Integração ensino-serviço: experiência potencializada pelo Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde – Eixo Educação Permanente

Teaching-service integration: experiences of the Health Work Education Program designed around the core theme Continuing Education

Integración enseñanza-servicio: experiencia potenciada por el Programa de Educación por medio del Trabajo para la Salud – Eje Educación Permanente

Sandra de Oliveira Garcia Juliana Sampaio Carla Rossana de Lima Costa Rejane Soares Diniz Thamiris Aragão de Araújo Sobre os autores

Resumos

O objetivo deste estudo é relatar as experiências do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) em uma maternidade pública de João Pessoa, Paraíba (PB), Brasil, pontuando as ações desenvolvidas na integração ensino-serviço. Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, acerca da vivência do grupo PET-Saúde no desenvolvimento de oficinas problematizadoras com os trabalhadores, voltadas à temática da educação permanente. Temas como humanização do cuidado, integração ensino-serviço e necessidade de espaços formativos para os profissionais foram discutidos. Como desdobramento, o PET sugeriu a pactuação de uma nova dinâmica para funcionamento do Centro de Estudos da instituição e criação de um informativo para potencializar a comunicação institucional. Nota-se que a inserção do PET-Saúde no serviço possibilitou a construção de novos processos formativos, orientados na perspectiva da educação permanente.

Educação em saúde; Instituições de ensino superior; Serviços de saúde


This article documents the experiences of the Health Work Education Program ( PET-Saúde ) in a public maternity facility in João Pessoa, Brazil, highlighting teaching-service integration actions. A descriptive study was conducted to investigate the experiences of the PET-Saúde group during the development of staff workshops designed to problematize continuing education. Themes like the humanization of care, teaching-service integration, and the need for formative spaces for professionals were discussed. As a result of this process, the PET suggested the agreement of a new dynamic for the day-to-day functioning of the facility’s study center and creation of a bulletin to increase the effectiveness of institutional communication. The PET-Saúde enabled the facility to build new formative processes shaped by a continuing education perspective.

Health education; Higher education institutions; Health services


El objetivo de este estudio es relatar las experiencias del Programa de Educación por el Trabajo para la Salud (PET-Salud) en una maternidad pública de la ciudad de João Pessoa, Estado de Paraíba/PB, Brasil, puntuando las acciones desarrolladas en la integración enseñanza-servicio. Se trata de un estudio descriptivo, del tipo de relato de experiencia, sobre la vivencia del grupo PET-Salud en el desarrollo de talleres de problematización con los trabajadores, enfocados en la temática de la educación permanente. Se discutieron temas como humanización del cuidado, integración enseñanza-servicio y necesidad de espacios formativos para los profesionales. Como desdoblamiento, el PET sugirió el pacto de una nueva dinámica para funcionamiento del Centro de Estudios de la institución y creación de un informativo para potenciar la comunicación institucional. Se observa que la inserción del PET-Salud en el servicio posibilitó la construcción de nuevos procesos formativos, orientados hacia la perspectiva de la educación permanente.

Educación en salud; Instituciones de enseñanza superior; Servicios de salud


Introdução

A formação dos profissionais de saúde deve ser orientada de acordo com os requisitos do Sistema Único de Saúde (SUS), atendendo às transformações constantemente ocorridas na sociedade contemporânea. O desenvolvimento de uma visão integral do homem e a ampliação da concepção de cuidado são fatores imprescindíveis para a construção de um perfil profissional consonante com uma perspectiva ética, política e social da saúde11. Xavier LN, Oliveira GL, Gomes AA, Machado MFAS, Eloia SMC. Analisando as metodologias ativas na formação dos profissionais de saúde: uma revisão integrativa. Sanare. 2014; 13(1):73-83. .

Essa mudança tornou-se mais evidente com o advento da Reforma Sanitária na década de 1970, da Constituição Cidadã em 1988 e do SUS em 1990, fazendo emergir a necessidade de um olhar ampliado para o processo saúde-doença e sua contextualização, considerando os fatores sociais e ambientais22. Baldoino AS, Veras RM. Análise das atividades de integração ensino-serviço desenvolvidas nos cursos de saúde da Universidade Federal da Bahia. Rev Esc Enferm USP. 2016; 50 (esp):17-24. .

A partir de 1984, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) iniciou um debate sobre a proposta de reorientação da formação dos profissionais de saúde, convocando grupos de trabalho de diversos países da América Latina para estabelecer uma visão distinta do processo de desenvolvimento dos, então, recursos humanos33. Cavalcanti FOL, Guizardi FL. Educação continuada ou permanente em saúde? Análise da produção pan-americana da saúde. Trab Educ Saude. 2018; 16(1):99-122. .

Tal discussão enalteceu a necessidade de mudanças significativas no modelo tradicional de ensino em saúde, que se apresenta incapaz de atender adequadamente às necessidades atuais da população, buscando identificar novos caminhos para a superação de conceitos e práticas hegemônicas, fortemente implantadas dentro e fora das instituições formadoras11. Xavier LN, Oliveira GL, Gomes AA, Machado MFAS, Eloia SMC. Analisando as metodologias ativas na formação dos profissionais de saúde: uma revisão integrativa. Sanare. 2014; 13(1):73-83. , 44. Costa MV. A potência da educação interprofissional para o desenvolvimento de competências colaborativas no trabalho em saúde. In: Toassi RFC, organizadora. Interprofissionalidade e formação na saúde: onde estamos? Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 14-27. , 55. Antunes JM, Daher DV, Ferrari MFM. Preceptoria como lócus de aprendizagem e de coprodução de conhecimento. Rev Enferm UFPE. 2017; 11(10):3741-8. .

