Comunicação de eventos adversos e trabalho interprofissional em Unidade de Terapia Intensiva: entre o ideal e o (não) realizado

Communicating adverse events and interprofessional collaboration in an intensive care unit: between the ideal and (non)practice

Comunicación de eventos adversos y trabajo interprofesional en la Unidad de Cuidados Intensivos: entre lo ideal y lo (no) realizado

Maria Luiza Rodrigues dos Santos Antonio Jorge Silva Correa Júnior Marcos Valério Santos da Silva Sobre os autores

Resumos

Objetivou-se conhecer a comunicação interprofissional e a notificação de eventos adversos como estratégia de promoção do cuidado e da Segurança do Paciente na Unidade de Terapia Intensiva. Tomou-se como método um estudo descritivo-qualitativo realizado com 31 profissionais da Unidade de Terapia Intensiva adulto, por meio de entrevista de caráter individual com posterior análise de conteúdo. Emergiram duas macrocategorias temáticas: a) Trabalho interprofissional e potencialidades para concretizar a comunicação e b) Entraves, impedimentos e fragilidades, abordando conjuntamente a perspectiva do trabalho interprofissional, estratégias para efetivá-lo, fragilidades nas notificações, medos e desconhecimento. Considera-se que os profissionais demonstram que a comunicação é importante para a notificação de eventos adversos interprofissionalmente, porém necessitam se unificar, entre eles e com gestores, a fim de construir uma cultura de segurança e mitigar medos e desconhecimento sobre o procedimento e seus facilitadores.

Palavras-chave
Segurança do paciente; Comunicação; Unidades de terapia intensiva; Eventos adversos; Rounds interdisciplinares


The aim of this study was to investigate interprofessional communication and reporting adverse events as a patient care and safety strategy in an intensive care unit. We conducted a qualitative descriptive with 31 health professionals working in an adult intensive care unit using individual interviews. The data was analyzed using content analysis, resulting in two core thematic categories: a) Interprofessional collaboration and communication potential; b) Barriers, impediments and weaknesses, encompassing views of interprofessional collaboration, strategies for putting collaboration into practice, reporting weaknesses, fear, and lack of knowledge. The professionals demonstrated that communication is important for interprofessional reporting of adverse events; however, they need to unite with each other and managers to build a culture of safety and mitigate fears and lack of knowledge of procedures and facilitators.

Keywords
Patient safety; Communication; Intensive care units; Adverse events; Interdisciplinary rounds


El objetivo fue conocer la comunicación interprofesional y la notificación de Eventos Adversos como estrategia de promoción del cuidado y seguridad del paciente en la Unidad de Cuidados Intensivos. Como método se utilizó un estudio descriptivo-cualitativo realizado con 31 profesionales de la Unidad de Cuidados Intensivos Adulto por medio de una entrevista de carácter individual con posterior análisis de contenido. Surgieron dos macrocategorías temáticas: a) Trabajo interprofesional y potencialidades para concretar la comunicación y b) Obstáculos, impedimentos y fragilidades, abordando conjuntamente la perspectiva del trabajo interprofesional, estrategias para efectivarlo, fragilidades en las notificaciones, miedos y desconocimiento. Se considera que los profesionales demuestran que la comunicación es importante para la notificación de eventos adversos interprofesionalmente, pero necesitan unificarse entre sí y con los gestores con la finalidad de construir una cultura de seguridad y mitigar miedos y desconocimiento sobre el procedimiento y sus facilitadores.

Palabras clave
Seguridad del paciente; Comunicación; Unidades de cuidados intensivos; Eventos adversos; Rounds interdisciplinarios


