Gravidez em jovens que nasceram com HIV: particularidades nos contextos de exercício da sexualidade

Embarazo en jóvenes que nacieron con VIH: particularidades en los contextos de ejercicio de la sexualidad

Clarissa Bohrer da Silva Maria da Graça Corso da Motta Renata Bellenzani Crhis Netto de Brum Aline Cammarano Ribeiro Sobre os autores

Resumos

O estudo objetivou compreender como mulheres jovens que nasceram com HIV lidam com o exercício de suas sexualidades e com a ocorrência da gravidez durante suas trajetórias de vida. Esta pesquisa qualitativa foi inspirada na abordagem Construcionista Social em Saúde e no Quadro da Vulnerabilidade/Direitos Humanos. As dez participantes engravidaram na adolescência e na juventude (14 a 21 anos) e foram entrevistadas entre 2017 e 2018, em um serviço especializado da região Sul do Brasil. Evidenciaram-se dois perfis de trajetórias de vida distintos: gravidez inesperada no início da vida sexual da adolescente; gravidez desejada na transição para a adultez. Conclui-se que os processos e marcadores sociais, que ampliam a vulnerabilidade à gravidez não planejada, são comuns às adolescentes em geral, contudo particularizam-se pelo estigma do HIV, sendo preciso incorporar no cuidado contínuo em HIV os direitos sexuais e reprodutivos, fortalecendo a dimensão psicossocial do cuidado.

Palavras-chave
HIV; Saúde sexual e reprodutiva; Sexualidade; Gravidez na adolescência; Saúde do adolescente


El objetivo del estudio fue comprender cómo mujeres jóvenes que nacieron con VIH manejan el ejercicio de sus sexualidades y el surgimiento del embarazo durante sus trayectorias de vida. Investigación cualitativa inspirada en el abordaje Construccionista Social en salud y en el Cuadro de la Vulnerabilidad/Derechos Humanos. Las diez participantes se quedaron embarazadas en la adolescencia y juventud (14 a 21 años) y fueron entrevistadas entre 2017 y 2018, en un servicio especializado de la región Sur de Brasil. Quedaron en evidencia dos perfiles de trayectorias de vida distintos: embarazo inesperado en el inicio de la vida sexual de la adolescente; embarazo deseado en la transición para la edad adulta. Se concluyó que los procesos y marcadores sociales que amplían la vulnerabilidad para la gravidez no planeada son comunes entre las adolescentes en general, sin embargo, se particularizan por el estigma del VIH, siendo preciso incorporar en el cuidado continuo de VIH los derechos sexuales y reproductivos, fortaleciendo la dimensión psicosocial del cuidado.

Palabras clave
HIV; Salud sexual y reproductiva; Sexualidad; Embarazo en la adolescencia; Salud del adolescente


Introdução

No princípio da epidemia do vírus da imunodeficiência humana (HIV), as mulheres afetadas pelo vírus eram fortemente censuradas e desencorajadas pela equipe de saúde quando o assunto era a possibilidade de engravidar, devido à ideia de que elas não poderiam oferecer um lugar familiar e seguro para uma criança, a qual seria exposta a uma série de riscos – drogas, comportamento sexual “inadequado”, vulnerabilidade socioeconômica –, e isso resultava em desejos reprimidos, abandono do tratamento ou até abortamento11 Zihlmann KF, Alvarenga AT. Que desejo é esse? Decisões reprodutivas entre mulheres vivendo com HIV/Aids sob o olhar da psicanálise. Saude Soc. 2015; 24(2):633-45. Doi: https://doi.org/10.1590/S0104-12902015000200019.
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. Atualmente, é admissível supor que os avanços tecnológicos e de tratamento clínico possibilitam uma melhor convivência com essa doença crônica em função da ampliação da perspectiva de futuro, o que viabiliza a construção de projetos na vida cotidiana, incluindo aqueles voltados à reprodução22 Villela WV, Barbosa RM. Trajetórias de mulheres vivendo com HIV/aids no Brasil. Avanços e permanências da resposta à epidemia. Cienc Saude Colet. 2017; 22(1):87-96. Doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017221.14222016.
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.

Nesse sentido, mulheres jovens que vivem com HIV demandam aos serviços de saúde a promoção dos seus direitos sexuais e reprodutivos33 Mollinar ABP, Pereira IPC, Araújo JSF, Smith JSR, Guerra MCA, Mendonça MHR. Qualidade de vida de jovens vivendo com HIV, no Brasil, por transmissão vertical: uma revisão de literatura. Braz J Health Rev. 2020; 3(4):9165-84. Doi: https://doi.org/10.34119/bjhrv3n4-157.
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. O exercício de modo livre, seguro e inter-relacionado desses direitos só é viável quando se concebe que a vida sexual e suas possíveis consequências reprodutivas sejam da esfera da escolha consciente e não da ausência de suporte social, de orientação educativa e de acesso aos recursos preventivos44 Silva DAC. Considerações acerca dos direitos sexuais e reprodutivos de jovens que nasceram com HIV em tratamento em um ambulatório especializado em HIV/Aids na cidade de São Paulo [dissertação]. São Paulo: Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo; 2014..

Entretanto, é preciso avançar na discussão do exercício pleno da sexualidade na adolescência e na juventude como direito55 Brabo TSAM, Silva MEF, Maciel TS. Gênero, sexualidades e educação: cenário das políticas educacionais sobre os direitos sexuais e reprodutivos de jovens e adolescentes. Praxis Educ. 2020; 15:e2013397., de dimensão prazerosa, de intimidade e de realização de projetos, problematizando o discurso normativo-preventivo de que a prática sexual é, necessariamente, de risco66 Paiva VSF, Ayres JRCM, Segurado AC, Lacerda R, Silva NG, Silva MH, et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Cienc Saude Colet. 2011; 16(10):4199-210. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001100025.
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. Vislumbrar essa demanda em saúde é importante para que o exercício da sexualidade e da reprodução deixe de ocorrer em contextos de desinformação e pouca reflexão, e sim com planejamento que conduza a escolhas conscientes e à busca de serviços e de recursos adequados.

