Oficinas de atividades, dinâmicas e projetos em Terapia Ocupacional Social como estratégia para a promoção de espaços públicos

Workshops of activities, dynamics, and projects in Social Occupational Therapy as a strategy to foster public spaces

Talleres de actividades, dinámicas y proyectos en Terapia Ocupacional Social como estrategia para la promoción de espacios públicos

Marina Jorge da Silva Ana Paula Serrata Malfitano Sobre os autores

Resumos

Objetiva-se refletir à luz da teoria de Hannah Arendt sobre oficinas de atividades, dinâmicas e projetos, em Terapia Ocupacional Social, como estratégia na promoção de espaços públicos. Baseia-se na análise de uma experiência de ensino, pesquisa e extensão universitária, durante a qual se realizou objetivação participante das oficinas realizadas semanalmente com jovens pobres, ao longo de um ano. Partindo dos registros em diário de campo e de entrevistas com participantes, realizou-se uma leitura das oficinas como possível fomento à oferta de espaços para a convivência, no exercício da igualdade e da tessitura da sociabilidade diante da pluralidade; da visibilidade de sujeitos em vulnerabilidade social e suas demandas; de liberdade para participação na tomada de decisões e aprendizados acerca da vida coletiva e da cidadania, podendo auxiliar na promoção de espaços públicos para múltiplas vivências sociais.

Espaço público; Atividades; Cidadania; Terapia Ocupacional


The objective is to reflect upon Hannah Arendt’s theory on workshops of activities, dynamics, and projects in social occupational therapy as a strategy to foster public spaces. Based on the analysis of a teaching, research, and university extension experience during which the participants of weekly workshops held with poor young people for one year were objectified. Based on field notes and interviews with participants, the workshops were analyzed as a potential promotion of living spaces to practice equality and sociability’s interconnection regarding its plurality, visibility of socially vulnerable subjects and their demands, freedom to participate in decision-making processes and learnings regarding collective life and citizenship, being able to help foster public spaces in multiple social experiences.

Public space; Activities; Citizenship; Occupational Therapy


El objetivo es reflexionar a la luz de la teoría de Hanna Arendt sobre Talleres de Actividades Dinámicas y proyectos en Terapia Ocupacional Social, como estrategia en la promoción de espacios públicos. Se basa en el análisis de una experiencia de enseñanza, investigación y extensión universitaria, durante la cual se realizó objetivación participante de los Talleres realizados semanalmente con jóvenes pobres en el transcurso de un año. Partiendo de los registros en diario de campo y de entrevistas con participantes, se realizó una lectura de los Talleres como posible fomento a la oferta de espacio para la convivencia, en el ejercicio de la igualdad y de la trama de la sociabilidad ante la pluralidad, de la visibilidad de sujetos en vulnerabilidad social y sus demandas; de libertad para la participación en la toma de decisiones y aprendizajes sobre la vida colectiva de la ciudadanía, pudiendo auxiliar en la promoción de espacios públicos para múltiples vivencias sociales.

Espacio público; Actividades; Ciudadanía; Terapia Ocupacional


Introdução

Tão contemporânea quanto a crise política que vivemos no país são as temáticas postas à baila em sua decorrência. Pensar e discutir cidadania e participação política faz-se atual e necessário, uma vez que o momento de crise aponta para limites do chamado modelo tradicional de participação política, exercido predominantemente pela participação por meio do voto, pela filiação a partidos e pela participação em protestos11. Norris P. Political activism: new challenges, new opportunities. In: Boix C, Stokes D. The oxford handbook of comparative politics. Oxford: Oxford University Press; 2007. p. 628-52., e evidencia um grande número de pessoas postas à margem, cuja cidadania está distante de se efetivar, muito embora seus direitos políticos, sociais e civis22. Marshall TH. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar; 1967. juridicamente já tenham sido promulgados.

Desse modo, a exclusão que se apresenta em face da crise política revela uma crise de cidadania para diversos sujeitos e grupos sociais cujas possibilidades de se fazerem ativos politicamente muitas vezes se restringem ao exercício do voto. Entretanto, o uso do sufrágio universal e o acesso a ele, embora importantes e fundamentais conquistas, não são suficientes quando se entende participação política à luz de Hannah Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007., para quem isso se trata da possibilidade de falar, ser ouvido e ser visto na sociedade como alguém com capacidade para contribuir com a vida pública e coletiva na construção de um mundo comum33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007..

Esse espaço de interconexão entre os seres humanos e, por conseguinte, de perspectiva de ganhar o mundo comum e dele participar, Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007. denominou espaço público. Para Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007., esse espaço é onde se aparece aos outros, sendo, por excelência, de ou para a tomada de decisões sobre a vida coletiva, ou seja, para o exercício da política e da corresponsabilização para com os assuntos coletivos.

