Construção do guia de plantas medicinais de Florianópolis, SC, Brasil

Production of the guide to medicinal plants in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil

Construcción de la guía de plantas medicinales de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, Brasil

Ana Júlia Lobo Feijó Michael Anderson da Luz Lopes Cesar Paulo Simionato Maique Weber Biavatti Murilo Leandro Marcos Alesio dos Passos Santos Charles Dalcanale Tesser Sobre os autores

Resumos

Há escassez relativa de experiências com plantas medicinais e de orientações para confecção de materiais didáticos sobre elas na Atenção Primária à Saúde (APS). Uma equipe interinstitucional (Universidade Federal de Santa Catarina e Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis) produziu um guia de plantas medicinais em Florianópolis, SC. O objetivo deste trabalho é apresentar essa experiência e o guia, que é voltado para profissionais da APS e que valorizou saberes científicos, populares e profissionais, evitando uma abordagem colonizadora do tema. Após alguns tópicos introdutórios, o guia apresenta 38 plantas medicinais comumente usadas em Florianópolis (nomes científicos e populares; partes usadas; fotos; características botânicas; uso popular; informações científicas; uso clínico; modo de usar; reações adversas e contraindicações; plantas na gestação; toxicidade; glossário; e referências). Espera-se contribuir para a construção de outros guias adaptados aos contextos locais e para a valorização do uso de plantas medicinais na APS.

Palavras-chave
Plantas medicinais; Saúde Coletiva; Atenção Primária à Saúde


Experiences with medicinal plants and guidance for producing educational resources about these plants for use in primary health care (PHC) are relatively scarce. A team from the Santa Catarina Federal University and Florianópolis City Council Department of Health produced the “Guide to Medicinal Plants in Florianópolis”. This article presents this experience and the guide, which is aimed at PHC professionals and values scientific, traditional and professional knowledge, avoiding a colonizing approach to the topic. After presenting some introductory topics, the guide describes 38 medicinal plants commonly used in Florianópolis (scientific and common names, parts used, photo, botanical characteristics, common uses, scientific information, clinical use, adverse reactions and contraindications, plants during pregnancy, toxicity, glossary and references). It is hoped this guide will contribute to the production of other guides adapted to local contexts and recognition of the value of medicinal plants in PHC.

Keywords
Medicinal plants; Public health; Primary health care


Hay una escasez relativa de experiencias con plantas medicinales y de orientaciones para la confección de materiales didácticos sobre ellas en la atención primaria de la salud (APS). Un equipo interinstitucional (Universidad Federal de Santa Catarina y Secretaría Municipal de Salud de Florianópolis) produjo una guía de plantas medicinales en Florianópolis, estado de Santa Catarina. El objetivo de este trabajo es presentar esa experiencia y la guía, dirigida a los profesionales de la APS y que valorizó saberes científicos populares y profesionales, evitando un abordaje colonizador del tema. Después de algunos tópicos de introducción, la guía presenta 38 plantas medicinales comúnmente utilizadas en Florianópolis (nombres científicos y populares, partes usadas, foto, características botánicas, uso popular, informaciones científicas, uso clínico, modo de usar, reacciones adversas y contraindicaciones, plantas en la gestación, toxicidad, glosario y referencias). Se espera contribuir para la construcción de otras guías adaptadas a los contextos locales y para la valorización del uso de plantas medicinales en la APS.

Palabras clave
Plantas medicinales; Salud colectiva; Atención primaria de la salud


Introdução

Muito antes da ciência moderna, os povos dispunham de saberes e práticas passados de geração para geração, nas comunidades e por curadores, benzedeiras, xamãs e outros, que geralmente incluíam o uso de plantas medicinais11 Ischkanian PC. Promoção, comunicação e educação em saúde: a prática da acupuntura e da fitoterapia [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, USP; 2016.

2 Antonio GD, Tesser CD, Moretti-Pires RO. Fitoterapia na atenção primária à saúde. Rev Saude Publica. 2014; 48(3):541-53. Doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004985.
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-33 Organización Mundial de la Salud. Estrategia de la OMS sobre medicina tradicional 2002-2005. Geneva: OMS; 2005.. Com o crescente desenvolvimento científico e tecnológico, esses saberes e práticas vêm sendo gradativamente substituídos por outros baseados na ciência moderna.

Inicialmente motivada pela escassez de profissionais e recursos biomédicos em muitos locais, a Organização Mundial de Saúde, no fim da década de 1970, criou o Programa de Medicina Tradicional com o objetivo de ampliar a formulação de políticas nesta área44 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Série B: Textos Básicos de Saúde).. Em 2002, práticas tradicionais de cuidado em saúde eram realizadas por 80% da população africana e 40% da chinesa, e havia revalorização e uso crescentes das medicinas alternativas e complementares nos países de alta renda33 Organización Mundial de la Salud. Estrategia de la OMS sobre medicina tradicional 2002-2005. Geneva: OMS; 2005..

No Brasil, em 2006, foram promulgadas a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos55 Brasil. Ministério da Saúde. Política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Série B: Textos Básicos de Saúde). e a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares44 Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Série B: Textos Básicos de Saúde)., que englobou cinco modalidades, incluindo as plantas medicinais/fitoterapia. Em 2009, nasceu o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos66 Brasil. Ministério da Saúde. Programa nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série C: Projetos, Programas e Relatórios)..