Considera-se como não planejada a gravidez resultante de um processo em que inexistiu a livre decisão da mulher ou do casal para sua ocorrência, que pode ser consequência de aspectos como descuido ou dificuldade de acessar informação e contraceptivos no serviço de saúde77 Parcero SMJ, Coelho EAC, Almeida MS, Almeida MS, Nascimento ER. Características do relacionamento entre a mulher e seu parceiro na ocorrência de gravidez não planejada. Rev Baiana Enferm. 2017; 31(2):e17332. Doi: http://dx.doi.org/10.18471/rbe.v31i2.17332.
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. Destaca-se que a legitimação social de atributos de gênero frequentemente tende a responsabilizar a mulher pela ocorrência de uma gravidez não planejada77 Parcero SMJ, Coelho EAC, Almeida MS, Almeida MS, Nascimento ER. Características do relacionamento entre a mulher e seu parceiro na ocorrência de gravidez não planejada. Rev Baiana Enferm. 2017; 31(2):e17332. Doi: http://dx.doi.org/10.18471/rbe.v31i2.17332.
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Nessa perspectiva, há a necessidade de maior compreensão de como as jovens que nasceram com o HIV exercem as suas sexualidades e as possibilidades reprodutivas envolvidas, para lançar luz sobre eventuais contextos de ampliação de sua vulnerabilidade a agravos em saúde sexual e reprodutiva, como a exposição às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), reinfecção e/ou transmissão do HIV, a fim de planejar um cuidado integral em saúde com práticas e abordagens contextualizadas e centradas em suas necessidades66 Paiva VSF, Ayres JRCM, Segurado AC, Lacerda R, Silva NG, Silva MH, et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Cienc Saude Colet. 2011; 16(10):4199-210. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001100025.
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Assim, esse estudo teve como objetivo compreender como mulheres jovens que nasceram com HIV lidam com o exercício de suas sexualidades e com a ocorrência da gravidez durante suas trajetórias de vida.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa inspirada na perspectiva da abordagem Construcionista Social em Saúde com base no Quadro da Vulnerabilidade e Direitos Humanos (Quadro V&DH)88 Ayres JR, Paiva V, França Junior I. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. v. 1, p. 71-94.. Entende-se que a noção de vulnerabilidade auxilia uma compreensão ampliada e menos fragmentada dos elementos articulados – sociais, culturais e de trajetórias pessoais – envolvidos na produção da sexualidade e da reprodução. Dentre esses, destacam-se os elementos do plano programático, como acesso a informação, orientação e cuidados em saúde que potencializem as condições favoráveis ao exercício desses direitos e, simultaneamente, mitiguem aquelas condições de natureza estrutural que cerceiam tal exercício – como as desigualdades sociais e opressões por gênero, cor/etnia, orientação e identidade sexual. Essas condições de natureza estrutural se somam às dificuldades mais próprias do viver com HIV, como o estigma da doença que reverbera em discriminações ou, ainda, aquelas ligadas à própria condição adolescente e jovem em determinados contextos sociais.

O cenário de estudo foi um Serviço de Assistência Especializada ao HIV na região Sul do Brasil. Como critérios de inclusão no estudo consideraram-se jovens (15 a 24 anos de idade) que vivem com HIV por transmissão vertical e engravidaram durante a juventude. Os critérios de exclusão foram: aquelas jovens que não estavam mais em acompanhamento no cenário de estudo por motivos de abandono, alteração para outro serviço ou óbito.

O contato com as participantes ocorreu por meio de indicação dos profissionais do serviço de saúde no dia em que elas tiveram consulta agendada. Empregou-se entrevista individual semiestruturada, com aporte da metodologia das cenas proposta no QV&DH, que busca a experiência nos termos de quem a vive, levantando seu repertório de práticas em cenas vivenciadas singularmente e, por sua vez, implicadas em cenários intersubjetivos, socioculturais e programáticos. Esse recurso de solicitar relatos mais vivenciais na forma de cenas, comparado às opiniões ou relatos mais inespecíficos de situações, tende a fazer emergir processos e relações que expressam mais claramente o exercício, ou o cerceamento, de direitos na experiência cotidiana, além de sentimentos, condutas, ações e relações envolvidas nas cenas99 Paiva VSF. Dimensão psicossocial do cuidado. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. v. 2, p. 41-72..

A coleta de informações ocorreu em um local privativo no serviço, no período de junho de 2017 a março de 2018. A duração das entrevistas variou de trinta a noventa minutos, sendo gravadas em áudio mp3 e, posteriormente, transcritas. A análise foi desenvolvida ancorada no referencial do QV&DH88 Ayres JR, Paiva V, França Junior I. Conceitos e práticas de prevenção: da história natural da doença ao quadro da vulnerabilidade e direitos humanos. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. v. 1, p. 71-94., de forma que foram identificados os temas mais expressivos, recorrentes e interpretados sobre as trajetórias das jovens, permitindo a compreensão da exposição de situações que produzem ou não condições ao exercício sexual e reprodutivo, com consciência e acesso a recursos necessários. Realizou-se uma síntese das trajetórias das participantes, explorando os aspectos que possivelmente agem como fatores protetivos ou de aumento da exposição, o que contribuiu para entender como se produz o fenômeno da gravidez.

Os aspectos éticos foram respeitados, conforme previstos na Resolução n. 466/2012. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo todas com idade maior de 18 anos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob os números de pareceres 1.844.848 e 1.912.645.

