A dramatização como dispositivo para a Educação Permanente em Saúde Mental: uma pesquisa-intervenção

La dramatización como dispositivo para la Educación Permanente en Salud Mental: una investigación-intervención

Larissa de Almeida Rézio Ricardo Burg Ceccim Ana Karolina Lobo da Silva Mirelly Thaina de Oliveira Cebalho Flávio Adriano Borges Sobre os autores

Resumos

O artigo analisa as repercussões da dramatização como dispositivo para a Educação Permanente em Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde. Uma pesquisa-intervenção foi realizada com vinte trabalhadores de duas equipes da Estratégia Saúde da Família, pautada no referencial teórico-metodológico da Socioclínica Institucional. A dramatização foi utilizada como dispositivo para possibilitar o processo de formação em serviço, permitindo constatar a desarticulação do trabalho e o centramento do cuidado em três eixos: na doença, na medicação e na decisão médica ou de enfermagem como ações instituídas no serviço. Contudo, proporcionou aprendizado por meio da problematização do trabalho e do olhar para si.

Palavras-chave
Saúde mental; Educação permanente em saúde; Atenção primária à saúde; Socioclínica institucional


El artículo analiza las repercusiones de la dramatización como dispositivo para la educación permanente en salud mental en la Atención Primaria de la Salud. Se realizó una investigación-intervención con veinte trabajadores de dos equipos de la Estrategia Salud de la Familia, basada en el referencial teórico-metodológico de la Socioclínica Institucional. La dramatización se utilizó como dispositivo para posibilitar el proceso de formación en el trabajo, permitiendo constatar la desarticulación del trabajo y el centrado del cuidado en tres ejes: en la enfermedad, en la medicación y en la decisión médica o de enfermería como acciones instituidas en el servicio. No obstante, proporcionó el aprendizaje por medio de la problematización del trabajo y de la mirada hacia sí mismo

Palabras clave
Salud mental; Educación permanente en salud; Atención primaria de la salud; Socioclínica institucional


Introdução

A Estratégia Saúde da Família (ESF) é uma das instâncias do cuidado componente da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e, por ser de base territorial e considerar o contexto de inserção em projetos da vida em comunidade, tem a possibilidade de contribuir, decisivamente, na efetivação da atenção psicossocial ao usuário em sofrimento/transtorno mental, ou seja, direcionar o cuidado para a (re)construção de sua autonomia, da mobilidade social e da acessibilidade cultural11 Amarante P. Saúde mental e atenção psicossocial. 4a ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007.. Além disso, o contato duradouro e longitudinal do indivíduo com o sistema de saúde, a continuidade e a integralidade do cuidado e a coordenação da clínica dentro do sistema sanitário deveriam acontecer pela ESF22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes do NASF: núcleo de apoio à saúde da família. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.,33 Araújo IG, Franco GB, Coelho Neto AS. Território, geografia e saúde: a cartografia territorial como instrumento integrador. Caminhos Geogr. 2019; 20(71):265-80. Doi: https://doi.org/10.14393/RCG207145553.
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A Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde (APS) ainda enfrenta dificuldades e barreiras no cotidiano das práticas profissionais, como a dificuldade no desenvolvimento do trabalho em equipe para o cuidado, a resistência e o preconceito na discussão de casos, a frágil qualificação técnica ou da ética do acolhimento e o reduzido poder de influência na interlocução entre os serviços de saúde pertencentes à Raps44 Pereira RMP, Amorim FF, Gondim MFN. Practice and perception of primary healthcare professionals about mental health. Interface (Botucatu). 2020; 24(1):e190664. Doi: https://doi.org/10.1590/interface.190664.
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. Vale ressaltar o atual contexto em que a APS e outras políticas públicas se encontram em função dos inúmeros ataques sofridos pela volta da perspectiva manicomial nos cenários da política nacional de saúde, pelo subfinanciamento e pelo retrocesso nas políticas de proteção e defesa da cidadania e da diversidade. A oferta de um cuidado integral e longitudinal torna-se um processo extremamente desafiador55 Rodrigues MGA, Almeida AA, Ferreira TF, Goldenzweig RE, Amarante P. Saúde mental, articulações intersetoriais e o apoio da universidade em tempos de covid-19. Diversitates Int J. 2020; 12(1):6-16..

Além disso, a racionalidade médico-hegemônica ainda preside a prática de muitos serviços e o cuidado resta centrado na prescrição de medicamentos, no saber psiquiátrico e, consequentemente, em condutas direcionadas na maior parte para descritores nosológicos, em que o trabalhador secundariza a condução e o acolhimento segundo a escuta de processos subjetivos, projetos de vida e histórias afetivas66 Kolhs M, Olschowsky A, Ferraz L. Suffering and defense in work in a mental health care service. Rev Bras Enferm. 2019; 72(4):903-9. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0140.
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,77 Couto MLO, Kantorski LP. Ouvidores de vozes de um serviço de saúde mental: características das vozes e estratégias de enfrentamento. Psicol Soc. 2020; 32:e219779. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32219779.
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. Nesse sentido, entende-se que itinerários formativos envolvendo serviços, pesquisadores, movimentos sociais e projetos de integração ensino-serviço-entidades podem ser uma importante estratégia para fortalecimento e implementação de ações e cuidado em Saúde Mental na APS88 Radke MB, Ceccim RB. Educação em saúde mental: ação da reforma psiquiátrica no Brasil. Saude Redes. 2018; 4(2):19-36..

