Seguindo os passos de McWhinney: da medicina de família à medicina tradicional e complementar

Armando Henrique Norman Charles Dalcanale Tesser Sobre os autores

Resumo

Os médicos de família desenvolveram uma abordagem holística do cuidado, facilitando um entendimento mútuo das diferentes práticas de medicina tradicional e complementar (MT&C). Este artigo considera três questões interligadas: (1) Crítica de Ian McWhinney às abstrações biomédicas (por exemplo, as categorias de doenças); (2) Semelhanças entre a cosmologia do pensamento organísmico da medicina de família e o vitalismo da homeopatia como um exemplo de MT&C; e (3) Gradiente de modelos explanatórios (MEs) que orienta a aplicação da MT&C no cuidado dos pacientes. Na atenção primária à saúde (APS), predominam os MEs fisiopatológicos e semiológicos, compreendendo pacientes de risco baixo a moderado. A introdução de práticas da MT&C melhora o escopo terapêutico dos médicos de família. A combinação do gradiente de MEs, dos atributos da APS e profissionalismo dos médicos de família pode fornecer o ambiente seguro necessário para implementar os serviços de MT&C.

Atenção primária à saúde; Medicina de família e comunidade; Homeopatia; Terapias complementares; Promoção da saúde


Introdução

Sistemas de saúde universais, organizados a partir da APS apresentam melhores desfechos em saúde para a população, maior equidade e menores custos do que sistemas não organizados pela APS11. McCarthy M . Health system report ranks UK first, US last . BMJ . 2014 ; 348 ( 25 ): g4080 . doi: 10.1136/bmj.g4080 .
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. A força da APS reside na concretização de seus atributos: acesso, integralidade, longitudinalidade, coordenação do cuidado, além das abordagens familiar, comunitária e cultural22. Rawaf S , De Maeseneer J , Starfield B . From Alma-Ata to Almaty: a new start for primary health care . Lancet . 2008 ; 372 ( 9647 ): 1365 - 7 . doi: 10.1016/S0140-6736(08)61524-X . . No centro do cuidado médico na APS está a MFC. Esses profissionais de perfil generalista são os responsáveis em prover e coordenar os cuidados personalizados e continuados de uma coorte de pessoas em um determinado território33. Starfield B , Shi L , Macinko J . Contribution of primary care to health systems and health . Milbank Q . 2005 ; 83 ( 3 ): 457 - 502 . doi: 10.1111/j.1468-0009.2005.00409.x . .

Historicamente, a MFC tem sido uma das poucas especialidades médicas que faz um contraponto ao saber biomédico. Por exemplo, nos Estados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial “O G.I. Bill of Rights [...] ajudou a aumentar a especialização de muitos que eram general practitioners (generalistas) antes da guerra”33. Starfield B , Shi L , Macinko J . Contribution of primary care to health systems and health . Milbank Q . 2005 ; 83 ( 3 ): 457 - 502 . doi: 10.1111/j.1468-0009.2005.00409.x . (p. 458). A restruturação da medicina de família surgiu como um movimento contrário à tendência da superespecialização. Por meio de uma parceria internacional, os médicos generalistas norte-americanos conseguiram estabelecer a credencial necessária para uma nova especialidade médica. A partir da década de 1970, a pós-graduação tornou-se obrigatória para a prática da medicina de família nos EUA33. Starfield B , Shi L , Macinko J . Contribution of primary care to health systems and health . Milbank Q . 2005 ; 83 ( 3 ): 457 - 502 . doi: 10.1111/j.1468-0009.2005.00409.x . . No Reino Unido, essa contraposição ao saber biomédico pode ser entendida como uma resposta aos rearranjos institucionais. A criação do National Health Service (NHS) fortaleceu o papel do médico generalista dentro do sistema de saúde e sua função de filtro para os outros níveis de atenção. Por exemplo, o College of General Practitioners, fundado em 1952, teve como objetivo criar uma identidade acadêmica para o médico de família que não fosse simplesmente uma “versão atenuada do especialista hospitalar”44. Checkland K , Harrison S , McDonald R , Grant S , Campbell S , Guthrie B . Biomedicine, holism and general medical practice: responses to the 2004 General Practitioner contract . Sociol Health Illn . 2008 ; 30 ( 5 ): 788 - 803 . doi: 10.1111/j.1467-9566.2008.01081.x . (p. 790). Assim, os valores centrais dos generalistas foram gradativamente forjados: começando no fim da década de 1950 com o modelo biográfico de Balint nos cuidados clínicos55. Lakasing E . Michael Balint: an outstanding medical life . Br J Gen Pract . 2005 ; 55 ( 518 ): 724 - 5 . , endossado pela prática do modelo biopsicossocial de Engel66. Engel GL . The need for a new medical model: a challenge for biomedicine . Science . 1977 ; 196 ( 4286 ): 129 - 36 . na década de 1970 e chegando à década de 1990 com o construto de McWhinney77. McWhinney IR . William Pickles Lecture 1996. The importance of being different . Br J Gen Pract . 1996 ; 46 ( 408 ): 433 - 6 . do “pensamento organísmico”. Esse esforço para transcender as limitações do modelo biomédico contribuiu para desenvolver uma abordagem holística na prática clínica. A abordagem holística foi definida como “o cuidado da pessoa como um todo que inclui seu contexto de valores, crenças familiares, sistema familiar e cultural-comunitário, levando em consideração uma série de terapias baseadas na evidência de seus benefícios e custos”88. Royal College of General Practitioners . The RCGP curriculum: core curriculum statement . London : Royal College of General Practitioners ; 2016 . (p. 44).

Também a partir da década de 1960 surgiu outro movimento nas sociedades ocidentais, em contraposição ao saber biomédico. As MT&Cs começaram a receber suporte institucional. Inicialmente, a justificativa era resolver os problemas de adoecimento de grandes grupos populacionais desprovidos de atenção médica no mundo, ainda hoje existentes. Por exemplo, “em 1978, a [Organização Mundial da Saúde] OMS recomendou que a medicina tradicional fosse promovida, desenvolvida e integrada sempre que possível com a medicina científica moderna”99. Helman CG . Culture, health and illness . London : Hodder Arnold ; 2007 . (p. 90). Nas décadas seguintes houve uma revalorização crescente e consistente das MT&Cs, principalmente nos países de alta renda, com progressiva regulamentação institucional. O volume de pesquisa científica dedicado às várias MT&Cs cresceu significativamente tanto em seus modos de funcionamento quanto na sua eficácia e segurança. Dois motivos principais para esse crescimento nos países de alta renda incluem: (a) insatisfações com a biomedicina (ocasionadas por um maior potencial iatrogênico; caráter invasivo; e abordagem impessoal e mecanicista); e (b) virtudes das MT&Cs – melhor experiência do cuidado, estímulo do poder natural de cura do paciente, abordagem filosófica/cosmológica convergente com os valores da pessoa e significação holística do adoecimento1010. Gale N . The sociology of traditional, complementary and alternative medicine . Sociol Compass . 2014 ; 8 ( 6 ): 805 - 22 . doi: 10.1111/soc4.12182 . .