Nessa perspectiva, o movimento de mudança da educação dos profissionais de saúde, associado às Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) e às diretrizes do SUS, exige a criação de instituições formadoras com relevância social e comprometidas com a construção do SUS, capazes de superar o paradigma biologicista, medicalizante e hospitalocêntrico na área da saúde, bem como o modelo flexneriano que ainda orienta a formação superior no Brasil44. Costa MV. A potência da educação interprofissional para o desenvolvimento de competências colaborativas no trabalho em saúde. In: Toassi RFC, organizadora. Interprofissionalidade e formação na saúde: onde estamos? Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 14-27.

5. Antunes JM, Daher DV, Ferrari MFM. Preceptoria como lócus de aprendizagem e de coprodução de conhecimento. Rev Enferm UFPE. 2017; 11(10):3741-8.

6. Gonçalves CNS, Corrêa AB, Simon G, Prado ML, Rodrigues J, Reibnitz KS. Integração ensino–serviço na voz de profissionais de saúde. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(6):1678-86.
- 77. Silva ALF, Ribeiro MA, Paiva GM, Freitas CASL, Albuquerque IMN. Saúde e educação pelo trabalho: reflexões acerca do PET-Saúde como proposta de formação para o Sistema Único de Saúde. Interface (Botucatu). 2015; 19 Suppl 1:975-84. .

De acordo com o artigo 27 da Lei 8.080/90, os contextos de trabalho também se constituem em espaços de formação em saúde, configurando-se obrigatoriamente como cenários de práticas de ensino das instituições de ensino superior (IES) e de pesquisas científicas88. Brasil. Presidência da República. Lei nº 8.080, de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União. 19 Set 1990. . Diante de tal relevância legal, os serviços de saúde possuem responsabilidades conjuntas com as instituições de ensino na determinação das competências profissionais, influenciando o delineamento do perfil dos trabalhadores da saúde55. Antunes JM, Daher DV, Ferrari MFM. Preceptoria como lócus de aprendizagem e de coprodução de conhecimento. Rev Enferm UFPE. 2017; 11(10):3741-8. .

Nesse contexto, as mudanças almejadas no processo de ensino-aprendizagem para o SUS perpassam a reflexão e transformação da interface ensino-serviço, visando a uma articulação teoria-prática harmoniosa e valorizando os cenários práticos como indutores e produtores de conhecimentos. A dicotomia entre a formação e a produção dos cuidados em saúde é atenuada quando o processo de integração ensino-serviço ocorre de forma efetiva entre docentes, estudantes e profissionais de saúde, com o foco voltado para o usuário55. Antunes JM, Daher DV, Ferrari MFM. Preceptoria como lócus de aprendizagem e de coprodução de conhecimento. Rev Enferm UFPE. 2017; 11(10):3741-8. , 99. Vasconcelos ACF, Stedefeldt E, Frutuoso MFP. Uma experiência de integração ensino-serviço e a mudança de práticas profissionais: com a palavra, os profissionais de saúde. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):147-58. .

Entende-se por integração ensino-serviço o trabalho coletivo, pactuado e integrado de estudantes e professores dos cursos de formação na área da saúde com trabalhadores, visando à qualidade de atenção, à saúde individual e coletiva, à qualidade da formação profissional e ao desenvolvimento-satisfação dos trabalhadores dos serviços.1010. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração Ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3):356-62. (p. 357)

No intuito de promover essa integração, o Governo Federal implementou o Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde) em 2005 como estratégia intensificadora para uma formação em saúde voltada às necessidades do SUS. Posteriormente, em 2008, foi criado o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde), com o objetivo de fomentar a criação de grupos de aprendizagem tutorial entre profissionais de saúde, docentes e discentes em diversas áreas do SUS1111. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de Agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. Diário Oficial da União. 27 Ago 2008; sec 1, p. 27. .

Estudos avaliam positivamente essas políticas ministeriais como favorecedoras da integração ensino-serviço por múltiplos motivos, sendo estes: o aumento da inserção precoce dos discentes nos serviços de saúde, a vivência interdisciplinar, maior articulação teoria-prática e a formação de profissionais de saúde mais críticos e reflexivos11. Xavier LN, Oliveira GL, Gomes AA, Machado MFAS, Eloia SMC. Analisando as metodologias ativas na formação dos profissionais de saúde: uma revisão integrativa. Sanare. 2014; 13(1):73-83. , 66. Gonçalves CNS, Corrêa AB, Simon G, Prado ML, Rodrigues J, Reibnitz KS. Integração ensino–serviço na voz de profissionais de saúde. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(6):1678-86. , 77. Silva ALF, Ribeiro MA, Paiva GM, Freitas CASL, Albuquerque IMN. Saúde e educação pelo trabalho: reflexões acerca do PET-Saúde como proposta de formação para o Sistema Único de Saúde. Interface (Botucatu). 2015; 19 Suppl 1:975-84. , 99. Vasconcelos ACF, Stedefeldt E, Frutuoso MFP. Uma experiência de integração ensino-serviço e a mudança de práticas profissionais: com a palavra, os profissionais de saúde. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):147-58. .

No contexto municipal, a implementação do primeiro PET-Saúde em João Pessoa ocorreu em 2009 em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de João Pessoa, a SMS de Cabedelo e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), abrangendo os cenários da Atenção Básica em Saúde (ABS). Em uma perspectiva ampliadora, o PET-Saúde de João Pessoa, em 2012, formou mais cinco grupos tutoriais distribuídos em diversos serviços de saúde de diferentes níveis de complexidade. Entre os grupos desenvolvidos nesse período, encontra-se o grupo PET-Saúde – Eixo Educação Permanente (PET-EP).