Introdução

A interação da equipe interprofissional e a comunicação efetiva são consideradas os pilares na promoção do cuidado e consequentemente da Segurança do Paciente dentro das instituições hospitalares. Para entender a importância da comunicação na prevenção e na discussão dos danos nas instituições de saúde, precisamos entender como vem se desenvolvendo historicamente a cultura de Segurança do Paciente (SP) mundialmente. Nas últimas décadas, inúmeros estudos discutiram esse tema, tendo destaque o relatório intitulado “To Err is Human: Building a Safer Healthcare System”11 Gomes ATL, Silva MF, Morais SHM, Chiavone FBT, Medeiros SM, Santos VEP. Erro humano e cultura de segurança à luz da teoria “Queijo Suíço”: análise reflexiva. Rev Enferm UFPE on line. 2016; 10 Suppl 4:3646-3652.. O relatório divulga que cerca de 44 mil americanos morrem em cada ano como resultado de erros médicos, e faz uma comparação: mais pessoas morrem de erro médico do que das principais causas de morte do país, que são: acidentes com veículos automotivos (43,458), câncer de mama (42.297) ou Aids (16.516). O documento apresenta uma lista de recomendações para promover a cultura de Segurança do Paciente22 Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson MC. To err is Human: building a safer health system. Washington: National Academy Press; 2000..

Em decorrência da mobilização mundial em prol da melhoria da qualidade do cuidado, o Ministério da Saúde (MS) criou, em abril de 2013, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Instituiu também o Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) nos estabelecimentos de saúde, com atribuição de elaborar o Plano de Segurança do Paciente (PSP) nos termos definidos pelo PNSP, com o objetivo de promover a cultura de Segurança do Paciente33 Brasil. Ministério da Saúde. Documento de referência para o Programa Nacional de Segurança do Paciente. Brasília: Ministério da Saúde, Fiocruz, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2014..

Portanto, conceituam-se, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os eventos adversos (EA) como incidentes que resultam em danos não intencionais decorrentes da assistência e não relacionados à evolução natural da doença de base. Para identificar incidentes, é significativo conhecer os tipos e consequências para o paciente; esses incidentes são definidos como circunstância notificável (circunstância em que houve potencial significativo para o dano, mas o incidente não ocorreu), near miss (incidente que não atingiu o paciente), incidente sem danos (o evento atingiu o paciente, mas não causou dano discernível) e EA (incidente com dano)44 Siman AG, Cunha SGS, Brito MJM. Ações de enfermagem para segurança do paciente em hospitais: revisão integrativa. Rev Enferm UFPE on line. 2017; 11 Suppl 2:1016-1024..

Acrescentando-se que a ocorrência dos EA é reconhecida como uma falha na Segurança do Paciente, podendo ocorrer entre 5% e 17%, dentre os quais 60% podem ser previsíveis55 World Health Organization. Patient safety. The conceptual framework for the International Classification for Patient Safety. Final Technical Report. Geneva: WHO; 2010.. Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), aproximadamente 20% dos pacientes, segundo estudo do estado de São Paulo, sofrem um EA, dos quais cerca de 40-45% são considerados evitáveis66 Novaretti MCZ, Santos EV, Quitèrio LM, Daud-Galliott RM. Sobrecarga de trabalho da enfermagem e incidentes e eventos adversos em pacientes internados em UTI. Rev Bras Enferm. 2014; 67(5):692-699.. Desse modo, nota-se a importância dessa temática em UTI.

Consequentemente, nos hospitais de ensino nos quais esse conhecimento tem de ser construído e difundido de maneira eficaz, a comunicação deve ser efetivada em todos os setores e principalmente na terapia intensiva. A UTI é o local onde os riscos e danos acabam sendo mais graves pelas suas características intrínsecas, pois os pacientes estão em estado mais crítico e utilizam os equipamentos com tecnologia mais específica de monitoramento e de diagnóstico. Procedimentos invasivos são realizados aliados a medicamentos específicos, simultaneamente é onde a equipe é mais diversificada nos seus saberes, experiências e competências criando dificuldades de comunicação entre os profissionais e, portanto, não convergindo as energias em prol do benefício do regime terapêutico77 Ortega DB, D’innocenzo M, Silva LMG, Bohomol E. Análise de eventos adversos em pacientes internados em unidade de terapia intensiva. Acta Paul Enferm. 2017; 30(2):168-173..

Tomando por base o exposto, o presente artigo almeja conhecer a comunicação interprofissional e a notificação de eventos adversos como estratégia de promoção do cuidado e da Segurança do Paciente na Unidade de Terapia Intensiva.

