Condições de trabalho e saúde mental de agentes comunitários de saúde na pandemia de COVID-19

Tatiana Fróes Fernandes Clara Cynthia Melo e Lima Patrick Leonardo Nogueira da Silva Luiza Augusta Rosa Rossi-Barbosa Lucineia de Pinho Antônio Prates Caldeira Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste estudo foi analisar a prevalência de ansiedade e depressão associada às condições de trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS) no contexto da pandemia de COVID-19. Estudo transversal, realizado no norte de Minas Gerais. Foi aplicado um questionário que abordava condições sociodemográficas, domínio de tecnologias e condições de trabalho durante a pandemia, além do Inventário de Ansiedade Traço-Estado e do Patient Health Questionnare-9 (PHQ-9). Foram realizadas análises descritivas e de regressão múltipla de Poisson com variância robusta, considerando um nível de significância de 5% (p < 0,05) para o modelo final. Participaram do estudo 1.220 ACS de 36 municípios. A prevalência foi de 41,8% e 31,6% para ansiedade e depressão, respectivamente, e 22,5% para ambas as condições. O sexo feminino, idade até 40 anos, ter mais de 500 usuários cadastrados para acompanhamento e oferta inadequada de equipamentos de proteção individual estiveram associados à ansiedade e à depressão. Registrouse uma elevada prevalência de ansiedade e depressão entre ACS no período da pandemia, com destaque para as condições de trabalho entre os fatores associados.

Palavras-chave:
Agente comunitário de saúde; Atenção primária à saúde; Saúde ocupacional; COVID-19

Introdução

A prevenção e o controle de uma epidemia requerem uma abordagem focada nas populações, visando protegê-las do contágio a partir da detecção precoce de sintomas, rastreamento de contatos, isolamento, tratamento e reabilitação dos afetados, com prioridade para pessoas desfavorecidas e grupos sociais vulneráveis11 Giovanella L, Vega R, Silva HT, Ramirez NA, Lezcano MP, Rios G, Iturrieta D, Almeida PF, Feo O. Es la atención primaria de salud integral parte de la respuesta a la pandemia de COVID-19 en Latinoamérica? Trab Educ Saude 2021; 19:e00310142.. Sendo assim, a atenção primária à saúde (APS) desempenha papel essencial ao enfrentamento da COVID-19. No Brasil, a operacionalização da APS por meio da Estratégia Saúde da Família (ESF), com suas equipes multiprofissionais e enfoque comunitário e territorial, tem potencial para atuar na abordagem comunitária necessária ao enfrentamento da epidemia22 Giovanella L, Martufi V, Mendoza DCR, Mendonça MHM, Bousquat A, Aquino R, Medina MG. A contribuição da Atenção Primária à Saúde na rede SUS de enfrentamento à COVID-19. Saude Debate 2020; 44(4):161-176.,33 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, Mendonça MHM, Aquino R. Atenção primária à saúde em tempos de COVID-19: o que fazer? Cad Saude Publica 2020; 36(8):e00149720..

Enquanto profissional integrante das equipes da ESF, o agente comunitário de saúde (ACS) destaca-se por atuar na promoção, prevenção e controle de agravos, reforçando o atributo derivado da APS denominado orientação comunitária33 Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, Mendonça MHM, Aquino R. Atenção primária à saúde em tempos de COVID-19: o que fazer? Cad Saude Publica 2020; 36(8):e00149720.. Estudos sugerem que os ACS podem ajudar no fortalecimento da APS, promovendo a aproximação entre as comunidades e o sistema de saúde, estimulando o comportamento de busca de saúde e garantindo que os pacientes recebam cuidados preventivos em suas próprias comunidades11 Giovanella L, Vega R, Silva HT, Ramirez NA, Lezcano MP, Rios G, Iturrieta D, Almeida PF, Feo O. Es la atención primaria de salud integral parte de la respuesta a la pandemia de COVID-19 en Latinoamérica? Trab Educ Saude 2021; 19:e00310142.,44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Adequação das ações dos agentes comunitários de saúde frente à situação epidemiológica atual referente ao COVID-19 [Internet]. 2020. [acessado 2022 jan 10]. Disponível em: https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2020/04/20200403_recomendacoes_ACS_COVID19_ver002_final_b.pdf
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,55 Maciel FBM, Santos HLPC, Carneiro RAS, Souza EA, Prado NMBL, Teixeira CFS. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de COVID-19. Cien Saude Colet 2020; 25(Supl. 2):4185-4195..

No Brasil, a falta de definição do escopo de atuação dos ACS, com a constante ampliação das suas atribuições, tem sido um assunto muito discutido66 Alonso CMC, Béguin PD, Duarte FJCM. Trabalho dos agentes comunitários de saúde na Estratégia Saúde da Família: metassíntese. Rev Saude Publica 2018; 52:14.