O grupo PET-EP manteve-se distribuído nos três níveis de atenção da rede municipal de saúde João Pessoa (PB), com seis subgrupos multidisciplinares organizados no âmbito hospitalar, na atenção especializada, na ABS junto com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf) e na gestão da SMS.

A equipe do PET-EP envolveu uma professora tutora, nove trabalhadoras da saúde preceptoras e 15 estudantes de dez cursos distintos da área de saúde. As atividades foram desenvolvidas simultaneamente em diferentes serviços, com reuniões tutoriais na UFPB, seguindo criteriosamente uma carga horária de oito horas semanais de atividades, além de quatro horas semanais de estudos, confecção de diários de campo, relatórios e publicações.

Estrategicamente, essa lógica de organização contribuiu para a superação da cisão entre as dimensões da profissão e da formação, favorecendo a associação teoria-prática. Ademais, os encontros dos sujeitos facilitadores (tutora, preceptoras e discentes) fortaleceram o grupo tutorial por possibilitar uma teia de relações e trocas de saberes e experiências vivenciadas em todos os níveis de atenção em saúde, de modo a produzir mudanças significativas que reorientassem a formação na área de saúde, as práticas profissionais e a organização dos serviços de saúde66. Gonçalves CNS, Corrêa AB, Simon G, Prado ML, Rodrigues J, Reibnitz KS. Integração ensino–serviço na voz de profissionais de saúde. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(6):1678-86. , 77. Silva ALF, Ribeiro MA, Paiva GM, Freitas CASL, Albuquerque IMN. Saúde e educação pelo trabalho: reflexões acerca do PET-Saúde como proposta de formação para o Sistema Único de Saúde. Interface (Botucatu). 2015; 19 Suppl 1:975-84. .

Dentre os cenários de atuação hospitalar, destaca-se, neste estudo, o Instituto Cândida Vargas (ICV), maternidade pública de João Pessoa (PB). O subgrupo tutorial atuante nesse serviço constituiu-se por uma tutora psicóloga, docente do curso de Medicina da UFPB; quatro discentes da UFPB (cursos de Enfermagem, Nutrição, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia); uma preceptora e duas colaboradoras psicólogas hospitalares, integrantes do quadro funcional do ICV.

Concomitantemente, o mesmo serviço foi palco de atuação do PET-Saúde – Eixo Rede Cegonha, que desenvolvia ações direcionadas à atenção materno-infantil. A equipe que o compunha era formada por duas tutoras (enfermeira e terapeuta ocupacional); uma preceptora médica, funcionária do ICV; e duas alunas da UFPB do curso de Fisioterapia. A parceria entre ambos os grupos PET-Saúde atuantes no referido serviço se deu gradativamente como estratégia de fortalecimento das ações executadas por estes.

O estabelecimento de alianças e a articulação de atores no processo somaram forças para inserção do PET-EP no ICV. Essas estratégias pontuais, associadas a fatores gerais como a inserção de subgrupos do PET-EP em diferentes níveis de atenção do cuidado em saúde, sua composição multi e interdisciplinar, bem como a própria dinâmica pedagógica proposta pelo PET-Saúde, refletem a busca pela integralidade das ações, na medida em que evidencia a importância da interdisciplinaridade e do trabalho em rede1111. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de Agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. Diário Oficial da União. 27 Ago 2008; sec 1, p. 27. , 1212. Bispo EPF, Tavares CHF, Tomaz JMT. Interdisciplinaridade no ensino em saúde: o olhar do preceptor na Saúde da Família. Interface (Botucatu). 2014; 18(49):337-50. .

Nessa perspectiva, Albuquerque et al1010. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração Ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3):356-62. incrementam que, na interface entre a formação e o cenário de prática, a discussão de redes passa a se configurar como um novo ator social. Outros estudiosos1212. Bispo EPF, Tavares CHF, Tomaz JMT. Interdisciplinaridade no ensino em saúde: o olhar do preceptor na Saúde da Família. Interface (Botucatu). 2014; 18(49):337-50. reforçam a importância das diversas formas de articular o conhecimento em rede entre os próprios profissionais de saúde, sejam da mesma categoria profissional ou dos diversos campos do saber, considerando a dinâmica e os contextos inerentes a cada profissão.

Diante disso, o objetivo deste estudo consiste em relatar a experiência de discentes, docente e preceptores do PET-EP na facilitação de ações problematizadoras na perspectiva da educação permanente em saúde, pontuando de maneira reflexiva as ações atinentes ao processo de integração ensino-serviço.

Delineamento metodológico: descrição da experiência

Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, acerca da vivência das ações do PET-EP no ICV. Tal desenho metodológico se configura como uma modalidade de investigação científica apropriada para este estudo, uma vez que se pretende registrar experiências práticas cotidianas capazes de provocar algumas problematizações1313. Draganov PB, Silva MRG, Neves VR, Sanna MC. Journal club: a group of research experience. Rev Bras Enferm. 2018; 71(2):446-50. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0539.
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.

O cenário em questão é uma maternidade pública do município de João Pessoa (PB) que integra a rede de atenção de nível secundário e terciário à saúde obstétrica-neonatal, possui titulação de Hospital Amigo da Criança e é referência no atendimento às gestantes de alto risco e mulheres em situação de violência sexual e doméstica.

O início das ações de ambos os grupos PET-Saúde no serviço se deu em agosto de 2012 em momentos distintos e a partir do reconhecimento institucional e identificação de nós críticos a serem trabalhados dentro da perspectiva pedagógica proposta por cada eixo. Assim, vertentes distintas foram elencadas por cada grupo para o desenvolvimento das ações no serviço.