O crescimento das MT&Cs influenciou um segmento substancial dos médicos, inclusive das MFCs. É expressiva a porcentagem de médicos que aplicam alguma MT&C ou atuam em parceria com terapeutas complementares: (1) na Suíça, 46% dos médicos têm alguma formação em MT&C1111. World Health Organization . Programme on traditional medicine. WHO traditional medicine strategy 2002-2005 . Geneva : WHO ; 2002 . ; (2) no Canadá, os médicos generalistas realizam 57% das terapias com ervas, 31% dos tratamentos quiropráticos e 24% dos tratamentos de acupuntura1212. World Health Organization . World Health Assembly 56. Traditional medicine: report by the secretariat . Geneva : WHO ; 2003 . ; (3) na Inglaterra, 50% dos generalistas do NHS utilizam ou indicam algum tipo de MT&C1313. Dobson R . Half of general practices offer patients complementary medicine . BMJ . 2003 ; 327 ( 7426 ): 1250 . doi: 10.1136/bmj.327.7426.1250-f . ; e (4) na Holanda, 50% dos médicos generalistas prescrevem plantas medicinais, fazem terapias manuais e acupuntura1212. World Health Organization . World Health Assembly 56. Traditional medicine: report by the secretariat . Geneva : WHO ; 2003 . .

No Brasil, após a Constituição de 1988, que estabeleceu o alicerce de um sistema de saúde unificado, tanto a medicina de família quanto a MT&C foram fomentadas nacionalmente. A primeira, por meio da criação do Programa Saúde da Família (PSF) nos anos 1990. O PSF evoluiu para se tornar a principal estratégia organizadora da APS no Brasil1414. Paim J , Travassos C , Almeida C , Bahia L , Macinko J . The Brazilian health system: history, advances, and challenges . Lancet . 2011 ; 377 ( 9779 ): 1778 - 97 . doi: 10.1016/S0140-6736(11)60054-8 .
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. A segunda ganhou alguma visibilidade e crescimento após a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares de 2006 (PNPIC), que inicialmente apoiou cinco tipos de MT&C: homeopatia, acupuntura/medicina tradicional chinesa, medicina antroposófica, uso de plantas medicinais e água termal/mineral. Em 2017, houve uma expansão das PNPICs para incorporar 19 práticas integrativas e complementares, a saber: arteterapia, medicina ayurvédica, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki , shantala , terapia integrativa comunitária e yoga 1515. Brasil . Ministério da Saúde . Departamento de Atenção Básica . Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares - Informe Maio 2017 [ Internet ]. Brasília : Ministério da Saúde ; 2017 [ citado 20 Jan 2019 ]. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/informe_pics_maio2017.pdf
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Uma diversidade de contextos nacionais, sociais, econômicos e culturais forjou os serviços de APS. Isso resultou em várias concepções e padrões organizacionais na APS mundialmente. No entanto, uma questão é consensual: a prestação de cuidados clínicos. O papel assistencial clínico dos profissionais de saúde é comum a todos os cenários da APS, o que justifica e sustenta o escopo da presente discussão.

Este artigo visa facilitar a compreensão mútua entre a medicina de família e diferentes racionalidades médicas. Ele explora as semelhanças entre o fundamento filosófico da medicina de família e a homeopatia como um exemplo de MT&C. Os pensamentos de Ian McWhinney sobre medicina de família e os conceitos de Samuel Hahnemann sobre homeopatia são utilizados para esse propósito.

McWhinney, um médico inglês, desenvolveu sua carreira médica e acadêmica no Canadá. Uma das questões que ele abordou, na organização das bases acadêmicas da medicina de família, foi as peculiaridades dos fenômenos dos adoecimentos que se apresentam à prática da medicina de família. Isso também contribuiu para o desenvolvimento do Método Clínico Centrado no Paciente (MCCP). O MCCP visa melhorar o atendimento ao paciente, valorizando a experiência do adoecimento dos indivíduos1616. McWhinney I , Freeman T . Textbook of family medicine . Oxford : Oxford University Press ; 2009 . . No entanto, as ideias de McWhinney não têm sido amplamente aplicadas e discutidas na APS brasileira (nem mesmo internacionalmente) e na Saúde Coletiva. Um conceito mais familiar é o modelo biopsicossocial de Engel66. Engel GL . The need for a new medical model: a challenge for biomedicine . Science . 1977 ; 196 ( 4286 ): 129 - 36 . . Esse modelo apresenta uma estrutura sistêmica para as dimensões biológica, psicológica e social de forma hierárquica que compreende as moléculas, as células, o organismo, a pessoa, a família, a biosfera e a sociedade1616. McWhinney I , Freeman T . Textbook of family medicine . Oxford : Oxford University Press ; 2009 . . No entanto, Armstrong1717. Armstrong D . Theoretical tensions in biopsychosocial medicine . Soc Sci Med. 1987 ; 25 ( 11 ): 1213 - 8 . afirma que “a teoria dos sistemas [...] mantém o domínio do biológico sobre o social” (p. 1214). Nesse sentido, há uma convergência com as discussões contemporâneas da Saúde Coletiva brasileira que compreende tanto a clínica ampliada1818. Cunha GT . A construção da clínica ampliada na atenção básica . São Paulo : Hucitec ; 2005 . , 1919. Campos WSC . Saúde Paidéia . São Paulo : Hucitec ; 2003 . quanto os aspectos filosóficos, éticos e tecnológicos da atenção à saúde2020. Ayres JRCM . O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde . Saude Soc . 2004 ; 13 ( 3 ): 16 - 29 . doi: 10.1590/S0104-12902004000300003 .
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21. Ayres JRCM . Cuidado e reconstrução das práticas de Saúde . Interface (Botucatu) . 2004 ; 8 ( 14 ): 73 - 92 . doi: 10.1590/S1414-32832004000100005 .
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- 2222. Carvalho SR , Andrade HS , Cunha GT , Armstrong D . Paradigmas médicos e Atenção Primária à Saúde: vigilância da população e/ou produção de vida? Interface (Botucatu) . 2016 ; 20 ( 58 ): 531 - 5 . doi: 10.1590/1807-57622016.0410 .
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O modelo biopsicossocial contém um determinismo no qual um indivíduo pertence a um nível dentro do sistema. Para McWhinney, ele não “inclui uma abordagem holística” que decorre de uma “observação meticulosa e da compreensão do self do paciente”1616. McWhinney I , Freeman T . Textbook of family medicine . Oxford : Oxford University Press ; 2009 . (p. 70). Para ele, a medicina holística implica na integridade e na autodeterminação do paciente. Assim, é possível afirmar que McWhinney estava em busca de uma “epistemologia da cura”.