A Educação Permanente em Saúde (EPS) é um princípio político e pedagógico no interior do Sistema Único de Saúde (SUS) apresentado com o intuito de fortalecer os espaços de formação do sistema sanitário e o potencial de interrogar e modificar as práticas em que a vivência no trabalho é um princípio para os processos educativos, ou seja, problematiza o cotidiano das práticas assim como cria a possibilidade de autoanálise e autogestão99 Ceccim RB. Permanent education in health: decentralization and dissemination of pedagogical capacity in health. Cienc Saude Colet. 2005; 10(4):975-86. Doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000400020.
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,1010 Ceccim RB. Um mergulho no mundo do trabalho em saúde. In: Ceccim RB, editor. Educação Permanente em Saúde (EPS) em Movimento. Porto Alegre: Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014.. A própria vivência no processo pode apontar pistas balizadoras para a sua facilitação, como a reflexão e a atenção ao processo de fazer, planejar e pensar a EPS, considerando o modo hegemônico de organização e planejamento das formações e atividades nos serviços por meio da determinação externa1111 Rézio LA, Fortuna CM, Borges FA. Tips for permanent education in mental health in primary care guided by the Institutional Socioclinic. Rev Lat Am Enfermagem. 2019; 27:e3204. Doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3217.3204.
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Os dispositivos para a ação – a Análise Institucional (AI) e a Socioclínica Institucional (SI) – são elementos diversos (escritas, discursos e vídeos, entre outros) e provisórios criados para situações específicas de intervenção, podendo desestabilizar os modos instituídos de funcionamento, provocar análise coletiva e, também, atuar como analisadores1212 Penido CMF. Worker-researcher: analysis of implication as resistance to object distancing. Psicol Rev. 2020; 26(1):369-85.,1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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. A construção de dispositivos possibilita o olhar para a realidade de possíveis mudanças, permitindo a abertura de movimentos instituintes na medida em que o processo formativo e avaliativo desestabiliza o que está instituído1414 Santos Filho SB, Souza KV. Metodologia para articular processos de formação-intervenção-avaliação na educação profissional em enfermagem. Cienc Saude Colet. 2020; 25(1):79-88. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020251.28322019.
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. Os analisadores podem ser naturais, ou seja, as situações do cotidiano revelam algo latente no grupo e provocam análise coletiva ou criada pelo facilitador/analista institucional1212 Penido CMF. Worker-researcher: analysis of implication as resistance to object distancing. Psicol Rev. 2020; 26(1):369-85..

De acordo com Monceau1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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, a prática da dramatização permite reflexões coletivas em ato por meio do psicodrama e do teatro de arena. A dramatização, como dispositivo operatório, propõe ao grupo ocupar papéis diferentes de seus cargos para encenar cotidianos do trabalho que possam ser obstáculos ou fragilidades para o cuidado/trabalho em equipe, e “permitir aos participantes a expressão do que eles perceberam (encenando ou assistindo) e de utilizar a dramatização, que acaba de ser feita, como sustentáculo comum de reflexão”1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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(p. 211). Cabe ressaltar que essa é também a base do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal, em que todos os envolvidos protagonizam e propõem soluções em um contexto em que todos se encontram no mesmo nível de diálogo e poder, assumindo ação e ensaiando soluções possíveis para o problema/demanda identificado1515 Barbosa I, Ferreira FI. Teatro do Oprimido e projeto emancipatório: mutações, fragilidades e combates. Soc Estado. 2017; 32(2):439-63. Doi: https://doi.org/10.1590/s0102-69922017.3202008.
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A dramatização pode oferecer um aspecto lúdico para a reflexão direcionada ao cotidiano da prática1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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, ao fazer profissionalizado e à educação pelo/no trabalho, que se constitui como espaço de construção de relações vivas, pois provoca e convoca o trabalhador a problematizar o seu fazer ao questionar a automatização da prática cotidiana e despertar para novas formas de trabalho1616 Santos L, Ceccim RB. Educação do/no trabalho no caso da saúde: micropolítica e o componente imaterial da “educo(trans)formação”. In: Fernandes RMC, organizador. Educação no/do trabalho no âmbito das políticas sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS; 2019. p. 119-36.. O trabalho, como um dos eixos estruturantes do processo de reflexão e aprendizado por meio do cotidiano em autoanálise e autogestão dos coletivos, também compõe os princípios da EPS e da AI/SI1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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,1717 Ceccim RB. Emergence of a “strategic action field”: formation planning and continuing education in health. Sanare. 2019; 18(1):68-80. Disponível em: https://doi.org/10.36925/sanare.v18i1.1307.
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. Ao ter a dramatização como um dos dispositivos capazes de provocar o grupo a pensar sobre o cotidiano das práticas, ela pode potencializar espaços de EPS no cotidiano dos serviços de saúde. Desse modo, o objetivo deste artigo foi trazer os efeitos da dramatização como dispositivo de Educação Permanente em Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde.