Os encontros frequentes, programados e ocasionais, entre os representantes da direção da instituição, tutoras, preceptoras e discentes de ambos os grupos foram fundamentais para o estabelecimento de diálogos que culminaram na união das equipes PET-Saúde, em setembro de 2012, como estratégia intensificadora das atividades desenvolvidas pelos dois eixos.

Formada tal articulação, era necessária a eleição de uma temática em comum a ser trabalhada dentro das prioridades emergentes do cotidiano do serviço. Como resultado da intersecção entre os interesses do serviço e as propostas dos grupos, foram criadas as oficinas intituladas “Encontro dos Trabalhadores”, que consistiram em espaços de discussão e reflexão internas dos processos de trabalho entre os profissionais de diferentes setores do serviço. Essa ferramenta metodológica permitiu uma visão panorâmica situacional das fragilidades institucionais, orientando as atividades do PET-Saúde às questões relevantes para o trabalho em saúde.

Sob esse prisma, compreende-se que a proposta das oficinas esteve coerente com o conceito e os pilares da Política de Educação Permanente em Saúde (EPS), operando como estratégia para a formação e o desenvolvimento dos trabalhadores de saúde, ao colocar em reflexão práticas laborais cotidianas, almejando uma práxis transformadora a partir do protagonismo dos atores envolvidos nesse processo de trabalho em saúde1414. Ceccim RB, Ferla AA. Educação permanente em saúde. In: Pereira IB, Lima JCF. Dicionário da educação profissional em saúde. 2a ed. Rio de Janeiro: EPSJV; 2009. .

Segundo Ceccim1414. Ceccim RB, Ferla AA. Educação permanente em saúde. In: Pereira IB, Lima JCF. Dicionário da educação profissional em saúde. 2a ed. Rio de Janeiro: EPSJV; 2009. , a EPS é uma ferramenta altamente potente para proporcionar mudanças significativas nos serviços de saúde, convertendo-os em uma rede integrada de ensino-aprendizagem contínua no exercício do trabalho, gerando, assim, ações crítico-reflexivas, propositivas, compromissadas e tecnicamente competentes.

Foi protagonizado um quantitativo de seis oficinas, sendo duas em outubro de 2012 e quatro entre fevereiro e março de 2013, com duração média de duas horas cada, sendo facilitadas pelos integrantes (preceptoras e discentes) de ambos os grupos PET-Saúde, no auditório da instituição.

Participaram espontaneamente das oficinas trabalhadores de diversos setores e categorias profissionais do ICV, como recepcionistas, vigilantes, maqueiros, técnicos de enfermagem, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, assistentes sociais, psicólogos e fonoaudiólogos. No entanto, verificou-se a ausência de profissionais das áreas de medicina e terapia ocupacional.

As primeiras oficinas, realizadas em outubro de 2012, foram desenhadas para promover o encontro inicial dos atores (participantes e facilitadores), apresentar os grupos PET-Saúde, esclarecer o objetivo dos encontros, problematizar as práticas laborais e, a partir de então, identificar fragilidades que permeavam o cotidiano do trabalho.

A configuração metodológica das oficinas seguiu a mesma estrutura e dinâmica. O elemento motriz que gerou a auto-reflexão e problematização das práticas laborais centrou-se na seguinte provocação: Qual o sentido do trabalho para a sua vida? Solicitou-se como resposta a construção de desenho livre que configurasse de maneira representativa o esboço das práticas profissionais de cada participante.

A partir da elaboração gráfica dos participantes, destacaram-se sentidos positivos atrelados ao desenvolvimento do trabalho. Esse dado instigou a discussão e reflexão conjunta sobre a qualidade do atendimento ao usuário e da resolutividade do serviço como parte da rede do SUS. Ao término, sugeriu-se, para outras oficinas, ser trabalhada a temática humanização na assistência obstétrica.

As quatro últimas oficinas, realizadas entre fevereiro e março de 2013, ocorreram mediante solicitação dos próprios profissionais, fornecendo um feedback positivo às atividades dos grupos PET-Saúde no serviço. Essas oficinas foram configuradas para trabalhar, de maneira crítico-reflexiva, a temática da humanização na assistência obstétrica, atendendo às sugestões dos participantes nas primeiras oficinas.

Estrategicamente, houve um planejamento mais intenso das atividades, com intuito de ampliar o número de profissionais envolvidos. Dentre as medidas, destacaram-se: o desenvolvimento das oficinas em diferentes turnos laborais, melhor divulgação dos encontros e participação direta da administração do serviço.

A divulgação dos encontros ocorreu por meio de elaboração de convites em forma de cartilha, contendo um pequeno texto sobre humanização. Esses foram afixados em quadros de avisos e distribuídos pessoalmente nos setores da instituição, possibilitando a discussão e reflexão prévia da temática pelos profissionais.

O apoio da diretoria multiprofissional do serviço contribuiu de maneira significativa para valorizar institucionalmente as oficinas, reforçar a importância do comparecimento dos profissionais e, principalmente, organizar processos internos institucionais para dispensar os trabalhadores das suas respectivas tarefas laborais no momento das atividades. Como resultado positivo, notou-se maior quantidade de participantes nas últimas oficinas.

O desenvolvimento dos encontros contou inicialmente com uma dinâmica de apresentação dos atores e elucidação dos objetivos das ações do PET-Saúde. Sequencialmente, foi apresentado o vídeo “Nada de Humanização”ffDisponível em: http://www.youtube.com/watch?v=eRlpto_mzmw . , como forma de problematizar a humanização na assistência à saúde da mulher na maternidade. O vídeo, em caráter de sátira, mostrava o contexto de um parto desumanizado, com falta de cuidado à parturiente, ausência de autonomia da usuária e resistência dos profissionais à presença de um acompanhante na sala de parto.