Na Homeopatia, Samuel Hahnemann estava na mesma busca. Ele afirma que “a única e elevada missão do médico é restabelecer a saúde aos enfermos, que é o que se chama de curar” e que “o ideal mais elevado de cura é o restabelecimento da saúde de maneira rápida, suave e permanente”2323. Hahnemann S . Organon de la medicina . New Delhi : B. Jain Publisher Pvt. Ltd ; 1993 . (p. 85). Ao contrário de outros MT&C, como as medicinas ayurvédica e chinesa, a homeopatia tem uma longa presença no Brasil, tornando-se uma das MT&Cs mais aceitas culturalmente e mais fácil de ser compreendida2424. Salles SAC , Ayres JRCM . A consulta homeopática: examinando seu efeito em pacientes da atenção básica . Interface (Botucatu) . 2013 ; 17 ( 45 ): 315 - 26 . doi: 10.1590/S1414-32832013005000010 .
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. Assim, serve como um “modelo” concreto para o propósito deste artigo. A homeopatia permite uma primeira exploração das ideias de McWhinney em relação às MT&Cs, que também podem ser exercidas em relação a outras racionalidades médicas. Nesse sentido, o presente artigo fornece uma estrutura organizacional baseada em um gradiente de MEs para delinear o espaço no qual as MT&Cs podem ser melhor aplicadas aos cuidados dos pacientes. Finalmente, afirma que os médicos de família e outros profissionais de saúde que trabalham na APS podem fornecer um ambiente seguro para a aplicação das MT&Cs.

Bases filosóficas da medicina de família

Ian McWhinney (1926-2012), considerado o pai da medicina de família no Canadá, influenciou essa especialidade mundialmente. Na trajetória de repensar academicamente a especialidade, McWhinney publicou uma série de artigos sobre as bases conceituais da medicina de família, que, por não ter um órgão, gênero ou tecnologia que a defina, necessitou refletir sobre si mesma para delimitar seu conteúdo acadêmico e sua prática77. McWhinney IR . William Pickles Lecture 1996. The importance of being different . Br J Gen Pract . 1996 ; 46 ( 408 ): 433 - 6 . . Em 1978, McWhinney publicou um artigo no qual questionava se a medicina de família havia atingido a maturidade requerida pela ciência2525. McWhinney IR . Family medicine as a science . J Fam Pract . 1978 ; 7 ( 1 ): 53 - 8 . . No seu entender, a imaturidade da medicina de família estaria na adoção das abstrações e pressupostos da biomedicina.

Os objetos da ciência são construtos intelectuais. Na medicina, as “doenças” que descrevemos não possuem existência real: elas são abstrações que inventamos para trazer ordem a uma grande quantidade de dados sobre o adoecimento ( illness ). A abstração é uma parte essencial do método científico, mas o risco que corremos é o de nos tornarmos facilmente prisioneiros das nossas abstrações2525. McWhinney IR . Family medicine as a science . J Fam Pract . 1978 ; 7 ( 1 ): 53 - 8 . . (p. 54)

McWhinney salienta que, apesar do caráter organizador que as abstrações possuem, elas podem trazer consequências indesejáveis. Na biomedicina, as patologias têm um caráter central e regulador que orienta tanto o trabalho médico quanto as pesquisas no campo da saúde. Essa centralidade não somente limita e restringe o trabalho médico como desvia permanentemente a atenção dos profissionais para as doenças2626. Rosenberg CE . What is disease?: in memory of Owsei Temkin . Bull Hist Med . 2003 ; 77 ( 3 ): 491 - 505 . doi: 10.1353/bhm.2003.0139 . . Assim, a contribuição da medicina de família para a ciência biomédica seria a de questionar essas abstrações:

No aspecto científico da medicina de família, o papel da filosofia deve ser, nas palavras de Whitehead, o de “criticar as abstrações”. Até o momento, a medicina de família parece ter aceitado sem questionamentos o atual sistema de abstração da medicina, i.e., seu método de classificação das doenças. Temos feito isso, ainda que ele não se encaixe bem com os “fatos concretos” da prática generalista. Continuamos, por exemplo, a realizar pesquisas de morbidade nas quais aceitamos, sem questionar, conceitos como o de “enfermidades psiquiátricas”2525. McWhinney IR . Family medicine as a science . J Fam Pract . 1978 ; 7 ( 1 ): 53 - 8 . . (p. 57)

Propositadamente, McWhinney escolhe a Psiquiatria como exemplo de inconsistência das abstrações biomédicas. A prescrição indiscriminada de drogas psicotrópicas demonstra o caráter problemático da prática médica orientada pelas doenças. Os transtornos psiquiátricos enquanto construtos de “doenças” são frágeis ontológica e epistemologicamente. Assim, o autor propõe que a medicina de família deveria rever os conceitos de doença ( disease ) e adoecimento ( illness ), “visto que é na medicina de família que percebemos mais claramente as incongruências do nosso sistema atual de abstrações”2525. McWhinney IR . Family medicine as a science . J Fam Pract . 1978 ; 7 ( 1 ): 53 - 8 . (p. 58).

