Tendência da taxa de mortalidade por câncer de mama em mulheres com 20 anos ou mais no Brasil, 2005-2019

Trend in breast cancer mortality rate among women aged 20 years or older in Brazil, 2005-2019

Gabriela Rodarte Pedroso da Silva Rafael Alves Guimarães Flaviana Vely Mendonça Vieira George Oliveira Silva Faétila dos Santos Oliveira Natália Del’ Angelo Aredes Sobre os autores

Resumo

O objetivo é analisar a tendência da taxa de mortalidade por câncer de mama e sua correlação com o status de desenvolvimento socioeconômico no Brasil. Estudo ecológico de séries temporais realizado nos 26 estados, Distrito Federal e regiões do Brasil. As fontes de dados foram o Sistema de Informação sobre Mortalidade (número de óbitos), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (população residente) e o estudo da Carga Global de Doenças (socio-demographic index - SDI). Foram usados dados de 2005 a 2019. A tendência foi analisada pelos modelos de regressão de Prais-Winsten. A relação entre a taxa de mortalidade e o SDI foi analisada pelo coeficiente de correlação de Spearman. No período do estudo ocorrerem 207.683 óbitos por câncer de mama. A taxa padronizada de mortalidade média foi de 19,95 óbitos por 100.000 mulheres no Brasil. O Brasil e todas as regiões apresentaram tendência crescente da mortalidade. Do total de estados, 22 apresentaram tendência crescente. Verificou-se relação positiva entre a taxa de mortalidade e o SDI. A taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama apresentou tendência crescente no Brasil, em todas as regiões e na maioria das unidades da federação. Verificou-se associação direta entre mortalidade e SDI, indicando maior magnitude em regiões mais desenvolvidas.

Key words:
Breast cancer; Mortality; Time series analysis

Abstract

The aim is to analyze the trend in breast cancer mortality rates and its correlation with the socioeconomic development status in Brazil. It involved an ecological time series study carried out in the 26 units of the federation, Federal District and regions of Brazil. Data sources included the Mortality Information System (number of deaths), the Brazilian Institute of Geography and Statistics (resident population) and the study of the Global Burden of Disease (Socio-demographic Index - SDI). Data from 2005 to 2019 were used. The trend was analyzed using Prais-Winsten regression models. The relationship between the mortality rate and the SDI was analyzed using Spearman’s correlation coefficient. During the study period, 207,683 deaths from breast cancer occurred. The average standardized mortality rate was 19.95 deaths per 100,000 women in Brazil. All the regions of Brazil showed an increasing trend in mortality. Of the total federative units, 22 showed an increasing trend. There was a positive relationship between the mortality rate and the SDI. The standardized mortality rate for breast cancer showed an increasing trend in Brazil, in all regions and in most states. There was a direct association between mortality and SDI, indicating a greater magnitude in more developed regions.

Key words:
Breast cancer; Mortality; Time series analysis

Introdução

O câncer de mama é uma neoplasia que acomete predominantemente as mulheres. Estima-se que uma em cada oito mulheres desenvolverão essa doença em algum momento de suas vidas11 Harbeck N, Penault-Llorca F, Cortes J, Gnant M, Houssami N, Poortmans P, Ruddy K, Tsang J, Cardoso F. Breast cancer. Nat Rev Dis Prim 2019; 5(1):66.. Em 2020 foram estimados 2.261.419 novos casos e 684.996 óbitos por câncer de mama, sendo o tipo de câncer mais incidente e com a taxa de mortalidade mais alta no mundo (13,6 óbitos por 100.000 mulheres)22 International Agency for Research on Cancer, World Health Organization (WHO). GLOBOCAN: Cancer Today [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://gco.iarc.fr/today/home
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No Brasil, o câncer de mama também apresenta elevada magnitude, causando alta morbimortalidade, redução da qualidade de vida, perda de produtividade e custos para os serviços de saúde e a sociedade em geral33 Silva JDDE, Oliveira RR, Silva MT, Carvalho MDB, Pedroso RB, Pelloso SM. Breast cancer mortality in young women in Brazil. Front Oncol 2021; 10:569933.. Em 2020, 88.472 mulheres com 20 anos ou mais foram diagnosticadas com câncer de mama (taxa de incidência de 103,1 casos por 100.000 mulheres). O câncer de mama é aquele que lidera a taxa de mortalidade no país entre todos os tipos de cânceres. Em 2020, ocorreram 20.723 óbitos em decorrência desse agravo, resultando em uma taxa de mortalidade de 22,9 óbitos por 100.000 mulheres22 International Agency for Research on Cancer, World Health Organization (WHO). GLOBOCAN: Cancer Today [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://gco.iarc.fr/today/home
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. A taxa de mortalidade por câncer de mama no Brasil não é homogênea entre as regiões. As maiores taxas são nas regiões Sudeste (12,6 óbitos por 100.000 mulheres) e Sul (12,8 óbitos por 100.000 mulheres), regiões com maior índice de desenvolvimento no país. 44 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), Ministério da Saúde (MS). Mortalidade [Internet]. 2022. [acessado 2023 mar 28]. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/gestor-e-profissional-de-saude/controle-do-cancer-de-mama/dados-e-numeros/mortalidade#:~:text=A taxa de mortalidade por,respectivamente (INCA%2C 2022)
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O câncer de mama é multifatorial, sendo associado a fatores ambientais (exposição frequente a radiações ionizantes, gases atmosféricos tóxicos e microrganismos patogênicos), comportamentais (inatividade física, hábitos alimentares não saudáveis, tabagismo e excesso de peso), história reprodutiva e hormonal (menarca antes de 12 anos, nuliparidade, primeira gestação após os 30 anos, menopausa após os 55 anos, uso de contraceptivos hormonais, reposição hormonal) e fatores genéticos e hereditários (histórico familiar de câncer de mama e alteração genética, principalmente nos breast cancer genes 1 e 2), entre outros determinantes55 Camargo JDAS, Santos J, Simões TC, Carvalho JBL, Silva GWS, Dantas ESO, Rodrigues WTDS, Freire FHMA, Meira KC. Mortality due to breast cancer in a region of high socioeconomic vulnerability in Brazil: nalysis of the effect of age-period and cohort. PLoS One 2021; 16:e0255935.