Método

Trata-se de uma pesquisa-intervenção com informações que compuseram parte do banco de dados de uma pesquisa de doutorado(f(f)Rezio, LA. A Educação Permanente em Saúde para formação em Saúde Mental na Atenção Básica, guiada pelos princípios da Socioclínica Institucional [tese]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2018. doi:10.11606/T.22.2019.tde-19032019-195235.), pautada no referencial teórico da Análise Institucional em sua vertente de Socioclínica Institucional, e realizada no período de março de 2016 a fevereiro de 2017 em duas ESF de um município de grande porte do Estado de Mato Grosso. Essa modalidade de pesquisa, pelo seu caráter político, busca a transformação dos sentidos estáticos, pondo-os em questionamento, ampliando as bases teóricas e metodológicas, possibilitando ao mesmo tempo produção de conhecimento e novas formas de se fazer a prática1818 Spagnol C, Lorence B, Dufournet-Coestier V, Silva AA. Reflections on a methodology for analyzing professional practice and its possible use in nursing. Rev Esc Enferm USP. 2019; 53:e03434.. Adotaram-se os elementos do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (Coreq), checklist desenvolvido para promover relatórios explícitos e abrangentes de estudos qualitativos, auxiliando a relatar aspectos importantes, como componentes de estudo, contexto e achados1919 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007; 19(6):349-57.Doi: https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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Para a AI e a SI, a prática profissional inclui as maneiras de se relacionar com o coletivo do trabalho e com as instituições, de pensar essas relações e de atribuir valores, e é constituída por um conjunto de atualizações e pelas implicações dos trabalhadores, provocando reflexão e análise coletiva1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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. Assim como AI e SI, a EPS busca propiciar a reflexividade profissional, com atenção para a maneira pela qual as práticas profissionais se inscrevem nas instituições, em que a negação ou o esquecimento gradual do seu mandato social produz o oposto daquilo para o que as práticas foram fundadas, podendo ser problematizadas por um processo de análise coletiva2020 Monceau G. Análise coletiva: para combater os efeitos de institucionalização na educação e no trabalho na saúde. In: Ceccim RB, Dallegrave D, Amorim ASL, Portes VM, Amaral BP, organizadores. EnSiQlopedia das residências em saúde. Porto Alegre: Rede UNIDA; 2018. p. 1-5..

A pesquisa-intervenção foi ofertada à gestão, envolvendo-a na escolha das unidades para estudo. A partir disso, o convite para participar da pesquisa foi feito a todos os trabalhadores das duas ESF escolhidas, interessados no processo de EPS, totalizando vinte trabalhadores, sendo 11 da equipe I e nove da equipe II. Entre esses, 11 agentes comunitários de saúde, duas médicas, duas enfermeiras, duas técnicas em enfermagem, duas recepcionistas e uma digitadora.

A primeira etapa da pesquisa-intervenção foi a entrada em campo para a aproximação dos trabalhadores ao território de intervenção, com a produção de um diário de campo sobre o “fazer” da pesquisa-intervenção. Nele, havia relatos dos movimentos grupais, as resistências, os avanços e conteúdos discutidos, contendo algumas falas e expressões do observador implicado, refletindo a atividade diária de pesquisa e o contexto histórico-social2121 Pezzato L, Botazzo C, L’Abbate S. Diary as a device in multicenter research. Saude Soc. 2019; 28(3):296-308.. Em seguida, utilizou-se uma entrevista semiestruturada e individual com todos os trabalhadores, composta por dez questões norteadoras que pautavam o cotidiano do trabalho, das práticas em Saúde Mental na ESF e das vivências em EPS. Com base nas respostas, na análise e na restituição em grupo, foram elencados temas para direcionar os encontros de EPS, tratando-se da terceira etapa do estudo da qual utilizamos parte dos dados para a produção do presente artigo. Foram realizados 12 encontros com cada equipe de duas horas de duração em média cada um. Foram utilizadas como fonte de dados as transcrições das gravações de entrevista e de encontros e as anotações do diário de campo da pesquisa.

Durante a intervenção, foram criados alguns dispositivos, pactuados com os trabalhadores e construídos no decorrer da pesquisa, de forma que o seu próprio desenvolvimento já produzia análise1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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. Os dispositivos criados para viabilizar a formação em serviço foram: desenhos e esquemas conceituais, colagens, relaxamento, reflexões sobre letras musicais e vídeos, jogos com temas norteadores, diário coletivo, autocarta e dramatizações. Nesta produção, trataremos apenas da dramatização.