Método

Configura-se como estudo descritivo de abordagem qualitativa88 Marconi MA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia cientifíca. 7a ed. São Paulo: Atlas; 2010. com referencial teórico da Segurança do Paciente, que pauta a cultura de segurança e redução do risco de danos lidando com atitudes, as competências técnico-profissionais e competências atitudinais, assegurando uma cultura justa para os usuários dos serviços e valendo-se da comunicação e da confiança interprofissional mútua33 Brasil. Ministério da Saúde. Documento de referência para o Programa Nacional de Segurança do Paciente. Brasília: Ministério da Saúde, Fiocruz, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2014.,99 World Health Organization. Global patient safety action plan 2021–2030: towards eliminating avoidable harm in health care. Geneva: WHO; 2021.. Em especial, focalizou-se o conceito de dano ao paciente: “comprometimento da estrutura ou função do corpo e/ou qualquer efeito dele oriundo, incluindo-se doenças, lesão, sofrimento, morte, incapacidade ou disfunção, podendo, assim, ser físico, social ou psicológico”33 Brasil. Ministério da Saúde. Documento de referência para o Programa Nacional de Segurança do Paciente. Brasília: Ministério da Saúde, Fiocruz, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2014. (p. 7).

O local de captação de profissionais foi um hospital de referência de grande porte que atende por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), referência em pneumologia, infectologia, endocrinologia e diabetes, e referência nacional em Aids1010 Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH. Relatório de dimensionamento de serviços assistenciais. Brasília: EBSERH; 2014.. O cenário foi a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) adulto e a população foi de 55 profissionais, sendo 17 médicos, oito enfermeiros, três fisioterapeutas e 27 técnicos de enfermagem. A amostragem foi intencional1111 Polit DF, Beck CT. Fundamentos de pesquisa em enfermagem: avaliação de evidências para a prática de enfermagem. 9a ed. Porto Alegre: Artmed; 2019. e constituiu-se de 31 profissionais que anuíram em participar.

Destarte, foram inclusos os atuantes na assistência direta aos pacientes críticos nessa UTI, que aceitaram participar e com pelo menos seis meses de prática. Foram excluídos os profissionais de férias ou licença no período da coleta ou aqueles com impossibilidade para a entrevista.

Após a seleção, ocorreram negociações e entrevista agendada com cada depoente. Para coleta, entre março e abril de 2020, foi realizada uma entrevista de caráter individual com roteiro semiestruturado de cinco perguntas, a saber: “Como você avalia o processo de comunicação entre os profissionais da equipe, na qualidade da Segurança do Paciente?”; “Como você avalia o processo de notificação de eventos adversos?”; “Como ele é realizado?”; “Quanto à Segurança do Paciente, quais estratégias você tem adotado para minimizar a ocorrência de possíveis eventos?”; “Como você avalia a qualidade da comunicação dentro da equipe e como você pensa que poderia melhorar?”.

As entrevistas foram audiogravadas e transcritas para arquivos individuais do Microsoft Word. O local para realização das entrevistas foi a sala de recepção da UTI adulto, localizada no hall de entrada, respeitando a confidencialidade e a privacidade.

Para o tratamento dos dados foi utilizado o método de Análise de Conteúdo de três etapas1212 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.: 1) sistematização das ideias após a união dos arquivos individuais em um único arquivo matriz Microsoft Word; 2) unidades de registro e de contexto; 3) inferência e interpretação. Ressalta-se que, se bem aplicado, o método constrói inferências abrangentes sobre registros de comunicação verbal1313 Câmara RH. Análise de conteúdo: da teoria à prática em pesquisas sociais aplicadas às organizações. Gerais (Univ. Fed. Juiz Fora). 2013; 6(2):179-191.

14 Urquiza MA, Marques DB. Análise de conteúdo em termos de Bardin aplicada à comunicação corporativa sob o signo de uma abordagem teórico-empírica. Entretextos. 2016; 16(1):115-144.
-1515 Mendes RM, Miskulin RGS. A análise de conteúdo como uma metodologia. Cad Pesqui. 2017; 47(165):1044-1066..