7 Alonso CMC, Béguin PD, Pueyo V, Duarte FJCM. Agente comunitário de saúde: um mundo profissional em busca de consolidação. Physis 2021; 31(1):e310129.

8 Riquinho DL, Pellini TV, Ramos DT, Silveira MR, Santos VCF. O cotidiano de trabalho do agente comunitário de saúde: entre a dificuldade e a potência. Trab Educ Saude 2018; 16(1):163-182.
-99 Lopes DMQ, Lunardi Filho WD, Beck CLC, Coelho APF. Cargas de trabalho do Agente Comunitário de Saúde: pesquisa e assistência na perspectiva convergente-assistencial. Texto Contexto Enferm 2018; 27(4):e3850017., sendo apontado como um dos fatores que fragiliza a sua atuação dentro do território1010 Castro TA, Davoglio RS, Nascimento AAJ, Santos KJS, Coelho GMP, Lima KSB. Agentes Comunitários de Saúde: perfil sociodemográfico, emprego e satisfação com o trabalho em um município do semiárido baiano. Cad Saude Colet 2017; 25(3):294-301.

11 Scott K, Beckham SW, Gross M, Pariyo G, Rao KD, Cometto G, Perry HB. What do we know about community-based health worker programs? A systematic review of existing reviews on community health workers. Hum Resour Health 2018; 16:39.
-1212 Soares AN, Silva TL, Franco AAAM, Maia TF. Cuidado em saúde às populações rurais: perspectivas e práticas de agentes comunitários de saúde. Physis 2020; 30(3):e300332.. Durante a pandemia, essa situação pode ter sido agravada, dada a necessidade de reorganização do processo de trabalho desses profissionais44 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Adequação das ações dos agentes comunitários de saúde frente à situação epidemiológica atual referente ao COVID-19 [Internet]. 2020. [acessado 2022 jan 10]. Disponível em: https://www.conasems.org.br/wp-content/uploads/2020/04/20200403_recomendacoes_ACS_COVID19_ver002_final_b.pdf
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, particularmente em decorrência da elevada taxa de transmissão, morbidade e mortalidade do coronavírus55 Maciel FBM, Santos HLPC, Carneiro RAS, Souza EA, Prado NMBL, Teixeira CFS. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de COVID-19. Cien Saude Colet 2020; 25(Supl. 2):4185-4195.. Além disso, as medidas de distanciamento social também podem ter consequências indesejadas, como isolamento, solidão, mudanças abruptas nos hábitos diários, desemprego e insegurança financeira1313 Vatansever D, Wang S, Sahakian BJ. Covid-19 and promising solutions to combat symptoms of stress, anxiety and depression. Neuropsychopharmacology 2021; 46(1):217-218.. Todas essas novas demandas, sejam laborais ou sociais, podem ocasionar intenso sofrimento psíquico, que se expressam em transtornos de ansiedade, distúrbios do sono, depressão, medo de adoecer e de contaminar colegas e familiares, entre outros1414 Teixeira CFS, Soares CM, Souza EA, Lisboa ES, Pinto ICM, Andrade LR, Espiridiao MA. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de Covid- 19. Cien Saude Colet 2020; 25(9):3465-3474..

As mudanças ocasionadas pela COVID-19 influenciaram diretamente na dinâmica e na relação entre os elementos que compõem o processo de trabalho dos ACS, alterando a prestação do cuidado em saúde para a comunidade55 Maciel FBM, Santos HLPC, Carneiro RAS, Souza EA, Prado NMBL, Teixeira CFS. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de COVID-19. Cien Saude Colet 2020; 25(Supl. 2):4185-4195.. As particularidades do trabalho também posicionaram esses profissionais em situações de risco no que que diz respeito à saúde física e mental, com alta insegurança em relação ao trabalho1515 Fernandez M, Lotta G, Corrêa M. Desafios para a Atenção Primária à Saúde no Brasil: uma análise do trabalho das agentes comunitárias de saúde durante a pandemia de COVID-19. Trab Educ Saude 2021; 19:e00321153.. Além disso, existem evidências que sugerem uma preponderância do número de pessoas cuja saúde mental é afetada em relação ao número de pessoas contaminadas pelo vírus1616 Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. O impacto da pandemia de COVID-19 na saúde mental dos profissionais de saúde. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00063520., sendo que as pesquisas que tratam das implicações psicológicas relacionadas à doença e às suas consequências para a saúde pública ainda são escassas1616 Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. O impacto da pandemia de COVID-19 na saúde mental dos profissionais de saúde. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00063520.. Alguns trabalhos1616 Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. O impacto da pandemia de COVID-19 na saúde mental dos profissionais de saúde. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00063520.