Um processo de análise coletiva pode produzir melhor compreensão dos fenômenos institucionais e possibilidades diversas de trabalho quando o dispositivo promove o desenvolvimento da reflexividade profissional, permitindo análise crítica das mudanças institucionais e interrogação real sobre a capacidade de corresponder às necessidades sociais em saúde2020 Monceau G. Análise coletiva: para combater os efeitos de institucionalização na educação e no trabalho na saúde. In: Ceccim RB, Dallegrave D, Amorim ASL, Portes VM, Amaral BP, organizadores. EnSiQlopedia das residências em saúde. Porto Alegre: Rede UNIDA; 2018. p. 1-5.. A dramatização foi utilizada em dois momentos nas duas equipes: 1) para a discussão da abordagem da pessoa em sofrimento mental, em situação de crise ou em acompanhamento pela ESF; e 2) para a realização da restituição referente às análises da pesquisa, sob a facilitação de EPS (facilitador 1).

A proposta da dramatização foi pensada com base em Monceau1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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, de maneira que propusemos ao grupo ocupar papéis diferentes de seus cargos/atribuições no serviço e criar cenas que identificassem uma situação-problema. De modo improvisado e sem obrigatoriedade de participação, o grupo dramatizou quatro cenas típicas do cotidiano que, para os trabalhadores, eram obstáculos a serem enfrentados ou alguma dificuldade presente no trabalho em equipe e identificada como fragilidade para o cuidado em Saúde Mental. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o Parecer CAAE n. 53029016.2.0000.5393. Buscou-se garantir o anonimato dos trabalhadores e preservar a confidencialidade das informações, iniciando as entrevistas somente após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

As falas foram identificadas pela letra T, quando faziam referência aos trabalhadores, seguida da numeração arábica. Os registros do diário de pesquisa foram apontados com essa nomenclatura, seguida por mês e ano. Além disso, houve participação de duas facilitadoras de EPS, convidadas de outros serviços da rede e que atuaram no sentido de mediar o desenvolvimento da dramatização, instigando a reflexão, incitando a discussão e problematizando aquilo que surgia pelas falas dos profissionais de saúde, identificadas como facilitadoras 1 e 2.

Resultados

A primeira reflexão coletiva, ao utilizar a dramatização como dispositivo, foi evidenciar o que estava instituído no serviço, tornando-se um analisador, pois possibilitou que a equipe identificasse que o trabalho estava centrado nas decisões das profissões de enfermagem e medicina.

Gente, esse teatro ficou uma bagunça [...] muito ruim, será que somos assim mesmo?

(T19)

Acho que boa parte do que passou aqui é a gente mesmo, vai direto na enfermeira pra falar [...] não tem muita reunião pra discutir.

(T16)

Na cena, foi a médica e a enfermeira que decidiram mais, né? [...] a gente deixa pra elas, como elas que sabem.

(T13)

As duas equipes dramatizaram situações diferentes, mas ambas expuseram uma desarticulação no trabalho. Em uma, havia o centramento do cuidado no transtorno psiquiátrico, na prescrição medicamentosa e na decisão médica ou de enfermagem (modelo médico-hegemônico). Na outra, havia ações desarticuladas e pouca discussão de caso em equipe ou partilha de problemas referentes ao trabalho nos espaços coletivos, como no caso da própria reunião de equipe, por exemplo:

Eu caí lá na porta da escola.

(T6, representando a usuária do serviço)

E o seu medicamento? Você tá tomando direitinho?

(T8, representando a ACS)

A ACS trouxe aqui o caso dela e disse que ela está sonolenta e está sem medicamento, ela sofreu uma pancada e eu queria saber o que a gente pode fazer; se você pode visitar ela.

(T16, representando a enfermeira e dialogando com a médica)

Por quê? Ela não tem medicamento?

(T8, representando a médica)

A gente viu que não discutia caso em equipe, chegava o caso na enfermeira, da enfermeira direto para a médica [...]. Aí quando a gente fez o teatro foi legal porque a gente viu que estava automático o que a gente fazia, não discutia o caso.

(T16)

A análise da dramatização do cotidiano de trabalho produziu reflexão na equipe pela discussão em coletivo sobre o modelo psiquiátrico-hegemônico de cuidado, o modo hierárquico de funcionamento do trabalho e a presença das relações de poder pautadas no suposto saber das categorias de nível superior ou, mais especificamente, nos saberes e práticas de enfermagem e medicina:

Na cena, ela mal pegou na mão do paciente, [...] ela vai na casa do paciente e, quando termina, passa álcool na mão na frente dele.

(T17)

A paciente falou para ela que foi agredida, que machucou o rosto, que tinha alguns medicamentos que faltavam, que ela não está trabalhando por medo de perder o benefício. [...] Aí tem uma dimensão biológica, uma dimensão social, uma situação econômica de trabalho, uma situação de direito, que é: quem foi o agressor, por que esse agressor agiu dessa forma e o que foi feito? Tem uma questão de direito: qual benefício ela deve receber? [...]. Quando voltou para o enfermeiro, só veio a lógica e a dimensão do medicamento: as outras dimensões se perderam [...]. Eu queria entender isso.

(Facilitadora de EPS 2)

Mas na prática é assim também [...]. E tem mais: o olhar também é mais para ferida e remédio [...]. E como isso é dialogado em equipe?

(Facilitadora de EPS 1)

Normalmente, a gente fala com a enfermeira que fala com a médica; não tem muita reunião de equipe.