Acrescentou-se, como critério para a análise, a meta internacional 2 da Segurança do Paciente para melhorar a comunicação entre profissionais33 Brasil. Ministério da Saúde. Documento de referência para o Programa Nacional de Segurança do Paciente. Brasília: Ministério da Saúde, Fiocruz, Agência Nacional de Vigilância Sanitária; 2014.. Priorizou-se na primeira parte do relatório o que vem sendo alcançado – quais são os canais efetivos de comunicação e estratégias para atingi-los na instituição; e na segunda parte, os empecilhos para a meta – fragilidades atitudinais, organizacionais e gerenciais na notificação e durante as transições de cuidado.

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do hospital, tendo aprovação número 3.950.322. Para confidencialidade, salienta-se que enfermeiros foram codificados como E (1, 2, 3, entre outros); médicos, como M (1, 2, 3, entre outros); fisioterapeutas, como F (1 e 2); e técnicos de enfermagem, como T (1, 2, 3, entre outros). Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e autorização para gravação de voz.

Resultados

Do aprofundamento da análise do arquivo matriz, com depoimentos dos oito enfermeiros, seis médicos, dois fisioterapeutas e 15 técnicos de enfermagem, surgiram duas macrocategorias, ramificadas em duas categorias cada uma.

Macrocategoria: Trabalho interprofissional e potencialidades para concretizar a comunicação

Categoria 1: Reconhecimento da melhoria da comunicação com o trabalho interprofissional

Foram corroboradas visões relacionadas à avaliação interprofissional do quadro clínico, bem como a continuidade da assistência e das ações coordenadas para evitar EA; um exemplo é a estratégia dos rounds que fortalecem a meta 2 da Segurança do Paciente.

Avalio como boa a comunicação, especialmente entre a equipe de enfermagem, médica e de fisioterapia, que eu acredito ser as mais atuantes no contato direto com o paciente, a gente sempre procura se ajudar em relação a esses procedimentos de segurança.

(F1)

São as visitas multiprofissionais, os rounds, eles são importantíssimos, porque quando a gente senta, conversa, reúne com toda a equipe a gente sabe um pouco mais desse paciente, sabemos as condutas a serem tomadas” amarramos” muitas coisas, fazendo com que essa comunicação seja falada por todos.

(E2)

A visita multidisciplinar é uma grande estratégia, pois permite avaliar o paciente como um todo, com todos os profissionais.

(E5)

Adotar uma comunicação eficaz e condutas como “falar a mesma língua”, “atitude de toda a equipe”, é dificultado quando a comunicação é apenas entre pares e não entre diferentes categorias, sinalizando um problema de hierarquia.

Com relação a comunicação para minimizar esses possíveis eventos adversos, a equipe precisa interagir, todos precisam falar a mesma linguagem, precisa ter conhecimento dos protocolos, do prontuário, a passagem de plantão, uma comunicação clara entre a equipe etc.

(E7)

Existem vários processos de comunicação, existe a comunicação dentro da categoria, no caso dentro da equipe de enfermagem, do fisioterapeuta, do médico e existe a comunicação entres as equipes de um setor e outro. Vejo que dentro da categoria de enfermagem nós temos dispositivos que nos auxiliam, como o próprio aplicativo do WhatsApp. Mas, dentro das categorias, vejo que temos um pouco mais de dificuldade, por exemplo, o técnico e o médico, o enfermeiro e o médico. Entre as categorias, acredito que seja mais proveitosa.

(Síntese E8 e T14)

Nós temos uma boa comunicação. Mas acredito que pode melhorar sim! Porque às vezes nós temos a questão da hierarquia, às vezes nós não temos uma comunicação de igualdade com todos os profissionais, por questão de achar que é superior, isso faz com que por muitas vezes a gente não se reporte a ele, nós calamos, e às vezes o que nós poderíamos falar seria de grande contribuição para aquele paciente. Então, ver a equipe como necessária é fundamental.

(T4)

Categoria 2: Estratégias para alcance da comunicação interprofissional efetiva

Como buscam fortificar o alcance da meta “Melhorar a comunicação entre profissionais”, reportam como ferramenta de comunicação não oficial o uso de aplicativos de mensagens instantâneas, algo benéfico no tocante à velocidade de comunicação do evento; porém, tal instrumento se caracteriza como informal e não está registrado na instituição. Isso leva a se comunicarem exclusivamente por via não oficial, por vezes até dando resolubilidade ao problema, contudo o EA não cumpre um fluxo interno na instituição, o que permitiria a sua avaliação.