O contrário disso seria subsumir sujeitos individuais e coletivos à possibilidade de convivência democrática e ao exercício do direito de participar das decisões que envolvem a vida de todos. Para Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007., essa invisibilidade social seria equivalente a não ter a própria existência reconhecida, a não ter licença para existir ou permissão para participar da própria humanidade. Desse modo, a importância em se pensar o espaço público significa reconhecê-lo como uma dimensão significativa da vida dos sujeitos, coletivos e grupos sociais, como um lócus de efetivo exercício da cidadania44. Hermany R, Maschio D. Cidadania e espaço público constitucional: uma abordagem a partir da esfera pública [Internet]. São Paulo: Âmbito Jurídico; 2008 [citado 3 Jan 2020]. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-constitucional/cidadania-e-espaco-publico-constitucional-uma-abordagem-a-partir-da-esfera-local/
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. O que pode ser extensível à ação técnica profissional, ofertando elementos para o desenvolvimento de práticas que busquem o fomento de espaços políticos e de efetivo exercício de cidadania.

Neste debate, toma-se o espaço público como temática de interesse, uso e interatividade entre diversas áreas, sendo aqui focalizada a Terapia Ocupacional. Embora se admita a fragilidade de pensar a aplicabilidade de um discurso filosófico, visto não ter sido preocupação de Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007. estabelecer conceitos, ou mesmo pensar em atividades profissionais que neles se embasassem e/ou com eles se relacionassem, acredita-se que sua teoria33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007. possa contribuir na proposição de novos léxicos para a área da Terapia Ocupacional, emprestando elementos para análise e discussão no que se refere à sua produção teórico-prática, especialmente da Terapia Ocupacional Social quando realiza oficinas de atividades, dinâmicas e projetos.

“Pensar a Terapia Ocupacional com Hannah Arendt”55. Lima EMFA. Atividades, mundo comum e formas de vida: contribuições do pensamento de Hannah Arendt para a terapia ocupacional. Cad Bras Ter Ocup. 2020; 28(3):1037-50. Doi: http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoarf1995.
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foi algo já proposto por Lima55. Lima EMFA. Atividades, mundo comum e formas de vida: contribuições do pensamento de Hannah Arendt para a terapia ocupacional. Cad Bras Ter Ocup. 2020; 28(3):1037-50. Doi: http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoarf1995.
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, que explorou os conceitos de atividade humana, vida ativa e mundo comum trazidos por Arendt e outros filósofos, tomando-os como fio condutor na reflexão acerca do exercício da Terapia Ocupacional no mundo atual. Nessa mesma direção, integramos tal discussão compartilhando as bases teóricas arendtianas, enfocando aqui a oferta de oficinas de convivência em Terapia Ocupacional Social.

Assim, este artigo se propõe a análise e reflexão das oficinas de atividades, dinâmicas e projetos em Terapia Ocupacional Social, especificamente aquelas desenvolvidas pelo Núcleo Metuia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)ccTrata-se do núcleo UFSCar da Rede Metuia, um grupo interinstitucional de estudos, formação e ações em Terapia Ocupacional Social pela cidadania de crianças, adolescentes, jovens e adultos em processo de ruptura de redes sociais de suporte., à luz da teoria de Arendt, como estratégia na promoção de espaços públicos.

Subsidiando as reflexões e análises aqui apresentadas, utilizaram-se dados advindos da objetivação participante de 29 oficinas direcionadas a jovens, realizadas em 2017, especificamente sobre a temática dos espaços públicos e registradas em diários de campo. Paralelamente, foram realizadas dez entrevistas com cinco jovens participantes. As oficinas ocorreram semanalmente, com duração média de três horas, em uma praça local, onde se desenvolvem há anos atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária77. Silva MJ, Oliveira ML, Malfitano APS. O uso do espaço público da praça: considerações sobre a atuação do terapeuta ocupacional social. Cad Bras Ter Ocup. 2019; 27(2):438-47. Doi: https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctore1746.
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. Os jovens participantes já tinham contato prévio com outras atividades por nós realizadas em diferentes equipamentos socioassistenciais e de educação naquela região. As oficinas eram abertas à participação de quem desejasse, com público flutuante variando entre dois e trinta participantes por encontro. Alguns jovens tiveram frequência rotineira enquanto outros apareceram apenas uma vez ao longo de todo o ano.

