A ABRAFH e a visibilidade de famílias homotransparentais

Anna Paula Uziel Saulo Amorim Sobre os autores

Resumo

Entrevista realizada por Anna Paula Uziel, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com Saulo Amorim, que foi presidente da ABRAFH (Associação Brasileira de Família Homotransafetivas), sobre a história da Associação, seus impactos na difusão dessas configurações familiares e como se cruza com a história de paternidade do entrevistado. Os diferentes personagens que compõem essa história falam do momento político do país, da incorporação da transparentalidades à Associação e de como esta vai se constituindo em um espaço de sociabilidade e conforto para quem exerce parentalidades não hegemônicas.

Palavras-chave:
Parentalidades; Homotransafetividade; Famílias; LGBTI+

Anna - Saulo, como você se aproximou da ABRAFH 11 Amorim SXB. Sonhos, realizações e recomeços. In: Moreira SM, organizadora. Parentalidades diversas. Curitiba: Juruá; 2022. p. 173-180. (Associação Brasileira de Família Homotransafetivas) e como isso cruza com a tua vida?

Saulo - Quando dei início ao projeto de adoção eu ainda estava casado. Isso foi em 2013. Nós procuramos a Vara de Infância na capital, nos encaminharam a um grupo de apoio à adoção na Barra, Rosa da Adoção. Fizemos a preparação para a habilitação lá e aí demos entrada no processo em 2014. Em 2017 eu fui chamado. Meu perfil inicial era menina e menino, eu queria duas crianças. Mas quando chegou a minha vez, não havia essa configuração. Escolhi, já que tinha chegado minha vez, conhecer as crianças disponíveis. Aí me foi indicado o Teodoro, mas o fato de eu ter optado por receber uma criança e permanecer à espera de outra me jogou de volta para o final da fila. Eu me divorciei em 2019 e tive que passar por toda a requalificação com psicólogo, assistente social, visita à casa, tudo de novo. Minha renovação da habilitação saiu durante a pandemia, tive que fazer entrevistas virtuais e depois foi o tempo de espera mesmo. Os sistemas de proteção à infância foram completamente afetados pela pandemia, não tinha assistente social na rua, não havia escolas abertas, os postos de saúde fechados ou focados na pandemia da COVID, não havia quem pudesse denunciar violências sofridas pelas crianças, então os sistemas de proteção e observação das crianças faliram durante a pandemia.

Anna - Você poderia contar um pouco sobre a criação da ABRAFH? Quais eram as questões que estavam postas naquele momento quando ela foi criada, e de lá para cá? E durante a sua gestão, que questões apareciam?

Saulo - Em 2013, estávamos vivenciando aquela euforia da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tinha entendido a união homoafetiva como entidade familiar e havia aberto finalmente a possibilidade de casamento por via administrativa, tinha ampliado os direitos: direito de previdência, direito de herança, direito de registros em assentamentos funcionais e adoção. Participando do Grupo de Apoio à Adoção Rosa, eu procuro os coordenadores e provoco sobre o seguinte: tanto tem se falado hoje em dia sobre as famílias homoafetivas, eu já participo aqui do grupo há quase um ano e nunca vi uma palestra sobre adoção LGBTI. A coordenadora achou ótima aquela provocação e no mês seguinte, para minha grata surpresa, chega o Rogério Koscheck, que, junto com a Ana Lodi, estavam dando os primeiros passos para a formação da ABRAFH, fundada em 2015. Eles estavam angariando pessoas, visitando locais, falando sobre essa ideia. Meses antes havia ocorrido um evento no Senado Federal sobre “famílias contemporâneas”, em que se discutiu a ampliação dos direitos para as famílias LGBTI a partir da decisão do Supremo. A desembargadora Maria Berenice Dias estava presente nesse evento e levantou essa ideia: “Conheço várias entidades que protegem os interesses da comunidade LGBTI, mas nenhuma que paute especificamente os interesses das famílias LGBTI”. Marília Serra e Ana Lodi fizeram contato com pessoas aqui do Rio de Janeiro. Rogério Koscheck foi uma das pessoas contatadas, por ter participado do programa da GNT “Histórias de adoção”, ele e o marido adotaram quatro crianças. A ABRAFH então surge enquanto ideia nesse evento do Senado, e é fundada dois anos depois. O Rogério surge como o primeiro presidente da ABRAFH, e eu entro a pedido do Rogério, como diretor administrativo da Associação, para ajudar a organizar um primeiro congresso internacional que seria na OAB - Ordem dos Advogados do Brasil. A gente tentou reunir as pessoas que estavam presentes no evento do Senado e outras que tinham relevância política e social no momento, como Jean Wyllys, que era o único deputado federal abertamente LGBTI, Maria Berenice Dias, o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), Sávio Bittencourt pelo Ministério Público e várias outras pessoas. O Tony Reis, atual presidente da ABRAFH, que era o presidente da Aliança Nacional LGBTI, também participou do evento.