A comunicação é muito boa, porque nos comunicamos a qualquer momento pelo “zap”. Problemas administrativos, nós podemos acionar nossa chefia a qualquer momento pelo “zap”. Em um momento da troca de plantão, nunca fica uma situação em que o colega deixa sem passar, sempre é passado muito bem o plantão. Além de que temos nosso prontuário de troca de plantão que passa todos os detalhes. Então, acho que é muito boa! Para melhorar, não sei te dizer nada assim.

(M3)

A gente tem uma perda aí, importante nessa qualidade de comunicação, mas a gente busca hoje em dia trocar informações inclusive como todos hoje em dia fazem através dessas mídias, através WhatsApp, por exemplo, Youtube.

(M5)

A comunicação que mais utilizamos aqui é o WhatsApp, mas não sabemos se conseguimos alcançar todos efetivamente, porque não sei se todos leem, não sei se as pessoas se mostram envolvidas dentro da unidade para que tenham uma comunicação efetiva.

(E4)

Há a proposta de uma comunicação intersetorial.

Outras estratégias que temos como dispositivo são a comunicação oral, as anotações no livro, os impressos de indicadores precisam ser melhorados, e outras estratégias seria sistema de fluxos, por exemplo, precisamos está nos comunicando entre um setor e outro para não errar, por exemplo “não tem determinado medicamento na farmácia e a farmácia não nos comunica que faltou esse medicamento” e o que acontece? O paciente fica alguns momentos sem fazer a medicação. Precisamos ir atrás da informação para melhorar nossa rotina, a informação teria que ser de mão dupla, faltou medicação a farmácia nos informaria para que assim o intensivista tome logo as providências.

(E8)

No sentido de organizar a assistência e proporcionar melhoria na comunicação do EA, a implantação de protocolos e checklist é citada como estratégia, perpassando pela identificação, pela comunicação em relação aos procedimentos seguros e no momento da passagem de plantão. Logo, haverá um maior respaldo profissional que norteará a segurança.

Agora o que poderia melhorar é através da implementação de protocolos de Segurança do Paciente, que não tem na UTI. Porque a equipe médica ela tem um bom conhecimento de segurança com o paciente que ela traz de fora como todos nós enfermeiros que trouxemos tudo de fora. O ideal seria ter um protocolo de identificação, comunicação e procedimentos seguros do paciente. Em termos de protocolo, acredito que deveria existir um protocolo estruturado de comunicação de eventos adversos do plantão, pois essas informações ficam muito no informal. Acredito que precisa ter um pouco mais de informação para saber por que estamos seguindo os protocolos, saber a importância dele para a equipe.

(Síntese M6, T10 e E3)

Além de protocolos já implementados, porque há quem diga que eles “endurecem” os procedimentos, mas eu vejo que é um caminho a ser percorrido, com as exceções, mas eles dão um norte e nos orientam sobre determinada conduta, às vezes acabamos pulando etapas, mas que por falta de um protocolo que solidifique e respalde aquele profissional acabamos pulando as etapas e um sistema, tem alguns hospitais que utilizam até aplicativos.

(E8)

Mas deveria existir um checklist.

(T6)

Treinamentos e palestras dentro do setor ou externamente são estratégias, contemplando instrumentos, feedbacks e conteúdos sobre como realizar notificação. É reforçada a deficiência no que tange a ativadores de Educação Permanente em serviço.

[...] promover mais cursos e eventos pensando mais na Segurança do Paciente. Então, acredito que deva melhorar mais no quesito formação da equipe que acredito que tenha que ser constante. Melhorar a comunicação é através de incentivos, incentivar esse tipo de palestra, incentivar esse tipo de orientação vindo da chefia.

(Síntese T2, E1 E F2)

Rotinas como os rounds não ficam fixadas de forma permanente devido a dificuldades institucionais, porém tais estratégias são mencionadas como melhoria da comunicação. As anotações para uma continuidade do cuidado e da comunicação são relatadas como fundamentais conforme registradas na passagem de plantão, inclusive existem sugestões de discussões sobre EA tão logo ocorram.