Resultados

Apesar de o espectro de idades possíveis que a pesquisa poderia incluir ser de 15 a 24 anos, as dez participantes da pesquisa tinham entre 19 e 23 anos de idade, e as idades em que viveram a primeira gestação variou dos 14 aos 21 anos. Para sete das dez participantes, a maternidade ocorreu ainda na adolescência (14 a 19 anos); para as outras três, ocorreu na faixa etária subsequente, aos 20 e 21 anos. A subdivisão em dois grupos, correspondentes a dois perfis de entrevistadas, organizou a apresentação dos resultados deste manuscrito. Nas análises, à luz da noção de vulnerabilidade, e buscando apreender a longitudinalidade da história de vida de cada jovem com HIV, foi possível compreender melhor os cenários e os significados implicados nos diferentes momentos do exercício da sexualidade durante as trajetórias de vida. Com base nisso, os sentidos sobre as experiências de engravidar se manifestaram com distinções entre os dois perfis, não se baseando apenas na faixa etária.

Para um subgrupo, a gravidez ocorreu ainda em um contexto “mais experimental” de vivência da sexualidade, ou seja, na configuração dos primeiros relacionamentos e/ou parceiros sexuais, em geral “o primeiro namoro”, e sob supervisão dos familiares, sendo algo menos esperado e nada conscientemente planejado. Já para outro grupo de jovens, a gravidez aconteceu em um momento de maior autonomia social e no exercício da sexualidade em relação à família de origem, o que juntamente com outras experiências psicossociais demarcava o ingresso na vida adulta. Portanto, a vivência da gravidez não ocorreu em um contexto homogêneo, tampouco seus significados o são quando cotejados os dois subgrupos.

Gravidez inesperada no início da vida sexual

Esse grupo é composto por seis jovens representantes de camadas populares, de acordo com as suas informações sociodemográficas. No momento das entrevistas, quatro dessas jovens tinham 19 anos e duas tinham 22 anos. Todas referiram baixa escolaridade, bem como baixa formação/inserção profissional, estando cinco delas desempregadas e uma atuando como trabalhadora informal. Seus estudos foram interrompidos na ocasião das gestações e do nascimento dos filhos, ainda na adolescência (três jovens), por situações de exposição no ambiente escolar da condição soropositiva (uma jovem); ou, ainda, envolvendo dificuldades sociais por estar em situação de rua (uma jovem). Apresentavam menor renda familiar, denotando dependência financeira de familiares e auxílios governamentais. Três foram criadas pela figura materna ainda viva; uma, pelo pai (mãe falecida); e duas eram órfãs de ambos os progenitores (uma em abrigo e outra em situação de rua).

A primeira gravidez ocorreu com média de 16,5 anos de idade (aos 14, 16, 17 e 19 anos de idade), tendo três jovens vivenciado mais de uma gestação (duas aos 19 anos, outra aos 17 e 21 anos). Em relação à situação conjugal, três permaneciam com seus companheiros, pais dos filhos, em relação estável, e três estavam separadas deles, tendo retornado a morar com outros familiares.

O exercício da sexualidade, nesse grupo, foi permeado pela diversidade de parcerias afetivas e sexuais (entre um e seis parceiros sexuais). A idade da primeira relação ocorreu em sua maioria na denominada segunda fase da adolescência, média de 15,6 anos de idade (entre 13 e 18 anos). Três relataram que tiveram outros parceiros sexuais antes do companheiro em que ocorreu a gravidez.

Tinha uns “ficantes”, mas namorado mesmo só o pai da minha filha. [...] Ele foi o segundo [parceiro sexual].

(Jovem, 19 anos, uma gestação aos 16 anos, ensino médio incompleto)

Tive uns 6 parceiros, eu saía, gostava muito de festa, mas não era muito namoradeira assim.

(Jovem, 22 anos, três gestações aos 14, 17 e 21 anos, ensino fundamental incompleto)

Essas jovens iniciaram suas trajetórias sexuais de forma mais impulsiva, e com expectativa de que a iniciativa e a atitude com relação ao uso do preservativo deveriam ser dos parceiros, que em geral foram descritos como despreocupados com a proteção. A atividade sexual era praticada com uso irregular de preservativos e contraceptivos, apesar de afirmarem que sabiam da necessidade de se prevenir, especialmente com o preservativo.

Acho que esperei muito dele, porque o primeiro [parceiro] teve a iniciativa de se prevenir e ele não. E eu fui na onda, acho que eu estava muito “encantadinha”. [...] achava que não ia acontecer comigo.

(Jovem, 19 anos, uma gestação aos 16 anos, ensino médio incompleto)

A gente usava [preservativo] de vez em quando, mas não era assim [...]. Eu até falei por causa da doença também, que tinha chance de passar pra ele [...]. Mas ele não queria saber, só queria “fazer”.

(Jovem, 19 anos, duas gestações uma aos 16 anos e outra aos 19 anos, ensino médio completo)

Ele não gostava de usar camisinha, achava muito apertado e acabava tirando [...]. Eu achava meio errado, mas não falava nada.

(Jovem, 22 anos, uma gestação aos 19 anos, ensino médio incompleto)

Não usamos preservativo porque foi a primeira [relação sexual] talvez. [...] Sabia o que as pessoas falavam “tem que usar preservativo”.

(Jovem, 19 anos, duas gestações, uma aos 17 anos e outra aos 19 anos, ensino fundamental completo)

Com a dificuldade de negociação em prol do uso do preservativo, evidenciaram-se, também, a dificuldade e a postergação na comunicação com os parceiros sobre a condição clínica de soropositividade ao HIV, em geral não tendo ocorrido antes do início das relações sexuais. Três dessas jovens relataram que só comunicaram ao parceiro após a constatação da gravidez. Essa comunicação se faz importante visando a promoção da saúde sexual e reprodutiva do casal, especialmente quando tomada a decisão de suspender o uso do preservativo.