O território brasileiro concentra a maior biodiversidade do planeta, além de grande riqueza cultural sobre plantas medicinais – herança de nossa tríade étnica: indígena, europeia e africana22 Antonio GD, Tesser CD, Moretti-Pires RO. Fitoterapia na atenção primária à saúde. Rev Saude Publica. 2014; 48(3):541-53. Doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004985.
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,77 Almeida MZ. Plantas medicinais. 3a ed. Salvador: EDUFBA; 2011.. Essa sociobiodiversidade possui grande potencial de cura11 Ischkanian PC. Promoção, comunicação e educação em saúde: a prática da acupuntura e da fitoterapia [tese]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, USP; 2016.,88 Flor ASSO, Barbosa WLR. Sabedoria popular no uso de plantas medicinais pelos moradores do bairro do sossego no distrito de Marudá - PA. Rev Bras Plantas Med. 2015; 17(4 Supl 1):757-68. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-084X/14_064.
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. Os saberes sobre plantas medicinais das múltiplas culturas e as ecodiversidades regionais demandam a produção local de materiais didáticos e de consulta sobre plantas medicinais para profissionais de saúde. Porém, são relativamente poucas as experiências no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) que investigam as plantas medicinais mais usadas pelas comunidades, resgatando o saber local e confrontando-o com o científico22 Antonio GD, Tesser CD, Moretti-Pires RO. Fitoterapia na atenção primária à saúde. Rev Saude Publica. 2014; 48(3):541-53. Doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004985.
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.

Em Florianópolis, em 2010, foi criada, na Secretaria Municipal de Saúde, uma Comissão de Práticas Integrativas e Complementares (CPIC), que normatizou e intensificou a inserção dessas práticas na APS99 Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria Municipal de Saúde. Portaria nº 047, de 12 de Novembro de 2010 [Internet]. Florianópolis: Prefeitura Municipal de Florianópolis; 2010 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: http://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/28_03_2011_17.11.15.09e3252eee513041fb6dd3d5e03189f7.pdf
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,1010 Santos MC, Tesser CD. Um método para a implantação e promoção de acesso às práticas integrativas e complementares na atenção primária à saúde. Cienc Saude Colet. 2012; 17(11):3011-24. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012001100018.
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. Em 2013, a CPIC foi contemplada no Edital do Ministério da Saúde n. 1 de 24 de maio de 2013, denominado “Seleção de propostas de arranjos produtivos locais no âmbito do SUS”, para o projeto “Capacitação em Fitoterapia para profissionais das unidades básicas de Florianópolis”, com 35 mil reais. O projeto previa um curso de fitoterapia para profissionais da APS e produção de material didático. Diversas ações envolvendo plantas medicinais já vinham sendo desenvolvidas no município, possíveis devido à rede intersetorial composta por secretarias e autarquias municipais, ONGs, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e outras instituições da sociedade civil e grupos autogestionados. Recente decreto criou o Programa Municipal de Agricultura Urbana – Programa Cultiva Floripa(h(h)Acesso em: https://leismunicipais.com.br/a1/sc/f/florianopolis/decreto/2020/2173/21723/decreto-n-21723-2020-dispoe-sobre-o-programa-municipal-de-agricultura-urbana-programa-cultiva-floripa?r=p ), atualizando essa articulação intersetorial de vários anos. O material didático referido tomou a forma de um guia de plantas medicinais de Florianópolis. O objetivo deste relato é descrever a produção desse guia, divulgado em setembro de 2020.

Partiu-se da perspectiva da ecologia de saberes. Em comunidades urbanas, a convivência intergeracional intensa e prolongada, que viabiliza a transmissão do conhecimento popular sobre plantas medicinais, vem sendo reduzida; e grande parcela deste saber se perde, tornando-se justificável a necessidade de seu resgate1111 Brasileiro BG, Pizziolo VR, Matos DS, Germano AM, Jamal CM. Plantas medicinais utilizadas pela população atendida no “programa de saúde da família”, Governador Valadares, MG, Brasil. RBCF Rev Bras Cienc Farm. 2008; 44(4):629-36. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-93322008000400009.
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. Nesse processo, deve ser reconhecido o caráter colonizador das práticas e saberes científicos na sua relação com os saberes não científicos. Sinteticamente, tal relação é de apropriação violenta e de transformação, quando isso é possível; ou de violência e desqualificação, quando a apropriação não é exitosa1212 Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos Estud CEBRAP. 2007; 79:71-94. Doi: https://doi.org/10.1590/S0101-33002007000300004.
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O colonialismo, iniciado há séculos pelos países europeus, foi também uma dominação epistemológica que ainda hoje vigora1313 Santos BSS, Meneses MP, Nunes JA. Para ampliar o cânone da ciência: diversidade epistemológica do mundo. In: Santos BSS, organizador. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2004. p. 23-101.. Tal colonialismo epistemológico pode ser evitado por meio de um pensamento que restabeleça a diversidade epistemológica do mundo, vista como uma ecologia de saberes, para superar as heranças coloniais e suas consequências sobre os saberes/práticas sociais1313 Santos BSS, Meneses MP, Nunes JA. Para ampliar o cânone da ciência: diversidade epistemológica do mundo. In: Santos BSS, organizador. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2004. p. 23-101..