[...] fossem multiprofissionais ou as visitas que até então tinham, pois as visitas multiprofissionais ajudam muito nessa comunicação.

(F1)

Poderia melhorar se culturalmente fosse adotado por todos a visita à beira do leito de forma mais regular.

(M4)

Então, acredito que ampliar essa comunicação e essa passagem de plantão vai melhorar a qualidade da assistência ao paciente. Por exemplo, o resumo da passagem de plantão que os médicos têm, porque fica tudo anotado, é muito bom, assim não esquecemos de nada.

(T13)

Toda vez que acontece um evento adverso que vá prejudicar a Segurança do Paciente, logo em seguida, deveríamos nos reunir com a equipe e conversar sobre o assunto, mas, por conta do tempo corrido, acabamos não tendo essa dinâmica.

(E6)

Macrocategoria 2: Entraves, impedimentos e fragilidades

Categoria1: Entraves e fragilidades organizacionais e gerenciais que obstam a comunicação interprofissional

A ausência do formulário de passagem de plantão foi reportada e as categorias que têm o impresso não aderem a sua utilização de modo uniforme, reforçando as consequências de uma passagem de informação ou de uma comunicação ineficiente com e sem o formulário de passagem de plantão oficial. Citam, ainda, a falta de um modelo único interprofissional.

Aqui no hospital, por exemplo, não temos um formulário adequado de passagem de plantão. Então, às vezes, a gente acaba tendo falha de um dia pro outro, como já visualizamos, então essa segurança acaba ficando mais prejudicada.

(M1)

Acredito que precisava ter uma comunicação melhor. Porque, muitas das vezes na troca de plantão, a gente não consegue se comunicar direito, às vezes naquela pressa de ir para outro hospital, outra unidade...

(T2)

Olha, eu não percebo falhas, percebo equívocos [...] determinados instrumentos já característicos aqui já tentados de implementação na casa eles nem sempre são preenchidos como, por exemplo, no meu caso como médico os documentos de passar de plantão, que são instrumentos que podem nos auxiliar em determinado momento a não esquecer ou a nos lembrar determinadas coisas que a gente precisa fazer, dá continuidade, então esse é um exemplo de situações que poderiam melhorar, serem melhor aperfeiçoadas.

(M5)

Uma comunicação regular. Nós temos usado a passagem de plantão por escrito, registrando as informações importantes e as pendências. Mas infelizmente essa passagem não é feita por alguns profissionais.

(M4)

Na UTI do hospital, nós estamos no momento passando por um processo de falha na comunicação, não estamos com nenhum instrumento formal e oficial que nos possibilite esse processo de comunicação de forma eficaz. Nós temos passagem de plantão entre médicos, entre enfermeiros e fisioterapeutas, mas a passagem de plantão entre a equipe multidisciplinar não tem, o que faz com que existam algumas lacunas e isso deve ser melhorado.

(M6)

Notificar é descrito por alguns como fácil e outros desconhecem como fazer. Há questionamento quanto às melhorias em prol da Segurança do Paciente, visto que não observam o retorno por meio de feedback do setor responsável pela Segurança do Paciente.

O processo de notificação é um processo fácil de ser feito e bom. Nós temos na Intranet o Vigihosp que podemos utilizar, no entanto, ele não é utilizado por muitos da área assistencial. Alguns não sabem como realizar e outros não fazem porque não tem retorno da melhoria desse processo de cuidado da gestão.

(M4)

Penso que ainda estamos engatinhando nesse processo, pois muitas das vezes, nossa demanda é muito grande e acabamos na maioria das vezes não fazendo essa notificação.

(E6)

E por negligência dos profissionais e das chefias as notificações não são levadas a sério de uma forma geral, em todo hospital, ainda não é uma realidade que a pessoa acredite que vai melhorar alguma coisa. Porque quando fazemos o curso de notificação, eles sempre explicam que as notificações não são para prejudicar ninguém, pelo contrário as notificações servem para saber o que está acontecendo para que assim possamos melhorar.