Apesar de afirmarem que tinham algum grau de consciência dos riscos das práticas sexuais desprotegidas devido ao acesso à informação, imperava a dificuldade de se revelar vivendo com HIV para o parceiro, muito possivelmente pelo estigma da doença, pelo medo da rejeição ou de discriminação. Portanto, a adoção de práticas de autocuidado não acontece como um comportamento em abstrato, mas, sim, construído contextualizadamente, intersubjetivamente, pelo domínio de informações, anseios e receios que podem, inclusive, se chocar.

No colégio tem essas palestras que eles mostram como e por que tem que usar [o preservativo][...]. No serviço de saúde eles mostravam também [...] [médico] falou que a gente podia não usar com uma pessoa, e ela poderia ter e a gente poderia pegar vírus diferentes, mesmo sendo a mesma doença [HIV]. [...] Também falava de outras doenças sexualmente transmissíveis.

(Jovem, 19 anos, uma gestação aos 16 anos, ensino médio incompleto)

Sobre camisinha, a gente tem um monte de gente que fala sobre isso. A gente ouve, mas não usa né.

(Jovem, 19 anos, duas gestações uma aos 16 anos e outra aos 19 anos, ensino médio completo)

No colégio eles dão o básico para alertar um pouco [...] eu gostaria de ter uma explicação mais complexa.

(Jovem, 22 anos, uma gestação aos 19 anos, ensino médio incompleto)

O constrangimento em expor suas dúvidas ou o receio de serem repreendidas moralmente pelo exercício da sexualidade e pela manifestação do desejo reprodutivo, apresentavam-se como concorrentes das performances, no exercício da sexualidade, mais orientadas por informações adequadas e esclarecimentos obtidos na escola e no serviço de saúde.

Ficava encabulada [...] são coisas que eu aprendi vivendo.

(Jovem, 19 anos, uma gestação aos 16 anos, ensino médio incompleto)

Gostaria [de ter tido mais conversas], até pra ajudar que o momento não era certo para ter filho.

(Jovem, 19 anos, duas gestações uma aos 16 anos e outra aos 19 anos, ensino médio completo)

Eu não gosto muito de falar sobre isso. [...] A gente queria engravidar [segunda gravidez], eles só iam falar que não pode. Eu não queria ouvir isso.

(Jovem, 19 anos, duas gestações, uma aos 17 anos e outra aos 19 anos, ensino fundamental completo)

A maioria das jovens desse grupo afirmou que não planejou a gravidez, significando-a como um descuido. Uma jovem relatou que a sua primeira gravidez ocorreu motivada pelo anseio de ser independente, “emancipar-se”, em relação à sua família, mas sem contudo se planejar acerca de como efetivá-lo. Gravidezes secundárias foram relatadas por duas jovens em um contexto de vida que permitiu serem planejadas.

Eu não me cuidava, não utilizava anticoncepcional, achava que nunca iria acontecer, pensamento de guriazinha. E aí eu engravidei. Foi muito rápido.

(Jovem, 19 anos, uma gestação aos 16 anos, ensino médio incompleto)

A gente usava às vezes o preservativo. [...] [na terceira gravidez] meu marido queria um filho.

(Jovem, 22 anos, três gestações aos 14, 17 e 21 anos. Ensino fundamental incompleto)

A gente queria casar e a minha mãe não deixava. Acho que foi por isso que eu me revoltei mais, que eu não cuidei direito. [...] aí veio o bebê, quando eu não queria mais [primeira gravidez] [...] soube que estava grávida a gente já tinha separado [acerca da segunda gravidez que não foi planejada] (Jovem, 19 anos, duas gestações uma aos 16 anos e outra aos 19 anos, ensino médio completo)

Gravidez desejada na transição para adultez

Esse grupo é composto por quatro jovens com idades de 21 e 22, e duas com 23 anos. Em comparação com o grupo anterior, apresentavam maior escolaridade e renda familiar, duas deixaram o trabalho para cuidar do filho, uma continuava trabalhando e a outra não trabalhava; assim, dependiam, em geral, do salário do companheiro. Todas eram órfãs de ambos os progenitores, tendo sido criadas por outros familiares; e uma em situação de abrigamento.

A gravidez ocorreu com média de vinte anos de idade (19, vinte e 21 anos), sendo que todas as jovens tiveram uma única gestação. Em relação à situação conjugal, todas permaneciam com seus companheiros em relação estável.

O exercício da sexualidade, nesse grupo, foi permeado por trajetórias com menor diversificação de parcerias sexuais (entre um e dois parceiros), sendo em sua maioria em relações estáveis com o atual marido/companheiro. A primeira relação sexual ocorreu mais tardiamente, com média de 17,7 anos de idade (aos 17, 19 e vinte anos, apenas uma jovem relatou iniciação anterior aos 15 anos).

Eu comecei a namorar só com 19 anos [com atual marido]. Meu tio brincava comigo que iria me colocar em um colégio de freira.

(Jovem, 23 anos, uma gestação aos 21 anos, ensino médio completo)

Eu saía com amigos, mas não era namoradora. Nunca gostei de ficar com um ou outro. [...] Tive outro companheiro antes. [...] Foi o segundo parceiro sexual.

(Jovem, 23 anos, uma gestação aos 20 anos, ensino fundamental incompleto)

Tive um só namorado antes do meu marido, aos 18 anos, pois a minha avó me prendia bastante. Eu não saía, nada disso. Mas a primeira relação [sexual] foi com meu marido, com 20 anos.