A ecologia de saberes é uma perspectiva e um tipo de abordagem que se funda:

[...] no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos (sendo um deles a ciência moderna) e em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles sem comprometer sua autonomia. [...] tem por premissa a ideia da inesgotável diversidade epistemológica do mundo, o reconhecimento da existência de uma pluralidade de formas de conhecimento além do conhecimento científico. Isso implica renunciar a qualquer epistemologia geral1212 Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos Estud CEBRAP. 2007; 79:71-94. Doi: https://doi.org/10.1590/S0101-33002007000300004.
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. (p. 85)

A ecologia dos saberes parte do reconhecimento e da crítica da inadequação da monocultura científica que resume os saberes credíveis aos científicos. Ela revaloriza a diversidade epistemológica subjacente à diversidade dos modos de viver e das práticas de cuidado em saúde-doença, o que vai muito além da “ideia de uma distribuição mais equitativa do conhecimento científico”1212 Santos BS. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. Novos Estud CEBRAP. 2007; 79:71-94. Doi: https://doi.org/10.1590/S0101-33002007000300004.
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(p. 87).

A ecologia de saberes demanda aumentar os critérios de validade do conhecimento, tornando visíveis e credíveis espectros mais amplos de ações, saberes e agentes sociais1313 Santos BSS, Meneses MP, Nunes JA. Para ampliar o cânone da ciência: diversidade epistemológica do mundo. In: Santos BSS, organizador. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2004. p. 23-101.. Uma ecologia de saberes não prescinde da ciência moderna. Em vez disso, busca o reconhecimento dos seus limites (internos e externos), explorando a credibilidade possível para os conhecimentos tidos por não científicos, cuja riqueza está a ser desperdiçada. Para combater esse desperdício, várias características da razão hegemônica científica precisam ser superadas, entre as quais, seu caráter metonímico1414 Santos BSS. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Rev Crit Cienc Soc. 2002; 63:237-80. Doi: https://doi.org/10.4000/rccs.1285.
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: uma figura de linguagem em que uma parte é tomada pelo todo, ou substitui o todo.

A razão metonímica é parcial, limitada e seletiva, mas arrogantemente se concebe como a única confiável e totalizante. Isso tem como efeito a desvalorização de outras experiências e saberes, tidos como irrelevantes, cuja valorização e disponibilização exige um trabalho de tradução: interpretação e identificação das respostas que distintas culturas dão a preocupações semelhantes, partindo da ideia de que elas podem ser enriquecidas pelo diálogo mútuo, como já propunha Feyerabend1515 Feyerabend P. Adeus à razão. Lisboa: Edições 70; 1991.. “As experiências mais ricas nesse domínio ocorrem [entre outros], na medicina (entre medicina moderna e medicina tradicional)”1414 Santos BSS. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Rev Crit Cienc Soc. 2002; 63:237-80. Doi: https://doi.org/10.4000/rccs.1285.
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(p. 259).

Os saberes e usos das plantas medicinais são múltiplos, referentes às culturas em que foram desenvolvidos. Sua preservação e seu desenvolvimento requerem uma ecologia de saberes, porém, eles são vistos pela razão metonímica científica apenas como indícios e pistas para a produção de novos fármacos. Há um reconhecimento consensual de que o uso tradicional das plantas medicinas é o melhor guia para acelerar a “descoberta” de princípios ativos e fitoterápicos industrializáveis1616 Barreiro EJ, Bolzani VS. Biodiversidade: fonte potencial para a descoberta de fármacos. Quim Nova. 2009; 32(3):679-88. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-40422009000300012.
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. Nessa lógica, o uso de plantas medicinais é reduzido à prescrição profissional ou ao consumo comercial. Outros saberes, formas de uso e contextos tendem a ser considerados menos seguros e desvalorizados22 Antonio GD, Tesser CD, Moretti-Pires RO. Fitoterapia na atenção primária à saúde. Rev Saude Publica. 2014; 48(3):541-53. Doi: https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004985.
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.

O trabalho de tradução – ou pelo menos de mediação – envolvido na experiência a seguir relatada envolveu o diálogo de saberes científicos com saberes populares e clínicos, estes últimos a partir de duas fontes: um ambientalista e cultivador-educador popular dedicado às plantas medicinais e um médico da APS estudioso de plantas medicinais atuante há décadas em Florianópolis, o que lhe permitiu uma aproximação do saber popular, por um lado, e científico, por outro, devido ao seu trabalho também no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC).

Segundo Ludwik Fleck1717 Fleck L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactun; 2010., as diferenciações entre os saberes conformadores de um estilo de pensamento envolvem extratos sociocognitivos vários. Consideramos aqui três estratos facilmente reconhecíveis no cuidado à saúde: os cientistas especialistas (chamados por Fleck de “círculos esotéricos”), os cidadãos comuns (leigos portadores de um saber popular, chamados “círculos exotéricos”) e os profissionais clínicos (intermediários entre os anteriores). Os clínicos aplicam saberes científicos, sem tanta expertise na produção destes, sendo influenciados pelos saberes populares e científicos.