17 Silva-Costa A, Griep RH, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e depressão, ansiedade e estresse entre trabalhadores de unidades de saúde. Cad Saude Publica 2022; 38(3):e00198321.
-1818 Coelho MMF, Cavalcante VMV, Araújo MAM, Martins MC, Barbosa RGB, Barreto AS, Fernandes AFC. Sintomas de ansiedade e fatores associados entre profissionais de saúde durante a pandemia da covid-19. Cogitare Enferm 2022; 27:e79739. têm avaliado a saúde mental de profissionais de saúde durante a pandemia, não sendo encontrados na literatura estudos quantitativos que abordem esse tema entre os ACS nesse mesmo período.

Analisar as condições em que se produz o trabalho do ACS na APS, na linha de frente do combate ao coronavírus, bem como a saúde mental desses trabalhadores nesse contexto, é uma necessidade premente e que poderá subsidiar a construção de políticas públicas de segurança no trabalho e de saúde do trabalhador que atendam às suas necessidades1919 Nogueira ML, Borges CF, Lacerda A, Fonseca AF, Vellasques AP, Morel CMTM, Valsechi DF, Silva LB, Morosini MV, Barbosa MIS, REGO SRM. 3º Boletim da Pesquisa Monitoramento da saúde e contribuições ao processo de trabalho e à formação profissional dos Agentes Comunitários de Saúde em tempos de Covid-19 [Internet]. 2021. [acessado 2022 abr 4]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/ icict/47179
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. É fundamental conhecer os fatores associados à saúde mental de trabalhadores da saúde, especialmente dos ACS, que representam um sustentáculo da ESF. A ansiedade e a depressão se destacam entre os principais problemas de saúde mental e podem estar associadas, agravando de forma significativa as relações sociais dos envolvidos1313 Vatansever D, Wang S, Sahakian BJ. Covid-19 and promising solutions to combat symptoms of stress, anxiety and depression. Neuropsychopharmacology 2021; 46(1):217-218.,1717 Silva-Costa A, Griep RH, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e depressão, ansiedade e estresse entre trabalhadores de unidades de saúde. Cad Saude Publica 2022; 38(3):e00198321.. O objetivo deste artigo é analisar a prevalência de ansiedade e depressão associadas às condições de trabalho dos agentes comunitários de saúde no contexto da pandemia da COVID-19.

Método

Trata-se de um estudo que integra o projeto “Condições de trabalho e saúde de agentes comunitários de saúde do norte de Minas Gerais na pandemia da COVID-19”, realizado de julho a outubro de 2020 com ACS de 36 municípios da macrorregião de saúde norte de Minas Gerais.

A região norte de Minas Gerais tem 86 municípios, sendo 13 municípios-sede das microrregiões. Para a elaboração do plano de amostragem, foram considerados dois domínios: municípiossede e demais municípios. A população de ACS da região totalizava, na ocasião da coleta de dados, 3.747 agentes, sendo que 1.862 atuavam nos municípios-sede e 1.885 nos demais municípios. Para o domínio municípios-sede foram selecionados todos os municípios, e no domínio dos demais municípios foram sorteados aleatoriamente 23 deles. Para definir o tamanho da amostra, considerando que o estudo incluía outros objetivos, foram considerados os seguintes parâmetros: prevalência estimada de 50% (que fornece o maior tamanho amostral), nível de confiança de 95% e margem de erro de 4%, com correção para população finita. Foi efetuada a correção para o efeito de delineamento, adotando-se deff = 2,0, e para compensar possíveis não respostas e perdas, estabeleceu-se um acréscimo de 12%. Estimou-se o tamanho amostral mínimo de n = 1.167 ACS, sendo n1 = 567 (48,6%) agentes dos munícipios-sede e n2 = 600 (51,4%) dos demais municípios do norte de Minas Gerais. O processo amostral considerou o número de ACS alocado em cada município para definição de uma amostra equiprobabilística.

Como se tratava de uma investigação mais ampla, elaborou-se um instrumento que abordou diversos aspectos inerentes à atividade desses profissionais nesse contexto específico. Para esse recorte, foram utilizados os dados sociodemográficos e laborais e dois questionários que tratavam das condições de trabalho durante a pandemia e do domínio de tecnologias, ambos desenvolvidos pelos autores, além do Inventário de Ansiedade Traço-Estado - IDATE-6 (forma reduzida)2020 Fioravanti ACM, Santos LF, Maissonette S, Cruz APM, Fernandez JL. Avaliação da estrutura fatorial da escala de ansiedade traço do IDATE. Avaliacao Psicol 2006; 5(2):217-224. e do Patient Health Questionnare-9 - PHQ-92121 Kroenke K, Spitzer RL, Williams JB. The PHQ-9: validity of a brief depression severity measure. J Gen Intern Med 2001; 16(9):606-613., que avaliam a ansiedade e a depressão, respectivamente.