6 Rojas K, Stuckey A. Breast cancer epidemiology and risk factors. Clin Obstet Gynecol 2016; 59(4):651-672.
-77 Clinton SK, Giovannucci EL, Hursting SD. The World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research Third Expert Report on Diet, Nutrition, Physical Activity, and Cancer: Impact and Future Directions. J Nutr 2020; 150(4):663-671..

Além desses fatores, ressalta-se que o envelhecimento é um fator importante que tem contribuído para o aumento da magnitude do câncer de mama nos países, como no Brasil55 Camargo JDAS, Santos J, Simões TC, Carvalho JBL, Silva GWS, Dantas ESO, Rodrigues WTDS, Freire FHMA, Meira KC. Mortality due to breast cancer in a region of high socioeconomic vulnerability in Brazil: nalysis of the effect of age-period and cohort. PLoS One 2021; 16:e0255935.

6 Rojas K, Stuckey A. Breast cancer epidemiology and risk factors. Clin Obstet Gynecol 2016; 59(4):651-672.
-77 Clinton SK, Giovannucci EL, Hursting SD. The World Cancer Research Fund/American Institute for Cancer Research Third Expert Report on Diet, Nutrition, Physical Activity, and Cancer: Impact and Future Directions. J Nutr 2020; 150(4):663-671.. Alinhado ao envelhecimento, os determinantes sociais de saúde (DSS), sobretudo o baixo nível socioeconômico, têm mostrado associação com taxas de mortalidade por câncer de mama mais elevadas. Estudos anteriores têm verificado relação positiva e direta entre indicadores de desenvolvimento socioeconômico e a mortalidade por câncer de mama. Por exemplo, estudo conduzido com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) da região Nordeste do Brasil mostrou que as taxas de mortalidade foram mais elevadas em regiões com melhor nível de desenvolvimento socioeconômico88 Carvalho JB, Paes NA. Socioeconomic inequalities in breast cancer mortality in microregions of the Brazilian Northeast. Rev Bras Saude Matern Infant 2019; 19(2):391-400.. Outra investigação mostrou correlação negativa entre taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama e o índice de desenvolvimento humano (IDH) na Ásia99 Pakzad R, Mohammadian-Hafshejani A, Mohammadian M, Pakzad I, Safiri S, Khazaei S, et al. Incidence and mortality of bladder cancer and their relationship with development in Asia. Asian Pacific J Cancer Prev 2015; 16(16):7365-7374.. Estudo que analisou dados globais do Global Cancer Observatory (GLOBOCAN) de 2012 mostrou que a taxa de mortalidade por câncer de mama foi inversamente correlacionada ao IDH. Por outro lado, uma revisão sistemática e meta-análise de estudos observacionais mostrou uma menor letalidade por câncer de mama em mulheres com nível socioeconômico mais alto. Essa mesma revisão mostrou que a incidência de câncer de mama é significativamente maior em mulheres com nível socioeconômico mais alto, mesmo após ajuste de potenciais confundidores1010 Lundqvist A, Andersson E, Ahlberg I, Nilbert M, Gerdtham U. Socioeconomic inequalities in breast cancer incidence and mortality in Europe - a systematic review and meta-analysis. Eur J Public Health 2016; 26(5):804-813..