Em 1984, McWhinney publica um artigo intitulado Changing Models: The Impact of Kuhn’s Theory on Medicine2727. McWhinney IR . Changing models: the impact of Kuhn’s theory on medicine . Fam Pract . 1984 ; 1 ( 1 ): 3 - 8 . doi: 10.1093/fampra/1.1.3 . . O autor compara a definição de “ciência normal” de Thomas Kuhn – esforço para colocar a natureza dentro de suas caixas conceituais – e os esforços dos médicos em adaptar as experiências de adoecimento ( illness ) dos indivíduos em um quadro de abstrações conceituais, que são as doenças ( disease ). Nesse processo, ocorre uma dissociação entre as abstrações e os fatos, produzindo o que Kuhn denomina como “anomalias”. Os acúmulos dessas anomalias eventualmente desafiariam os pressupostos científicos, facilitando uma revolução paradigmática de acordo com a teoria de Kuhn. O novo paradigma não necessariamente anula o antigo, mas tem maior flexibilidade para acomodar os fenômenos anteriormente ignorados pelo paradigma antigo. Para McWhinney, o paradigma biomédico-mecanicista não consegue lidar com certas anomalias, tais como: (1) dissociação adoecimento/doença – muitas pessoas que se sentem doentes não têm uma doença classificável; (2) etiologia específica – nem sempre se estabelece o agente causal; (3) Separação entre mente e corpo – o adoecimento se manifesta como um fenômeno tridimensional, como o biopsicossocial; e (4) efeito curativo do placebo – abundantemente documentado em ensaios clínicos (média de 35% – variando de 10 a 90%)1616. McWhinney I , Freeman T . Textbook of family medicine . Oxford : Oxford University Press ; 2009 . . Essas anomalias desafiam a ideia implícita e inscrita do paradigma biomédico no qual as doenças são objetos com existência autônoma, fundamentadas na ocorrência de disfunções orgânicas decorrentes de uma cadeia de eventos biológicos desencadeados por uma ou múltiplas causas2828. McWhinney IR . Why we need a new clinical method . Scand J Prim Health Care . 1993 ; 11 ( 1 ): 3 - 7 . . Essa compreensão mecanicista da natureza humana reduz a tarefa dos médicos à de reparar disfunções orgânicas nos corpos, como o componente da doença ( quadro 1 ). O paradigma biomédico-mecanicista obscurece completamente o efeito das influências econômicas e psicossociais na gênese e na cura das doenças.

Quadro 1
Modelo biomédico-mecanicista 16

O paradigma organísmico de McWhinney

McWhinney propõe um “novo paradigma” para a medicina de família denominado “organísmico”77. McWhinney IR . William Pickles Lecture 1996. The importance of being different . Br J Gen Pract . 1996 ; 46 ( 408 ): 433 - 6 . . Ele difere significativamente da visão mecanicista da biomedicina. O quadro 2 destaca suas principais características77. McWhinney IR . William Pickles Lecture 1996. The importance of being different . Br J Gen Pract . 1996 ; 46 ( 408 ): 433 - 6 . , 1616. McWhinney I , Freeman T . Textbook of family medicine . Oxford : Oxford University Press ; 2009 . , 2828. McWhinney IR . Why we need a new clinical method . Scand J Prim Health Care . 1993 ; 11 ( 1 ): 3 - 7 . .

Quadro 2
Paradigma organísmico de McWhinney 7,16,28

Para McWhinney, a descrição material e física das doenças levada a cabo pela biomedicina é restrita ao nível físico, ou no máximo biológico, do ser humano. Esse entendimento não fornece a compreensão sobre o fenômeno complexo da vida, do adoecimento, da cura ou da morte. O paradigma organísmico se destaca pelo seu caráter “multinível” e a possibilidade de autotranscendência. A existência, para McWhinney, é multidimensional.

A mais simples tem três níveis: o transcendental, o mental e o físico. Whitehead (1926) defendia que, se queremos saber os princípios gerais da existência, devemos começar pelo nível mais elevado e ir descendo. Os níveis mais elevados têm capacidades não encontradas nos níveis inferiores. O mais elevado não pode se derivar do mais baixo. A biologia não pode ser completamente explicada em termos de física, nem a psicologia em termos de biologia. Embora cada nível superior inclua os níveis mais baixos, ele sempre transcende esses níveis1616. McWhinney I , Freeman T . Textbook of family medicine . Oxford : Oxford University Press ; 2009 . . (p. 80)

McWhinney é influenciado também pelo pensamento de Schumacher, que fundamenta a hierarquia dos níveis de existência, colocando o ser humano no topo dessa multidimensionalidade ( figura 1 )2929. Schumacher EF . A guide for the perplexed . London : Sphere Books Ltd ; 1978 . .

Figura 1
Construto hierárquico dos níveis de existência de Schumacher 29 . Fonte: elaborado pelos autores.

A figura 1 destaca os elementos imateriais que se manifestam em cada nível da existência: vida (x), consciência (y) e autoconsciência (z). Para Schumacher2929. Schumacher EF . A guide for the perplexed . London : Sphere Books Ltd ; 1978 . , existe uma descontinuidade ontológica entre cada nível. Seguindo a mesma lógica de Whitehead, os níveis mais elevados não podem ser totalmente compreendidos a partir dos níveis mais baixos. Para Schumacher, citando Maurice Nicoll, “a vida, antes de qualquer outra definição, é um drama do visível e do invisível”2929. Schumacher EF . A guide for the perplexed . London : Sphere Books Ltd ; 1978 . (p. 43-4).

McWhinney procura estimular a medicina de família para além do positivismo e do materialismo biomédico, por meio da filosofia (Whitehead, Liebnitz e Schumacher) e da epistemologia (Kuhn). Sem negar o fundamento científico da medicina, McWhinney visa a uma ampliação paradigmática do saber biomédico. Isso facilita o diálogo com outras formas de conceber os seres humanos e a natureza. O pensamento organísmico pode ser considerado um divisor de águas na biomedicina, pois torna o paradigma biomédico mais poroso a outras concepções de saúde/doença. Ele inclui forças invisíveis (imateriais) organizadoras dos processos biológicos e que estão implicadas nos processos de crescimento, regeneração, cura, aprendizado, auto-organização e autotranscendência. Essa compreensão do ser humano promove uma abordagem diferente frente ao adoecimento, cuidado e cura, para além dos aspectos materiais-biológicos.

Entretanto, o mesmo não se pode dizer hoje das técnicas e meios terapêuticos utilizados pela medicina de família. Elas continuam centradas na tradição biomédica, com preferência quase que absoluta pela farmacoterapia, à exceção do manejo terapêutico da relação médico-paciente. Essa situação, todavia, pode ser melhorada. Outras tradições e medicinas possibilitam ampliar o escopo terapêutico dos médicos de família, visto que incluem outros níveis da existência humana, como proposto por McWhinney.