As oficinas de atividades, dinâmicas e projetos

A Terapia Ocupacional Social tem desenvolvido teorias e práticas com grupos socialmente vulneráveis, enfocando a questão do acesso aos direitos e à cidadania77. Silva MJ, Oliveira ML, Malfitano APS. O uso do espaço público da praça: considerações sobre a atuação do terapeuta ocupacional social. Cad Bras Ter Ocup. 2019; 27(2):438-47. Doi: https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctore1746.
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8. Lopes RE, Adorno RCF, Malfitano APS, Takeiti BA, Silva CR, Borba CR. Juventude pobre, violência e cidadania. Saude Soc. 2008; 17(3):63-76.
-99. Lopes RE, Borba PLO, Monzeli GA. Expressão livre de jovens por meio do Fanzine: recurso para a terapia ocupacional social. Saude Soc. 2013; 22(3):937-48.. Como estratégia de ação prático-profissional tem desenvolvido e utilizado recursos, tecnologias sociais e metodologias participativas de trabalho pautados em ações intersetoriais e interdisciplinares, buscando oferecer espaços protegidos de convivência e pertencimento. Tem-se nomeado como recursos terapêutico-ocupacionais em Terapia Ocupacional Social: as oficinas de atividades, dinâmicas e projetos, os acompanhamentos singulares e territoriais, a dinamização da rede de atenção e a articulação de recursos no território1010. Lopes RE, Malfitano APS, Silva CR, Borba PLO. Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional: ações com jovens pobres na cidade. Cad Ter Ocup UFSCar. 2014; 22(3):591-602.. Este artigo enfoca especificamente as oficinas de atividades, dinâmicas e projetos, partindo do princípio de que se trata de uma estratégia que possibilita o fomento de espaços públicos.

As oficinas podem ser compreendidas como espaços de convivência e aproximação dos sujeitos, nos quais podem ser utilizadas atividades diversas (corporais, lúdicas e plásticas) como recursos mediadores em sua operacionalização, buscando a aproximação com as demandas dos sujeitos parametrizadas pelas noções de cidadania, direitos/deveres e participação democrática1010. Lopes RE, Malfitano APS, Silva CR, Borba PLO. Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional: ações com jovens pobres na cidade. Cad Ter Ocup UFSCar. 2014; 22(3):591-602..

Entendendo que os encontros nas oficinas engendram laços de sociabilidade, por meio dos quais pode-se pensar em aspectos essenciais à vida coletiva, emprestou-se a noção de espaço público desenvolvido por Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007.. Tomou-se a liberdade de “dividir” didaticamente tal noção, conforme proposto previamente por outros autores1111. Silva MSS, Xavier DG. Hannah Arendt e o conceito de espaço público. Profanações. 2015; 2(1):216-36., em visibilidade, pluralidade, igualdade e liberdade. Importante ressaltar que a divisão proposta tem fins meramente didáticos, uma vez que os quatro elementos propostos na noção de espaço público33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007. se interconectam e estão imbricados uns nos outros, sendo difícil e totalmente artificial estabelecer limites entre eles.

Com base em tais elementos, buscou-se ilustrar, a seguir, situações extraídas da experiência do Núcleo Metuia/UFSCar, especificamente por meio de parte de suas atividades de extensão universitária. O Núcleo Metuia/UFSCar, desde 2005, vem realizando intervenções na juventude pobre de um bairro periférico de um município de médio porte no interior paulista. Os dadosddAs informações aqui apresentadas são parte da tese de doutorado “Terapia Ocupacional Social, juventudes e espaço público”, de autoria de Marina Jorge da Silva, defendida no Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional, da Universidade Federal de São Carlos, em 2019. aqui apresentados foram obtidos por nossa execução, observação e registro das oficinas em diário de campo, assim como por entrevistaseeCada participante foi consultado acerca do nome que gostaria de ser chamado no relato da entrevista e produção do texto, sendo que aqui são utilizados os nomes por eles escolhidos. com alguns de seus participantes.

Oficinas de atividades, dinâmicas e projetos e possíveis interlocuções com o fomento a espaços públicos

Em uma sociedade fundada sob desigualdades sociais, como a realidade brasileira, existem diversas implicações e restrições para a formação de espaços que possam se caracterizar como efetivamente públicos. A desigualdade social, ou seja, o marcador de classe, coloca-se pari passu a outros como racismo, violência e verticalismo nas relações sociais, impondo limites à formação do espaço público no Brasil1212. Ferreira EP. O espaço público e a cidadania: contribuições de Hannah Arendt. Sapere Aude. 2017; 8(15):211-26.. Logo, refletir sobre os usos dos espaços públicos implica uma dimensão ética da vida social1313. Telles VS. Sociedade civil e a construção de espaços públicos. In: Dagnino E, organizador. Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense; 1994. p. 91-102. na luta para que as diferenças constituintes da humanidade não sejam pressupostos a desigualdades e marginalizações sociais a ponto de certos sujeitos (individuais e coletivos) serem subsumidos do espaço público e/ou dele não tenham direito de participar, posto que são considerados socialmente invisíveis e não reconhecidos com potencial de contribuir com a vida coletiva. Desse modo, pensar em estratégias técnico-profissionais que busquem a promoção de visibilidade de determinados grupos sociais ganha relevância.