Desde 1980, o câncer de mama apresenta altas taxas de morbimortalidade no Brasil. Os estudos anteriores de tendência têm mostrado padrões variados. Investigação realizada com dados de mulheres de 40 anos ou menos no Brasil mostrou aumento da proporção de óbitos por câncer de mama entre 2009 e 20201111 Bonadio RC, Moreira OA, Testa L. Breast cancer trends in women younger than 40 years in Brazil. Cancer Epidemiol 2022; 78:102139.. Estudo com dados de 1980 a 2010 mostrou tendência crescente na taxa de mortalidade para não capitais e capitais no período. No entanto, entre 1997 e 2003, essa tendência se mostrou decrescente e depois estável até o ano de 2010 nas capitais1212 Girianelli VR, Gamarra CJ, Silva GA. Disparities in cervical and breast cancer mortality in Brazil. Rev Saude Publica 2014; 48(3):459-467., e mostrou diferenças entre as regiões, com aumento da taxa de mortalidade em algumas regiões, como a Norte, e decréscimo em outras a partir da década de 1990, como a Sul, a Sudeste e a Centro-Oeste1212 Girianelli VR, Gamarra CJ, Silva GA. Disparities in cervical and breast cancer mortality in Brazil. Rev Saude Publica 2014; 48(3):459-467..

Apesar dos estudos anteriores, a maioria não analisou a tendência da taxa de mortalidade por câncer de mama segundo regiões e unidades da federação, o que pode subsidiar ações específicas voltadas para a realidade e padrões epidemiológicos encontrados em cada localidade. Poucos estudos também analisaram a correlação entre a taxa de mortalidade padronizada e o socio-demographic index (SDI), indicador de status de desenvolvimento do estudo da Carga Global de Doenças (Global Burden of Diseases - GDB), o que pode contribuir para a identificação de disparidades desse indicador no Brasil. Portanto, este estudo adiciona à literatura dados sobre a tendência da taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama desagregados por regiões e estados, além de mostrar a correlação dessa taxa com o SDI. Essas informações podem subsidiar o monitoramento das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, do Plano de Ações de Enfrentamento das Doenças e Agravos Não Transmissíveis do Ministério da Saúde e da Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer (PNPCC), com o objetivo de contribuir para a implementação e o aperfeiçoamento de estratégias de prevenção, promoção da saúde, vigilância e assistência integral às mulheres com câncer de mama. Nesse contexto, o objetivo do estudo foi analisar a tendência da taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama e sua correlação com o status de desenvolvimento socioeconômico no Brasil.

Métodos

Delineamento

Estudo ecológico de séries temporais sobre as tendências da taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama.

Contexto

O estudo foi realizado com dados de 1º de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2019 (período de 15 anos) no Brasil, que é o maior país da América do Sul, tendo 5.570 municípios distribuídos por 26 estados e o Distrito Federal, que por sua vez são agrupados em cinco regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sul e Sudeste1313 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). IBGE Cidades [Internet]. 2022. [acessado 2023 fev 27]. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/panorama
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. Em 2022 a população brasileira estimada nas projeções intercensitárias foi de 214.747.509. A população de mulheres estimada foi de 108.954.822. Conforme com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o IDH do Brasil em 2018 foi de 0,761, sendo classificado como um país com alto desenvolvimento humano1414 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Relatório do Desenvolvimento Humano [Internet]. 2020. [acessado 2023 mar 28]. Disponível em: https://www.undp.org/pt/brazil/publications/relatório-do-desenvolvimento-humano-2019
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População

A população foi constituída por todos os casos de óbitos em mulheres de 20 anos ou mais registrados ou notificados no SIM e que apresentavam como causa básica o câncer de mama, de acordo com a 10ª revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)1515 World Health Organization (WHO). ICD-10 International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems [Internet]. 2011. [cited 2023 Mar 28]. Available from: http://www.who.int/classifications/icd/ICD10Volume2_en_2010.pdf
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, mais especificamente os códigos C50 (neoplasia maligna da mama).

Fontes de dados

As fontes de dados para obtenção do número de óbitos por câncer de mama e população residente foram o SIM e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), respectivamente. O SIM é um sistema vigilância que abrange todo o território nacional, com o objetivo de coletar dados e disseminar informações sobre mortalidade no país. Apresenta como fonte de dados a declaração de óbito (DO), que é de preenchimento obrigatório pelo médico1616 Fundação Nacional de Saúde (FNS), Ministério da Saúde (MS). Manual de procedimento do sistema de informações sobre mortalidade. Brasília: FNS e MS; 2001.. Pelo IBGE foi coletada a população feminina residente pelo Censo Demográfico de 2010 e de suas projeções intercensitárias. Os dados dos óbitos e demográficos foram extraídos por meio do TABNET do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)1717 Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), Ministério da Saúde (MS). Mortalidade - desde 1996 pela CID-10 [Internet]. 2022. [acessado 2022 dez 31]. Available from: https://datasus.saude.gov.br/mortalidade-desde-1996-pela-cid-10
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Além disso, também foram extraídos dados para cada unidade da federação, através da estimativa do GBD, e dados sobre o SDI para análise de correlação com as taxas de mortalidade padronizada por câncer de mama1818 Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease Study 2019 (GBD 2019) Socio-Demographic Index (SDI) 1950-2019 [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-data/gbd-2019-socio-demographic-index-sdi-1950-2019
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Variáveis

A taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama em mulheres de 20 anos ou mais foi o principal indicador analisado, sendo estimado pela divisão entre o número de óbitos por câncer de mama (CID-10: C50) e a população feminina residente, multiplicado por 100.000. A população feminina do Censo de 2010 foi utilizada como a população padrão e todas as taxas de mortalidades foram padronizadas pelo método direto1919 Naing NN. Easy way to learn standardization : direct and indirect methods. Malays J Med Sci 2000; 7(1):10-15.. Esse indicador foi estimado para o Brasil, 26 estados, Distrito Federal e as cinco regiões.

Extraído do GBD, o SDI é um indicador de status de desenvolvimento de uma região ou local, que é obtido por meio da média geométrica de outros índices, sendo eles a taxa de fecundidade total abaixo de 25 anos de idade, a escolaridade média das pessoas com 15 anos ou mais e a renda distribuída defasada per capita. O índice é uma escala que varia de 0 a 1. O nível teórico mínimo de desenvolvimento é o 0, e o nível teórico máximo relevante para a saúde é 11818 Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease Study 2019 (GBD 2019) Socio-Demographic Index (SDI) 1950-2019 [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://ghdx.healthdata.org/record/ihme-data/gbd-2019-socio-demographic-index-sdi-1950-2019
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Análise estatística

Foi utilizada a regressão linear de Prais-Winsten com variância robusta para a análise de tendência das séries temporais2020 Antunes JLF, Cardoso MRA. Using time series analysis in epidemiological studies. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):565-576.. Antes da inclusão nos modelos, a variável dependente (Y) representada pela TPMI foram logaritmizadas. Essa técnica possibilita a redução da heterogeneidade da variância dos resíduos e contribui para melhor apuração da tendência temporal. A equação de Prais-Winsten é representada pela seguinte fórmula:

Log(Yt)=a+βx

em que:

Log (Yt) = variável dependente, representada pela taxa padronizada de mortalidade por câncer de mama após transformação logarítimica; a = intercepto ou constante de regressão; β = coeficiente da regressão ou inclinação da reta; x = variável independente, sendo constituída pelo ano da série temporal.

Calculados o coeficiente β e o erro padrão (EP), obtidos pela análise de regressão, foi possível calcular a variação percentual anual (VPA) e o respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%) por meio das seguintes fórmulas2020 Antunes JLF, Cardoso MRA. Using time series analysis in epidemiological studies. Epidemiol Serv Saude 2015; 24(3):565-576.:

VPA=(1+10)β1*100,

sendo β1 a inclinação da reta obtida na equação de regressão.

IC95%=(1+10(β1±t*EP))*100,

sendo β1 a inclinação da reta, t é o valor que a distribuição t de Student e apresenta 18 graus de liberdade a um IC95% bicaudal, e EP é o erro padrão.

O coeficiente de determinação (R22 International Agency for Research on Cancer, World Health Organization (WHO). GLOBOCAN: Cancer Today [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://gco.iarc.fr/today/home
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) verificou o ajuste do modelo de regressão. Baseado nos resultados da VPA e nos valores de p obtidos na regressão, as tendências foram classificadas como crescentes (aquelas com VPA positiva e valor de p significativo), decrescente (aquelas com VPA negativa e valor de p significativo) ou estacionária (aquelas com VPA positiva ou negativa e valor de p não significativo).

A fim de analisar a relação entre TPMI e SDI, foi utilizada a análise de regressão linear simples com variância robusta, sendo utilizadas como variável dependente a TPMI e como variável independente o SDI. O R22 International Agency for Research on Cancer, World Health Organization (WHO). GLOBOCAN: Cancer Today [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://gco.iarc.fr/today/home
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foi usado para verificar ajuste no modelo de regressão linear. Valores de P < 0,05 foram considerados estatisticamente significantes para todas as análises realizadas. As análises foram feitas no programa estatístico STATA, versão 16.0.

Aspectos éticos

Para esse tipo de estudo não é exigida submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que os dados utilizados são secundários e de domínio público, sem a identificação dos participantes.

Resultados

Entre 2005 e 2019 ocorreram 207.683 mortes por câncer de mama em mulheres com 20 anos ou mais no Brasil. O número de óbitos apresentou a seguinte distribuição nas regiões: 51,6% (n = 107.191) na Sudeste, 20,9% (n = 43.423) na Nordeste, 17,8% (n = 36.910) na Sul, 6,2% (n = 12.853) na Centro-Oeste e 3.5% (n = 7.306) na Norte.