Após discussões oriundas da situação exposta, foi apresentado o vídeo “Helping is the best medicine 2011”ggBoehringer Ingelheim. “Helping is the best medicine 2011” (Ajudar é o melhor remédio 2011). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-CTQeLWUYHc . , que enaltece o trabalho coletivo e solidário, permitindo discutir a gratificação profissional no exercício de um atendimento humanizado em saúde.

A composição heterogênea do público das oficinas possibilitou uma ampla problematização dos processos de trabalho, distintos pontos de vistas e o compartilhamento de diferentes experiências e sugestões para reorganização do serviço em diversos âmbitos organizativos, como as ações relacionadas à formação em saúde e à integração ensino-serviço.

Concernente à interseção entre trabalho e educação, um dos pontos altos da discussão centrou-se na presença dos estudantes no ICV. Verificou-se que, embora os trabalhadores reconheçam o papel da instituição enquanto cenário de aprendizagem do SUS na formação em saúde, há a preocupação de que o excesso de discentes atuantes no serviço produza consequências negativas, como a exposição desnecessária das usuárias.

A superlotação dos cenários de aprendizagem do SUS é uma realidade igualmente apontada por outros pesquisadores, principalmente em decorrência do surgimento de um grande número de novas IES privadas. Essa realidade tem produzido disputas entre as instituições de ensino pela utilização dos campos práticos e impondo barreiras na relação dos profissionais de saúde e discentes22. Baldoino AS, Veras RM. Análise das atividades de integração ensino-serviço desenvolvidas nos cursos de saúde da Universidade Federal da Bahia. Rev Esc Enferm USP. 2016; 50 (esp):17-24. .

No transcorrer das discussões, foram testemunhados relatos como “os estudantes estão na casa do outro” e, ainda, “estudante é necessário, porém, são necessários limites”. Essas declarações corroboraram com os achados de outras investigações22. Baldoino AS, Veras RM. Análise das atividades de integração ensino-serviço desenvolvidas nos cursos de saúde da Universidade Federal da Bahia. Rev Esc Enferm USP. 2016; 50 (esp):17-24. , 66. Gonçalves CNS, Corrêa AB, Simon G, Prado ML, Rodrigues J, Reibnitz KS. Integração ensino–serviço na voz de profissionais de saúde. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(6):1678-86. , 99. Vasconcelos ACF, Stedefeldt E, Frutuoso MFP. Uma experiência de integração ensino-serviço e a mudança de práticas profissionais: com a palavra, os profissionais de saúde. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):147-58. ao mostrar a dicotomia existente entre as IES e os serviços de saúde, exigindo dos atores envolvidos uma visão crítica e reflexiva, bem como uma postura ética e atitudes proativas, contextualizadas à realidade dos cenários de aprendizagem.

Visando atenuar essa situação e ampliar o diálogo entre atores da gestão, trabalhadores e IES acerca das questões pertinentes à integração ensino-serviço e à formação em saúde, foi realizada no ICV uma reunião com representantes dos dois grupos PET-Saúde, a Coordenação do Centro de Estudos, a Diretoria Multiprofissional, duas representantes dos trabalhadores, um membro da Gerência de Educação e Saúde e da SMS (GES/SMS-JP) e a apoiadora do Ministério da Saúde da Rede Cegonha para o repasse da produção das oficinas.

Embasadas na pauta discursiva resultante desse encontro, o grupo PET-EP elaborou uma proposta para a ampliação e fortalecimento do centro de estudos da referida instituição, com a criação de duas comissões: a Comissão de Integração Ensino-Serviço e a Comissão de Educação em Saúde1515. Sampaio J, Garcia SO, Costa CRL, Diniz RS, Araújo TA, Sampaio ARR. Reconfiguração do centro de estudos de uma maternidade pública: proposições de um pet-saúde eixo educação permanente. Rev Bras Cienc Saude. 2014; 18 Suppl 2:125-30. . Como reflexo positivo das ações do PET-Saúde, as preceptoras desses dois grupos tutoriais foram integradas ao corpo administrativo do Centro de Estudos, a convite da direção da instituição.

Outra ação de destaque dos dois grupos PET-Saúde, surgida a partir das necessidades apontadas pelos profissionais nas oficinas, foi a potencialização da comunicação interna, por meio da criação do informativo institucional “ICV em foco”, com elaboração periódica trimestral. Um diferencial desse jornal foi a participação aberta e democrática dos trabalhadores na construção das matérias relacionadas às ações e atualizações do trabalho, propiciando, inclusive, uma maior aproximação do Centro de Estudos com os trabalhadores.

Discussão

As discussões oriundas das oficinas permitiram que a reflexão sobre o sentido do trabalho encontrasse as propostas da educação permanente ao produzir uma aprendizagem significativa que, diferentemente da aprendizagem centrada nos conteúdos e tradicionalista, ocorre quando o aprendizado novo faz sentido para o sujeito, sendo construído a partir do conhecimento produzido na experiência cotidiana do trabalho posto em reflexão1616. Brasil. Ministério da Saúde. Manual técnico 2018 - programa para o fortalecimento das práticas de educação permanente em saúde no SUS - PRO EPS-SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. .