O Rogério foi o primeiro presidente, depois eu cumpri dois mandatos. Nesse período, percebi a necessidade de dar visibilidade à ABRAFH, era preciso sermos reconhecidos como referência nacional. Até então a referência da mídia, ao falar sobre famílias LGBTI, era o IBDFAM, Instituto Brasileiro de Direito de Famílias, não necessariamente pessoas LGBTI falavam sobre os direitos das famílias LGBTI. No nosso segundo congresso, no início de 2018, realizado em Brasília, tivemos a presença de deputados, senadores, e também do Ministério Público da União, da Defensoria Pública, da OAB local, do IBDFAM local. Falou-se da transversalidade entre a pauta LGBTI com as questões étnico-raciais, com as questões do capacitismo, de identidade de gênero, e aí a gente aprofunda a pauta da questão das famílias trans. Eu tive a preocupação de trazer uma pessoa trans para a diretoria da ABRAFH e convidei, como vice-presidente, a Alexya Salvador.

Anna - O que muda com a entrada da Alexya?

Saulo - Decidiu-se pela mudança do nome da ABRAFH, que até aquele momento era Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas, para Homotransafetivas 22 Aliança Nacional LGBTI. Manual de comunicação LGBTI+. Curitiba: Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros - Universidade Federal do Paraná; 2021., termo sugerido pela Alexya. E depois eu passei a ver com certa felicidade o termo homotransafetivo sendo utilizado em artigos, no discurso de outras pessoas. Até aquele momento, a busca pela ABRAFH era em grande maioria pelas famílias homo, homens e mulheres. Eu contava nos dedos as famílias trans e as famílias intersexo… Famílias bissexuais eu sabia de duas. O armário bissexual é mais difícil de ser rompido, e as famílias trans têm dificuldade no acesso às questões de família, é um sonho mais alto. A Alexya diz que para ela, uma mulher preta - hoje ela se identifica como travesti -, ter chegado onde chegou, com a adoção de três crianças, ela teve que vencer muitas barreiras, e a principal delas é a falta de oportunidades. Pessoas trans estão mais preocupadas em sobreviver, em se alimentar, em trabalhar. O processo de adoção é gratuito, mas envolve despesas, você tem que tirar um documento, você tem que se deslocar para um fórum, você tem que ter dinheiro para bancar a permanência em algum lugar para fazer visitação. Então a ABRAFH durante muito tempo foi rotulada como uma entidade de pessoas brancas, de classe alta, como se ela tivesse sido criada para esse nicho. Ela foi pensada para todas as famílias e, infelizmente, aquelas que têm mais acesso à mídia, às redes sociais sobre essa associação são as famílias que têm dinheiro e acesso à efetiva concretização do projeto paternidade/maternidade. Os congressos da ABRAFH têm a intenção de ser um momento de catalização de forças e de aproximação da militância.

Anna - Por que o uso do termo homoafetivo/homotransafetivo? Por que homoafetivo e não homossexuais?