As taxas médias de mortalidade (em óbitos por 100.000 mulheres) foram de 22,09 no Sul, 21,99 no Sudeste, 18,94 no Centro-Oeste, 16,43 no Nordeste e 12,92 no Norte. A taxa média no Brasil foi de 19,95 óbitos por 100.000 mulheres. Em cada região, os estados que apresentaram as maiores taxas médias de mortalidade foram o Rio de Janeiro (Sudeste), com 27,54 óbitos por 100.000 mulheres; Rio Grande do Sul (Sul), 23,99 óbitos por 100.000 mulheres; Distrito Federal (Centro-Oeste), 22,08 óbitos por 100.000 mulheres; Pernambuco (Nordeste), 20,26 óbitos por 100.000 mulheres, e Roraima (Norte), 15,06 óbitos por 100.000 mulheres. Por outro lado, os estados que tiveram as menores taxas médias em cada região foram Santa Catarina, (Sul) com 20,46 óbitos por 100.000 mulheres; Mato Grosso (Centro-Oeste), 16,94 óbitos por 100.000 mulheres; Minas Gerais (Sudeste), 16,85 óbitos por 100.000 mulheres; Maranhão (Nordeste), 10,24 óbitos por 100.000 mulheres, e Amapá (Norte), 10,03 óbitos por 100.000 mulheres.

A Figura 1 apresenta as séries temporais das taxas de mortalidade padronizada por câncer de mama no Brasil e segundo as regiões.

Figura 1
Taxa padronizada de mortalidade por câncer de mama, segundo grandes regiões e Brasil, 2005-2019.

Comparando os anos de 2005 e 2019, as taxas de mortalidade padronizadas cresceram 78,54% no Nordeste, 73,21% no Norte, 57,47% no Centro-Oeste, 26,95% no Sudeste, 26,92% no Sul e 37,59% no Brasil. Os estados que tiveram os maiores percentuais de crescimento em cada região foram Tocantins (Norte), com 220%; Bahia (Nordeste) com 108,89%; Mato Grosso (Centro-Oeste) com 93,71%; Minas Gerais (Sudeste) com 55,26% e Santa Catarina (Sul) com 49,82%. Os estados que apresentaram os menores percentuais de aumento entre 2005 e 2019 foram Pernambuco (Nordeste), com 44,66%; Roraima (Norte) com 43,31%; Paraná (Sul) com 26,92%; Distrito Federal (Centro-Oeste) com 26,37% e São Paulo (Sudeste) com 18,36% (Tabela 1).

Tabela 1
Taxa de mortalidade bruta e padronizada por câncer de mama, segundo região, unidade da federação e Brasil, nos anos de 2005 e 2019.

A taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama no Brasil aumentou significativamente no período (VPA = 2,01; IC95% = 1,82; 2,19). Esse comportamento foi observado em todas as regiões. Os maiores crescimentos foram nas regiões Norte (VPA = 5,71; IC95% = 3,63-7,83) e Nordeste (VPA = 5,46; IC95% = 4,65-6,27). Apenas seis estados (22,2%) apresentaram tendência estacionária. Os outros estados (n = 21; 77,8%) exibiram tendência crescente (Tabela 2).

Tabela 1
Taxa de mortalidade bruta e padronizada por câncer de mama, segundo região, unidade da federação e Brasil, nos anos de 2005 e 2019.

A análise de regressão linear simples mostrou correlação positiva entre o SDI e a taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama. A cada aumento de uma unidade do SDI, a taxa de mortalidade aumentou 6,85 óbitos por 100.000 mulheres. Esse resultado demonstra que as regiões com maior status de desenvolvimento também apresentam maiores taxas de mortalidade por câncer de mama no Brasil (Figura 2).

Figura 2
Análise de correlação entre o Socio-Demographic Index (SDI) e a taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama, Brasil, 2005-2019.

Discussão

O estudo mostrou tendência crescente da taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama no Brasil, em todas as regiões e na maioria dos estados. Desigualdades nas taxas foram encontradas entre as regiões. As regiões Sul e Sudeste apresentaram as maiores taxas de mortalidade. No entanto, Norte e Nordeste tiveram o maior crescimento na VPA. Verificamos ainda relação positiva entre a taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama e o SDI, indicando relação direta entre o status de desenvolvimento e a mortalidade por câncer de mama.

A taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama média encontrada neste estudo foi superior à taxa global verificada pelo GBD entre os anos de 1990 e 2016 (14,61 óbitos por 100.000 mulheres). Também foi similar à encontrado em países mais desenvolvidos socioeconomicamente, como Canadá (19,82 óbitos por 100.000 mulheres) e Estados Unidos (19,45 óbitos por 100.000 mulheres)2121 Sharma R. Breast cancer incidence, mortality and mortality-to-incidence ratio (MIR) are associated with human development, 1990-2016: evidence from Global Burden of Disease Study 2016. Breast Cancer 2019; 26(4):428-445.. Os dados globais mostram que os países com as menores taxas são aqueles com IDH médio, grupo no qual o Brasil se enquadra2121 Sharma R. Breast cancer incidence, mortality and mortality-to-incidence ratio (MIR) are associated with human development, 1990-2016: evidence from Global Burden of Disease Study 2016. Breast Cancer 2019; 26(4):428-445.. Entretanto, as tendências crescentes encontradas no presente estudo alertam para a necessidade de implementação de políticas públicas de prevenção e rastreamento precoce do câncer de mama.

Os achados deste estudo são comparáveis aos resultados de estudos anteriores conduzidos no Brasil, apesar das diferentes metodologias e períodos analisados. Em pesquisas realizadas nos períodos de 1991 a 2010 e 1996 a 2012, respectivamente, o Brasil apresentou aumento das taxas de mortalidade por câncer de mama2222 Kluthcovsky ACGC, Faria TNP, Carneiro FH, Strona R. Female breast cancer mortality in Brazil and its regions. Rev Assoc Med Bras 2014; 60(4):387-393.,2323 Barcelos MRB, Zago AM, Andrade RLM, Ferreira Fontenelle L, Pereira Nunes B, Chalupowski M, Rebbeck TR, Facchini LA, Wehrmeister FC. Breast cancer mortality in brazil: correlation with human development index. Int Arch Med 2017; 10(12):1-9.. Em outro estudo2424 Gonzaga CMR, Freitas-Junior R, Curado MP, Sousa ALL, Souza-Neto JA, Souza MR. Temporal trends in female breast cancer mortality in Brazil and correlations with social inequalities: ecological time-series study. BMC Public Health 2015; 15:96., que analisou a tendência da mortalidade por câncer de mama entre 1990 e 2011, observou-se que as taxas de mortalidade permaneceram estáveis no país. O taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama média encontrada no presente estudo em 2019 (21,19 óbitos por 100.000 mulheres) foi similar ao valor estimado pelo GCO no ano de 2018 (20,7 óbitos por 100.000 mulheres)22 International Agency for Research on Cancer, World Health Organization (WHO). GLOBOCAN: Cancer Today [Internet]. 2020. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://gco.iarc.fr/today/home
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Em 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu como objetivo diminuir a mortalidade global de câncer de mama em 2,5% anualmente entre 2020 e 20402525 World Health Organization (WHO). Global breast cancer initiative implementation framework: assessing, strengthening and scaling-up of services for the early detection and management of breast cancer [Internet]. 2023. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://www.who.int/initiatives/global-breast-cancer-initiative#:~:text=The World Health Organization's Global,would save 2.5 million lives.
https://www.who.int/initiatives/global-b...
. No entanto, os resultados encontrados neste estudo sugerem aumento percentual, ao contrário da meta estabelecida pela OMS.

Verificou-se maior aumento das taxas de mortalidade em algumas regiões, como as Nordeste e Norte. Embora a tendência tenha sido crescente em todas as regiões, observou-se maior crescimento nas regiões Nordeste e Norte. Resultados de outros estudos55 Camargo JDAS, Santos J, Simões TC, Carvalho JBL, Silva GWS, Dantas ESO, Rodrigues WTDS, Freire FHMA, Meira KC. Mortality due to breast cancer in a region of high socioeconomic vulnerability in Brazil: nalysis of the effect of age-period and cohort. PLoS One 2021; 16:e0255935.,2323 Barcelos MRB, Zago AM, Andrade RLM, Ferreira Fontenelle L, Pereira Nunes B, Chalupowski M, Rebbeck TR, Facchini LA, Wehrmeister FC. Breast cancer mortality in brazil: correlation with human development index. Int Arch Med 2017; 10(12):1-9.,2424 Gonzaga CMR, Freitas-Junior R, Curado MP, Sousa ALL, Souza-Neto JA, Souza MR. Temporal trends in female breast cancer mortality in Brazil and correlations with social inequalities: ecological time-series study. BMC Public Health 2015; 15:96.,2626 Silva GA, Jardim BC, Ferreira VM, Junger WL, Girianelli VR. Cancer mortality in the Capitals and in the interior of Brazil: a four-decade analysis. Rev Saude Publica 2020; 54:126. mostram que o Nordeste é caracterizado por apresentar taxas crescentes de mortalidade por câncer de mama, enquanto as regiões Sul e Sudeste apresentam tendências decrescentes das taxas. Contudo, as maiores taxas de mortalidade padronizadas por câncer de mama ainda se encontram em estados do Sudeste e do Sul. A maior mortalidade por câncer verificada nas regiões Nordeste e Norte pode ser explicado pelo menor status de desenvolvimento socioeconômico e por menores IDH, com menor quantidade de recursos humanos e estrutura de serviços de saúde para ações de prevenção, promoção e assistência à saúde2222 Kluthcovsky ACGC, Faria TNP, Carneiro FH, Strona R. Female breast cancer mortality in Brazil and its regions. Rev Assoc Med Bras 2014; 60(4):387-393..