O IDATE é um instrumento validado cujo objetivo é a mensuração dos níveis de ansiedade, por meio de dois componentes, IDATE-estado (IDATE-E) e IDATE-traço (IDATE-T), sendo que estado se refere à maneira como o indivíduo se sente no momento e o traço à forma como o indivíduo geralmente se sente2222 Barbosa MS, Freitas JFO, Praes Filho FA, Pinho L, Brito MFSF, Rossi-Barbosa LAR. Fatores sociodemográficos e ocupacionais associados aos sintomas de ansiedade entre Agentes Comunitários de Saúde. Cien Saude Colet 2021; 26(12):5997-6004.. Para atender ao objetivo do estudo, o IDATE-E foi considerado mais adequado. Ele é composto por seis questões: 1) Sinto-me calmo(a); 2) Estou tenso(a); 3) Sintome à vontade; 4) Sinto-me nervoso(a); 5) Estou descontraído(a); e 6) Estou preocupado(a), cujas respostas compõem uma escala Likert de quatro pontos: 1) absolutamente não; 2) um pouco; 3) bastante; e 4) muitíssimo. Para o cálculo do escore final, as perguntas positivas (1, 3 e 5) são invertidas e o escore é obtido por meio da soma das respostas, sendo 6 a pontuação mínima e 24 a máxima. O ponto de corte foi a mediana: aqueles com valor abaixo considerados “sem indício de ansiedade” e os acima “com indício de ansiedade”.

O PHQ-9 constitui-se de nove perguntas que avaliam a presença de cada um dos sintomas para o episódio de depressão maior, descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV)2323 American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-IVTR. Washington DC: American Psychiatric Association; 2000.. Os nove sintomas consistem em humor deprimido, anedonia (perda de interesse ou prazer em fazer as coisas), problemas com o sono, cansaço ou falta de energia, mudança no apetite ou peso, sentimento de culpa ou inutilidade, problemas de concentração, sentir-se lento ou inquieto e pensamentos suicidas2424 Fraguas Jr. R, Henriques Jr. SG, Lucia MS, Iosifescu DV, Schwartz FH, Menezes PR, Gattaz WF, Martins MA. The detection of depression in medical setting: a study with PRIME-MD. J Affective Disorders 2006; 91(1):11-17.. A frequência de cada sintoma nas últimas duas semanas é avaliada em uma escala Likert de 0 a 3, correspondendo às respostas “nenhuma vez”, “vários dias”, “mais da metade dos dias” e “quase todos os dias”, respectivamente, obtendo as seguintes classificações para os escores finais: 0 a 4 pontos (sem sintomas de depressão); 5 a 9 pontos (sintomas de depressão leve); 10 a 14 pontos (sintomas de depressão moderada); 15 a 19 pontos (sintomas de depressão moderadamente grave); e de 20 a 27 (sintomas de depressão grave)2121 Kroenke K, Spitzer RL, Williams JB. The PHQ-9: validity of a brief depression severity measure. J Gen Intern Med 2001; 16(9):606-613.. Para o presente estudo, considerou-se como presença de sintomas depressivos a pontuação > 9 como ponto de corte em sua forma contínua, por ser mais útil como teste de rastreamento2525 Santos IS, Tavares BF, Munhoz TN, Almeida LSP, Silva NTB, Tams BD, Patella AM, Matijasevich A. Sensitivity and specificity of the Patient Health Questionnaire-9 (PHQ-9) among adults from the general population. Cad Saude Publica 2013; 29(8):1533-1543..

Optou-se por agrupar os escores dicotomizados dos instrumentos IDATE-E e PHQ-9, a fim de identificar os ACS que apresentavam ansiedade e depressão, uma vez que na Classificação Internacional de Doenças (CID)2626 Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artmed; 1993. a presença concomitante de sintomas ansiosos e depressivos é definida como transtorno misto ansioso e depressivo (CID-10). Dessa forma, a amostra foi dividida em dois grupos: aqueles sem nenhum dos sintomas ou com um dos sintomas (ansiedade ou depressão), e aqueles com transtorno misto ansioso e depressivo. Para o modelo final, considerou-se como variável desfecho a presença de transtorno misto ansioso e depressivo.