(Jovem, 23 anos, uma gestação aos 20 anos, ensino fundamental incompleto)

As relações sexuais eram praticadas com o uso mais regular de preservativos e contraceptivos do que o grupo anterior. Todos os parceiros sabiam da condição clínica de soropositividade ao HIV das parceiras antes do início das relações sexuais.

Sempre usei preservativo e tomava anticoncepcional também [antes de engravidar]. [...] Minha tia, na escola, os médicos também conversavam.

(Jovem, 23 anos, uma gestação aos 21 anos, ensino médio completo)

Eu sabia como prevenir a gravidez, a gente pegava preservativo no posto de saúde, eu ou ele. Eu tomava pílula, depois tomei injeção.

(Jovem, 22 anos, uma gestação aos 19 anos que resultou em aborto espontâneo, ensino médio incompleto)

Como fonte de acesso à informação para a promoção da saúde sexual e reprodutiva, esse grupo apontou a escola, o serviço de saúde, mas também os familiares e a própria mídia. Contudo, indicaram a necessidade de mais informações, além da recomendação do uso do preservativo, abordando a concepção e a profilaxia da transmissão vertical de modo mais efetivo.

Os médicos conversavam, perguntavam se tinha namorado, paquera. Falavam do uso do preservativo, da pílula, de ter que se cuidar. [...] na escola eles davam palestra [...] A gente vê em novela, no jornal, tudo que é lugar.

(Jovem, 23 anos, uma gestação aos 21 anos, ensino médio completo)

Eles [profissionais de saúde] falavam da camisinha, de ter que se cuidar para evitar passar para outra pessoa, nada além disso. [...] Agora eu sei [formas de prevenir a gravidez], já coloquei implanon.

(Jovem, 23 anos, uma gestação aos 20 anos, ensino fundamental incompleto)

Eu fui saber depois de grande, que daí eu comecei a perguntar. [...] Só tive noção depois que eu conversei [com médico] sobre como eu poderia engravidar.

(Jovem, 21 anos, uma gestação aos 20 anos, ensino médio incompleto)

Nesse grupo, identifica-se que os planos reprodutivos se deram após a constituição da relação estável, uma decisão mais refletida sobre a gravidez como parte dos projetos de vida, contemplando um desejo compartilhado do casal. Apesar disso, apenas três participantes referem ter conversado com algum profissional de saúde sobre o seu desejo. Positivamente, duas jovens realizaram o planejamento reprodutivo acompanhado por um serviço de saúde.

Eu falei para a doutora [infectologista] que eu queria engravidar, ela falou para marcar com a ginecologista para conversar e planejar a gravidez, que eu poderia ter filho, fazer o tratamento, porém só tinha consulta para novembro e era julho. Em novembro eu já estava grávida. [...] Meu marido pesquisou e viu que quem tinha carga viral indetectável não era assim pra passar, que uma vez não iria pegar HIV e que meus exames estavam ótimos. [...] Daí acabou acontecendo.

(Jovem, 23 anos, uma gestação aos 21 anos, ensino médio completo)

Eu tomava pílula, daí eu parei porque eu queria ficar grávida, mas não estava planejando, foi tudo muito rápido [sofreu aborto espontâneo há 3 anos] [...] Já quero outro [filho]. Eu falei com a doutora que eu queria engravidar e agora ela me deu as pausas, tudo certinho, como era para fazer para engravidar. Acho importante para não dar nada errado.

(Jovem, 22 anos, uma gestação aos 19 anos que resultou em aborto espontâneo, ensino médio incompleto)

Eu vim no médico, ele falou que eu tinha que parar com a injeção e explicou como tinha que fazer, disse que podia ir tentando, só que tinha que ir no postinho de saúde [...] ele [parceiro] tinha que tomar medicação por 3 meses para evitar que infectasse.

(Jovem, 21 anos, uma gestação aos 20 anos, ensino médio incompleto)

Discussão

Evidenciaram-se dois grupos de jovens com perfis distintos no que se refere aos contextos da vida cotidiana, aos determinantes sociais e ao exercício da sexualidade, mesmo que todas as jovens tivessem, em comum, o viver com HIV desde o nascimento. Um grupo de jovens teve a gravidez inesperada, quando vivia as primeiras experiências sexuais de forma mais “recreativa”, portanto mais próxima do que se denomina gravidez não planejada, ou gravidez não desejada. Em outro grupo, o ingresso na vida reprodutiva ocorreu como fato esperado da vida adulta, como parte da afirmação da identidade feminina, não podendo a gravidez ser denominada de indesejada ou não planejada.

Portanto, é importante salientar que os acontecimentos na esfera reprodutiva das jovens estudadas não fazem delas atípicas; ao contrário, seguem a tendência denominada de “padrão jovem” da fecundidade nacional brasileira – observado regionalmente em todo o país1010 Gonçalves GQ, Carvalho JAM, Wong LLR, Turra CM. A transição da fecundidade no Brasil ao longo do século XX – uma perspectiva regional. Rev Bras Estud Popul. 2019; 36:e0098.. Isso posto, sinaliza-se que, embora haja particularidades na produção da vulnerabilidade a uma gestação não planejada, próprias à condição de nascer e viver com HIV dessas jovens e ao sistema de saúde que as assistem por essa condição clínica, essas particularidades, isoladamente, não são suficientes para compreender a questão elencada.

