Watt K. The impact of excess alcohol consumption on health care utilisation in regional patients with chronic disease - a retrospective chart audit. Aust N Z J Public Health 2020; 44(6):457-461.. Contudo, cabe refletir sobre esta prática e os possíveis impactos no processo saúde-doença a fim de efetivar ações que possibilitem a redução de danos e favoreçam o controle do DM sob uma perspectiva multidimensional. Assim, o objetivo deste artigo é analisar o consumo abusivo de álcool em idosos com DM tipo 2 (DM2) na APS.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal conduzido na Estratégia Saúde da Família (ESF) de Ribeirão Preto, São Paulo, de março a outubro de 201899 Oliveira REM, Franco LJ. Glycemic control in elderly people with type 2 diabetes mellitus attending primary health care units. Primary Care Diabetes 2021; 15(4):733-736.. Foram incluídos idosos (idade igual ou superior a 60 anos), do sexo masculino ou feminino, com diagnóstico médico de DM2 independente da duração, em uso contínuo de medicamentos para o tratamento da doença e cadastrados nas equipes da ESF selecionadas para o estudo. Excluíram-se os idosos com déficit cognitivo registrado no prontuário de saúde, acamados e/ou dependentes de cuidadores, bem como com histórico de cirurgias ou hospitalizações nos três meses anteriores à pesquisa. Além disso, os idosos que usavam medicamentos para o tratamento do DM2 e interromperam nos sete dias precedentes à entrevista para realização de exames diagnósticos ou alguma outra orientação médica não foram incluídos.

A amostra foi calculada considerando a frequência de idosos com DM2 e a adesão ao tratamento medicamentoso em 50%1010 World Health Organization (WHO). Adherence to long-term therapies: evidence for action. Genebra: WHO; 2003.. Optou-se por um erro absoluto tolerável de 5% e coeficiente de confiança de 95%. No planejamento do estudo, a cobertura da ESF era de 22,4% e havia 2.766 idosos com DM2 cadastrados1111 Prefeitura de Ribeirão Preto, São Paulo. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2014-2017 [Internet]. 2013. [acessado 2022 ago 3]. Disponível em: https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/files/ssaude/pdf/pms-rp-2014-2017.pdf
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. A partir dessas informações, calculou-se 338 participantes. Realizou-se a amostragem aleatória por conglomerados em duas etapas. Inicialmente, foram sorteados 16 conglomerados entre os 45 agrupamentos (equipes da ESF). Em seguida, por meio de amostragem aleatória simples, elencou-se o número de participantes proporcionalmente à frequência de idosos com DM2.

A variável dependente, padrão de consumo do álcool, foi mensurada pelo Alcohol Use Disorders Identification Test-C (AUDIT-C)1212 Bush K, Kivlahan DR, McDonell MB, Fihn SD, Bradley KA. The AUDIT alcohol consumption questions (AUDIT-C): an effective brief screening test for problem drinking. Ambulatory Care Quality Improvement Project (ACQUIP). Alcohol Use Disorders Identification Test. Arch Intern Med 1998; 158(16):1789-1795., validado no Brasil1313 Meneses-Gaya C, Zuardi AW, Loureiro SR, Marques JMA, Crippa JA. Is the full version of the AUDIT really necessary? Study of the validity and internal construct of its abbreviated. Alcohol Clin Exp Res 2010; 34(8):1417-1424., constituído por três itens, sendo que cada um deles tinham cinco opções de respostas com pontos atribuídos de 0 a 4. O escore final foi obtido em uma escala que varia de 0 a 12 pontos. Nos homens, uma pontuação de 4 ou mais é considerada positiva para o consumo abusivo de álcool. Ao passo que, nas mulheres, uma pontuação de 3 ou mais é considerada positiva.