A proposta é que os profissionais de saúde, a partir do estranhamento e desconforto com a realidade vigente, discutam e proponham mudanças, com vistas à melhoria dos processos de trabalho1616. Brasil. Ministério da Saúde. Manual técnico 2018 - programa para o fortalecimento das práticas de educação permanente em saúde no SUS - PRO EPS-SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. . A EPS, portanto, refere-se à aprendizagem no trabalho, tendo como palco de atuação o cotidiano das pessoas e das organizações, a partir dos problemas enfrentados na realidade1717. Brasil. Ministério da Saúde. A educação permanente entra na roda: pólos de educação permanente em saúde: conceitos e caminhos a percorrer. 2a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2005. .

Para Brehmer e Ramos1818. Brehmer LCF, Ramos FRS. Experiências de integração ensino-serviço no processo de formação profissional em saúde: revisão integrativa. Rev Eletronica Enferm. 2014; 16(1):228-37. , trata-se de encontrar estratégias de intervenção que utilizem não apenas a dimensão do conhecer – do ensino-aprendizagem – mas também a articulação entre a cognição e o afeto, possibilitando experiências que favoreçam ao profissional ressignificar sentidos atribuídos ao mundo e a ele mesmo.

Vendruscolo et al1919. Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Integração ensino-serviço no âmbito do programa nacional de reorientação da formação profissional em saúde. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2949-60. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.12742015.
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acrescentam que transformar uma ação em experiência requer o conhecimento teórico balizado pela prática, exigindo a necessidade de tecer teias de retroalimentação entre teoria e prática. Isso significa elevar a capacidade de diagnosticar problemas e agir sobre eles; e consiste em integrar saber e fazer, ultrapassar as fronteiras teóricas e dar sentido à prática.

Desse modo, a EPS configura-se concretamente como um dos instrumentos potentes para a produção do cuidado humanizado, à medida que promove a formação e o desenvolvimento dos trabalhadores de saúde. Por outro lado, as metodologias ativas e problematizadoras buscam colocar em análise vivências que possibilitem a construção de uma visão crítica e reflexiva da realidade e direcionar o processo de trabalho. Nesse sentido, compreende-se que os espaços das oficinas objetivaram provocar uma reflexão do trabalho em saúde e da organização do serviço, visando uma práxis transformadora77. Silva ALF, Ribeiro MA, Paiva GM, Freitas CASL, Albuquerque IMN. Saúde e educação pelo trabalho: reflexões acerca do PET-Saúde como proposta de formação para o Sistema Único de Saúde. Interface (Botucatu). 2015; 19 Suppl 1:975-84. , 1616. Brasil. Ministério da Saúde. Manual técnico 2018 - programa para o fortalecimento das práticas de educação permanente em saúde no SUS - PRO EPS-SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. .

Os debates geraram alguns descontentamentos quanto aos processos laborais internos, especificamente no tocante à integração ensino-serviço. No depoimento “os estudantes estão na casa do outro”, os profissionais se posicionam como os donos do serviço, estabelecendo relações verticalizadas entre os atores integrantes do processo de ensino-aprendizagem.

De acordo com tais posicionamentos, o processo de integração ensino-serviço flui em sentido unidirecional (serviço-IES), favorecendo unicamente as IES e desprovendo o serviço de quaisquer benefícios. Nesse caso, a prática cotidiana é, então, interpretada como o saber soberano na produção do cuidado2020. Antunes JM, Daher DV, Ferrari MFM. Preceptoria como lócus de aprendizagem e de coprodução de conhecimento. Rev Enferm UFPE. 2017; 11(10):3741-8. .

Discordando desse ponto de vista, Gonçalves et al66. Gonçalves CNS, Corrêa AB, Simon G, Prado ML, Rodrigues J, Reibnitz KS. Integração ensino–serviço na voz de profissionais de saúde. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(6):1678-86. ressaltam que a presença dos estudantes nos serviços produz impactos positivos no fazer em saúde, uma vez que incrementa conhecimentos teóricos atualizados provenientes das IES capazes de reorientar as práticas laborais e instigar a busca por aperfeiçoamento técnico do pessoal da saúde.

No comentário “estudante é necessário, porém, são necessários limites”, os profissionais aceitam a presença dos estudantes na instituição; contudo, requerem a regulação de suas entradas por meio da imposição de limites e critérios. Nesse sentido, levantaram-se questionamentos sobre o papel dos preceptores, das IES e do Centro de Estudos do ICV nesse processo.

Atinente ao cenário de prática, as dificuldades na integração ensino-serviço podem estar relacionadas a fatores como precarização do ambiente de trabalho, resistência da população usuária à presença do estudante no serviço, resistência dos profissionais do SUS para a atividade de preceptoria pela inexistência de remuneração e reduzidas oportunidades de educação continuada para os trabalhadores envolvidos neste contexto22. Baldoino AS, Veras RM. Análise das atividades de integração ensino-serviço desenvolvidas nos cursos de saúde da Universidade Federal da Bahia. Rev Esc Enferm USP. 2016; 50 (esp):17-24. , 66. Gonçalves CNS, Corrêa AB, Simon G, Prado ML, Rodrigues J, Reibnitz KS. Integração ensino–serviço na voz de profissionais de saúde. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(6):1678-86. , 1919. Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Integração ensino-serviço no âmbito do programa nacional de reorientação da formação profissional em saúde. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2949-60. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.12742015.
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No tocante à prática da preceptoria, alguns autores77. Silva ALF, Ribeiro MA, Paiva GM, Freitas CASL, Albuquerque IMN. Saúde e educação pelo trabalho: reflexões acerca do PET-Saúde como proposta de formação para o Sistema Único de Saúde. Interface (Botucatu). 2015; 19 Suppl 1:975-84. , 2020. Antunes JM, Daher DV, Ferrari MFM. Preceptoria como lócus de aprendizagem e de coprodução de conhecimento. Rev Enferm UFPE. 2017; 11(10):3741-8. consideram o preceptor um novo ator no SUS, que assume protagonismo no processo de formação em saúde, uma vez que orienta, acompanha e avalia as práticas dos discentes nos serviços. Todavia, o exercício das ações didático-pedagógicas exige dos profissionais competências e habilidades que permeiam os campos do saber, fazer e preceptorar em saúde, para que, de fato, o processo atinja sua complexidade2121. Autonomo FROM, Hortale VA, Santos GB, Botti SHO. A preceptoria na formação médica e multiprofissional com ênfase na atenção primária – Análise das Publicações Brasileiras. Rev Bras Educ Med. 2015; 39(2):316-27.