Assim, é preciso analisar tais particularidades à luz das transformações demográficas que veem ocorrendo no Brasil nas últimas décadas, entre elas sobretudo a transição da fecundidade1010 Gonçalves GQ, Carvalho JAM, Wong LLR, Turra CM. A transição da fecundidade no Brasil ao longo do século XX – uma perspectiva regional. Rev Bras Estud Popul. 2019; 36:e0098., cuja queda em geral é representada especialmente por sua diminuição em mulheres de idades medianas e mais avançadas no período reprodutivo, quando comparada à fecundidade das adolescentes e jovens. Embora o país apresente declínio importante da fecundidade de adolescentes e jovens a partir do ano 2000, as taxas são altas e significativamente superiores em comparação com a taxa mundial, e até mesmo a taxa latino-americana comparada à de outros países1111 Organização Pan-Americana da Saúde. Saúde nas Américas+, Edição de 2017. Resumo do panorama regional e perfil do Brasil. Washington, DC: OPAS; 2017., o que mostra que ainda há um longo caminho a ser percorrido na prevenção de gestações não planejadas em idades precoces.

Essa contextualização em relação aos resultados do estudo é relevante, pois contribui para dirimir o equívoco de se pensar que a condição de viver com HIV é o aspecto determinante na produção da vulnerabilidade a uma gestação não planejada entre as jovens pesquisadas. A fecundidade concentrada nas idades mais jovens, seja a gestação planejada ou não, abarca elementos psicológicos, sociais, culturais, econômicos e políticos, que se articulam em uma causalidade processual e complexa e vão além da condição de viver com HIV e da assistência em saúde que acessam, ou não, nos serviços especializados oferecidos pela política nacional de HIV1010 Gonçalves GQ, Carvalho JAM, Wong LLR, Turra CM. A transição da fecundidade no Brasil ao longo do século XX – uma perspectiva regional. Rev Bras Estud Popul. 2019; 36:e0098..

Dessa forma, as experiências da sexualidade e da reprodução devem ser entendidas de forma dinâmica e processual, de acordo com o desenvolvimento humano, os episódios ao longo da vida e os contextos de sociabilidade e socialização. Isso remete aos scripts de gênero, em que os padrões sociais são estabelecidos para promover ou dificultar o empoderamento feminino em torno das motivações/desejos pessoais, o respeito ao direito de escolha e à busca por recursos de prevenção e proteção à saúde sexual e reprodutiva1212 Sehnem GD, Pedro ENR, Ressel LB, Vasquez MED. Adolescentes que vivem com HIV/aids: experiências de sexualidade. Rev Gaucha Enferm. 2018; 39:e2017-0194. Doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0194.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2...
. Esses scripts podem ser incorporados pela jovem que nasceu com HIV de modo menos crítico ou ressignificado, a depender de processos socioeducativos e vivências cotidianas.

Nas trajetórias das participantes, revelaram-se cenas que destacaram a vulnerabilidade das atividades sexuais desprotegidas, principalmente na fase da adolescência, em que houve maior tendência à delegação do uso do preservativo aos parceiros em uma relação de menor empoderamento.

No primeiro grupo de jovens, que iniciaram a vida sexual mais precocemente e em contexto mais experimental, menos compromissado e planejado, identifica-se a postura de aguardar a iniciativa masculina ou ceder à vontade do parceiro na relação sexual sem proteção.

Essa atitude revela as barreiras no processo de negociação do uso do preservativo e anunciam a construção sociocultural do papel da mulher nas relações afetivas sob os estereótipos de gênero1313 Cabral CS, Brandão ER. Gravidez na adolescência, iniciação sexual e gênero: perspectivas em disputa. Cad Saude Publica. 2020; 36(8):e00029420. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00029420.
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, de passividade, de delegação de decisões, confiança e submissão, permeados pelo receio de desagradar ou perder o parceiro. A ausência de diálogo e de negociação cria um cenário de silêncio que limita as ações e expõe a um risco de IST, a uma gravidez não planejada e ao cerceamento de seus direitos de escolha1313 Cabral CS, Brandão ER. Gravidez na adolescência, iniciação sexual e gênero: perspectivas em disputa. Cad Saude Publica. 2020; 36(8):e00029420. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00029420.
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. Esse padrão comportamental abrange as adolescentes em geral, e se torna particularmente complexo no contexto em que o HIV existe sabidamente; que apesar de reconhecerem a importância de evitar a reinfecção e/ou o risco de infecção do parceiro, isso foi secundarizado, subjetivamente, por elas e, por vezes, pelo próprio parceiro quando ciente da condição soropositiva da parceira.