No Brasil, muitas políticas foram implementadas nos últimos anos para reduzir a magnitude do câncer de mama. Atualmente, o rastreamento e o diagnóstico precoce são as ações com maior impacto no combate ao câncer de mama2727 Migowski A, Azevedo E Silva G, Dias MBK, Diz MDPE, Sant'Ana DR, Nadanovsky P. Guidelines for early detection of breast cancer in Brazil. II - New national recommendations, main evidence, and controversies. Cad Saude Publica 2018; 34(6):e00074817.,2828 Ministério da Saúde (MS), Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Detecção precoce do câncer [Internet]. 2021. [cited 2023 mar 28]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/deteccao-precoce-do-cancer.pdf
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. Além disso, em 2004 houve a publicação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, que tem como agenda a criação e implementação de ações de saúde que visam a redução da morbimortalidade feminina2929 Brasil. Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: Princípios e Diretrizes [Internet]. 2004. [acessado 2023 mar 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mulher.pdf
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. É necessário destacar ainda que o Brasil dispõe de um sistema de saúde universal (Sistema Único de Saúde - SUS) que tem como porta de entrada a atenção primária à saúde (APS), sendo que uma das principais políticas para o combate a agravos transmissíveis e não transmissíveis é a Estratégia Saúde da Família (ESF), política pública que consiste na oferta de ações de saúde a partir de equipes compostas por médicos, enfermeiros, cirurgiões dentistas, técnicos de enfermagem e de saúde bucal e agentes comunitários de saúde3030 Macinko J, Harris MJ. Brazil's Family Health Strategy - delivering community-based primary care in a universal health system. N Engl J Med 2015; 372(23):2177-2181..

Nesse contexto, a APS constitui a principal rede de atenção para as ações de rastreamento e detecção precoce do câncer de mama, bem como para implementação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e outras políticas para redução da magnitude da morbimortalidade por câncer de mama2929 Brasil. Ministério da Saúde (MS), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: Princípios e Diretrizes [Internet]. 2004. [acessado 2023 mar 28]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mulher.pdf
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. Entretanto, o subfinanciamento da APS e do SUS como um todo e as problemáticas referentes ao déficit de recursos, sucateamento de equipamentos diagnósticos e falhas de referenciamento na rede de atenção à saúde têm dificultado a implementação de tais políticas3131 Funcia FR. Underfunding and federal budget of SUS: preliminary references for additional resource allocation. Cien Saude Colet 2019; 24(12):4405-4415., fato que pode contribuir para o aumento da mortalidade que foi encontrada neste estudo.

Além dos esforços governamentais de financiamento imprescindíveis para o combate ao câncer de mama, ações estratégicas em âmbito nacional ou regionalizadas e com base nas características do território podem ser implementadas na APS para rastreamento e detecção precoce, como o engajamento comunitário, o treinamento e a qualificação das equipes, a busca ativa da população-alvo pelo agente comunitário de saúde, convite da população-alvo pela equipe de saúde da família para consulta de rastreamento, solicitação de mamografias, ações integradas à saúde da mulher, monitoramento do resultado da mamografia de usuárias faltosas e avaliação dos critérios para solicitação da mamografia por meio de sistemas de informação em saúde3232 Sala DCP, Okuno MFP, Taminato M, Castro CP de, Louvison MCP, Tanaka OY. Breast cancer screening in Primary Health Care in Brazil: a systematic review. Rev Bras Enferm 2021; 74(3):e20200995..