Os saberes sobre plantas medicinais nesses três estratos sociocognitivos são relativamente diferentes, inclusive porque saberes de outros estilos de pensamento1717 Fleck L. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Belo Horizonte: Fabrefactun; 2010., pertencentes a outras racionalidades médicas1818 Luz MT, Barros NF. Racionalidades médicas e práticas integrativas em saúde: estudos teóricos e empíricos. Rio de Janeiro: UERJ, IMS, LAPPIS; 2012., podem se fazer presentes. Parece justificável, portanto, reconhecer e revalorizar esses conhecimentos para restauração da ecologia de saberes. Nesse sentido, a construção do guia de plantas procurou dar o mesmo grau de importância ao conhecimento popular, clínico e científico. O saber popular é heterogêneo, com saberes disseminados na população e outros especializados concentrados em curadores com longo aprendizado e prática1919 Antonio GD, Tesser CD, Moretti-Pires RO. Contribuições das plantas medicinais para o cuidado e a promoção da saúde na atenção primária. Interface (Botucatu). 2013; 17(46):615-33. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832013005000014.
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, sendo que o guia apresenta uma mescla desses dois tipos de saberes populares, veiculados pelo ambientalista cultivador e pelo clínico da APS estudioso das plantas medicinais na cultura local.

Atualmente, a rede de APS de Florianópolis conta com cerca de 150 profissionais que realizaram um curso introdutório em fitoterapia, ministrado pela equipe que participou da elaboração do guia. Tal curso é uma das quatro frentes de trabalho existentes no município – capacitação de profissionais da APS em fitoterapia; criação e manutenção de hortas medicinais; produção de mudas; e produção de material didático – que atuam em sinergia, visando ampliar o uso de plantas medicinais na APS de Florianópolis.

Um guia estruturado é importante, pois fornece aos profissionais acesso rápido às informações sobre as plantas encontradas nas hortas medicinais dos Centros de Saúde (CS), para as quais são distribuídas as mudas produzidas no Viveiro de plantas medicinais do Parque Municipal do Córrego Grande, de Florianópolis. As hortas medicinais dos CS servem como espaço de interação entre a comunidade e os profissionais de saúde, fortalecendo seus vínculos. Nelas, são possíveis atividades terapêuticas em grupos, de convivência e de pesquisa, com um novo olhar sobre o processo saúde-doença. São espaços com múltiplas funções e uma afirmação de que ali também há outra forma de se cuidar. Simbolicamente, significam um caminhar em direção contrária da saúde como serviço ou mercadoria (fármaco), na direção de saúde como possibilidade de empoderamento das pessoas, de plantar seu próprio remédio. Muitas plantas têm menos efeitos colaterais e se bem usadas podem contribuir para a resolução de vários problemas de saúde; são mais uma ferramenta ou recurso de cuidado.

Método

Trata-se de um relato de experiência baseado em fontes primárias e secundárias, com informações públicas disponíveis na internet e registros históricos realizados pela equipe envolvida, além de bases de dados on-line, busca de artigos científicos e outros trabalhos que discutem o uso de plantas medicinais no Brasil. Para se obter uma compreensão da produção do guia, foram realizadas entrevistas com as pessoas mais engajadas na sua produção (todos os entrevistados são coautores deste relato), que foram conversas de resgate da história do processo, o qual não contou com registros sistemáticos de todas as reuniões da equipe. Algumas informações foram resgatadas da memória de parte dos autores. Devido ao caráter coletivo e autoral deste relato (sem envolvimento de terceiros), foi considerado desnecessário um parecer de um Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos.

A experiência está apresentada em forma de narrativa na seguinte sequência: inicialmente, é oferecida uma descrição geral do guia e de sua estrutura. Em seguida, tem-se a descrição de como atuou a equipe de trabalho e de como foi produzido o guia. Finalizando, são apresentados os capítulos sobre as plantas incluídas no guia e sua subdivisão em tópicos, sendo cada um deles justificado.

Apresentando o guia

O guia de plantas medicinais apresenta informações gerais sobre 38 espécies de plantas medicinais de uso comum em Florianópolis. A seleção das plantas foi realizada considerando-se a segurança no uso e reprodutibilidade das espécies e com base na experiência do clínico dedicado ao tema. O guia inicia por capítulos curtos com informações gerais importantes sobre plantas medicinais, seguidos dos capítulos dedicados às plantas.

O primeiro capítulo traz uma reflexão coletiva(i(i)Elaborada pelo ambientalista cultivador de plantas medicinais, o médico estudioso de plantas, o coordenador da CPIC, uma farmacêutica da Secretaria Municipal de Saúde, uma enfermeira aposentada da APS, uma engenheira sanitária e educadora ambiental e uma gastrônoma com formação em plantas nutracêuticas.) sobre o uso popular das plantas medicinais. O segundo capítulo é uma introdução mais acadêmica sobre o tema e sua contextualização na APS de Florianópolis. O terceiro introduz o pensamento permacultural no que tange ao manejo de canteiros e seu preparo. O quarto capítulo traz aspectos botânicos básicos das plantas medicinais. O quinto discute as principais formas de uso medicinal das plantas. O sexto apresenta o item “informações científicas”, presente nos capítulos sobre cada planta, com os vários tipos de evidências e estudos consultados. O sétimo fornece instruções sobre como usar o guia. O oitavo capítulo agrupa as plantas por sua atuação preferencial nos sistemas morfofisiológicos do corpo humano, para facilitar a consulta ao guia.