Visibilidade

Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007. apresenta o termo “público” como a aparição em um mundo comum, equivalendo à possibilidade de ser visto e ouvido pelos outros e constituir a realidade. Em outras palavras, é em decorrência da aparência e da visibilidade no/do espaço público que se interpõe a possibilidade de participar dos assuntos coletivos33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007..

Tendo em vista o cenário nacional no qual a precariedade das condições de vida e acesso a recursos materiais e simbólicos da sociedade encerra diversos sujeitos à margem da vida pública e coletiva, entende-se como possível instância do trabalho técnico pautar questões que requerem visibilidade social no/pelo espaço público1414. Telles VS. Direitos sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Ed. UFMG; 1999., na direção de interromper a percepção da desigualdade como condição natural ou de um estado de coisas.

Pela oferta das oficinas, têm-se buscado lançar visibilidade sobre questões de interesse social e que, muitas vezes, se encontram invisíveis para parte da sociedade. Nessa direção, uma das estratégias que se têm utilizado é o fomento à fruição de sujeitos em vulnerabilidade social por espaços fora daqueles de seu convívio cotidiano, promovendo a possibilidade de serem vistos e de verem coisas diferentes do que acessam pelos seus modos de vida e repertórios, em geral construídos sobre uma restrição à própria realidade, muitas vezes sem condições objetivas de extrapolá-la. Em “uma cidade partida [...], dividida em grupos cada vez mais enclausurados em seus espaços delimitados, e confinados a reincidência de uma mesma realidade”1515. Sousa MCP. O medo e seus refúgios nas grandes cidades: o gueto como alternativa para a proteção [Internet]. In: Anais do 13o Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste; 2008; São Paulo. Brasil. São Paulo: Mídia, Ecologia e Sociedade - Intercom; 2008 [citado 3 Jan 2020]. p. 1-14. Disponível em: http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2008/resumos/R9-0361-1.pdf
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(p. 8), entende-se haver menores possibilidades de circulação dos sujeitos e de coisas diferentes entre eles, restringindo-os.

Por exemplo, têm sido organizados diversos passeios pela cidade e, eventualmente, pelo seu entorno. Assim, já foram feitas visitas a pontos de cultura e lazer, como o Serviço Social do Comércio (Sesc), parques locais, praças, teatros, um projeto de educação ambiental, entre outros. Além disso, já se promoveu o trânsito daqueles jovens participantes das atividades a espaços de formação acadêmica e/ou qualificação profissional, como universidades e escolas de ensino técnico/tecnológico. Em tais experiências se verifica que aqueles lugares eram majoritariamente desconhecidos, mesmo que próximos fisicamente de seus locais de moradia.

Figura 1
Diversos passeios pelo bairro onde são realizadas as oficinas, em seu entorno e pelo município (acervo do Núcleo Metuia/UFSCar).

Acredita-se que a circulação pelos espaços públicos por meio de visitas e passeios pode proporcionar o conhecimento de novos elementos e perspectivas para suas vidas cotidianas. Nessa direção, exemplificando como as visitas engendram experiências novas, pode-se citar uma oportunidade em que os jovens foram levados ao Sesc para conhecer o espaço e assistir a um espetáculo de dança. Antes do espetáculo começar, enquanto exploravam o espaço, viram um grupo de deficientes visuais jogando futebol adaptado e se mostraram bastante curiosos e intrigados. Isso possibilitou a oportunidade para abordar a questão das diferenças, descomplexar o conceito de deficiência, explicar os fundamentos do esporte e possibilitar sua experimentação.

Figura 2
Vivência de prática esportiva com deficiência visual (acervo do Núcleo Metuia/UFSCar).

Promover encontros nos quais certos sujeitos e grupos, outrora invisíveis e cuja existência fora/é negada – pelo não reconhecimento de seus direitos, de sua importância e/ou legitimidade – possam ser visibilizados e (re)conhecidos é um aspecto importante que tem se construído pelas oficinas na busca por alavancar processos democráticos e enfrentar a reprodução da exclusão e estigmatização, procurando reverter a lógica da segregação a que estão sujeitos.

Pluralidade

Um outro elemento que tende a favorecer o contato com o novo e a ampliação do repertório de vida dos sujeitos é a possibilidade de vivência e convivência com a pluralidade, entendendo que, pelo contato com uma diversidade de sujeitos e realidades, se vivencia a perspectiva da pluralidade de experiências, saberes e repertórios.

A pluralidade é apresentada por Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007. como um aspecto inerente à condição humana, à chegada ao mundo, pois todos nascem diferentes, seja por condições sociais, culturais, econômicas seja por condições históricas. No entanto, pelo fomento à convivência põe-se em tela a possibilidade de estar na diversidade, participando de trocas e construções conjuntas.