As variáveis independentes foram: sexo (masculino e feminino), faixa etária (60 a 64, 65 a 69, 70 a 74, 75 a 79 e igual ou superior a 80 anos), classificação econômica (A, B, C, D/E)1414 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de Classificação Econômica Brasil 2018. São Paulo: ABEP; 2018., escolaridade (0, 1 a 4 e igual ou superior a 5 anos completos de estudo), uso de tabaco autorreferido (sim ou não), multimorbidade sendo a ocorrência simultânea de duas ou mais DCNTs1515 Salive ME. Multimorbidity in older adults. Epidemiol Rev 2013; 35(1):75-83. (sim ou não), doença cardiovascular autorreferida (sim ou não), dislipidemia autorreferida (sim ou não), excesso de peso/obesidade autorreferida (sim ou não), sofrimento emocional em viver com o DM21616 Gross CC, Scain SF, Scheffel R, Gross JL, Hutz CS. Brazilian version of the problem areas in diabetes scale (B-PAID): validation and identification of individuals at high risk for emotional distress. Diabetes Res Clin Pract 2007; 76(3):455-459. (sim ou não), complicações consequentes do DM2 (sim ou não), adesão à farmacoterapia1717 Ben AJ, Neumann CR, Mengue SS. Teste de Morisky-Green e Brief Medication Questionnaire para avaliar adesão a medicamentos. Rev Saude Publica 2012; 46(2):279-289. (sim ou não), medicamentos usados para o DM2 (apenas antidiabético oral, apenas insulina, antidiabético coral e insulina), controle glicêmico estabelecido com hemoglobina glicada menor que 8,0%1818 Almeida-Pititto B, Dias ML, Moura FF, Lamounier R, Vencio S, Calliari LE. Metas no tratamento do diabetes [Internet]. 2022. [acessado 2022 ago 3]. Disponível em: https://diretriz.diabetes.org.br/metas-no-tratamento-do-diabetes
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(sim ou não). O cálculo da carga tabágica (maços/ano) deu-se pelo número de cigarros consumidos por dia, dividido por 20 e multiplicado pelo número de anos de tabagismo1919 Gouveia TS, Trevisan IB, Santos CP, Silva BSA, Ramos EMC, Proença M, Ramos D. Smoking history: relationships with inflammatory markers, metabolic markers, body composition, muscle strength, and cardiopulmonary capacity in current smokers. J Bras Pneumol 2020; 46(5):e20180353..

O banco de dados foi investigado empregando-se o software R. Na análise exploratória foram apresentadas frequências absolutas e relativas. As possíveis associações foram verificadas por meio do teste qui-quadrado de Pearson. Os valores p menores do que o nível de significância adotado (0,05) trouxeram evidência de associação. Para estimar a força de associação entre a variável dependente e as variáveis independentes foi apresentado uma medida de associação com o respectivo intervalo de confiança 95% (IC95%) e o valor p. As razões de prevalência (RP) foram calculadas pelo método de regressão de Poisson com variância robusta, brutas e ajustadas segundo sexo e faixa etária.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola “Dr. Joel Domingos Machado”, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, com o parecer no 2.487.864 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética no 82225317.0.0000.5414. As entrevistas foram realizadas após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes. Todos os aspectos éticos foram respeitados, conforme a resolução no 466, de 2012, do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Entre os participantes do estudo, estimou-se que 19,2% (IC95% 15,0-23,4) apresentavam consumo abusivo de álcool. Nesse grupo, observou-se maior frequência entre os homens, faixa etária entre 60 e 64 anos, classe econômica C, escolaridade de um a quatro anos, que não usavam tabaco, autorreferiram duas ou mais DCNTs, relataram ter doença cardiovascular, usavam apenas antidiabético oral e sem adesão à farmacoterapia (Tabela 1). A média da carga tabágica entre aqueles que consumiam álcool de forma abusiva foi de 43 maços/ano (DP = 16,9).

Tabela 1
Características sociodemográficas, econômicas e clínicas dos idosos com DM2 conforme o consumo abusivo de álcool. APS, Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2018 (n=338).

Nos itens do AUDIT-C, verificou-se que 76,9% dos idosos salientaram nunca consumir bebida alcoólica, ao passo que 5,6% consumiam quatro ou mais vezes por semana (Figura 1a). Observou-se que 8,0% explicitaram consumir quatro ou cinco doses de álcool em um dia normal (Figura 1b). Já a frequência do consumo de cinco ou mais doses em uma única ocasião foi de 5,3% uma vez por semana (Figura 1c).

Figura 1
Painel com as frequências dos itens do AUDIT-C12,13 - a) frequência do consumo de bebida alcoólica; b) frequência do consumo de doses de álcool em um dia normal; c) frequência do consumo de cinco ou mais doses em uma única ocasião.