Depois desses capítulos iniciais introdutórios, são apresentadas 38 plantas medicinais utilizadas em Florianópolis. Em cada um desses capítulos dedicados às plantas (ordenados por ordem alfabética dos nomes populares locais destas), são apresentados o nome científico e os principais nomes populares, as partes usadas, uma foto da planta, suas características botânicas, seus usos populares (a partir da busca em literatura e consulta ao cultivador-educador popular), informações científicas, experiência de uso clínico em Florianópolis (a partir da experiência do clínico estudioso das plantas), modo de usar a planta e cuidados no seu uso (efeitos adversos e contraindicações). Esses dois últimos itens foram elaborados a partir da síntese entre o uso popular, clínico e informações científicas.

No fim do guia, há ainda três capítulos: 1) interações entre plantas e medicamentos, 2) plantas na gravidez e 3) toxicidade, seguidos de um glossário e das referências bibliográficas.

A equipe e a dinâmica de trabalho

A equipe que elaborou o guia foi composta por duas docentes do Departamento de Ciências Farmacêuticas da UFSC, dois médicos que atuam na APS (um era ligado ao horto de plantas medicinais da UFSC e o outro era, na época, coordenador da CPIC) e alunos da UFSC, dos quais três cursavam mestrado (uma das Ciências Biológicas e duas da Farmácia), dois faziam graduação (Farmácia e Design) e uma era farmacêutica cursando Especialização em Saúde Coletiva.

Durante o segundo semestre de 2017, a equipe se reunia a cada sete ou 14 dias, ou de acordo com a necessidade. Costumavam estar presentes nessas reuniões a docente que coordenou a equipe, o aluno do curso de Farmácia, os médicos e a especializanda. As outras pessoas envolvidas se comunicavam por meios eletrônicos.

Nas reuniões, discutiam-se as dificuldades burocráticas e as relacionadas às buscas bibliográficas; e buscavam-se a estrutura ideal para o guia, os tópicos que iriam compor os capítulos de cada planta e a sequência destes dentro do capítulo. Quando o aluno de Design estava presente, discutiam-se também as questões gráficas, para encontrar o formato e o tamanho ideal para o guia impresso, dispor os conteúdos de maneira otimizada, inserir figuras que pudessem substituir textos, entre outros recursos, buscando facilitar e dinamizar a leitura e o entendimento do guia. A presença de uma pessoa da área de Design na equipe foi essencial para sua diagramação.

Nesses encontros, cada um relatava o que tinha realizado desde a reunião anterior – para que pudesse ser observado o andamento das atividades – e, a partir disso, novas demandas e ações eram distribuídas. Cada integrante se encarregava de realizar algum avanço na produção do guia, de acordo com suas habilidades, afinidades e disponibilidade. Nos intervalos entre uma reunião e outra, a equipe se comunicava por meios eletrônicos, o que facilitou e agilizou o trabalho.

Os integrantes da equipe podiam falar, opinar, sugerir e propor novas ideias livremente. A partir disso, o assunto era discutido e ponderado até chegar-se a um consenso. Entretanto, a docente coordenadora e os dois médicos detinham, mais ou menos em conjunto, o poder de decisão final.

Além de e-mail e grupo de comunicação em celular, também foi utilizado o dispositivo de nuvem do Google Drive®. Esse tipo de ferramenta é muito útil para trabalhos feitos em grupo, pois permite o compartilhamento de diversos arquivos; viabiliza a criação de textos on-line de caráter cooperativo – em que todos os membros conseguem, simultaneamente, acessar e editar o texto –; e automaticamente salva tudo o que vai sendo redigido e editado, evitando possíveis perdas de conteúdo.

A produção do guia foi iniciada em agosto de 2017 e se encerrou em meados de 2019. Os integrantes da equipe trabalharam de acordo com sua disponibilidade, aptidão e curiosidade, permitindo-se explorar as potencialidades de cada um, além de viabilizar novos aprendizados. No Google Drive®, foram criadas diversas pastas e armazenados arquivos, incluindo o próprio documento on-line no qual se realizou a redação do guia.

Os capítulos das plantas

Esses capítulos foram escritos por todos os estudantes inseridos na equipe, exceto o do curso do Design, responsável somente pela diagramação e pelas questões gráficas. Cada um ficou responsável por realizar pesquisas sobre determinadas plantas, distribuídas sem critérios específicos. Foi estabelecido um modelo a ser seguido, para manter o padrão da escrita. Ao término dos capítulos, os mesmos eram conferidos pela docente coordenadora da equipe, que lia e avaliava o conteúdo e apontava correções a serem realizadas.

Título do capítulo, partes usadas e fotos da planta

Os títulos dos capítulos foram compostos pelo nome científico da planta, seguidos por seus nomes populares, as partes usadas e uma foto. Utilizar o nome científico de uma planta é extremamente importante para evitar confusões e erros de nomenclatura, pois esses mesmos nomes populares são usados em regiões diferentes e para plantas diferentes, inclusive em uma mesma localidade (devido a migrações). Os nomes populares são inúmeros e variam de acordo com o país (por conta de diferentes idiomas) e a região. Ressalta-se que não existe nome popular certo ou errado, uma vez que remetem a diferentes culturas e hábitos. Desta forma, uma única espécie pode ter denominações diferentes tanto em regiões diferentes quanto até mesmo em um mesmo local.