A aplicação do instrumento ocorreu de forma remota, sendo realizado, inicialmente, um contato telefônico com o(a) secretário(a) de saúde ou gestor(a) de APS de cada município sorteado, sendo explicitados os objetivos do estudo, bem como o instrumento de coleta de dados. Os gestores que consentiram a participação na pesquisa autorizaram a inclusão das equipes sorteadas de seu município no projeto, mediante aceite da pesquisa por meio de um Termo de Concordância Institucional (TCI) elaborado por meio de plataforma virtual e cujo link para o aceite foi enviado por e-mail aos mesmos. Após a assinatura eletrônica do aceite, os gestores forneceram os contatos telefônicos dos enfermeiros de cada unidade de ESF, os quais, após esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e a ciência do gestor municipal, encaminharam o link de acesso ao questionário aos ACS de suas equipes.

Para o controle de preenchimento dos questionários, utilizou-se o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES), que disponibiliza nomes, categoria profissional e data de admissão de todos os membros das equipes de saúde da família. Foram excluídos trabalhadores que estavam em licença médica ou em férias e os que estavam afastados das atividades laborais por outras razões.

Os dados foram processados com o auxílio do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20.0. Realizou-se a análise descritiva, por meio de distribuição de frequências simples (absolutas e relativas), em seguida o teste qui-quadrado de Pearson, e aquelas que apresentaram valor de p < 0,20 foram selecionadas para análise múltipla, utilizando a regressão de Poisson para estimar a magnitude das associações por meio das razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), permanecendo no modelo final as variáveis que apresentaram significância de 5% (p < 0,05). Todas as análises foram conduzidas considerando a correção pelo efeito do desenho do estudo.

O projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Montes Claros, sob parecer consubstanciado nº 2.425.756.

Resultados

Participaram do estudo 1.220 ACS. A taxa de participação foi superior a 97%, com baixo índice de recusa ou perdas. A maioria do grupo foi composta por mulheres, com idade entre 26 e 40 anos, que viviam sem companheiro(a) e com até 11 anos de estudo. Com relação às condições de trabalho, tinham tempo de serviço maior do que cinco anos, sendo a maioria com vínculo empregatício contratado ou celetista e com menos de 500 pessoas cadastradas e sob seu acompanhamento na sua microárea (Tabela 1).

Tabela 1
Depressão e ansiedade entre agentes comunitários de saúde, segundo variáveis sociodemográficas e condições de trabalho, norte de Minas Gerais, 2020.

A distribuição da prevalência dos ACS com sintomas de ansiedade, com sintomas de depressão, com um dos sintomas e com ambos está apresentada no Gráfico 1. Verifica-se que 58,2% e 68,4% não apresentaram sintomas de ansiedade e depressão, respectivamente.

Gráfico 1
Prevalência de sintomas ansiosos e depressivos em ACS do norte de Minas Gerais. 2020.

Na análise bivariada, ficaram associadas ao nível de 20% as variáveis sexo, idade, escolaridade, estado civil, número de usuários cadastrados, jornada de trabalho na pandemia, oferta de equipamentos de proteção individual (EPIs), monitoramento de pacientes com síndrome gripal, capacitação na prevenção à COVID-19 e computador disponível no local de trabalho (Tabela 1).

Na Tabela 2 são apresentadas as variáveis que se mantiveram no modelo final, com as razões de prevalência ajustadas e os seus respectivos intervalos de confiança.

Tabela 2
Variáveis associadas à depressão e ansiedade, após análise multivariada entre agentes comunitários de saúde do norte de Minas Gerais, 2020 (n = 1220).

Discussão

A prevalência de sintomas de ansiedade encontrada neste estudo foi similar à observada em outra pesquisa realizada com ACS, cuja prevalência foi de 47,3%2222 Barbosa MS, Freitas JFO, Praes Filho FA, Pinho L, Brito MFSF, Rossi-Barbosa LAR. Fatores sociodemográficos e ocupacionais associados aos sintomas de ansiedade entre Agentes Comunitários de Saúde. Cien Saude Colet 2021; 26(12):5997-6004.. Em trabalhadores da APS, outro estudo encontrou as prevalências de 54,2% para ansiedade e 56,6% para depressão2727 Julio RS, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias DHR, Gazetta CE. Prevalência de ansiedade e depressão em trabalhadores da Atenção Primária à Saúde. Cad Bras Ter Ocup 2022; 30:e2997.. Entretanto, essas pesquisas foram realizadas fora do período pandêmico, o que sinaliza a falta de estudos que abordem a saúde mental dos ACS nesse cenário específico. Para o período de pandemia, trabalho desenvolvido com outras categorias profissionais com suspeita de COVID-19 e que atuavam principalmente em hospitais encontrou resultado semelhante ao da presente investigação, com a prevalência de ansiedade em torno de 47% e de depressão de 35%1717 Silva-Costa A, Griep RH, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e depressão, ansiedade e estresse entre trabalhadores de unidades de saúde. Cad Saude Publica 2022; 38(3):e00198321..