Saulo - O termo homoafetivo foi cunhado por Maria Berenice Dias, uma das idealizadoras dessa associação. No início, pensaram em ser “Associação de Famílias Contemporâneas”. Mas já existia, naquela época, a Igreja Contemporânea, que era uma igreja LGBTI, fundada por pastores gays preocupados com a comunidade LGBTI. Houve preocupação dessa Associação ser vinculada à pauta religiosa. No primeiro congresso, se discutiu bastante: por que não de famílias homossexuais? Por que não de famílias LGBTI? E aí a grande defesa foi pelo sufixo “afeto”. Quando a gente usa o termo homossexualidade, lesbossexualidade, transsexualidade, a gente tem no sufixo a marca de uma expressão que é natural de todo ser humano, que é a sexualidade. Nós somos, como todo ser humano, corpos políticos, corpos sexuais, ainda que seja para exercer essa sexualidade com a negativa, como os assexuais. Os seres humanos são seres gregários, nós procuramos tribos, nós procuramos os nossos parceiros de vida, até mesmo os amigos mais íntimos e as pessoas que de fato serão família, os que constituem conosco projetos maiores de existência e de percurso. Então, refletindo sobre essa capacidade de criar laços, de estabelecer relacionamentos, percebemos que o afeto representaria muito mais as propostas da associação. Não é negar a sexualidade, pelo contrário, é evidenciar a potencialidade do afeto. O segundo passo foi perceber que homoafetivo não incluía as diversas identidades, resolvemos avançar para valorizar as questões trans e criamos o termo homotransafetivas por sugestão da própria Alexya.

Anna - O que as pessoas buscam quando procuram a ABRAFH?

Saulo - Três perfis que se mantiveram ao longo dos anos: (1) famílias que buscam a ABRAFH por sua missão, por questão de identificação, representação e convívio, ou seja, aquelas famílias que diziam “nós precisamos ser representados e identificamos a ABRAFH como uma entidade que pode falar por nós”; (2) o outro perfil é de pessoas que procuram a ABRAFH dizendo assim: “tenho filhos pequenos, pretendo ter filhos, estou em processo de adoção, quero estar perto de pessoas como eu, conviver com pessoas como eu para que meus filhos cresçam nesses ambientes, para que minha família se desenvolva nesse ambiente”; (3) e um terceiro perfil que procurava a retributividade: “O que essa associação pode fazer por mim?”. E esse perfil é o mais delicado. A ideia principal da ABRAFH sempre foi congregar, reunir famílias para estabelecer representatividade. E muitas pessoas, por não entenderem esse papel de associação, a buscavam com a perspectiva de ter assistência jurídica e psicológica gratuitas, já que não tinham condições de se manterem. O que doía muito na gente, mas existem entidades que trabalham justamente com esse tipo de questão do amparo social. Durante a pandemia, a gente até conseguiu psicólogos voluntários que ofereceram alguns horários pro bono para acompanhar pessoas que estavam passando por dificuldades, mas foi uma ação contingencial. E fizemos no mesmo ano uma lista de advogades amigues.

Anna - Nas pesquisas aparece muito na fala das pessoas, especialmente das mulheres, que quando se descobriram lésbicas achavam que não iam ser mães. Então você acha que a associação também tem esse papel, no sentido de dizer “olha só, isso é possível”? Porque saber que sua vida é viável produz saúde mental, não? Ou você acha que já está suficientemente disseminado e então isso acontece cada vez menos, de um homem se perceber gay e achar que isso é incompatível com a paternidade?

Saulo - A depender das origens dessa pessoa LGBTI, ela realmente não enxerga essas potências. Se é uma pessoa que nasceu num meio onde a cultura das relações biológicas constitui a verdade da estrutura de uma família, ela tem dificuldade de se assumir gay, lésbica, trans ou o que for, também por medo. Porque se ela, como eu, nasce com esse desejo forte da paternidade ou da maternidade, ela vai se violentar para concretizar esse desejo, porque ela não consegue enxergar além da perspectiva biológica da parentalidade. Ainda mais se você nasce pobre, em um contexto evangélico, de periferia, você não tem dinheiro para pagar uma inseminação, você não tem dinheiro para viajar para o exterior e usufruir de gestação de substituição em outro lugar. Até que a pessoa consiga romper com isso e enxergar a paternidade e a maternidade por outras vias… e aí eu falo especificamente da adoção. Aí a ABRAFH, sim, traz exemplos, evidencia formas de família que vão trazer alívio.