Por vezes, a mesma planta é classificada cientificamente mais de uma vez, surgindo diversos sinônimos para designar uma única espécie. Algumas plantas do guia possuem sinônimos e estes estão descritos abaixo dos nomes populares. As partes usadas das plantas podem ser as folhas, as flores, o rizoma ou outras partes vegetais. Portanto, informar no guia as partes empregadas no uso medicinal é de suma importância. Essas informações foram encontradas no Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira2020 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário de fitoterápicos da farmacopeia brasileira. Brasília: Anvisa; 2011. e no site do Horto Didático de Plantas Medicinais do CCS do Hospital Universitário da UFSC2121 Universidade Federal de Santa Catarina. Horto didático de plantas medicinais do HU/UFSC [Internet]. Florianópolis: UFSC; 2020 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: https://hortodidatico.ufsc.br/banco-de-plantas/
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, que conta com extenso material didático sobre as plantas medicinais.

Características botânicas

Este tópico apresenta informações básicas sobre as características da planta para auxiliar o usuário na identificação correta das espécies. Traz o modo de cultivo, se ela cresce de forma espontânea, se é abundante na região litorânea do sul do Brasil – especialmente em Florianópolis, onde pode ser encontrada –, os cuidados que a planta requer (como deixar no sol, na sombra ou necessitar de água em abundância), o modo de sua propagação e características organolépticas, como cor, aroma e sabor de suas folhas, flores e frutos. Ainda, informa sobre o tamanho, o formato e a aparência das folhas e da planta como um todo. Este tópico foi elaborado pela mestranda e pela aluna de Ciências Biológicas.

Usos populares

Incluir no guia um tópico sobre os usos populares é muito importante, pois visa preservar e sistematizar o saber popular sobre as plantas medicinais. Tanto comunidades consideradas tradicionais (indígenas, quilombolas, etc) quanto outras possuem um grande conhecimento, transmitido oralmente de geração em geração2222 Pais CJ, Lamim-GuedeS V. Conhecimento e uso popular de plantas medicinais em Dom Viçoso, MG: uma abordagem etnobotânica. Educ Ambiental Ação [Internet]. 2017 [citado 14 Out 2020]; 59. Disponível em: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=2701
http://www.revistaea.org/artigo.php?idar...
. As informações foram encontradas em artigos científicos que apresentam usos populares de plantas medicinais em diversas regiões do Brasil, no Tratado de Plantas Medicinais, de Telma Grandi2323 Grandi TSM. Tratado das plantas tradicionais: mineiras, nativas e cultivadas. Belo Horizonte: Adaequatio Estúdio; 2014., no site do horto do CCS do Hospital Universitário da UFSC2121 Universidade Federal de Santa Catarina. Horto didático de plantas medicinais do HU/UFSC [Internet]. Florianópolis: UFSC; 2020 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: https://hortodidatico.ufsc.br/banco-de-plantas/
https://hortodidatico.ufsc.br/banco-de-p...
e a partir de conhecimentos do ambientalista cultivador-educador popular em plantas medicinais da equipe.

Informações científicas

Este tópico foi elaborado pelos alunos sob orientação e supervisão da docente coordenadora da equipe, que escreveu um roteiro para a pesquisa bibliográfica. Foram utilizadas as seguintes bases de dados científicos: TripDatabase, Biblioteca Virtual em Saúde, PubMed, SciELO, Scopus e Lilacs. Priorizaram-se os estudos mais recentes, as metanálises, revisões sistemáticas e, no caso da falta destes, buscou-se ensaios clínicos, estudos in vivo e in vitro. As palavras-chave utilizadas nas bases de dados foram os nomes científicos das plantas associadas aos operadores booleanos para combinar e/ou ampliar a pesquisa, tais como Varronia curassavica AND anti-inflammatory e Varronia curassavica OR Cordia verbanacea.

A ordem em que aparecem os tipos de estudo ao longo dos capítulos do guia diz respeito à sua relevância, indicando que os estudos científicos clínicos in vivo são mais relevantes que os in vitro. Por exemplo, se um estudo clínico de determinada planta demonstrou atividade anti-inflamatória em seres humanos, esta informação é mais relevante para o profissional de saúde do que um estudo que demonstre o mesmo efeito in vitro.

Experiência de uso clínico em Florianópolis

Este tópico foi elaborado pelo médico estudioso das plantas medicinais, que atua no Hospital Universitário da UFSC e que atuou por décadas na APS. Ele emprega plantas como recurso terapêutico, motivado e inspirado pelo uso popular. Sua prática clínica gerou um conhecimento sobre os usos e efeitos de diversas plantas conhecidas pela comunidade, que confrontava com os saberes científicos, quando possível. Constam aqui as indicações terapêuticas e principais resultados observados em sua experiência clínica. Isso registra um saber que em breve poderia se perder, assim como já se perderam grande parte dos saberes de várias avós e de curadores.

Para redigir esta parte do guia, foi necessário resgatar da memória conhecimentos acumulados da experiência clínica, resultados alcançados com cada planta e saberes da população local. Um dos alunos foi o responsável pelas entrevistas com esse médico, realizadas em várias etapas, e todas as informações foram registradas e posteriormente redigidas em cada capítulo.