O paradigma organísmico, até onde sabemos, não foi totalmente explorado. Apesar de sua profundidade crítica, as abstrações das doenças persistem como principal ferramenta conceitual e interpretativa da medicina de família. Como consequência, o paradigma biomédico ainda domina e captura a maior parte das intervenções terapêuticas na APS, resultando em controle de risco de doença e medicalização3030. Tesser CD . Cuidado clínico e sobremedicalização na atenção primária à saúde . Trab Educ Saude . 2019 ; 17 ( 2 ): e0020537 . doi: 10.1590/1981-7746-sol00205 . . Essa realidade adversa torna a discussão do paradigma organísmico muito relevante, pois abre o diálogo com outros saberes e práticas contemporâneas de atenção à saúde. Uma dessas possíveis inter-relações se refere à homeopatia.

Homeopatia: o pensamento vitalista de Samuel Hahnemann

Samuel Hahnemann2323. Hahnemann S . Organon de la medicina . New Delhi : B. Jain Publisher Pvt. Ltd ; 1993 . (1755-1843) foi um crítico da medicina de sua época. Ele questionava a “medicina antiga” ou alopatia, que pretendia tirar o agente “mórbido” dos pacientes por meio de sangrias, vomitivos, diuréticos e assim por diante. Para Hahnemann, esse processo aumentava os sofrimentos do paciente e privava o organismo “das forças e fluídos necessários para o coração”2323. Hahnemann S . Organon de la medicina . New Delhi : B. Jain Publisher Pvt. Ltd ; 1993 . (p. 11). Hahnemann defendia uma concepção eminentemente vitalista do ser humano, como outros médicos do século XVIII3131. Waisse S , Amaral MTCG , Alfonso-Goldfarb AM . Roots of French vitalism: Bordeu and Barthez, between Paris and Montpellier . Hist Cienc Saude-Manguinhos . 2011 ; 18 ( 3 ): 625 - 40 . doi: 10.1590/S0104-59702011000300002 .
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O organismo material, sem a força vital, é incapaz de sentir, de trabalhar, de conservar-se a si mesmo; todas as sensações nascem e todas as funções vitais se realizam por meio do ser imaterial (o princípio vital) que o anima, tanto no estado de saúde como na enfermidade2323. Hahnemann S . Organon de la medicina . New Delhi : B. Jain Publisher Pvt. Ltd ; 1993 . . (p. 91)

De acordo com Hahnemann, a natureza das doenças não poderia ser elucidada por meio do escrutínio das estruturas interiores do corpo humano, como seu funcionamento, objetivado em constantes e medidas fisiológicas. A saúde e o adoecimento residem no estado de equilíbrio dinâmico do princípio vital que caracteriza os seres humanos.

O organismo é certamente o instrumento material da vida, mas não pode ser concebido sem o dinamismo que o anima, opera e sente instintivamente. Do mesmo modo, a força vital não pode ser concebida sem o organismo, e por conseguinte, os dois constituem uma unidade, ainda que nossa mente separe essa unidade em duas concepções distintas, a fim de que se possa compreendê-las facilmente2323. Hahnemann S . Organon de la medicina . New Delhi : B. Jain Publisher Pvt. Ltd ; 1993 . . (p. 96-7)

O adoecimento ocorre devido a um desequilíbrio no princípio vital. A fonte do desequilíbrio pode estar em múltiplos níveis da existência. A influência sobre a dinâmica da força vital pode ser por fatores tanto externos (relacionais, sociais e ambientais) quanto internos (dimensões psíquicas, emocionais e espirituais). Essa concepção vitalista foi abandonada pela biomedicina a partir do início do século XX3232. Waisse S , Bonamin LV . Explanatory models for homeopathy: from the vital force to the current paradigm . Homeopathy . 2016 ; 105 ( 3 ): 280 - 5 . doi: 10.1016/j.homp.2016.02.003 . .

Hahnemman concebe e desenvolve um método de estimulação específico do princípio vital denominado de patogenesia3333. Rosenbaum P , Waisse-Priven S . Some remarks concerning homeopathic provings . Homoeopath Links . 2006 ; 19 ( 4 ): 214 - 7 . doi: 10.1055/s-2006-924443 . , que consiste na administração de substâncias diluídas e dinamizadas capazes de alterar o princípio vital dos seres humanos sãos, produzindo estados de adoecimentos artificiais. Hahnemann iniciou as primeiras patogenesias em si mesmo, em conhecidos e familiares3232. Waisse S , Bonamin LV . Explanatory models for homeopathy: from the vital force to the current paradigm . Homeopathy . 2016 ; 105 ( 3 ): 280 - 5 . doi: 10.1016/j.homp.2016.02.003 . . Essa metodologia não era estranha para a medicina de sua época, mas não havia sido organizada e sistematizada antes dele3232. Waisse S , Bonamin LV . Explanatory models for homeopathy: from the vital force to the current paradigm . Homeopathy . 2016 ; 105 ( 3 ): 280 - 5 . doi: 10.1016/j.homp.2016.02.003 . , 3333. Rosenbaum P , Waisse-Priven S . Some remarks concerning homeopathic provings . Homoeopath Links . 2006 ; 19 ( 4 ): 214 - 7 . doi: 10.1055/s-2006-924443 . . A compilação das inúmeras patogenesias constitui a matéria médica homeopática.

A coerência e os fundamentos racionais e científicos de Hahnemann para com o princípio vitalista resultaram na abordagem ou arte de curar da homeopatia. Ela se caracteriza por quatro princípios: (1) Patogenesias – experimentações e documentação sistemática dos efeitos das substâncias medicinais em pessoas sadias; (2) Lei dos semelhantes – similia similibus curentur – medicamento escolhido pelo grau de semelhança entre os sintomas que ele causa na pessoa sadia (nas patogenesias) e a totalidade dos sintomas apresentados pelo doente; (3) Medicamento único – prescrição de uma medicação de cada vez para poder observar a ação do medicamento sobre o doente, o que consiste em uma clara contraposição à polifarmácia, comum em sua época, e uma busca pela coerência com as patogenesias; e (4) Medicamentos diluídos e dinamizados – sucessivas diluições e dinamizações tanto para não ocorrerem efeitos tóxicos quanto para explorar os princípios curativos das medicações2323. Hahnemann S . Organon de la medicina . New Delhi : B. Jain Publisher Pvt. Ltd ; 1993 . , 3232. Waisse S , Bonamin LV . Explanatory models for homeopathy: from the vital force to the current paradigm . Homeopathy . 2016 ; 105 ( 3 ): 280 - 5 . doi: 10.1016/j.homp.2016.02.003 . . As patogenesias homeopáticas mostram que mesmo doses imponderáveis mantêm muitas vezes os efeitos ativos sobre as sensações e funções dos experimentadores de tais substâncias. Paradoxalmente, pouca pesquisa científica sobre as patogenesias tem sido realizada até o momento.