Dessa forma, esse conjunto de aspectos configurou, nesse grupo, a vivência da gestação fortuita, não pensada e não planejada. Se por um lado, o grupo de pares na adolescência pressiona que elas vivenciem a sexualidade; por outro, há a repressão familiar/social ante a ocorrência da gravidez. Por trás de uma aparente liberalidade, encontra-se, muitas vezes, uma moralidade rígida e punitiva quando os valores familiares são transgredidos1414 Vieira EM, Bousquat A, Barros CRS, Alves MCGP. Gravidez na adolescência e transição para a vida adulta em jovens usuárias do SUS. Rev Saude Publica. 2017; 51(25):1-11. Doi: https://doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051006528.
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Destaca-se que há uma negligência no plano programático pelos serviços estruturados, para que as taxas de fecundidade diminuam na adolescência e na juventude (quando não desejada). A particularidade do viver com HIV constitui um elemento agravante na produção da vulnerabilidade na saúde sexual e reprodutiva, pelo fato de incidir sobre essas jovens uma reprovação social mais intensificada e moralizadora, configurando violação de seus direitos22 Villela WV, Barbosa RM. Trajetórias de mulheres vivendo com HIV/aids no Brasil. Avanços e permanências da resposta à epidemia. Cienc Saude Colet. 2017; 22(1):87-96. Doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232017221.14222016.
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. Apesar de os profissionais estarem mais tolerantes com a gravidez no contexto do HIV, ainda há discriminação e desestímulo, os quais contribuem para a omissão dos desejos e decisões1515 Hamzah L, Hamlyn E. Sexual and reproductive health in HIV-positive adolescents. Curr Opin HIV AIDS. 2018; 13(3):230-5. Doi: 10.1097/COH.0000000000000456.
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O segundo grupo demonstra que algumas dessas jovens já haviam ingressado em uma vida adulta-jovem, em que a relação afetiva e sexual ocorreu mais tardiamente e com maior estabilidade; inclusive, algumas vezes, sendo assim incentivadas por uma criação mais restritiva na sociabilidade e na sexualidade. Discursos disciplinadores sob o enfoque de gênero na educação e na criação das jovens interferem diretamente na formação da sua identidade e na postura libertária ou restritiva que elas assumirão no seu exercício sexual e reprodutivo1212 Sehnem GD, Pedro ENR, Ressel LB, Vasquez MED. Adolescentes que vivem com HIV/aids: experiências de sexualidade. Rev Gaucha Enferm. 2018; 39:e2017-0194. Doi: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0194.
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A gravidez, nesse grupo, ocorreu no contexto de relacionamentos estáveis e foi planejada pelo casal. Dessa forma, rotular a gravidez na juventude como, necessariamente, indesejada ou precoce é equivocado, pois muitas a planejam e engravidam por desejo próprio1616 Corrêa ACL, Alves CN, Meincke SMK, Soares MC, Bueno MEN, Fernandes RFM. Maternidade na adolescência: motivos para planejá-la. Rev Enferm UFPE. 2017; 11(5):1776-82.. O desejo reprodutivo ocorre, assim como nas jovens que não possuem essa condição de saúde, por vezes, pela valorização da mulher na sociedade e incide sobre uma mudança de status social1717 Nascimento L, Contim CLV, Arantes EO, Dias IMAV, Siqueira LP, Santos MMC, et al. Ser mãe e portadora do HIV: dualidade que permeia o risco da transmissão vertical. Rev Enferm UERJ. 2015; 23(3):401-6. Doi: https://doi.org/10.12957/reuerj.2015.3849.
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As condutas preventivas contra IST e/ou gravidez são consolidadas mediante a decisão informada e a possibilidade de exercício de sexo seguro1818 Gomez-Suarez M, Mello MB, Gonzalez MA, Ghidinelli M, Perez F. Access to sexual and reproductive health services for women living with HIV in Latin America and the Caribbean: systematic review of the literature. J Int AIDS Soc. 2019; 22(4):e25273. Doi: https://doi.org/10.1002/jia2.25273.
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, sendo que o conhecimento não necessariamente predispõe à mudança de comportamento, pois pode concorrer com normas, valores e representações que conformam a intersubjetividade. Dessa forma, postula-se uma abordagem em um contexto dialógico que elucide a dimensão psicossocial da vida das jovens e no qual elas possam participar do cuidado como protagonistas conscientes, sujeitos de direitos e deveres66 Paiva VSF, Ayres JRCM, Segurado AC, Lacerda R, Silva NG, Silva MH, et al. A sexualidade de adolescentes vivendo com HIV: direitos e desafios para o cuidado. Cienc Saude Colet. 2011; 16(10):4199-210. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001100025.
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Nessa perspectiva, evidenciou-se que o acesso à informação sobre saúde sexual e reprodutiva, em ambos os grupos, ocorreu de modo superficial e esporádico, com enfoque na dimensão biológica e na recomendação normatizadora do uso do preservativo. Isso indica a importância de o tema ser abordado contínua, gradual e transversalmente ao longo do seu acompanhamento clínico, seu crescimento e seu desenvolvimento, para a construção de práticas saudáveis e seguras. São necessárias intervenções e diálogos que possibilitem a decodificação de padrões normativos e influências socioculturais sobre as experiências pessoais, alcançando, assim, um cuidado mais integral, que abranja a dimensão psicossocial99 Paiva VSF. Dimensão psicossocial do cuidado. In: Paiva V, Ayres JR, Buchalla CM, organizadores. Vulnerabilidade e direitos humanos. Prevenção e promoção da saúde: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá; 2012. v. 2, p. 41-72., ou seja, a vida cotidiana e os projetos de felicidade e de vida, caminhando na direção de efetivar direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos1919 Galano E, Turato ER, Delmasc P, Côtéd J, Gouvea AFTB, Succi RCM, et al. Vivências dos adolescentes soropositivos para HIV/Aids: estudo qualitativo. Rev Paul Pediatr. 2016; 34(2):171-7. Doi: https://doi.org/10.1016/j.rppede.2015.08.019.
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A evitacão social do diálogo acerca da sexualidade tanto no ambiente familiar como nos serviços de saúde, por vezes, passa por dificuldades dos próprios familiares e profissionais em discutir isso,1616 Corrêa ACL, Alves CN, Meincke SMK, Soares MC, Bueno MEN, Fernandes RFM. Maternidade na adolescência: motivos para planejá-la. Rev Enferm UFPE. 2017; 11(5):1776-82. e contribui para a produção de insegurança e vergonha das jovens em abordar o assunto. No contexto da vivência soropositiva ao HIV, tem-se uma condição adicional de silenciamento, decorrente do receio do estímulo ao risco de transmissão ou reinfecção do vírus.