No contexto da APS, pesquisas identificaram que, entre todos os profissionais atuantes na APS, há uma maior prevalência de ansiedade e depressão entre os ACS2727 Julio RS, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias DHR, Gazetta CE. Prevalência de ansiedade e depressão em trabalhadores da Atenção Primária à Saúde. Cad Bras Ter Ocup 2022; 30:e2997.,2828 Silva ATC, Lopes CS, Susser E, Menezes PR. Work -Related Depression in Primary Care Teams in Brazil. AJPH Published 2016; 106(11):1990-1997., demonstrando uma situação preocupante quanto à saúde mental desses profissionais2929 Santos AMVS, Lima CA, Messias RB, Costa MFM, Brito MFSF. Transtornos mentais comuns: prevalência e fatores associados entre agentes comunitários de saúde. Cad Saude Colet 2017; 25(2):160-168., que pode estar relacionada às altas exigências laborais2727 Julio RS, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias DHR, Gazetta CE. Prevalência de ansiedade e depressão em trabalhadores da Atenção Primária à Saúde. Cad Bras Ter Ocup 2022; 30:e2997.. Outros autores também identificaram a presença de sofrimento mental e transtornos psíquicos nos ACS decorrentes da vivência de situações geradoras de sofrimento no seu trabalho88 Riquinho DL, Pellini TV, Ramos DT, Silveira MR, Santos VCF. O cotidiano de trabalho do agente comunitário de saúde: entre a dificuldade e a potência. Trab Educ Saude 2018; 16(1):163-182.,3030 Krug SBF, Dubow C, Santos AC, Dutra BD, Weigelt LD, Alves LMS. Trabalho, sofrimento e adoecimento: a realidade de Agentes Comunitários de Saúde no Sul do Brasil. Trab Educ Saude 2017; 15(3):771-788.

31 Santos FAAS, Sousa LP, Serra MAAO, Rocha FAC. Factors that influence the quality of life of community health workers. Acta Paul Enferm 2016; 29(2):191197.
-3232 Nogueira ML. Expressões da precarização no trabalho do agente comunitário de saúde: burocratização e estranhamento do trabalho. Saude Soc 2019; 28(3):309323.. A ausência de condições de trabalho necessárias para o desempenho de sua função, a precariedade na estrutura física, além do relacionamento com a população e com os gestores, impactam nas condições psicoemocionais dos profissionais2727 Julio RS, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias DHR, Gazetta CE. Prevalência de ansiedade e depressão em trabalhadores da Atenção Primária à Saúde. Cad Bras Ter Ocup 2022; 30:e2997., sendo razoável supor o seu agravamento em uma situação de pandemia.

Neste estudo, depressão e ansiedade apresentaram maior prevalência entre mulheres, com idade até 40 anos, que tinham mais de 500 usuários cadastrados sob sua responsabilidade e cuja oferta de EPIs era feita de forma inadequada.

A associação entre a prevalência de ansiedade e depressão e o gênero verificada neste trabalho também foi observada em outros estudos, com uma maior prevalência entre as mulheres2222 Barbosa MS, Freitas JFO, Praes Filho FA, Pinho L, Brito MFSF, Rossi-Barbosa LAR. Fatores sociodemográficos e ocupacionais associados aos sintomas de ansiedade entre Agentes Comunitários de Saúde. Cien Saude Colet 2021; 26(12):5997-6004.,3333 Leonelli LB, Andreoni S, Martins P, Kozasa EH, Salvo VL, Sopezki D, Montero-Marin J, Garcia-Campayo J, Demarzo MMP. Estresse percebido em profissionais da Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Epidemiol 2017; 20(2):286-298.,3434 Guilland R, Klokner SGM, Knapik J, Crocce-Carlotto PA, Ródio-Trevisan KR, Zimath SC, Cruz RM. Prevalência de sintomas de depressão e ansiedade em trabalhadores durante a pandemia da COVID-19. Trab Educ Saude 2022; 20:e00186169..

A maior prevalência de depressão e ansiedade entre mulheres pode ser explicada por vários fatores, sejam genéticos ou sociais3434 Guilland R, Klokner SGM, Knapik J, Crocce-Carlotto PA, Ródio-Trevisan KR, Zimath SC, Cruz RM. Prevalência de sintomas de depressão e ansiedade em trabalhadores durante a pandemia da COVID-19. Trab Educ Saude 2022; 20:e00186169.. A profissão de ACS possibilita a inserção no mercado de trabalho com ampliação da renda familiar sem demandar o afastamento do local onde se mora, o que pode ser um fator importante para a mulher, pois em geral ela também é responsável pelos cuidados do lar e da própria família1010 Castro TA, Davoglio RS, Nascimento AAJ, Santos KJS, Coelho GMP, Lima KSB. Agentes Comunitários de Saúde: perfil sociodemográfico, emprego e satisfação com o trabalho em um município do semiárido baiano. Cad Saude Colet 2017; 25(3):294-301.. Com isso, as mulheres ficam mais expostas a situações de sobrecarga e a ambientes de estresse, de modo a acarretar o desenvolvimento de sintomas ansiosos e depressivos com potencial agravamento durante a pandemia da COVID-193434 Guilland R, Klokner SGM, Knapik J, Crocce-Carlotto PA, Ródio-Trevisan KR, Zimath SC, Cruz RM. Prevalência de sintomas de depressão e ansiedade em trabalhadores durante a pandemia da COVID-19. Trab Educ Saude 2022; 20:e00186169..