Nas RPs ajustadas por sexo e idade do consumo abusivo de álcool entre idosos com DM2 (Tabela 2), contatou-se associação negativa com a adesão à farmacoterapia RP = 0,55 (IC95% 0,36-0,86) e o uso de antidiabético oral e insulina RP = 0,45 (IC95% 0,21-0,96).

Tabela 2
Razões de prevalência brutas e ajustas (por sexo e faixa etária) do consumo abusivo de álcool entre idosos com DM2, segundo variáveis sociodemográficas, econômicas e clínicas. APS, Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2018.

Discussão

Há controvérsias na literatura científica acerca do consumo leve e moderado do álcool destinado à melhoria da sensibilidade à insulina e controle glicêmico77 Schrieks IC, Heil ALJ, Hendriks HFJ, Mukamal KJ, Beulens JWJ. The effect of alcohol consumption on insulin sensitivity and glycemic status: a systematic review and meta-analysis of intervention studies. Diabetes Care 2015; 38(4):723-732.,2020 Huang J, Wang X, Zhang Y. Specific types of alcoholic beverage consumption and risk of type 2 diabetes: a systematic review and meta-analysis. J Diabetes Investig 2017; 8(1):56-68.. Entretanto, a frequência do consumo abusivo na amostra estudada mostra-se preocupante, especialmente pela associação com a baixa adesão ao tratamento medicamentoso. A carga do diabetes no Brasil, concatenada ao consumo abusivo de álcool, deve nortear as ações clínicas e de saúde pública com foco em uma abordagem multidimensional aos idosos com DM2 na APS2121 American Diabetes Association. Improving Care and Promoting Health in Populations: Standards of Medical Care in Diabetes-2022. Diabetes Care 2022; 45(Suppl. 1):S8-S16..

A Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, realizada entre agosto de 2019 e março de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em parceria com o Ministério da Saúde, estimou que 3,8% (IC95% 3,3-4,3) das pessoas que autorreferiram viver com diabetes apresentavam consumo abusivo de bebidas alcoólicas22 Malta DC, Bernal RTI, Nogueira de Sá ACMG, Silva TMR, Iser BPM, Ducan BB, Schimdt MI. Diabetes autorreferido e fatores associados na população adulta brasileira: Pesquisa Nacional de Saúde, 2019. Cien Saude Colet 2022; 27(7):2643-2653.. Já estudo feito com pessoas de 45 anos ou mais de idade com diagnóstico médico de diabetes de Belo Horizonte, Minas Gerais, evidenciou que 17,7% (IC95% 11,1-24,2) das pessoas atendidas pela ESF consumiam álcool de modo abusivo2222 Silva SS, Mambrini JVM, Turci MA, Macinko J, Lima-Costa MF. Uso de serviços de saúde por diabéticos cobertos por plano privado em comparação aos usuários do Sistema Único de Saúde no Município de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2016; 32(10):e00014615.. Salienta-se que há diferenças nas amostras estudadas e que foram empregadas técnicas distintas de mensuração, contudo, neste estudo, foi verificada maior frequência.

Outros achados importantes se referem à maior frequência do consumo abusivo de álcool entre os homens com idade próxima aos 60 anos e de baixa renda e escolaridade. Nesse cenário, destaca-se a importância de executar a integralidade do cuidado em diabetes na APS com valorização dos determinantes sociais que podem influenciar no processo de saúde-doença2323 Lang VB, Markovic BB, Vrdoljak D. The association of lifestyle and stress with poor glycemic control in patients with diabetes mellitus type 2: a Croatian nationwide primary care cross-sectional study. Croat Med J 2015; 56(4):357-365.. Há indícios científicos que recomendam a educação em saúde e intervenções breves destinadas à redução do consumo de álcool2424 Pereira MO, Anginoni BM, Ferreira NC, Oliveira MAF, Varhar D, Colvero LA. Efetividade da intervenção breve para o uso abusivo de álcool na atenção primária: revisão sistemática. Rev Bras Enferm 2013; 66(3):420-428.. Logo, cabe a reflexão do processo de implementação na APS, bem como dos resultados clínicos, humanísticos e econômicos obtidos por meio dessas estratégias.