(T8)

A gente viu que não discutia caso em equipe, chegava o caso na enfermeira, da enfermeira direto para a médica.

(T16)

A dramatização como dispositivo de EPS disparou processos autoanalíticos pelo trabalhador, uma análise coletiva direcionada ao cotidiano da prática e ao trabalho em equipe, até mesmo ampliando a compreensão do problema apresentado e produzindo formação no/pelo trabalho.

Precisa a equipe discutir as condutas para a gente tentar melhorar e avaliar como é que nós estamos fazendo. Por exemplo, um teatrinho desse que a gente fez, só depois que a gente apresentou e discutiu que a gente percebeu que quase não discute caso, fica nessa mesma rotina de sempre. [...] Faz tempo que não senta a equipe toda.

(T6)

A gente percebeu que procura a médica só para resolver mesmo; não chama pra discutir com a equipe toda, porque ela (a médica) nunca tem tempo.

(T17)

A gente decide as coisas na reunião, mas chega na hora não faz [...] aí cada um faz o seu.

(T9)

Buscando despersonalizar os papéis no grupo para a problematização não incidir apenas sobre um profissional específico, mas se manter centrada no trabalho em equipe e na gestão do trabalho, foi proposta à equipe a reflexão por meio da leitura e da discussão sobre tipos de equipe e gestão do trabalho, utilizando um artigo de Marina Peduzzi2222 Peduzzi M, Leonello VM, Ciampone MHT. Trabalho em equipe e prática colaborativa. In: Kurcgant P, organizador. Gerenciamento em enfermagem. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. p. 103-14..

Considerando o que é preconizado para a APS e pensando ser interessante a continuação dessa análise por meio da leitura, buscou-se lidar de maneira ética com as questões conflituosas do trabalho. O artigo de Peduzzi2222 Peduzzi M, Leonello VM, Ciampone MHT. Trabalho em equipe e prática colaborativa. In: Kurcgant P, organizador. Gerenciamento em enfermagem. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2016. p. 103-14. foi proposto por apresentar um conceito e uma tipologia do trabalho em equipe, assim como critérios para reconhecê-los.

Ter uma equipe que une a ação, mas não soma para melhorar e só sobrepõe as ações, porque não discute, não planeja e tem outra equipe que vai somar. [...] Que nem nosso teatrinho. Cada membro da equipe faz sua ação isolada, não tá discutindo para melhorar.

(T6, após leitura do texto)

Com dramatização, leitura do texto e análise da cena, pode-se viabilizar o aprendizado no/pelo trabalho e sobre o tipo de equipe – se agrupamento ou se integração –, tecendo associações com as cenas representadas.

Eu entendi que a gente é uma equipe agrupamento; a equipe dos agentes de saúde traz os problemas pra unidade, aí junta a outra equipe que são as duas (a médica e a enfermeira).

(T8)

A equipe integração seria a ideal, mas a gente ainda é agrupamento.

(T16)

Discussão

Ao compreender a importância dos processos decisórios em coletivo, da autonomia dos profissionais no trabalho, da ampliação do olhar sobre o que é e como produzir saúde, da ampliação da abordagem clínica direcionada ao cuidado e, consequentemente, da valorização de outros instrumentos de trabalho pela equipe, pelo serviço e pela rede, há possibilidade de atenção aos princípios da integralidade e da humanização do cuidado, bem como de composição de equipes capazes de criar oportunidades de aprendizado no contexto do trabalho.

O objetivo de usar a dramatização como dispositivo de EPS, possibilitando a encenação de abordagens de pessoas em sofrimento mental, e a restituição de percepções e análises pelas facilitadoras e pela equipe como autoanálise, produziu a emergência de um coletivo em reflexão e a problematização das dificuldades da equipe em ampliar o olhar e o cuidado em saúde/Saúde Mental. Utilizar a restituição e a dramatização balizada pelos princípios da SI foi relevante por potencializar os espaços de desenvolvimento da EPS em ato.

A restituição considera a intervenção como um todo e permite, sobretudo, assegurar que o pacto de trabalho seja permanente e continue ativo entre os participantes, além de compartilhar e testar as interpretações do facilitador de EPS1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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,2323 Borges FA, Fortuna CM, Feliciano AB, Ogata MN, Kasper M, Silva MV. Analysis of professional implication as a tool of permanent education in health. Rev Lat Am Enfermagem. 2019; 27:e3189. Doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3114.3189.
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, produzindo um processo analítico coletivo. Por isso, quando o facilitador de EPS compartilha/restitui sua análise e sua percepção com o coletivo, é uma oportunidade de pausar a cena para que haja um olhar direcionado ao cotidiano de trabalho e ao processo de formação em saúde1111 Rézio LA, Fortuna CM, Borges FA. Tips for permanent education in mental health in primary care guided by the Institutional Socioclinic. Rev Lat Am Enfermagem. 2019; 27:e3204. Doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.3217.3204.
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. O efeito foi imediato na dinâmica da análise, pois a representação das cenas na dramatização denunciou modos instituídos no trabalho, pautados no modelo biomédico-psiquiátrico, com o cuidado centrado no medicamento, no saber médico (prescrição medicamentosa e diagnóstico de doença) e no perfil de sintomas66 Kolhs M, Olschowsky A, Ferraz L. Suffering and defense in work in a mental health care service. Rev Bras Enferm. 2019; 72(4):903-9. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0140.
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
,77 Couto MLO, Kantorski LP. Ouvidores de vozes de um serviço de saúde mental: características das vozes e estratégias de enfrentamento. Psicol Soc. 2020; 32:e219779. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32219779.
https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v3...
.