A alternativa de convivência com o diferente pode trazer conhecimentos que estimulem novas oportunidades e experiências, mesmo sobre dimensões mais cotidianas da vida daqueles sujeitos, como é possível apreender de um trecho da entrevista com um participante das oficinas:

Olha, o acesso a coisas novas me ajudou e me incentivou a fazer o que gosto e a seguir meus objetivos... meus conhecimentos aumentaram e isso foi bom porque não só vi o que eu gosto... isso também era bom, mas vi coisas que eu não sabia e não conhecia. (Lipe, entrevistado da pesquisa)

É que se não fosse [as oficinas] eu nem ia gostar de cozinhar, eu não ia ter esse interesse... eu nunca achava que ia gostar de fazer comida! Lá era onde me ajudava, eu via e “nossa que legal, coisa boa, gostosa, tenho que fazer isso, não posso comer só aqui!”. (Lipe, entrevistado da pesquisa)

Figura 3
Uma das atividades de culinária no espaço das oficinas (acervo do Núcleo Metuia/UFSCar).

A ação do terapeuta ocupacional com foco na proposição das oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos pode ser entendida como espaço de fomento à convivência e, por conseguinte, de acesso às diversidades que habitam o espaço coletivo. Nesse sentido, é importante pensar que a convivência com os diferentes, na produção de bens comuns, é uma experiência que pode ser criada e/ou estimulada e que, para tanto, é imprescindível a oferta de espaços para o aprendizado das “habilidades” necessárias para esse exercício.

Logo, esses aprendizados e descobertas ganham novos contornos e proporções na medida em que favorecem, também, projeções de sonhos para a vida, como quando uma estudante intercambista chilena, compondo a nossa equipe, apresentou seu país pelo uso de um mapa e os jovens puderam dimensionar a que distância ela estava de casa. A partir daí queriam saber como tinha vindo ao Brasil e quanto tempo a viagem levara. Ao dizer que seu deslocamento tinha sido de ônibus, em um valor não exorbitante, os jovens começaram a manifestar que, algum dia, aquela experiência também poderia ser possível a eles: “Já pensou se um dia vou te visitar!?”, diziam sorrindo.

A ampliação de repertório de conhecimentos parece subsidiar a possibilidade de construção de projetos de futuro, ainda que, muitas vezes, sejam frágeis diante das condições objetivas da vida, como a realidade socioeconômica daqueles jovens.

Para Burgos1616. Burgos R. Espaços públicos e o direito à cidade: contribuições teórico-conceituais a partir de estudos sobre o uso de parques urbanos em contexto de segregação espacial na cidade de São Paulo e Sorocaba. Cidades. 2015; 12(20):105-40., mesmo que não houvesse troca de palavras entre sujeitos no encontro/confronto dos diferentes grupos sociais, a experiência da coexistência “seria a própria experiência de mundo comum, a coexistência neste mesmo espaço possibilita a experiência da esfera pública” (p. 127). Além disso, acredita-se que a convivência, por meio do contato com o outro, coloca em perspectiva crenças, desejos, ações e modos de agir, como quando uma das jovens participantes passou a projetar para si o curso de graduação em terapia ocupacional, após o contato com a equipe da área.

Por essa perspectiva, anterior ao fomento dos encontros, a proposta de trabalho pelas oficinas parece significativa no que se refere à promoção de exposição ao diverso, aspecto que aparece também no cuidado do planejamento das oficinas, quando se busca uma intersecção entre temáticas de relevância social e a contemplação dos interesses dos participantes no que diz respeito a formas de trabalhar e dinamizar as atividades, em um esforço constante por introduzir algo novo.

Figura 4
Aluno de pós-graduação intercambista mostra fotos aos jovens com retratos do cotidiano em seu país (acervo do Núcleo Metuia/UFSCar).

Outro fomento do encontro com o diverso, utilizado como estratégia nas oficinas, é a introdução de pautas, dinâmicas e atividades que favoreçam encontros intergeracionais. Nesse propósito, o resgate da memória do bairro por meio de entrevistas com moradores mais velhos, o resgate de jogos e brincadeiras da infância dos adultos que possam ser (re)produzidos com as crianças e jovens atuais ou, ainda, atividades ligadas à revitalização dos espaços de uso comum no bairro, são exemplos de propostas que vêm sendo realizadas na programação das oficinas, na perspectiva de promover encontros e trocas entre sujeitos e saberes plurais.

Figura 5
Atividade “torta na cara”. Nota-se o encontro intergeracional com um adulto e uma jovem esperando para responder à pergunta enquanto a criança é a juíza e um adolescente conversa ao fundo (acervo Núcleo Metuia/UFSCar).