Hahnemann considerava inapropriada a classificação das doenças crônicas como aquelas decorrentes da exposição diária às influências nocivas evitáveis ( quadro 3 ). Segundo o autor, “esses estados de má saúde, que nos proporcionamos, desaparecem espontaneamente – desde que não exista nenhum miasma crônico – melhorando o modo de viver e, dessa forma, não podem ser chamados de enfermidades crônicas”2323. Hahnemann S . Organon de la medicina . New Delhi : B. Jain Publisher Pvt. Ltd ; 1993 . (p.161).

Quadro 3
Condições que produzem doenças crônicas artificiais 23

Hahnemann possuía uma concepção hierárquica da existência em que a força vital se constituía em um nível intermediário entre a matéria e os outros níveis do ser.

No estado de saúde, a força vital (autocrática) que dinamicamente anima o corpo material (organismo), governa com poder ilimitado e conserva todas as partes do organismo em uma admirável e harmoniosa operação vital, tanto com respeito às sensações quanto às funções, de “modo que o espírito dotado de razão que reside em nós possa empregar livremente esses instrumentos vivos e sãos para os mais altos fins da nossa existência”2323. Hahnemann S . Organon de la medicina . New Delhi : B. Jain Publisher Pvt. Ltd ; 1993 . . (ênfase adicionada, p. 91)

Essa cosmologia hierárquica do ser coincide o vitalismo de Hahnemann com o pensamento organísmico de McWhinney. A cosmologia hierárquica, “‘superior’ sempre significa e implica ‘mais dentro’, ‘mais interior’, ‘mais profundo’, ‘íntimo’; enquanto ‘inferior’ significa e implica ‘mais fora’, ‘mais externo’, ‘mais superficial’, ‘menos íntimo’”2929. Schumacher EF . A guide for the perplexed . London : Sphere Books Ltd ; 1978 . (p. 43).

A homeopatia é um sistema médico complexo, específico e diferente da biomedicina3434. Barry CA . The role of evidence in alternative medicine: contrasting biomedical and anthropological approaches . Soc Sci Med . 2006 ; 62 ( 11 ): 2646 - 57 . doi: 10.1016/j.socscimed.2005.11.025 . . De acordo com Luz e Camargo Jr.3535. Luz M , Camargo Jr K . A comparative study of medical rationatilies . Curare J Ethnomed . 1997 ; ( 12 ): 47 - 58 . , a homeopatia é uma racionalidade médica por apresentar as seguintes e coerentes dimensões: cosmologia, doutrina médica, dinâmica vital, morfologia, diagnose e terapêutica. Essas dimensões constituem uma racionalidade médica na medida em que a arte de curar permaneceu como o elemento dominante do seu conhecimento. O compromisso de curar ou de restaurar a saúde dos pacientes constitui a base da homeopatia como uma racionalidade médica. Outras medicinas, como a tradicional chinesa, ayurvédica e antroposófica, também compartilham as mesmas características. Suas cosmologias integradoras do homem, da natureza e do universo estão associadas ao princípio vitalista. Essas racionalidades médicas combinam elementos micro e macrouniversais na gênese das doenças. A doença seria consequência de um desequilíbrio de forças materiais e imateriais. Os seres humanos agem ao mesmo tempo como expressões e participantes nessa ruptura harmônica. Para alcançar um novo estado de equilíbrio dinâmico, as MT&C estimulam os potenciais endógenos dos seres humanos para o reequilíbrio e a autocura nos processos de cuidados de saúde3535. Luz M , Camargo Jr K . A comparative study of medical rationatilies . Curare J Ethnomed . 1997 ; ( 12 ): 47 - 58 . . Essa abordagem facilita o diálogo entre o paradigma organísmico da medicina de família e a MT&C, já que ambas concepções transcendem o modelo biomédico.

Diferentes racionalidades médicas na atenção primária à saúde

Uma estrutura organizacional para implementar diferentes racionalidades médicas no atendimento clínico pode ser construída com base em um entendimento comum do fenômeno do adoecimento. No artigo “Being a general practitioner: what it means” 3636. McWhinney IR . Being a general practitioner: what it means . Eur J Gen Pract . 2000 ; 6 ( 4 ): 135 - 9 . doi: 10.3109/13814780009094320 . , McWhinney problematiza a diferença entre o pensamento concreto e o abstrato na abordagem dos adoecimentos. As doenças, enquanto abstrações médicas, oferecem-nos precisão taxonômica; aplicação correta das tecnologias terapêuticas biomédicas; e grande poder preditivo e de generalização. Um dos aspectos negativos desse processo é que “o poder da generalização é obtido pelo distanciamento de pacientes individuais e de todas as particularidades do seu adoecimento” 3636. McWhinney IR . Being a general practitioner: what it means . Eur J Gen Pract . 2000 ; 6 ( 4 ): 135 - 9 . doi: 10.3109/13814780009094320 . (p. 136). Entretanto, o cuidado envolve a individualização de situações concretas de adoecimento que extrapolam as abstrações biomédicas, como a classificação de doença. McWhinney explora a diferença entre doença enquanto abstração ( disease ) e a concretude do adoecimento ( illness ) por meio de uma representação visual. A ilustração original foi adaptada ( figura 2 ) para acomodar os outros MEs3636. McWhinney IR . Being a general practitioner: what it means . Eur J Gen Pract . 2000 ; 6 ( 4 ): 135 - 9 . doi: 10.3109/13814780009094320 . .

Figura 2
Gradiente de modelos explanatórios de doença e adoecimento (adaptado de McWhinney 36 ).