A Reforma Psiquiátrica e a Luta Antimanicomial constituem-se como movimento social instituinte devido à pauta de substituição desse modelo, defesa de um modo de cuidado centrado no usuário e direcionamento da atenção à abordagem psicossocial. Mesmo as cenas sendo embasadas em problemas do cotidiano, a discussão foi direcionada para a representação dos profissionais, o que favoreceu a despersonificação e teve o efeito de liberar a palavra no grupo1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015...
, provocando o distanciamento rápido, reflexões e autoanálise do trabalho, ativando um processo de EPS.

Existe uma infinidade de possibilidades ao criar um dispositivo com vistas a determinada finalidade, e consequentemente os efeitos produzidos por ele também são diversos, mas precisam ter a capacidade de provocar a fala das instituições (das ideias instituídas ou constituintes do corpo de atuações) e a desestabilização dos modos instituídos de funcionamento no cotidiano de práticas2121 Pezzato L, Botazzo C, L’Abbate S. Diary as a device in multicenter research. Saude Soc. 2019; 28(3):296-308.. É importante ressaltar que a EPS requer o abandono do sujeito que éramos, um processo coletivo e produzido por todos os envolvidos, incluindo-se aí os facilitadores e os pesquisadores, posto que também formados na mesma escola de pensamento hegemônico na saúde direcionado para o modelo biologicista, procedimento centrado e medicalizador. A desterritorialização das grades de comportamento e de gestão do processo de trabalho implicam todos os atores em cena2424 Ceccim RB. Continuing education in health: ambitious and necessary challenge. Interface (Botucatu). 2005; 9(16):161-77. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832005000100013.
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.

No presente estudo, a dramatização revelou o centramento do trabalho em práticas biomédico-psiquiátricas, com decisões centradas na Enfermagem e na Medicina, reduzindo a possibilidade de outras estratégias de intervenção e corroborando com os achados de Nunes et al.2525 Nunes JMS, Guimarães JMX, Sampaio JJC. A produção do cuidado em saúde mental: avanços e desafios à implantação do modelo de atenção psicossocial territorial. Physis. 2016; 26(4):1213-32., que identificaram – como um dos desafios da Raps – a superação da fragmentação do cuidado que ocorre por conta de os profissionais não desenvolverem possibilidades de cuidados e intervenções mais amplas, baseadas nos saberes profissionais uns dos outros, para integrarem a equipe, resultando em pouca articulação e reduzida discussão em coletivo.

O modo de trabalho que foi se revelando difere dos determinantes de qualidade do Sistema Único de Saúde (SUS); todavia, esse processo demanda um movimento de permanente reflexão das práticas em saúde, assim como um processo contínuo de formação dos profissionais de saúde2626 Costa MV. A potência da educação interprofissional para o desenvolvimento de competências colaborativas no trabalho em saúde. In: Toassi RFC, organizador. Interprofissionalidade e formação na saúde: onde estamos? Porto Alegre: Rede Unida; 2017. p. 14-27.. Nesse sentido, a dramatização tornou-se direcionadora de possibilidades para disparar processos analíticos dentro das equipes, visando à transformação das práticas locais e constituindo dispositivo importante no desenvolvimento da comunicação e no enfrentamento das limitações e dos conflitos entre os profissionais2727 Negri EC, Mazzo A, Martins JCA, Pereira JGA, Almeida RGS, Pedersoli CE. Clinical simulation with dramatization: gains perceived by students and health professionals. Rev Lat Am Enfermagem. 2017; 25:e2916. Doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.1807.2916.
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.

Os participantes puderam refletir sobre o cuidado à pessoa em sofrimento mental e o cotidiano de trabalho pela encenação como sustentáculo coletivo de análise e aprendizado1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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, o que pode resultar na ampliação do conhecimento e na melhoria e/ou desenvolvimento de habilidades para o trabalho em equipe. A EPS constituiu-se potencial para a mudança, o protagonismo e a inovação ao propor que a educação pelo/no trabalho não é subproduto imaterial, mas parte fundamental do mundo do trabalho1616 Santos L, Ceccim RB. Educação do/no trabalho no caso da saúde: micropolítica e o componente imaterial da “educo(trans)formação”. In: Fernandes RMC, organizador. Educação no/do trabalho no âmbito das políticas sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS; 2019. p. 119-36.,2020 Monceau G. Análise coletiva: para combater os efeitos de institucionalização na educação e no trabalho na saúde. In: Ceccim RB, Dallegrave D, Amorim ASL, Portes VM, Amaral BP, organizadores. EnSiQlopedia das residências em saúde. Porto Alegre: Rede UNIDA; 2018. p. 1-5..