Igualdade

A pluralidade constituinte do espaço público enriquece a vida coletiva33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007., mas também a torna complexa, na medida em que, diante das diferenças sociais, se faz necessária a criação de estratégias para que os sujeitos sejam postos em igualdade para constituição do espaço público e construção do mundo comum, de forma que, se entendendo como iguais em direito de fala e escuta, possam se colocar na cena pública e, também, respeitar a colocação do(s) outro(s). Assim, o encontro com o diverso ainda traz à tona um questionamento: como lidar com as diferenças constituintes da pluralidade sem (re)produzir desigualdades entre sujeitos e grupos?

Muitas vezes, com base nas diferenças contidas na pluralidade, produzimos, socialmente, desigualdades. Por isso, um grande desafio na sociedade tem sido reconhecer a diversidade como uma riqueza, pondo-se na contramão da valorização de alguns em detrimentos de outros, sobretudo em um país onde as distâncias sociais são tão grandes, fixando assimetrias de classe, gênero, idade, raça e origem, entre outras, como se fossem, apenas, modos de vida distintos1717. Winckler S. Igualdade e cidadania em Hannah Arendt. Direito Debate. 2004; 12(22):7-22.. Portanto, diante do desafio de pensar a igualdade necessária para construção do espaço público, a compreensão de que as pessoas que lá atuam são cidadãs22. Marshall TH. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar; 1967. pode auxiliar proposições efetivas.

Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007. apresenta a ideia de igualdade entre os seres humanos como uma construção social, uma pactuação política. Para ela, não é a natureza humana o fator igualador entre os seres; antes, a ideia de igualdade surge como prerrogativa à inclusão de qualquer sujeito (individual e/ou coletivo) ao corpo político. Logo, o espaço público é aquele em que os sujeitos encontram possibilidade de participar da construção do bem comum em igual possibilidade de fala e de escuta33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007.. Não se trata de igualar o ser humano em detrimento de suas características singulares, mas de propor condições para que tais características possam se manifestar em reconhecimento da cidadania.

Embora não se possa, pela ação técnica, equacionar a lógica contraditória e complexa da produção e reprodução da desigualdade e violência no contexto macroestrutural, pode-se, em uma dimensão mais microssocial no cotidiano da prática profissional, produzir possibilidades de experimentação da alteridade, solidariedade, respeito e, em alguma medida, de participação. Diante dessa dialética, o que de fato parece exequível é o estabelecimento de um critério de reciprocidade que permita reconhecer o outro como sujeito de direitos legítimos.

Essa tem sido uma das estratégias utilizadas nas oficinas: para além da temática ou da atividade escolhida, busca-se criar espaços de (re)produção de respeito, a despeito das diferenças existentes entre os frequentadores. Assim, o jovem com necessidades especiais tem o mesmo direito a jogar “queimada” que os demais; qualquer jovem tem direito a participar sem ser “zoado” ou sofrer quaisquer outras formas de discriminação; e a jovem menina tem o mesmo direito de emitir sua opinião como qualquer menino presente. Por simples que pareçam essas diretrizes, elas se colocam contrárias ao que muitas vezes aqueles sujeitos experimentam no dia a dia, como vítimas ou produtores dessas práticas sociais.

Portanto, uma outra dimensão possível em se pensar o fomento à igualdade pelo trabalho técnico passa pelo manejo de dissensos, de maneira que não venham se interpor entre os sujeitos, inviabilizando construções comuns entre eles, mas sim fomentar espaços públicos com liberdade para que se possa participar da construção do mundo por meio da diferença e apesar dela.

Figura 6
Jovens e crianças pactuam regras de funcionamento para o espaço das oficinas (acervo do Núcleo Metuia/UFSCar).

Isso toma forma, por exemplo, na atividade ilustrada acima, quando jovens e crianças se sentaram para estabelecer conjuntamente as regras de convivência nas oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos. Foi um processo que durou cerca de quatro semanas e consistiu na mesma possibilidade de fala e escuta de todos os presentes na construção de parâmetros para o estar nas oficinas, com base nas distintas experiências, expectativas e nos pontos de vista dos sujeitos. Além disso, os acordos eram retomados sempre que ocorresse um conflito entre o grupo: voltava-se ao cartaz para todos verem o que haviam, coletivamente, acordado. Se a questão não estava contemplada, era debatida e, então, propunha-se algo novo. Buscou-se que todos encaminhassem as situações de maneira semelhante, independentemente dos atores envolvidos, favorecendo aos sujeitos a possibilidade de vivenciar outros modos de ser e estar no mundo que não ficassem restritos à esfera da hierarquização e do poder, como acontece nos espaços privados da vida.