Notou-se que 20% dos idosos que consumiam álcool de maneira abusiva usavam tabaco, tal característica é um ponto de atenção, especialmente pelo conhecido fator de risco para as doenças cardiovasculares2525 Gaidhane S, Khatib N, Zahiruddin QS, Bang A, Choudhari S, Gaidhane A. Cardiovascular disease risk assessment and treatment among person with type 2 diabetes mellitus at the primary care level in rural central India. J Family Med Prim Care 2020; 9(4):2033-2039.. Além disso, estudos salientaram que o tabaco pode acelerar as complicações microvasculares decorrentes do diabetes, que são provocadas por danos hiperglicêmicos aos pequenos vasos sanguíneos2626 Strelitz J, Ahern AL, Long GH, Boothby CE, Wareham NJ, Griffin SJ. Changes in behaviors after diagnosis of type 2 diabetes and 10-year incidence of cardiovascular disease and mortality. Cardiovasc Diabetol 2019; 18(1):98.. Assim, destaca-se a importância do incentivo aos programas de cessação do tabaco na APS, que são norteados por ações, conforme as singularidades das pessoas, de âmbito comportamental, tratamento medicamentoso e emprego de práticas integrativas e complementares por equipes multiprofissionais2727 Santos MDV, Santos SV, Caccia-Bava MCGG. Prevalência de estratégias para cessação do uso do tabaco na Atenção Primária à Saúde: uma revisão integrativa. Cien Saude Colet 2019; 24(2):563-572..

As múltiplas DCNTs associadas ao DM2, conhecidas como multimorbidade, mostraram-se frequentes entre os idosos com consumo abusivo de álcool. Um aspecto a ser analisado pelas equipes de saúde é o grau de funcionalidade do idoso com DM2 e as possíveis limitações em suas atividades de vida diária e lazer. Além disso, a ação hipoglicemiante do álcool pode conduzir a disfunções no organismo e aumentar o risco de quedas. Logo, faz-se necessário o incentivo à autogestão da doença a fim de evitar os danos2828 Melo LA, Lima KC. Fatores associados às multimorbidades mais frequentes em idosos brasileiros. Cien Saude Colet 2020; 25(10):3879-3888..

A não adesão à farmacoterapia entre os idosos que faziam consumo abusivo do álcool é um ponto de alerta na amostra estudada. Ressalta-se que o uso responsável dos medicamentos prescritos para DM2 contribui para o controle da doença, ao passo que o uso inadequado ou irregular pode levar a agravantes como alterações glicêmicas e metabólicas2929 Oliveira REM, Ueta JM, Franco LJ. Variables associated with adherence to the treatment of type 2 diabetes mellitus among elderly people. Diabetol Int 2021; 13(1):160-168.. Nesse sentido, são sugeridas ações individuais e coletivas na APS. Recomenda-se a elaboração e execução de projetos terapêuticos singulares que envolvam a família e a comunidade para auxiliar os idosos no manejo dos medicamentos, bem como o acompanhamento periódico dos agentes comunitários de saúde e demais profissionais3030 Khayyat SM, Mohamed MMA, Khayyat SMS, Hyat Alhazmi RS, Korani MF, Allugmani EB, Saleh SF, Mansouri DA, Lamfon QA, Beshiri OM, Abdul Hadi M. Association between medication adherence and quality of life of patients with diabetes and hypertension attending primary care clinics: a cross-sectional survey. Qual Life Res 2019; 28(4):1053-1061..

Há limitações inerentes ao modelo deste estudo. Além disso, acredita-se que a frequência do consumo de álcool foi subestimada na amostra, visto que, em inquéritos epidemiológicos, pode ocorrer o não relato autêntico dos aspectos comportamentais que influenciam na saúde. Mas esta investigação mostra o padrão de consumo de álcool em idosos com uma doença de alto impacto e contribui para subsidiar as discussões relacionadas ao tema. Logo, faz-se necessário o aprimoramento das intervenções breves e precoces na APS com foco na educação em diabetes a fim de reduzir o consumo abusivo de álcool em idosos e garantir o melhor controle da doença com qualidade de vida.

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  • Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2022
  • Aceito
    17 Abr 2023
  • Publicado
    03 Maio 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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