22. Lima PAB, Rozendo CA. Desafios e possibilidades no exercício da preceptoria do Pró-PET-Saúde. Interface (Botucatu). 2015; 19 Suppl 1:779-91.
- 2323. Izecksohn MMV, Teixeira Junior JE, Stelet BP, Jantsch AG. Preceptoria em medicina de família e comunidade: desafios e realizações em uma atenção primária à saúde em construção. Cienc Saude Colet. 2017; 22(3):737-46. . Outros estudos acrescentam que há necessidade de capacitação profissional para o desenvolvimento das atividades relacionadas à preceptoria22. Baldoino AS, Veras RM. Análise das atividades de integração ensino-serviço desenvolvidas nos cursos de saúde da Universidade Federal da Bahia. Rev Esc Enferm USP. 2016; 50 (esp):17-24. , 66. Gonçalves CNS, Corrêa AB, Simon G, Prado ML, Rodrigues J, Reibnitz KS. Integração ensino–serviço na voz de profissionais de saúde. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(6):1678-86. .

No que tange às IES, observa-se o isolamento destas na produção de conhecimentos aplicados à prática clínica e no planejamento individual das disciplinas práticas, apresentando objetivos acadêmicos definidos a priori e não condizentes com as necessidades locais dos serviços de saúde. Isso reduz a prática da preceptoria à mera supervisão das atividades dos discentes, realizada de maneira assistemática e solitária, sem a discussão ou a presença efetiva do docente no serviço1010. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração Ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3):356-62. , 1919. Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Integração ensino-serviço no âmbito do programa nacional de reorientação da formação profissional em saúde. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2949-60. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.12742015.
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Visando a uma formação em saúde para o SUS, o processo de ensino-aprendizagem deve acontecer justamente em sentido oposto ao mencionado anteriormente, ou seja, os problemas vivenciados no cotidiano dos serviços devem orientar a produção de conhecimentos teóricos nos espaços formativos. A inclusão dos preceptores, atores dos serviços, no planejamento das atividades curriculares é uma medida estratégica que deve ser levada em consideração para a devida efetivação desse processo, pois facilita a investigação das principais necessidades sanitárias da população assistida e do trabalho em saúde11. Xavier LN, Oliveira GL, Gomes AA, Machado MFAS, Eloia SMC. Analisando as metodologias ativas na formação dos profissionais de saúde: uma revisão integrativa. Sanare. 2014; 13(1):73-83. , 1515. Sampaio J, Garcia SO, Costa CRL, Diniz RS, Araújo TA, Sampaio ARR. Reconfiguração do centro de estudos de uma maternidade pública: proposições de um pet-saúde eixo educação permanente. Rev Bras Cienc Saude. 2014; 18 Suppl 2:125-30. , 1616. Brasil. Ministério da Saúde. Manual técnico 2018 - programa para o fortalecimento das práticas de educação permanente em saúde no SUS - PRO EPS-SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. , 1919. Vendruscolo C, Prado ML, Kleba ME. Integração ensino-serviço no âmbito do programa nacional de reorientação da formação profissional em saúde. Cienc Saude Colet. 2016; 21(9):2949-60. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.12742015.
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Esse contexto retrata uma diferença marcante entre a lógica da organização dos serviços, muito centrada na produção de procedimentos técnico-operativos, e a lógica das instituições formadoras, voltada principalmente à produção de conhecimentos teóricos e metodológicos dos campos pedagógicos e núcleos específicos66. Gonçalves CNS, Corrêa AB, Simon G, Prado ML, Rodrigues J, Reibnitz KS. Integração ensino–serviço na voz de profissionais de saúde. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(6):1678-86. , 1010. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração Ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3):356-62. .

A experiência vivenciada indica conflitos e dificuldades na articulação do processo de integração ensino-serviço no cenário deste estudo. Acredita-se que tais tensões sejam possivelmente mais bem administradas quando os atores envolvidos nesse processo construírem um trabalho coletivo e solidário, por meio da cooperação mútua, para obtenção de resultados que favoreçam o cuidado em saúde1515. Sampaio J, Garcia SO, Costa CRL, Diniz RS, Araújo TA, Sampaio ARR. Reconfiguração do centro de estudos de uma maternidade pública: proposições de um pet-saúde eixo educação permanente. Rev Bras Cienc Saude. 2014; 18 Suppl 2:125-30. .

De acordo com Cavalheiro e Guimarães2424. Cavalheiro MTP, Guimarães AL. Formação para o SUS e os desafios da integração ensino serviço. Cad FNEPAS. 2011; 1 Suppl 1:19-27. , a prática pedagógica nos serviços do SUS exige o encontro de diferentes atores (gestores, profissionais, usuários, docentes e discentes) para que a proposta seja construída coletivamente, contemplando diferentes necessidades e demandas das IES e dos serviços. Esse processo deve estar orientado por relações horizontalizadas e compartilhadas, “onde não há uma academia que simplesmente se utiliza do serviço como local de estágio, nem um serviço que se utiliza do estudante como mera mão de obra”2424. Cavalheiro MTP, Guimarães AL. Formação para o SUS e os desafios da integração ensino serviço. Cad FNEPAS. 2011; 1 Suppl 1:19-27. (p. 26).