Liberdade

O conceito de liberdade na obra de Arendt não é de fácil definição, posto que é multifacetado1818. Arendt H. Entre o passado e o futuro. 7a ed. São Paulo: Perspectiva; 2011.. Adota-se, contudo, um dos entendimentos apresentados1818. Arendt H. Entre o passado e o futuro. 7a ed. São Paulo: Perspectiva; 2011. ao associar a liberdade à liberação do jugo das necessidades, da manutenção da vida física, objetiva e orgânica. Para ela, para desfrutar da liberdade no espaço público é preciso, primeiro, estar isento dessas obrigações referentes à esfera privada1919. Rubiano MM. Liberdade em Hannah Arendt [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo; 2011.. Assim, o universo mais contemplativo, subentendido nas artes, está posto para grupos que já “resolveram” essa dimensão de suas vidas2020. Freitas BP. Política e espaço público: um diálogo inicial com Hannah Arendt. Em Debate. 2009; 7:1-14., ou seja, a manutenção objetiva da reprodução material para o viver.

Portanto, o conceito implica complexidade e contradição: a liberdade, para uma maioria de sujeitos concretos, não seria algo exequível33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007., ao menos na realidade brasileira. Em se pensando o grupo com quem trabalhamos, quando os jovens pobres, em nosso país, poderiam prescindir de atividades de cunho utilitarista em termos de manutenção da própria vida? Suas condições socioeconômicas não lhes permitem viver sem essa constante preocupação: a manutenção material da vida.

Para Marques2121. Marques AMB. Liberdade e espaço público no pensamento político de Hannah Arendt. FIDES. 2011; 2(2):41-59., a liberdade surge:

[...] no momento em que cada homem, livre das privações que caracterizam a estrutura familiar, pode aparecer por meio da ação e do discurso, revelando um quem que compartilha a pluralidade de significados do mundo comum. (p. 43)

Dessa forma, conforme Silva e Xavier1111. Silva MSS, Xavier DG. Hannah Arendt e o conceito de espaço público. Profanações. 2015; 2(1):216-36., além da liberação das necessidades da vida objetiva, da manutenção do corpo e da casa, a liberdade requer a existência de outros sujeitos na mesma condição e de uma esfera pública comum para encontrá-los. Portanto, liberdade não significa “apenas” se libertar do jugo da natureza ou da privação presente na atividade laborativa para equacioná-la; significa, também, a possibilidade de estar entre iguais.

Nessa direção, a apreensão arendtiana1818. Arendt H. Entre o passado e o futuro. 7a ed. São Paulo: Perspectiva; 2011. de liberdade é apresentada como dependente da companhia de outros para poder se efetivar no estabelecimento de um espaço de convivência entre iguais. A liberdade só surge diante de um espaço concreto que precisa ser politicamente assegurado. Entendem-se as oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos como a possibilidade de promoção desse espaço para experimentação da liberdade como extrapolação das questões estritamente objetivas da/para manutenção da vida e da busca pela coletivização dessa experiência.

Figura 7
Cenas cotidianas das oficinas: produção de jogos (acervo do Núcleo Metuia/UFSCar).

As imagens acima retratam cenas que buscam favorecer, na simplicidade inerente e relevante dos cotidianos, um tempo e uma partilha entre diversos sujeitos, extrapolando a esfera da vulnerabilidade social e a perspectiva das necessidades e obrigações. Tomar tempo para jogar e/ou produzir um jogo ou quaisquer outras atividades artesanais, como uma mandala, uma bijuteria ou a customização de uma camiseta, entre outras tantas propostas, torna-se possibilidade de transcender a esfera da necessidade e das imposições.

Figura 8
Jovem aprecia a mandala mexicana que produziu durante uma oficina no Centro da Juventude (acervo do Núcleo Metuia/UFSCar).

O registro acima diz respeito a uma atividade desenvolvida durante uma das oficinas, na qual se produziu uma espécie de mandala conhecida como “Olho de Deus”. Com essa experiência nos vimos diante da seguinte reflexão: Quais as possibilidades de um jovem pobre, durante uma tarde de um dia “útil”, realizar uma atividade artesanal e tomar tempo para apreciá-la perante sua vivência em uma cultura que dita que o sujeito nessa condição socioeconômica deveria estar trabalhando, desenvolvendo atividades de caráter estritamente produtivas?

A possibilidade de um fazer mais livre das preocupações e obrigações cotidianas para um jovem pobre, seguida da perspectiva de contemplação de sua obra, guarda a expectativa de vivência da juventude em si, em uma moratória social majoritariamente negada à juventude pobre brasileira. Insistir em momentos de liberdade para ela significa reafirmar seu direito a ser jovem.