O uso da dramatização também teve o efeito de analisador ao revelar as fragilidades no modo de cuidar e pensar o cuidado em Saúde Mental com base nas práticas reconhecidas como biomédico-psiquiátricas, ao fazer ver/sentir a desarticulação do trabalho em equipe e ao evidenciar a vigência de relações de poder-saber que, na maioria das vezes, eram vividas de forma naturalizada pelos integrantes das ESF. Para Foucault2828 Foucault M. Microfísica do poder. 27a ed. São Paulo: Graal; 2013., o poder não é fixo, movimenta-se e está nas pequenas e múltiplas relações da sociedade, como os movimentos de resistência a uma determinada ordem (ou determinado cuidado preconizado). Essa resistência também é uma forma de exercício de poder.

Quando os trabalhadores foram questionados sobre a existência de uma hierarquia no funcionamento do trabalho, ficou evidente que a figura do médico ainda é protagonista nessa relação, visto que os casos eram repassados das agentes de saúde para a enfermeira, que encaminhava para a médica, reforçando o paradigma do saber médico como superior. Isso pode ser resultado de uma fragilidade e/ou ausência de espaços de conversação, que provoquem interrogação e problematização sobre os lugares instituídos das relações hierárquicas. Segundo Villa et al.2929 Villa EA, Aranha AVS, Silva LLT, Flôr CR. As relações de poder no trabalho da Estratégia Saúde da Família. Saude Debate. 2015; 39(107):1044-52. Doi: https://doi.org/10.1590/0103-11042015070365.
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, a valorização dos trabalhadores é um dos elementos fundamentais para alterar as relações de poder-saber e todo seu reflexo nas práticas de subjetivação e configuração do campo da Saúde.

O trabalho em saúde é coletivo, por isso interroga sua divisão técnica e social que, além de estabelecer uma divisão de tarefas intelectuais ou manuais, materializa a desigualdade no cotidiano de trabalho e reforça a instituição de atividades técnicas diferentes e estanques para cada profissão, um mecanismo presente no modo de produção capitalista, em que pese a defesa ‒ no mesmo mundo capitalista ‒ da politecnia como melhor resultado intelectual e prático3030 Leal JAL, Melo CMM. Processo de trabalho da enfermeira em diferentes países: uma revisão integrativa. Rev Bras Enferm. 2018; 71(2):413-23. Doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0468.
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. A divisão técnica e social, legitimada pelas instituições de ensino (ou pela Educação) e reiterada pelas instituições de cuidado (ou pela Saúde), costuma ser gerenciada, em grande parte, pela enfermeira, por ser quem detém um saber abrangente de serviços e redes, de controle do processo de trabalho administrativo, de apoio técnico e complementar (agentes comunitários de saúde, auxiliares e técnicos em enfermagem, entre outros) e de conhecimento de ações tradicionalmente atribuídas aos médicos, mas que ganham maior eficiência da cadeia produtiva quando delegadas3030 Leal JAL, Melo CMM. Processo de trabalho da enfermeira em diferentes países: uma revisão integrativa. Rev Bras Enferm. 2018; 71(2):413-23. Doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0468.
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,3131 Lunardi Filho WD, Lunardi VL, Spricigo J. O trabalho da enfermagem e a produção da subjetividade de seus trabalhadores. Rev Lat Am Enfermagem. 2001; 9(2):91-6. Doi: https://doi.org/10.1590/S0104-11692001000200013.
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, o que parece guardar e velar valores conservadores ou reacionários.

A EPS, contudo, surge em apoio ao desmanche desses e de outros instituídos em busca da invenção, da criação e da reconfiguração das formas dadas como uma possibilidade de gerar práticas inovadoras e contemporâneas. À medida que a EPS constitui sua análise de modo contextualizado, pautando intervenções articuladas e não apenas transmissão de conhecimentos, possibilita a democratização da organização da gestão. Dessa forma, pode haver maior oportunidade de exercer gestão participativa e processos decisórios baseados em decisões coletivas99 Ceccim RB. Permanent education in health: decentralization and dissemination of pedagogical capacity in health. Cienc Saude Colet. 2005; 10(4):975-86. Doi: https://doi.org/10.1590/S1413-81232005000400020.
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. Conforme a EPS vai caminhando e permitindo uma participação e uma gestão mais horizontalizada, é possível que haja entre as equipes uma revisão das relações de trabalho e das relações de saber-poder, já que, assim como o saber começa a ser partilhado, o poder também deve passar a ser. Os profissionais podem reconhecer a EPS como prática social capaz de proporcionar transformações nos processos de trabalho e na atenção aos usuários3232 Campos KFC, Marques RC, Silva KL. Continuing education: speeches by professionals of one basic health unit. Esc Anna Nery. 2018; 22(4):e20180172..