Modo de usar

Este tópico indica qual tipo de preparo deve ser realizado para uso interno (infusão, maceração ou decocção) e externo (infusão, pomada, emplastro, banho de assento e outros). A posologia é indicada somente para as infusões (uso interno), forma de preparo mais comum. Todos os termos que aparecem neste tópico para designar o modo de preparo da planta – decocção, maceração e outros – estão descritos no glossário, na parte final do guia. As informações contidas neste tópico foram obtidas a partir do Formulário de Fitoterápicos2020 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário de fitoterápicos da farmacopeia brasileira. Brasília: Anvisa; 2011., do Memento Fitoterápico2424 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Memento fitoterápico da farmacopeia brasileira [Internet]. Brasília: Anvisa; 2016 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farmacia.saude.pe.gov.br/files/memento_fitoterapico.pdf
http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farm...
e do site do horto do CCS do Hospital Universitário da UFSC2121 Universidade Federal de Santa Catarina. Horto didático de plantas medicinais do HU/UFSC [Internet]. Florianópolis: UFSC; 2020 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: https://hortodidatico.ufsc.br/banco-de-plantas/
https://hortodidatico.ufsc.br/banco-de-p...
.

Cuidados no uso desta espécie

Neste tópico, é indicado se há interações conhecidas com medicamentos (remetidas a outro capítulo), contraindicações e efeitos adversos. Essas informações foram encontradas em artigos científicos, no Formulário de Fitoterápicos2020 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário de fitoterápicos da farmacopeia brasileira. Brasília: Anvisa; 2011., do Memento Fitoterápico2424 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Memento fitoterápico da farmacopeia brasileira [Internet]. Brasília: Anvisa; 2016 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farmacia.saude.pe.gov.br/files/memento_fitoterapico.pdf
http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farm...
e no site do horto do CCS do HU/UFSC2121 Universidade Federal de Santa Catarina. Horto didático de plantas medicinais do HU/UFSC [Internet]. Florianópolis: UFSC; 2020 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: https://hortodidatico.ufsc.br/banco-de-plantas/
https://hortodidatico.ufsc.br/banco-de-p...
. As contraindicações dizem respeito às circunstâncias especiais que se opõem ao emprego medicinal das plantas, como gestação, lactação, hipersensibilidade à determinada planta, entre outras.

Interações entre plantas e medicamentos

O uso concomitante de medicamentos e plantas medicinais pode gerar diversas interações, podendo alterar a absorção, ação ou eliminação do medicamento2525 Nicoletti MA, Oliveira-Júnior MA, Bertasso CC, Caporossi PY, Tavares APL. Principais interações no uso de medicamentos fitoterápicos. Infarma [Internet]. 2007 [citado 29 Set 2020]; 19(1/2):32-40. Disponível em: http://www.revistas.cff.org.br/infarma/article/view/222
http://www.revistas.cff.org.br/infarma/a...
. É de grande importância o guia conter essas informações, visando ao uso seguro das plantas medicinais.

Inicialmente, pensou-se em descrever neste tópico todas as interações encontradas na literatura relativas a cada planta. Entretanto, nem todas as 38 plantas possuem estudos sobre interações medicamentosas e, entre as que possuem, a quantidade de casos relatados na literatura varia bastante. Por isso, optou-se por um capítulo em separado ao qual o leitor é direcionado quando tais interações são conhecidas.

A pesquisa sobre interações foi realizada para todas as plantas em bases de dados científicos como SciELO, PubMed e Scopus com as seguintes palavras-chave: nome científico da planta e as palavras “interação” e “interaction” (com o operador booleano AND entre o nome científico e essas duas palavras). Além disso, foi consultado o Memento Fitoterápico2424 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Memento fitoterápico da farmacopeia brasileira [Internet]. Brasília: Anvisa; 2016 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farmacia.saude.pe.gov.br/files/memento_fitoterapico.pdf
http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farm...
, da Farmacopeia Brasileira, 1ª edição.

Uso de plantas na gravidez

Devido ao uso popular comum e considerando que o guia se dirige aos profissionais da APS, que realizam pré-natal, considera-se importante destacar um capítulo para os cuidados com as plantas na gravidez, com destaque para as plantas com algum risco evidenciado e as expressamente contraindicadas na gravidez.

Referências utilizadas

A listagem das referências utilizadas em cada capítulo constituiu o último tópico do guia. Para que o guia não ficasse demasiadamente extenso e pelo fato de o valor da impressão ser calculado pelo número de caracteres, optou-se por compactar este tópico, apresentando apenas os autores, o título e o ano da publicação, o que é suficiente para que as referências sejam encontradas. Dessa forma, preservou-se um maior espaço para as informações sobre as plantas. Durante a construção do guia, as referências de cada planta foram anotadas no fim de cada capítulo e foram organizadas por ordem alfabética, iniciando com os autores, registrando-se em seguida o título e, por último, o ano de publicação do estudo. Na publicação, elas foram apresentadas apenas no fim do guia.

Nos últimos anos, a Organização Mundial da Saúde tem orientado os Estados-membros a estabelecer uma ponte entre a Medicina tradicional e a Medicina convencional (Biomedicina). Para tanto, deve haver uma atitude fundamentada no diálogo entre os saberes populares e a ciência, de modo que sejam estudadas plantas medicinais conhecidas e utilizadas popularmente77 Almeida MZ. Plantas medicinais. 3a ed. Salvador: EDUFBA; 2011.. O guia de plantas medicinais de Florianópolis contribui nesse sentido, pois registra e disponibiliza conhecimentos científicos, populares e clínicos sobre as plantas locais.