A figura 2 ilustra nove situações clínicas distintas do binômio doença/adoecimento agrupadas em grupos de três. As partes centrais de cada contexto clínico representam as doenças ( disease ) e a parte externa irregular, o fenômeno do adoecimento ( illness ). Entretanto, as categorias de doenças variam em seu poder preditivo e de generalização: alta (solidez do quadrado), média (fluidez do círculo) e baixa (volatilidade da espiral). Por exemplo, os três primeiros quadrados representam o diagnóstico de tuberculose em que o modelo biomédico tem grande poder preditivo e de generalização. A área irregular com diferentes formatos em torno de cada quadrado ilustra a experiência individualizada e única do adoecimento. Segundo McWhinney2828. McWhinney IR . Why we need a new clinical method . Scand J Prim Health Care . 1993 ; 11 ( 1 ): 3 - 7 . , o médico de família deve incluir a dimensão do adoecimento ( illness ) na relação médico-paciente. A inclusão da dimensão do adoecimento potencializa o efeito curativo da intervenção biomédica, quer por mobilizar as forças curativas próprias de cada indivíduo, quer por melhorar a aderência ao tratamento proposto.

O ME anatomopatológico começa a perder força à medida em que se move em direção aos MEs fisiopatológicos e semiológicos. No ME fisiopatológico, explica-se a doença em termos de alterações enzimáticas, bioquímicas, hormonais, imunológicas, tais como na asma, nas alergias, no hipotireoidismo, nas artrites e assim por diante. O ME semiológico representa uma ocorrência muito comum na APS. Esse contexto do adoecimento é rico em dados sintomatológicos, mas correlaciona-se mal com os MEs biomédicos anatomopatológicos ou fisiopatológicos. Podem ser incluídos nessas situações clínicas os sintomas não explicados pela medicina – medically unexplained symptoms (MUS) – e os distúrbios funcionais; tais como a síndrome do cólon irritável, as dispepsias, as dores de cabeça, etc.; e os de saúde mental, como depressão, ansiedade, etc. Portanto, a Figura 2 apresenta um gradiente em que o modelo explanatório biomédico perde força à medida em que se afasta dos quadros bem definidos (anatomopatológicos) em direção aos quadros pobremente definidos (semiológicos). Em resumo, o gradiente de MEs biomédicos perde poder preditivo e generalização à medida que se afasta de estruturas bem definidas de doenças clínicas (anatomopatológicas) em direção às apresentações clínicas mal definidas (semiológicas)3737. Norman AH , Tesser CD . Quaternary prevention: the basis for its operationalization in the doctor-patient relationship . Rev Bras Med Fam Comunidade . 2015 ; 10 ( 35 ): 1 . doi: 10.5712/rbmfc10(35)1011 .
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. Em todos esses contextos, a experiência do adoecimento está presente como fato que individualiza cada caso clínico.

Esse gradiente de MEs não tem uma delimitação precisa e estes podem se sobrepor. Isso não invalida a estrutura proposta, pois ela visa organizar fenômenos complexos. Ela se baseia na semelhança, não na precisão devido à sua natureza prática. Esse gradiente de EMs permite que os médicos delineiem espaços para incluir outras racionalidades médicas. Em situações clínicas em que o modelo biomédico é hegemônico, a MT&C deve ter um papel complementar. No entanto, em contextos clínicos em que a doença não possui um ME biomédico robusto (por exemplo, anatomopatológico) que a explique e/ou no qual os tratamentos biomédicos tenham limitações, como no caso da saúde mental, outras racionalidades médicas podem ganhar relevância. Essas racionalidades médicas utilizam certo espectro de informações sobre o adoecimento que não têm valor para o raciocínio clínico biomédico. Em outras palavras, uma “gama de dados sobre o adoecimento”2525. McWhinney IR . Family medicine as a science . J Fam Pract . 1978 ; 7 ( 1 ): 53 - 8 . pode ajudar outras racionalidades médicas a elaborar diferentes entendimentos sobre a experiência do adoecer e o plano de cuidados clínicos. A abordagem homeopática valoriza a informação do paciente em termos de conteúdo do sonho, tipo de medos, certas atitudes (desejo de estar sozinho ou em companhia, aversão a certos tipos de alimento, etc.), sensações corporais (frio, umidade, secura, etc.), desencadeadores (mudanças climáticas ou sazonais, perda de entes queridos, perda de posição social, etc.), sentimentos (tristeza, ódio, desesperança, etc.) e assim por diante. Esses dados sobre a doença contribuem para adequar o tratamento de cada paciente. O empirismo homeopático mostra que a semelhança mais terapêutica é aquela que se revela principalmente nos detalhes e peculiaridades das singularidades da experiência do adoecimento. Em outras palavras, opera como se o remédio “mais semelhante” tivesse a capacidade de estimular a energia vital do paciente e dependesse de um ajuste fino com as singularidades da experiência do adoecimento do paciente. Portanto, transcende a classificação das doenças biomédicas baseada na comunalidade dos sintomas, que negligencia e elimina o que é singular, individual e sujeito específico. As demais racionalidades médicas também podem valorizar outros aspectos das manifestações da experiência do adoecimento.

No cenário dos médicos de família na APS há uma dispersão quantitativa de contextos clínicos que exibe um continuum de risco e severidade clínicos3838. Rose G . Sick individuals and sick populations . Int J Epidemiol . 2001 ; 30 ( 3 ): 427 - 32 . doi: 10.1093/ije/14.1.32 .
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: baixo, médio e alto risco. A maioria dos pacientes atendidos na APS tem perfil de risco clínico de baixo a médio, predominando o baixo. Esses cenários clínicos são ricos em sintomatologia, mas não são facilmente enquadrados em abstrações da biomedicina, como no caso de sintomas medicamente inexplicáveis. Nesse contexto de baixo ou médio risco, os médicos de família podem recorrer à prescrição de medicamentos como meio para controlar a sintomatologia dos pacientes. Isso pode expor os pacientes a efeitos colaterais farmacêuticos significativos e polifarmácia. Assim, especialmente no baixo risco, outras racionalidades médicas ou terapias complementares podem ser utilizadas, quando culturalmente aceitas.