Anna - E como apareciam as discussões sobre parentalidade na ABRAFH? Maternidades, paternidades cis e trans…

Saulo - A pauta lésbica sempre foi até mais forte dentro da ABRAFH. Era muito mais comum a gente ter pautado nos círculos de conversas e nos eventos as demandas das mulheres cis e trans do que a gente ter outras perspectivas, havia uma ausência de discussões sobre paternidades. E é muito difícil você encontrar textos acadêmicos que falem sobre paternidade trans. Quem é o pai trans? Quem é o pai cis? “Ah, sim, porque a gente tá tentando romper com o patriarcado, tem toda essa dificuldade…”, sim, mas se a gente não fala sobre paternidades a gente não transforma também a realidade do patriarcado. A gente pode implodir o patriarcado por dentro dele, falando sobre o que é ser pai e o que se espera dessa figura paterna. Falando do meu lugar de privilégios de homem, branco, cis, eu nunca me ofendi quando se referiam a mim, por ser homem, no termo feminino, né. “Você cuida dos seus filhos como uma mãe”, pelo contrário, eu me sinto muito honrado. O feminino não me desqualifica, não me diminui. Ser identificado com maternidade não me invalida na minha paternidade. E onde eu quero chegar com essa história toda? Para mim, maternidade e paternidade são dois reflexos de uma mesma condição, independentemente do ser humano ou dito responsável. Não importa se quem cuida das infâncias tem um pênis ou uma vagina, sua orientação sexual ou como se identifica socialmente, se como pai ou mãe, você tá me entendendo? A perspectiva também da desconstrução desse lugar da paternidade me parece muito potente. Quando eu penso em falar sobre paternidades, na verdade é justamente pra implodir o arquétipo. Revelando que ser pai não é uma contraposição ao ser mãe. E um não invalida o outro, mas complementa. A psicanálise diz que são funções e que ambas as funções podem estar em qualquer pessoa, ou estar em duas ou três. E eu acredito muito nisso, essas funções estão todas em mim e não importa que eu tenha pênis e que meu companheiro também tenha.

Anna - Queria te perguntar agora um pouco mais sobre termos. Há esse termo cunhado pela APGL (Association des Parents et Futurs Parents Gays et Lesbiens) na França, em 1996 33 Uziel AP. Homossexualidade e adoção. Rio de Janeiro: Garamond; 2007. , que é de homoparentalité , homoparentalidade em português. Tenho ouvido mulheres reivindicando lesboparentalidades. Você acha que isso é importante? E depois eu queria que você falasse um pouquinho se há diferenças entre heteroparentalidades, homoparentalidades, transparentalidades.

Saulo - Quando a gente traz o sufixo da parentalidade, a gente descola daquele campo que eu estava discutindo contigo que é o afeto, a construção das estruturas de família. A gente começa a ter uma perspectiva mais sobre as relações. O termo parentalidades se adequa melhor às relações na família extensa. Os núcleos primários precisam de muito afeto para serem funcionais, tratar de parentalidades é “cura” maior, um passo além. Se existem diferenças entre a parentalidade LGBTI e a parentalidade cishetero 44 São Paulo. Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Direito e diversidade. São Paulo: MPSP; 2017.? Sim, no Brasil não temos diferenças em garantias de direitos nominais às famílias LGBTI. O exercício de direitos vem a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal de 2011, que reconhece a união estável entre pessoas de mesmo sexo como entidade familiar. O problema é que o exercício desses direitos carece de garantias, que deveriam ter vindo ao longo da última década. Tanto não temos garantias que a gente está agora, neste momento enquanto a gente conversa, tendo que lidar com um projeto de lei que visa justamente o retrocesso, que passou em primeira votação na comissão temática e vai prosseguir na Câmara. É um projeto que objetiva acabar com a possibilidade do casamento LGBTI no Brasil, mas tem inúmeras consequências no campo da adoção, da sucessão etc. O direito ao casamento é cishetero, está assim no texto da lei, esse “modelo” é o que interessa ao “centrão” como família55 Butler J. O parentesco é sempre tido como heterossexual? Cad Pagu 2003; 21:219-260.. A parentalidade LGBTI é uma parentalidade que sobrevive no Brasil por decisões judiciais, gozando de direitos dados para outros e estendidos a nós. Agora, se você for entrar nas experiências pessoais, aí é outro campo. Você vai encontrar exercícios de parentalidade que buscam aquele reflexo das uniões hétero, o famoso chaveirinho de hétero, porque ele não se identifica com a pauta da comunidade LGBTI e acha que realmente as demandas da militância são exageradas. Eles se adequam às expectativas da sociedade, silenciosos, não dão pinta, não ousam romper com o padrão da masculinidade que se espera daqueles corpos, ou da feminilidade que se espera daqueles corpos. E tem também o exercício da parentalidade que já é o inverso, que é aquela família que rompe todas as expectativas sociais, como as não binárias, as trans e intersexo, que vão ter mais dificuldades de acesso a direitos.