O presente estudo demonstra uma relação positiva entre a SDI e a taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama, o que é similar ao encontrado em estudos anteriores1212 Girianelli VR, Gamarra CJ, Silva GA. Disparities in cervical and breast cancer mortality in Brazil. Rev Saude Publica 2014; 48(3):459-467.,2323 Barcelos MRB, Zago AM, Andrade RLM, Ferreira Fontenelle L, Pereira Nunes B, Chalupowski M, Rebbeck TR, Facchini LA, Wehrmeister FC. Breast cancer mortality in brazil: correlation with human development index. Int Arch Med 2017; 10(12):1-9.. No entanto, os estudos anteriores usaram o IDH e os indicadores socioeconômicos e assistenciais do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), respectivamente. Esses resultados indicam que os estados com maior SDI apresentam as maiores taxas de mortalidade por câncer de mama. Os estados do Sul e Sudeste são caracterizados por ter melhor SDI, bem como maior taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama, ao contrário do verificado nas regiões Norte e Nordeste, que são menos desenvolvidas e têm estados com menores SDI. Esse resultado pode ser explicado por algumas hipóteses. As regiões Sul e Sudeste apresentam maior concentração de serviços do SUS e tecnologias, consequentemente existindo um maior número de diagnósticos pela realização de mamografias, além de maior acesso aos serviços de saúde2626 Silva GA, Jardim BC, Ferreira VM, Junger WL, Girianelli VR. Cancer mortality in the Capitals and in the interior of Brazil: a four-decade analysis. Rev Saude Publica 2020; 54:126.. Apesar disso, provavelmente grande parte desses diagnósticos ainda são definidos tardiamente, o que resulta em menores chances de um bom prognóstico2323 Barcelos MRB, Zago AM, Andrade RLM, Ferreira Fontenelle L, Pereira Nunes B, Chalupowski M, Rebbeck TR, Facchini LA, Wehrmeister FC. Breast cancer mortality in brazil: correlation with human development index. Int Arch Med 2017; 10(12):1-9.. Usuárias das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentam maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde, e consequentemente diagnósticos tardios para a patologia, além da falta de acesso, recursos e encaminhamento oportuno para os tratamentos. Assim, menores taxas de mortalidade nos estados com maior SDI podem ser explicadas por meio da menor oportunidade de acesso ao diagnóstico. Há também outros fatores que podem estar relacionados a esses resultados e que podem variar entre as regiões com estados de menor e maior SDI, como a falta de conhecimento, conscientização e informações sobre a patologia, o grande intervalo de tempo entre o aparecimento de sinais e sintomas e a primeira consulta e atraso para o início do tratamento1212 Girianelli VR, Gamarra CJ, Silva GA. Disparities in cervical and breast cancer mortality in Brazil. Rev Saude Publica 2014; 48(3):459-467.,2424 Gonzaga CMR, Freitas-Junior R, Curado MP, Sousa ALL, Souza-Neto JA, Souza MR. Temporal trends in female breast cancer mortality in Brazil and correlations with social inequalities: ecological time-series study. BMC Public Health 2015; 15:96.,2626 Silva GA, Jardim BC, Ferreira VM, Junger WL, Girianelli VR. Cancer mortality in the Capitals and in the interior of Brazil: a four-decade analysis. Rev Saude Publica 2020; 54:126..

Este estudo apresenta algumas limitações. O SIM, apesar das melhorias na sua qualidade nos últimos anos, não apresenta 100% de cobertura. Assim, muitos óbitos podem não ter sido incluídos na presente análise, subestimando as taxas padronizadas. A qualidade dos dados apresenta variações entre as regiões, o que pode influenciar os resultados3333 Souza CDF, Paiva JPS, Silva LF, Leal TC, Magalhães MAFM. Trends in tuberculosis mortality in Brazil (1990-2015): joinpoint analysis. J Bras Pneumol 2019; 45(2):e20180393.. Muitos dos garbage codes do SIM poderiam ser casos de câncer de mama. Não foram estimadas as taxas de mortalidade segundo raça/cor da pele e escolaridade, impossibilitando análise da relação dos DSS e mortalidade por câncer de mama. Não foi captado o efeito da pandemia da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) declarada em 11 de março de 2020 nas taxas de mortalidade. Este estudo também está sujeito à falácia ecológica quanto à associação entre taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama e SDI. Entretanto, o estudo avança ao realizar análise de tendência, o que pode contribuir para o monitoramento de indicadores das políticas de redução de morbimortalidade por câncer de mama, evidenciando em quais regiões as ações devem ser intensificadas, a fim de reduzir a morbimortalidade por câncer de mama no país.

Em conclusão, o estudo mostrou tendência crescente da taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama em mulheres de 20 anos ou mais no Brasil em todas as regiões e na maioria dos estados. As regiões Sul e Sudeste apresentaram as maiores taxas de mortalidade. No entanto, as regiões Norte e Nordeste tiveram os maiores percentuais de crescimento. Também foi possível observar uma relação positiva entre a taxa de mortalidade padronizada por câncer de mama e o SDI, indicando a presença de inequidades e disparidades entre as macrorregiões brasileiras. Sugere ainda que as maiores taxas de mortalidade por câncer de mama estão localizadas nos estados mais desenvolvidos do Brasil.

Os resultados do presente estudo podem subsidiar o fortalecimento das políticas públicas vigentes para prevenção e rastreamento precoce do câncer de mama em níveis nacionais, regionais e locais, destacando a necessidade de investimentos públicos, sobretudo na APS. Além disso, os dados contribuem para o monitoramento da situação de saúde do câncer de mama, auxiliando na verificação das metas dos planos e políticas nacionais de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Mar 2024

Histórico

  • Recebido
    11 Fev 2023
  • Aceito
    02 Maio 2023
  • Publicado
    04 Maio 2023
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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