Entretanto, as jovens aspiram por informações mais detalhadas que reportem aos avanços científicos e tecnológicos do HIV diante dos dilemas vivenciados. A frequência regular de encontros entre os profissionais e jovens pode possibilitar o estreitamento de vínculos de confiança e adquirir potencial de “janelas de oportunidades”2020 Bellenzani R. Prevenção às DST/HIV e promoção da saúde sexual: como os direitos sexuais e reprodutivos podem orientar a Estratégia Saúde da Família? In: Paiva V, Calazans G, Segurado A, organizadores. Coletânea: vulnerabilidade e direitos humanos. 2a ed. Curitiba: Juruá; 2012. p. 241-73. para abordar essas questões2121 Rodrigues LS, Silva MVO, Gomes MAV. Gravidez na adolescência: suas implicações na adolescência, na família e na escola. Rev Educ Emancipação. 2019; 12(2):228-52. Doi: http://dx.doi.org/10.18764/2358-4319.v12n2p228-252.
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. Além disso, a ampliação dos métodos disponibilizados na rede de serviços (métodos contraceptivos, reprodução assistida, tratamento como prevenção) pode auxiliar na redução da incidência da epidemia e na consolidação de direitos sexuais e reprodutivos, sobretudo se pautada em estratégias de prevenção2222 Silva CB, Paula CC, Volmer C, Brum CN, Schimith MD, Padoin SMM. Cuidados desenvolvidos às pessoas com HIV/AIDS na atenção primária à saúde: revisão integrativa. Enferm Comunitaria [Internet]. 2017 [citado 2 Maio 2021]; 13. Disponível em: http://www.index-f.com/comunitaria/v13/e10745p.php
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adequadas ao contexto de vida. Bem como é imperativo o reconhecimento da Atenção Primária, em boa parte pela Estratégia Saúde da Família, como espaço com potencialidade para incrementar a promoção da saúde de adolescentes e jovens, por meio da definição de suas atribuições no contexto do HIV e do fortalecimento da capacidade de comunicação entre os serviços2222 Silva CB, Paula CC, Volmer C, Brum CN, Schimith MD, Padoin SMM. Cuidados desenvolvidos às pessoas com HIV/AIDS na atenção primária à saúde: revisão integrativa. Enferm Comunitaria [Internet]. 2017 [citado 2 Maio 2021]; 13. Disponível em: http://www.index-f.com/comunitaria/v13/e10745p.php
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A maternidade precoce, sobretudo diante das desigualdades sociais, aumenta as chances de evasão escolar, com prejuízos à formação e à inclusão profissional, além de implicações socioeconômicas e familiares/parceiro, podendo ocasionar frustrações, insatisfação e ausência de perspectiva de vida. Ao contexto do HIV, soma-se o contexto clínico e o risco de adoecimento dos envolvidos, sendo imprescindível o envolvimento da sociedade, da família e de profissionais de saúde para um efetivo cuidado a essa população2121 Rodrigues LS, Silva MVO, Gomes MAV. Gravidez na adolescência: suas implicações na adolescência, na família e na escola. Rev Educ Emancipação. 2019; 12(2):228-52. Doi: http://dx.doi.org/10.18764/2358-4319.v12n2p228-252.
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, a fim de que as jovens possam gerenciar o seu tratamento e uma sexualidade “segura”2323 Cunha CC. Configurações e reconfigurações do movimento de jovens vivendo com HIV/AIDS no Brasil: identidades e prevenções em jogo. Sexual Salud Soc. 2018; (29):294-312. Doi: https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2018.29.14.a.
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Considerações finais

Ao compreender como mulheres jovens que nasceram com HIV lidam com o exercício de suas sexualidades e com a ocorrência da gravidez, reforça-se que a gravidez nessa população não difere, de modo geral, do contexto sem a presença do HIV, na qual emergem os elementos em destaque na configuração da vulnerabilidade à gravidez não planejada na juventude, em que atuam sinergicamente, além de questões socioeconômicas estruturais, a submissão às normas sociais e relações assimétricas de gênero, e a falta de acesso à informação, à educação sexual e à saúde integral. A condição sorológica positiva ao HIV representa, nesse contexto, maior silenciamento social na educação sexual pelo receio de configurar estímulo ao exercício sexual na presença de IST, com o intuito de evitar a cadeia de transmissão. Assim, mostra-se imprescindível que o cuidado ofertado contemple não só os aspectos “mais típicos” da fase etária, mas também aqueles advindos da condição soropositiva – exposição ao estigma/discriminação e desaprovação social quanto ao exercício da sexualidade e da reprodução – na interseccionalidade com outros marcadores sociais produtores de desigualdades e iniquidades.

Essa identificação dos marcadores sociais nas análises de vulnerabilidades, no exercício da sexualidade e da reprodução no contexto do HIV, auxilia na superação de compreensões simplistas da gravidez na adolescência/juventude, que tendem a se restringir a explicações individualizantes e a acusações de irresponsabilidade e imaturidade. Elucida-se a sinergia complexa de aspectos sociais e programáticos que se expressam no plano individual das trajetórias pessoais. Essa perspectiva contribui para o manejo de elementos que poderiam subsidiar a atuação dos profissionais de saúde com iniciativas de intervenção em saúde mais adequadas e eficientes às demandas sexuais e reprodutivas; e acerca do melhor momento, recursos e ações compatíveis, seja no ambiente familiar seja no social ou em serviços de saúde. Considera-se que a ausência de educação sexual e de acolhimento dos desejos reprodutivos resulta em vulnerabilidade à gravidez não planejada ou a uma gravidez sobre a qual pouco se refletiu antes de sua constatação.

Por ser este um estudo realizado em um único serviço de saúde, os resultados podem guardar algumas limitações decorrentes de suas especificidades. Entretanto, as tendências dos resultados sugerem questões para outras investigações, bem como contribui para o aprimoramento do cuidado à saúde e das políticas públicas aos direitos sexuais e reprodutivos das jovens que nasceram com HIV.

  • Silva CB, Motta MGC, Bellenzani R, Brum CN, Ribeiro AC. Gravidez em jovens que nasceram com HIV: particularidades nos contextos de exercício da sexualidade. Interface (Botucatu). 2022; 26: e210307 https://doi.org/10.1590/interface.210307
  • Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2021
  • Aceito
    19 Nov 2021
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br