(T13)

Não tenho como avaliar esse processo efetivamente, porque a minha orientação para os profissionais para tudo que eles percebem é usar o Vigihosp, e o resultado dele cai no hospital dentro da gerência de risco e nós não temos o retorno, quanto chefia, não temos retorno dessas notificações para que possamos melhorar os processos. Então, se o profissional que fez a notificação desse evento no Vigihosp, se ele não me comunicar em prol da melhoria no serviço, não temos como melhorar.

(E4)

A Segurança do Paciente é citada como frágil e essa fragilidade é associada a dificuldades da equipe em aceitar mudanças, não realização de treinamentos e falta de feedback que culminam em dificuldades. Há também uma associação dessas dificuldades de comunicação ao momento de pandemia.

O hospital ainda não veio com uma equipe, ainda não implementou protocolos e ainda não realizou treinamentos.

(E3)

Esse processo de comunicação considero deficiente, visto que, temos outro emprego não conseguimos passar a informação para aquele profissional que ficará com o paciente, por conta disso a comunicação não é efetiva.

(T9)

Às vezes, ocorre que alguém tem uma determinada informação dentro de uma categoria como a médica e não nos comunica. E, entre um setor e outro, por exemplo, outro dia ocorreu que o colega recebeu o paciente não sabia que ia vir um paciente porque o médico tinha a informação, mas não comunicou o enfermeiro e o setor de onde o paciente provinha não informou. Então, o técnico recebeu uma paciente que era contato (KPC), não sabia de que forma vinha, de que vinha, a equipe não estava paramentada adequadamente, e não sabia que vinha paciente não se preparando para recebê-la. Dentro da equipe conseguimos contornar algumas coisas por termos mais liberdade, mas fora dela não. Essa liberdade ajuda muito nesse processo e alguns colegas se sentem até inibidos de falar com alguns colegas médicos.

(E8)

Conseguimos trocar ideias com esses profissionais. Em relação aos profissionais de nível médio nós temos uma dificuldade, tem profissionais muito resistentes, não estou falando de casos específicos desse setor, mas no geral das UTIs. Muitas vezes vamos conversar com aquele profissional de coisas que ele está fazendo de errado e ele não tem a vontade de querer mudar de querer fazer o certo, o que é mais seguro para o paciente.

(E6)

No presente momento estamos passando por um retorno de uma pandemia que mudou muitas coisas dentro da rotina do hospital e da unidade, e estou, acredito que toda equipe, sentindo falta de retomada de rotinas perdidas a alguns meses atrás, como visitas multiprofissionais à beira do leito e discussões sobre o caso com todos participando, preenchimento de metas, checklist em bandos de prevenção de infecção etc. Então, no momento a qualidade da comunicação está ruim, no momento, e tem que melhorar retomando esses processos que ficaram a um tempo atrás parados antes dessa pandemia do Covid-19.

(M6)

Aqui no hospital antes a gente tinha um sistema em papel, passou-se a utilizar o sistema do Vigihosp, nesse sistema a gente relata o que aconteceu, e salva, tento o número do processo e tudo. Entretanto, o retorno, o feedback do que se passa com essas notificações, é que se tem um fio solto ao meu ver. Porque não temos um retorno do que acontece, não se tem um trabalho em cima disso, a gente não consegue. Não nos traz um retorno em cima disso para que se tenha melhorias.

(E1)

Categoria 2: Falhas nas notificações, medos e desconhecimento que permeiam a comunicação interprofissional

Os relatos sobre as falhas na notificação, seja de quase erros seja de EA graves, são frequentes e perpassam primordialmente pela deficiência no estabelecimento da meta 2 de comunicação interprofissional eficaz.

Essa notificação é muito falha. Respondendo à pergunta, não tem como avaliar algo que é inexistente.