Com relação à idade, os ACS com até 40 anos apresentaram maior prevalência de depressão e ansiedade, o que coincide com os achados de outra pesquisa realizada com profissionais da APS que encontrou maiores percentuais de depressão entre profissionais na faixa etária de 21 a 35 anos2727 Julio RS, Lourenção LG, Oliveira SM, Farias DHR, Gazetta CE. Prevalência de ansiedade e depressão em trabalhadores da Atenção Primária à Saúde. Cad Bras Ter Ocup 2022; 30:e2997.. Acredita-se que isso ocorra devido à busca de engajamento no mercado de trabalho, reconhecimento profissional e, muitas vezes, à experiência de formação de família3535 Costa CO, Costa BJ, Soares IV, Souza LDM, Silva RA. Prevalência de ansiedade e fatores associados em adultos. J Bras Psiquiatr 2019; 68(2):92-100..

Na análise das condições de trabalho, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) define um número máximo de 750 pessoas por ACS3636 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União 2017; 22 set.. Neste trabalho, a maioria dos profissionais pesquisados tinha em sua microárea menos de 500 pessoas, e aqueles que tinham acima de 500 pessoas foram os que apresentaram maior prevalência de depressão e ansiedade. Isso pode ser justificado porque um número maior de pessoas a serem acompanhadas gera, consequentemente, um número maior de visitas domiciliares e mais demandas da população, além do, na pandemia, poder representar um maior risco de contágio da COVID-19. Esses fatores podem levar a uma sobrecarga para os ACS, o que pode culminar em sintomas psíquicos99 Lopes DMQ, Lunardi Filho WD, Beck CLC, Coelho APF. Cargas de trabalho do Agente Comunitário de Saúde: pesquisa e assistência na perspectiva convergente-assistencial. Texto Contexto Enferm 2018; 27(4):e3850017..

No que se refere à oferta de EPIs, pesquisa nacional que avaliou os desafios para a APS no Brasil apontou que apenas 24% dos profissionais de saúde afirmaram haver conjunto de EPI (proteção facial, ocular, luvas e avental) disponível nas unidades básicas de saúde3737 Bousquat A, Giovanella L, Medina MG, Mendonça MHM, Facchini LA, Tasca R. Nedel F, Lima JG, Mota PHS, Aquino R. Desafios da Atenção Básica no enfrentamento da pandemia da COVID-19 no SUS. Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: Rede de Pesquisa em APS Abrasco; 2020.. Os achados deste estudo, em que a maioria dos ACS informou que os EPIs eram ofertados em quantidade inadequada, condizem com outros trabalhos realizados no Brasil1515 Fernandez M, Lotta G, Corrêa M. Desafios para a Atenção Primária à Saúde no Brasil: uma análise do trabalho das agentes comunitárias de saúde durante a pandemia de COVID-19. Trab Educ Saude 2021; 19:e00321153.,3838 Lotta G, Margri G, Dossiati D, Correa M. Os impactos da COVID-19 nos profissionais de saúde pública [Internet]. 2020. [acessado 2022 jan 10]. Disponível em: https://ieps.org.br/wp-content/uploads/2020/06/ rel01-saude-covid-19-depoimentos.pdf
https://ieps.org.br/wp-content/uploads/2...
,3939 Barroso BIL, Souza MBCA, Bregalda MM, Lancman S, Costa VBB. A saúde do trabalhador em tempos de COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional. Cad Bras Ter Ocup 2020; 28(3):10931102.. A dificuldade de aquisição de EPIs foi utilizada como a principal justificativa para que os ACS não estivessem em campo, o que fragilizou a ESF e a APS, porta de entrada da rede de saúde4040 Méllo LMBD, Albuquerque PC, Santos RC, Felipe DA, Queirós AAL. Agentes comunitárias de saúde: práticas, legitimidade e formação profissional em tempos de pandemia de COVID-19 no Brasil. Interface (Botucatu) 2021; 25(Supl. 1):e210306.. Assim, a falha em preparar e proteger os ACS prejudicou a realização do trabalho deles, colocou-os em risco e contribuiu para a negligência da assistência na comunidade, principalmente aos grupos marginalizados3838 Lotta G, Margri G, Dossiati D, Correa M. Os impactos da COVID-19 nos profissionais de saúde pública [Internet]. 2020. [acessado 2022 jan 10]. Disponível em: https://ieps.org.br/wp-content/uploads/2020/06/ rel01-saude-covid-19-depoimentos.pdf
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O desafio de conciliar emoções e desenvolver seu trabalho em meio a uma série de adversidades (como insuficiência de EPIs, descaracterização do trabalho, falta de suporte da chefia, medo de se contaminar, estresse e sobrecarga de trabalho) se impôs como parte da dinâmica de trabalho dos ACS durante a pandemia de COVID-191515 Fernandez M, Lotta G, Corrêa M. Desafios para a Atenção Primária à Saúde no Brasil: uma análise do trabalho das agentes comunitárias de saúde durante a pandemia de COVID-19. Trab Educ Saude 2021; 19:e00321153.. As condições de trabalho às quais os profissionais de saúde estiveram submetidos levaram ao aumento dos sintomas de ansiedade, depressão, perda da qualidade do sono, aumento do uso de drogas, sintomas psicossomáticos e medo de se infectar ou transmitir a infecção aos membros da família4141 Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Saúde mental e atenção psicossocial na pandemia COVID-19. Recomendações para gestores [Internet]. 2020. [acessado 2022 mar 20]. Disponível em: https://portal.fiocruz. br/documento/saude-mental-e-atencao-psicossocialna-pandemia-covid-19-recomendacoes-para-gestores
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Registra-se a necessidade de realização de estudos que contemplem uma análise dos efeitos da pandemia no cotidiano e nas condições de trabalho e saúde dos profissionais da APS, especialmente os ACS, a fim de subsidiar estratégias que visem a minimização do impacto desse contexto na saúde mental desses trabalhadores.