Duas publicações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se destacam por sua contribuição à atuação dos profissionais da APS com plantas medicinais: o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira2020 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário de fitoterápicos da farmacopeia brasileira. Brasília: Anvisa; 2011., de 2011 (que teve uma nova edição em 20212626 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Formulário Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira [Internet]. Brasília: Anvisa; 2020 [citado 11 Mar 2021]. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/farmacopeia/formulario-fitoterapico
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos...
), e o Memento Fitoterápico2424 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Memento fitoterápico da farmacopeia brasileira [Internet]. Brasília: Anvisa; 2016 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farmacia.saude.pe.gov.br/files/memento_fitoterapico.pdf
http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farm...
, de 2016. Ambas são boas fontes de informação sobre as plantas medicinais reconhecidas pela Anvisa e suas propostas são apresentar conteúdo baseado em estudos científicos, sem analisar a qualidade metodológica destes. Porém, deixam de lado os saberes populares sobre o uso medicinal de muitas espécies nativas. A produção do guia de plantas medicinais de Florianópolis, por outro lado, teve o cuidado de reconhecer e valorizar saberes populares, profissionais e científicos. Fruto do diálogo entre estas três fontes de conhecimento, o guia se revela um material relativamente inovador.

Um dos limites do guia é a restrição do diálogo com os saberes populares aos dois informantes citados (ambientalista cultivador e médico com experiência em APS), sem exploração de estudos prévios disponíveis (por exemplo, no repositório da UFSC, como os estudos de Girardi2727 Girardi M. Uso e conhecimento tradicional de plantas medicinais no sertão do Ribeirão, Florianópolis/SC, Brasil [trabalho de conclusão de curso] [Internet]. Florianópolis: Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Santa Catarina; 2009 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/132381
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
, Vieira2828 Vieira AS. Conhecimento popular do uso de plantas medicinais por idosos [trabalho de conclusão de curso] [Internet]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina; 2019 [citado 14 Out 2020]. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/202348
https://repositorio.ufsc.br/handle/12345...
etc.) e sem investigar outras pessoas de referência para a população local. Outro limite é que a forma de busca pelas informações científicas adotada não garante que tenham sido incluídas todas as publicações existentes.

Apesar dos limites, percalços e atrasos – como as duas prorrogações e o pouco tempo da equipe para se dedicar a este projeto (a maioria atuou de forma voluntária e ou em parceria(j(j)Do financiamento do edital mencionado, R$ 15.000 eram para produção de material didático: destes, um terço foi para o fotógrafo (fotografias das plantas) e para o diagramador e dois terços foram utilizados para imprimir o guia em papel.)) – o guia foi finalizado, impresso em papel e distribuído aos serviços de APS municipais, estando disponível também em https://drive.google.com/file/d/1WIQ1EpeTm7n5Y--qVXK8kQ8tK66wNQhH/view

Considerações finais

Esperamos que o guia de plantas medicinais de Florianópolis sirva de material de consulta para os profissionais de saúde e que fomente a discussão sobre o emprego das plantas medicinais na APS, enriquecendo o seu uso no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, também desejamos que o guia e este relato estimulem a elaboração de outros guias, registros e sistematizações de saberes populares sobre plantas medicinais, com as adequações necessárias para se respeitar as características culturais e ecológicas locais.

Agradecimentos

Gostaríamos de agradecer a todos os profissionais, estudantes e usuários que contribuíram para a viabilização da experiência apresentada.

  • (h)
  • (i)
    Elaborada pelo ambientalista cultivador de plantas medicinais, o médico estudioso de plantas, o coordenador da CPIC, uma farmacêutica da Secretaria Municipal de Saúde, uma enfermeira aposentada da APS, uma engenheira sanitária e educadora ambiental e uma gastrônoma com formação em plantas nutracêuticas.
  • (j)
    Do financiamento do edital mencionado, R$ 15.000 eram para produção de material didático: destes, um terço foi para o fotógrafo (fotografias das plantas) e para o diagramador e dois terços foram utilizados para imprimir o guia em papel.
  • Feijó AJL, Lopes MAL, Simionato CP, Biavatti MW, Marcos ML, Santos AP, Tesser CD. Construção do guia de plantas medicinais de Florianópolis, SC, Brasil. Interface (Botucatu). 2021; 25: e200718 https://doi.org/10.1590/interface.200718
  • Financiamento

    Charles Dalcanale Tesser recebeu bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo n. 303999/2018-7).

Errata

  • No Espaço aberto Construção do guia de plantas medicinais de Florianópolis, SC, Brasil, com número DOI: 10.1590/Interface.200718, publicado no periódico Interface – Comunicação, Saúde, Educação, 2021; 25: e200718:
    Onde se lia:
    Financiamento
    Charles Dalcanale Tesser recebeu bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo n. 303999/2018-7).
    Leia-se:
    Financiamento
    Charles Dalcanale Tesser recebeu bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo n. 303999/2018-7).
    Maique Weber Biavatti recebeu bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo 310646/2018-9).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2020
  • Aceito
    09 Abr 2021
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br