Anna - Pensando hoje em termos de aceitação social e de formação de família, você vê diferença entre famílias formadas por casais de mulheres e por casais de homens?

Saulo - A única coisa que eu posso dizer que eu vejo como evolução na última década é que as pessoas já não temem tanto o fato de crianças serem cuidadas - maternadas ou paternadas - por duas pessoas do mesmo sexo. Ou por duas pessoas trans. Aquelas crianças que foram adotadas há dez anos estão chegando à adolescência e não estão “sofrendo” por isso. Foram amadas, cuidadas como qualquer outro ser humano e vão se desenvolver como qualquer ser humano, independentemente da sexualidade ou da orientação sexual, das identidades de gênero daqueles/as que delas cuidam. Nesse sentido eu percebo que houve uma redução de estresse, mas não acredito que as perspectivas, quando entram no campo do preconceito, tenham mudado. Porque a ideia da paternidade e da maternidade biológicas como sendo a via correta, verdadeira, ideal, esperada, ainda é muito forte, inclusive no meio LGBTI. A maioria das pessoas que buscava a ABRAFH não buscava orientação sobre adoção, mas sobre inseminação artificial, gestação de substituição. Por que as pessoas LGBTI ainda buscam a via do afeto como segunda opção? E é muito difícil a gente transformar essa cultura porque elas nem se dão conta do quanto foram bitoladas e como o patriarcado cishetero consolidou a ideia de que “mãe de verdade”, ou de que “família de verdade” é biológica, naquele discurso conservador em que “existe um pai, uma mãe e os filhos havidos dessa relação”. Quem disse que biologia garante a verdade do afeto? O esquecido Estatuto da Família, uma antiga expectativa da bancada evangélica, do centrão, é nada mais do que a escrita de um projeto social há muito arquitetado, que não enxerga parentalidades ainda para além dos laços sanguíneos.

Anna - Há uma ação para que a Receita Federal e outros bancos de dados que se constituem a partir dela reconheçam CPFs de duas mães, o que não acontece, apesar de os nomes das duas constarem nos documentos das crianças. Pode contar um pouco como está?

Saulo - Na programação da TI, todo CPF tem um nome e o primeiro rastreio de homonímia parte do nome da mãe, antes mesmo da data de nascimento. Então eles alteram esse cadastro em âmbito nacional e perdem um campo de rastreio de homonímia. O que eles não conseguem entender e elaborar é que a data de nascimento continua sendo um rastreio de homonímia, o local de nascimento pode ser um rastreio. Precisa alterar o sistema. Vai dar trabalho? Evidente que vai dar trabalho, mas tem que ser feito. Em algum momento tem que ser feito.

Anna - Obrigada!

Referências

  • 1
    Amorim SXB. Sonhos, realizações e recomeços. In: Moreira SM, organizadora. Parentalidades diversas. Curitiba: Juruá; 2022. p. 173-180.
  • 2
    Aliança Nacional LGBTI. Manual de comunicação LGBTI+. Curitiba: Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros - Universidade Federal do Paraná; 2021.
  • 3
    Uziel AP. Homossexualidade e adoção. Rio de Janeiro: Garamond; 2007.
  • 4
    São Paulo. Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP). Direito e diversidade. São Paulo: MPSP; 2017.
  • 5
    Butler J. O parentesco é sempre tido como heterossexual? Cad Pagu 2003; 21:219-260.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Abr 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2023
  • Aceito
    18 Dez 2023
  • Publicado
    18 Dez 2023
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