Este artigo apresenta importantes contribuições para a compreensão das condições de trabalho e saúde mental dos ACS, no entanto, algumas limitações devem ser observadas. A principal delas diz respeito aos dados, que foram coletados em um momento específico da pandemia (julho a outubro de 2020), representando apenas as características daquele período distinto, de modo que não se pode estender seus resultados para todo o período da pandemia, considerando o caráter mutável do evento. É necessário, portanto, a análise da atuação dos ACS em outros períodos dessa crise. Além disso, dado o isolamento físico imposto pelas medidas de distanciamento social, a coleta de dados ocorreu de forma remota e, por se tratar de um estudo transversal, a possibilidade de estabelecimento de relações de determinação entre as variáveis observadas fica restrita.

Mesmo considerando suas limitações, os achados do presente estudo evidenciam áreas com necessidade de reestruturação, podendo ser útil aos gestores da APS ao servir de parâmetro para a implementação de estratégias de identificação de ACS com sintomas de ansiedade e depressão e, de acordo com o resultado do rastreio, prosseguir para confirmação do diagnóstico e acompanhamentos necessários. Os achados também podem fornecer subsídios para uma possível revisão das condições de trabalho desses profissionais, identificando os fatores que prejudicam sua saúde mental, com o intuito de desenvolver estratégias que promovam melhorias em alguns aspectos do trabalho dos ACS. Essas ações podem melhorar a qualidade de vida desses profissionais e, consequentemente, do serviço prestado à comunidade.

Considerações finais

Este estudo evidenciou que, no contexto de pandemia de COVID-19, as características dos ACS que apresentaram associação com a prevalência de depressão e ansiedade foram sexo feminino e idade inferior a 40 anos. Com relação às condições de trabalho, acompanhar mais de 500 usuários e ter EPIs ofertados de maneira inadequada também apresentaram associação com a maior prevalência de depressão e ansiedade. Dada a importância dos ACS para a efetivação da APS, aprofundar o conhecimento das condições sob as quais sua atividade laboral é desenvolvida em cenários críticos é essencial para a análise do seu trabalho. Esse entendimento pode gerar proposições de melhorias na atuação dos ACS, principalmente em situações de pandemia, o que pode repercutir na qualidade da assistência prestada à população.

Agradecimentos

Aos secretários municipais de saúde, coordenadores de atenção primária e enfermeiros das unidades da ESF que viabilizaram a realização deste estudo em um cenário tão desafiador quanto o da pandemia de COVID-19. Em especial, aos ACS que participaram da pesquisa, ajudando-nos na compreensão de seu cotidiano de trabalho nessas condições peculiares.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Out 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2022
  • Aceito
    01 Jun 2023
  • Publicado
    26 Jun 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br