Entende-se que a liberdade pode ser pautada como algo a ser perseguido, como um elemento orientador à ação técnica, no sentido de projetar-se para uma práxis ideológica. Posta essa expectativa, acredita-se na possibilidade de operar com o elemento da liberdade sob uma perspectiva microssocial, talvez até mais individual, embora coletivamente orientada no sentido de se projetar como oportunidade de experimentar, ao menos momentaneamente, a possibilidade de suspensão das preocupações acerca das condições materiais da vida.

Nessa direção, pautam-se as oficinas, assim como as demais ações em Terapia Ocupacional Social, como uma alternativa de se constituir como um espaço de aparecimento da liberdade, não no sentido de garanti-la, mas sim de proporcioná-la na vida cotidiana. Na interpretação de Arendt11. Norris P. Political activism: new challenges, new opportunities. In: Boix C, Stokes D. The oxford handbook of comparative politics. Oxford: Oxford University Press; 2007. p. 628-52.⁸, a liberdade é um atributo definidor da ação, como capacidade de interromper os automatismos dos processos vitais. Logo, as intervenções em Terapia Ocupacional Social podem ser entendidas com base no lugar do espaço concreto necessário para o exercício cotidiano da liberdade e da experimentação da vida pública, buscando irromper com o automatismo dos processos vitais que, em geral, confinam os sujeitos em vulnerabilidade social aos espaços privados.

Reflexões finais

Na busca por tecer correlações entre a noção de espaço público, com base em Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007., e o que se produz por meio dos pressupostos da Terapia Ocupacional Social, conclui-se sobre a potencialidade da utilização do referencial em discussão para a leitura das oficinas como um espaço político e de práticas participativas cidadãs.

O reconhecimento da existência de um sujeito e/ou grupo social se dá por meio de uma ligação indissociável entre a compreensão de um grupo como ator político, a efetivação de sua cidadania e a sua visibilidade e atuação no espaço público33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007.. Entende-se que a interlocução das juventudes no/com o espaço público coloca em tela seu processo de reconhecimento como um grupo composto por cidadãos sujeitos a direitos e com efetivo potencial para participação social e política.

Entretanto, pensar e agir em interlocução com o espaço público abrange, também, uma importante perspectiva de ação sobre a restrição da cidadania de sujeitos (individuais ou coletivos) vulneráveis e invisíveis socialmente. Isso ganha maior relevância ao se considerar a juventude, especialmente a juventude pobre e seu frágil processo de integração social e reconhecimento público de seus direitos, sucessivamente posta à margem da possibilidade de participação na vida pública e coletiva.

Assim, admitindo o espaço público como uma dimensão significativa da vida social dos sujeitos, coletivos e grupos sociais, entende-se que a articulação com a teoria de Arendt33. Arendt HA. A condição humana. 10a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 2007. favorece que se lance luz sobre a promoção de uma sociabilidade política das juventudes, vislumbrando-se a possibilidade não só de os jovens alcançarem os espaços públicos, mas, de certa forma, experimentarem e criarem espaços para a sua visibilidade, participação e reconhecimento no mundo. Afinal, tomam-se as oficinas na perspectiva de fomento de debates e espaços de intercomunicação entre seres plurais, na construção de um mundo comum, com liberdade e igualdade de oportunidades para nele ser/estar.

Sob essa análise, a qualificação técnica tem a possibilidade de contribuir com os atores no espaço público proporcionando convivência direta e plural, entre projetos políticos e interesses diversos, favorecendo o aprendizado de uma convivência democrática pautada no debate, na negociação e no diálogo. No entanto, as intervenções em Terapia Ocupacional evidentemente se colocam como insuficientes no que se refere ao enfrentamento das condições macroestruturais que se colocam como impeditivas à experimentação da possibilidade de gozo de igualdade e liberdade de participação na vida coletiva. Apesar disso, conclui-se que trazer à cena sujeitos e vozes que se coloquem de maneira plural e com visibilidade é um processo passível de mediação técnico-profissional na articulação e no fomento de experiências da vida pública e coletiva.

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    Trata-se do núcleo UFSCar da Rede Metuia, um grupo interinstitucional de estudos, formação e ações em Terapia Ocupacional Social pela cidadania de crianças, adolescentes, jovens e adultos em processo de ruptura de redes sociais de suporte.
  • d
    As informações aqui apresentadas são parte da tese de doutorado “Terapia Ocupacional Social, juventudes e espaço público”, de autoria de Marina Jorge da Silva, defendida no Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional, da Universidade Federal de São Carlos, em 2019.
  • e
    Cada participante foi consultado acerca do nome que gostaria de ser chamado no relato da entrevista e produção do texto, sendo que aqui são utilizados os nomes por eles escolhidos.

  • Financiamento

    O trabalho contou com o apoio institucional de:
    - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior no Brasil (Capes). Código de Financiamento 001.
    - Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Edital Universal, processo 424156/2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2020
  • Aceito
    09 Set 2020
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br