Para tanto, as IES devem identificar as necessidades dos serviços e estabelecer pactos de contribuição com os cenários do SUS, mediante a negociação de espaços, horários e tecnologias para adequação das atividades laborais e das práticas educacionais, havendo a participação dos trabalhadores e usuários nas discussões educacionais de formação na área da saúde11. Xavier LN, Oliveira GL, Gomes AA, Machado MFAS, Eloia SMC. Analisando as metodologias ativas na formação dos profissionais de saúde: uma revisão integrativa. Sanare. 2014; 13(1):73-83. , 1010. Albuquerque VS, Gomes AP, Rezende CHA, Sampaio MX, Dias OV, Lugarinho RM. A integração Ensino-serviço no contexto dos processos de mudança na formação superior dos profissionais da saúde. Rev Bras Educ Med. 2008; 32(3):356-62. .

Nesse ínterim, o encontro entre diferentes atores representantes da instituição e da rede do SUS, promovidos pelo PET-Saúde para o repasse das oficinas, buscou configurar uma rede de conversação para tornar pública as insatisfações dos atores quanto ao processo de integração ensino-serviço, tentando desencadear uma teia de reflexão-proposta-ação conjunta em prol de avanços. Essa articulação foi primordial para gerar uma resposta às demandas apresentadas pelos profissionais com a proposta de fortalecimento do Centro de Estudos2525. CeccimRB, Feuerwerker LCM. Mudança da graduação das profissões de saúde sob o eixo da Integralidade. Cienc Saude Colet. 2004; 20(5):400-10. na regulamentação das IES atuantes no serviço.

Condizentes com essa ideia, Ceccim e Feuerwerker2525. CeccimRB, Feuerwerker LCM. Mudança da graduação das profissões de saúde sob o eixo da Integralidade. Cienc Saude Colet. 2004; 20(5):400-10. afirmam que traçar caminhos estratégicos em prol da obtenção de avanços na formação em saúde requer diálogos entre as diversas esferas de gestão do SUS (ensino-gestão-atenção-controle social) que integram o quadrilátero da formação para o estabelecimento de redes de reflexões e decisões democráticas que ponham em coerência as práticas do cuidado e as práticas pedagógicas.

Ampliando as possibilidades de melhorias, a criação do informativo “ICV em foco”, bem como a sua rotatividade periódica, permitiu a atualização constante das informações institucionais, principalmente no tocante à divulgação de eventos de educação continuada. A inclusão dos trabalhadores como colaboradores nas edições desse instrumento deu-lhes voz ativa na produção e elaboração de suas pautas e contribuiu para dar exclusividade ao público interno2626. Bueno WC. Comunicação empresarial: teoria e prática. Barueri: Manole; 2003. .

Nota-se, assim, que a inserção do PET-Saúde contribuiu efetivamente na ampliação dos espaços de comunicação interna, reflexão sobre o processo de trabalho e organização do serviço atinentes às questões ligadas à formação e às práticas do cuidar. No entanto, a não inserção dos usuários na construção das ações do PET-EP no serviço foi uma lacuna no processo, tornando-se uma meta a ser alcançada pela instituição, já que sua participação é extremamente relevante para configurar o controle social, resgatando a proposta do quadrilátero da saúde2525. CeccimRB, Feuerwerker LCM. Mudança da graduação das profissões de saúde sob o eixo da Integralidade. Cienc Saude Colet. 2004; 20(5):400-10. .

Considerações finais

Ainda que os desafios para superação do antigo modelo de educação em saúde sejam evidentes, o deslocamento do ensino para o contexto do SUS tem direcionado o processo de ensino-aprendizagem às necessidades sanitárias da população. As ações do programa PET-Saúde têm catalisado essas mudanças ao estimular uma atuação e formação profissional pautada pelo espírito crítico, pela cidadania e pela função social, orientados pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão1111. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. Portaria Interministerial nº 1.802, de 26 de Agosto de 2008. Institui o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde - PET - Saúde. Diário Oficial da União. 27 Ago 2008; sec 1, p. 27. .

A experiência descrita neste estudo constata que a inserção do PET-Saúde no ICV tem provocado reflexão dos processos de trabalho por meio da criação de espaços de discussão interdisciplinares e influenciado a reorganização do serviço, em prol do fortalecimento da integração ensino-serviço. Essas ações atingiram potencial marcante pelo fato de seguirem em continuidade no serviço, mesmo após o término da vigência do programa no ICV, em 2014.

Cabe ressaltar que o programa foi reconfigurado e atualizado em 2016, adotando uma nova roupagem denominada PET-Saúde/GraduaSUS. Esta versão englobou objetivos mais exigentes e direcionados à obtenção de uma formação profissional para o SUS e ao estreitamento da integração ensino-serviço-comunidade, reassumindo o compromisso com a reorientação profissional em saúde.

A despeito dos avanços, este é apenas o início da caminhada, com muitos percalços a serem enfrentados. Conforme afirma Ceccim, “a transformação das práticas de saúde e a transformação da formação profissional em saúde têm de ser produzidas em conjunto. Por mais trabalhoso que isto seja”2727. RB. Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de capacidade pedagógica na saúde. Cienc Saude Colet. 2005; 10(4):975-86. (p. 984).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    05 Mar 2019
  • Aceito
    16 Maio 2019
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br