O não desenvolvimento de uma reflexão e uma discussão entre os profissionais reforça as práticas fragmentadas, favorecendo a desarticulação da assistência ofertada3333 Anjos Filho NC, Souza AMP. A percepção sobre o trabalho em equipe multiprofissional dos trabalhadores de um Centro de Atenção Psicossocial em Salvador, Bahia, Brasil. Interface (Botucatu). 2017; 21(60):63-76. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0428.
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. Diante disso, o tempo da análise coletiva, por meio da dramatização, foi determinante para revelar os atravessamentos institucionais e possibilitou compreensão e reflexão sobre o modelo biomédico-psiquiátrico e as relações hierárquicas ali presentes. Segundo Monceau1313 Monceau G. Socioclinic techniques for the institutional analysis of social practices. Psicol Rev. 2015; 21(1):197-217. Doi: https://doi.org/10.5752/P.1678-9523.2015V21N1P197.
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, o momento escolhido para colocar a dramatização em prática é decisivo para sua eficácia, visto que seu uso de forma repetitiva pode anular os efeitos na equipe.

Pela leitura e pela discussão conjunta de um artigo referente à tipologia de equipe, integração ou agrupamento, os profissionais passaram a perceber que novas formas de atuação individual e coletiva podem estabelecer relações menos hierarquizadas, permitindo um trabalho com outras possibilidades de partilha de conhecimento e de poder. No trabalho em “equipe-integração” há uma articulação das situações de trabalho pautada na proposta de integralidade das ações de saúde, que coloca em evidência as conexões entre diversas intervenções executadas. Em contrapartida, a “equipe-agrupamento” caracteriza-se pela fragmentação que consiste na justaposição de ações e no agregamento de vizinhança entre os agentes/trabalhadores. Quanto menos desigualdade entre os diferentes trabalhos e respectivos agentes, maior integração na equipe, já que as ações são construídas e pensadas na interação, livres de coação e submissão, porém buscando consensos nas finalidades do processo de trabalho e nos instrumentos a serem utilizados. Quanto maior a ênfase dada à “flexibilidade da divisão do trabalho, mais próximo se está da equipe-integração; e quanto maior a ênfase na especificidade dos trabalhos, mais próximo se está da equipe-agrupamento”3434 Peduzzi M. Multiprofessional healthcare team: concept and typology. Rev Saude Publica. 2001; 35(1):103-9. (p. 108).

A EPS pôde viabilizar não só a valorização da comunicação na equipe, mas também dos diferentes tipos de saberes, uma vez que o conhecimento produzido na experiência do trabalho, o saber-fazer, não se configura por um aprendizado escolar, mas nas/pelas experiências de trabalho1010 Ceccim RB. Um mergulho no mundo do trabalho em saúde. In: Ceccim RB, editor. Educação Permanente em Saúde (EPS) em Movimento. Porto Alegre: Núcleo de Educação, Avaliação e Produção Pedagógica em Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014., fazendo-se necessário o momento de pausa para compartilhamento de conhecimentos e saberes. A EPS se faz no dia a dia, nos encontros, nas práticas e nas relações com e entre os trabalhadores, usuários, movimentos sociais e pesquisadores envolvidos, mas não será educação se não repercutir em modos de subjetivação individual, coletiva e institucional. Ela se propõe à produção de um saber/poder no coletivo, considerando o cotidiano de trabalho, os saberes de profissionais e de usuários e a socialização deles3535 Lírio APS. O lugar do sensível na educação permanente em saúde: ausência, continuidade ou ruptura. Cad Educ Tecnol Soc. 2016; 9(3):375-83..

Conclusão

Ao analisar os efeitos da dramatização como dispositivo de EPS em Saúde Mental, percebemos que a dramatização utilizada como dispositivo para formação/aprendizado se tornou um analisador ao provocar reflexões e análises coletivas por meio das cenas representadas pelos trabalhadores, revelando o modo de trabalho instituído em que havia pouca discussão de caso em equipe ou partilha de problemas referentes ao trabalho nos espaços coletivos. A prática teve efeito imediato no olhar para o mundo do trabalho, uma vez que permitiu ver/ver-se, ouvir/ouvir-se e sentir/sentir-se. Assim, foi possível que a própria equipe identificasse as principais dificuldades e compreendesse a autoanálise e a reflexão do cotidiano de práticas como emergência do coletivo.

Identificar e criar o movimento de romper os modos instituídos por meio de autoanálise e reflexão no/pelo trabalho e no coletivo é um passo extremamente relevante para a mudança de práticas de SI, coletivas e institucionais. A AI e alguns princípios da SI potencializaram o desenvolvimento da EPS ao agregar seus constructos ao processo de condução da intervenção, auxiliando na efetivação da reflexão do/pelo trabalho, partindo da construção coletiva de novos conhecimentos, articulando a partilha entre os profissionais e a atenção aos princípios da integralidade do cuidado e do modo de atenção psicossocial. A presente produção retratou a intervenção realizada de modo localizado em duas equipes da ESF (um determinado local e país); contudo, permite evidenciar a presença de analisadores capazes de transposição a outras realidades.

  • (f)
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  • Financiamento

    O desenvolvimento da pesquisa contou com a seleção para uma bolsa de doutorado na Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto, custeada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2021
  • Aceito
    26 Out 2021
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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