Esse gradiente de MEs3737. Norman AH , Tesser CD . Quaternary prevention: the basis for its operationalization in the doctor-patient relationship . Rev Bras Med Fam Comunidade . 2015 ; 10 ( 35 ): 1 . doi: 10.5712/rbmfc10(35)1011 .
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, como uma estrutura organizativa, permite questionar a utilização do paradigma da medicina baseada em evidências (MBE) como principal critério para validação das MT&C na APS nos sistemas de saúde universais. Os ensaios clínicos randomizados (ECRs) têm uma metodologia que anula as peculiaridades e as individualidades dos adoecimentos3434. Barry CA . The role of evidence in alternative medicine: contrasting biomedical and anthropological approaches . Soc Sci Med . 2006 ; 62 ( 11 ): 2646 - 57 . doi: 10.1016/j.socscimed.2005.11.025 . . Além do mais, os ECRs são melhor empregados nos quadros em que o ME biomédico está bem estabelecido. Quadros clínicos indiferenciados tendem a ser excluídos dos ensaios clínicos, uma vez que a racionalidade biomédica não pode explicar a maior parte das queixas dos pacientes. Esses pacientes descartados dos ECRs geralmente são os pacientes reais, complexos e ricos de dados semiológicos. Além do mais, no cuidado clínico individual sempre haverá incerteza se a intervenção é efetiva para aquele caso em particular. Portanto, o critério orientador imprescindível na decisão pela adoção das MT&Cs é a segurança do paciente. Por exemplo, não é incomum tratar indevidamente infecções virais do trato respiratório superior (IVTRS) com antibióticos, apesar de ser esta uma condição benigna e autolimitada. No entanto, se outras opções terapêuticas não biomédicas estivessem disponíveis, seria possível reduzir o uso indevido de antibióticos, fornecendo uma alternativa aos pacientes. Essa estrutura para aplicar as MT&Cs em contextos clínicos nos quais o ME biomédico é frágil e a segurança dos pacientes é alta abre opções terapêuticas para pacientes e profissionais de saúde.

Os sistemas de saúde universais também podem reduzir o viés comercial atribuído às MT&Cs, uma vez que não há pagamento direto pelos usuários. A motivação para aplicar outras racionalidades médicas baseia-se na experiência profissional de aliviar o sofrimento dos pacientes. A ética profissional deve orientar esses processos terapêuticos. Além disso, os médicos de família têm o potencial de não medicalizar cada expressão do sofrimento humano3939. Illich I . Medicalization and primary care . J R Coll Gen Pract . 1982 ; 32 ( 241 ): 463 - 70 . . Em alguns casos, oferecer uma atenção total às queixas dos pacientes é suficiente para promover a cura2828. McWhinney IR . Why we need a new clinical method . Scand J Prim Health Care . 1993 ; 11 ( 1 ): 3 - 7 . . O poder de cura dos pacientes é estimulado quando o ciclo de vida do indivíduo e seu contexto socioeconômico e cultural são considerados4040. Christie-Seely J . Working with the family in primary care: a systems approach to health and illness . Westport : Praeger Publishers ; 1984 . . A demora permitida também é outra estratégia, pois 40% das queixas dos pacientes melhoram espontaneamente4141. Rosser W , Shafir MS . Evidence-based family medicine . Hamilton : B.C. Decker ; 1998 . . Os médicos de família têm um papel fundamental na incorporação de diferentes racionalidades médicas, pois fornecem cuidados contínuos e personalizados. A riqueza de informações obtidas por meio da compreensão contextualizada de cada paciente ao longo do tempo pode aumentar os efeitos terapêuticos das MT&Cs. Isso também fornece uma rede de segurança para possíveis efeitos adversos das MT&Cs, que são reconhecidamente menores e menos frequentes do que nos tratamentos convencionais.

Um argumento comum contra a pluralidade de racionalidades médicas diz respeito à estrutura, às rotinas e à cultura organizacional dos serviços de APS. Estes são comumente orientados pela biomedicina, colocando dificuldades para a performance de outras racionalidades médicas. Por exemplo, as consultas de homeopatia geralmente requerem mais tempo, o que poderia conflitar com as consultas-padrão mais curtas dos serviços de APS. Esse argumento desconsidera duas questões importantes. Em primeiro lugar, 78% dos serviços do Sistema Único de Saúde do Brasil que oferecem MT&C ocorrem no nível da APS. Além disso, 20% das equipes da Estratégia Saúde da Família utilizam alguma forma de MT&C4242. Tesser CD , Sousa IMC , Nascimento MC . Práticas integrativas e complementares na atenção primária à saúde brasileira . Saude Debate . 2018 ; 42 Spe 1 : 174 - 88 . doi: 10.1590/0103-11042018s112 . . Em segundo lugar, o acesso a uma prática personalizada de cuidado continuado e orientada à comunidade, incluindo visitas domiciliares, fornece diferentes cenários de atendimento clínico para uma prestação de cuidados em equipe na APS. Especificamente, em relação à homeopatia e à duração da consulta, o acompanhamento longitudinal permite ao clínico elaborar com maior precisão o espectro sintomático do adoecimento do paciente2424. Salles SAC , Ayres JRCM . A consulta homeopática: examinando seu efeito em pacientes da atenção básica . Interface (Botucatu) . 2013 ; 17 ( 45 ): 315 - 26 . doi: 10.1590/S1414-32832013005000010 .
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. Isso pode facilitar a seleção de medicamentos homeopáticos.

Apesar da ênfase nos cuidados clínicos de medicina familiar devido ao seu pensamento organísmico e ao vitalismo homeopático, a estrutura do gradiente de MEs abre espaço para mudanças em todas as profissões da APS. A inserção das MT&Cs na atenção primária oferece um potencial para o cuidado baseado em equipe que poderia proporcionar habilidades mais diversificadas no tratamento da doença do paciente, especialmente na saúde mental.

Conclusão

O uso das MT&Cs é um fato nas sociedades contemporâneas. É possível superar a dicotomia imatura entre o saber biomédico e as demais racionalidades médicas. A presente estrutura organizativa, fundamentada no gradiente de MEs, oferece um ponto de convergência entre o paradigma biomédico e as diversas racionalidades médicas. Essa abordagem alternativa e segura para implementar as MT&Cs compreende três variáveis: (a) gradiente de modelos explanatórios para uma inserção adequada das MT&C, combinando avaliação do risco e severidade clínica; (b) competência e profissionalismo dos médicos de família para contextualizar os casos individuais; e (c) provimento de cuidado via sistemas universais de saúde orientados pelos princípios da APS, cujo foco é a promoção da saúde. Essa abordagem pode potencializar a função do médico de família na tarefa de ajudar seus pacientes a alcançarem um bom estado do ser.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2019
  • Aceito
    06 Jun 2019
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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