(Síntese M6 e M2)

Vejo que, às vezes, esquecemos de algumas notificações importantes, que parecem simples, mas são importantes, por exemplo, o que nós consideramos de “quase erro” que praticamente não se notifica, porque pensamos “não correu o erro, então não precisa notificar”. Mas, se quase ocorreu foi algum processo de trabalho, de fluxo ou protocolo que falhou para que isso quase ocorresse, por exemplo, falhas na administração de antibióticos que foram administrados somente e metade ou que o monitor que quase caiu na cabeça do paciente, são erros que acabamos não comunicando porque não aconteceu o erro efetivamente. Temos as seis metas de prevenção de riscos com o paciente e a comunicação perpassa por todas elas, justamente porque sem ela não conseguimos alcançar o êxito na assistência ao paciente.

(E8)

Relatou-se que o medo de ser punido interfere na notificação dos EA, pois há deficiência de Educação Permanente reforçando a importância e o caráter mais educativo e preventivo dela. Ainda há associação desse medo ao vínculo trabalhista e a possíveis avaliações prejudiciais.

A nível de comunicação quando você tem dois vínculos é complicado, porque quando temos um vínculo como o da EBSERH que trabalha com uma empresa brasileira onde você avalia os profissionais mensalmente, as pessoas têm muito medo de falar que erram ou deixaram alguma falha.

(E4)

Existe muita carência nesse processo de notificação, na verdade, a maioria dos profissionais não faz a notificação dos eventos que acontecem consigo e com os outros de modo geral dentro da unidade. E, acredito que a maioria não se interessa, e além disso, a maioria dos profissionais acha que a notificação e um evento pode ser prejudicial...

(T13)

Esse processo de notificação de eventos adversos, nós falamos de forma verbal, já aconteceu algumas vezes o processo de notificação no Vigihosp. Mas não é rotina adotada ainda, talvez por medo de dedurar o colega.

(E5)

Isso não acontece. Não sei se o sistema trava, ou se é a questão de não ter um computador, são poucos computadores e ficamos “amarrados” na hora de fazer, não houve uma capacitação efetiva sobre a importância desse efeito adverso e como devemos notificar, melhorar e incentivar os profissionais. Porque eles ainda visualizam o evento adverso como algo punitivo, algo que se “eu notificar”, “eu falar”, “eu vou ser punida”, e isso tem que ser mudado. Pois, a notificação é algo essencial, tendo em vista que é através dela que saberemos onde devemos melhorar, quais são as metas a serem batidas, como eu devo trabalhar. Porque eu só evito que um evento aconteça quando eu sei qual é o problema. Se as pessoas não notificam, não sabemos qual é o problema...

(E2)

O desconhecimento do processo de notificação é citado como justificativa para a não realização.

Particularmente, eu não conheço.

(Síntese T6 e T11)

[...] já vi em outros hospitais os eventos adversos sendo notificados e tudo mais. Mas o daqui eu não sei te dizer.

(M3)

Tenho ouvido apenas quando acontecem as visitas multiprofissionais que o evento será notificado, mas não sei como é realizado, eu nunca fiz nenhuma notificação.

(T12)

Sinceramente, desconheço um pouco de como é feita essa notificação. Não recebi um treinamento adequado, pelo que sei ele é burocrático, tem que fazer no sistema, mas nunca foi mostrado a mim adequadamente como ele é feito. Quando noto alguma coisa, geralmente, eu me reporto à equipe de enfermagem.

(Síntese F1 e T10)

Discussão

A interação dá-se entre cada categoria profissional envolvida no processo do cuidar, bem como na comunicação de possíveis EA, e espera-se que todos compartilhem os diversos saberes em relação ao cuidado do paciente crítico agindo com respeito profissional, evitando a fragmentação assistencial, o que resvala em riscos na assistência prestada. Adotar uma comunicação mais eficaz garante um trabalho integrado para a redução de danos e melhora na qualidade da assistência; e para que essa união se estabeleça é exigido um conjunto de técnicas que visem manter o grupo unido e focado em objetivos comuns, que devem ser discutidos e realizados1616 Araujo Neto JDA, Silva ISP, Zanin LE, Paulo Andrade A, Moraes KM. Profissionais de saúde da unidade de terapia intensiva: percepção dos fatores restritivos da atuação multiprofissional. Rev Bras Promoç Saude. 2016; 29(1):43-50..

Portanto, percebe-se que a hierarquia dentro de uma equipe estabelece grandes obstáculos para a comunicação como referenciado na primeira categoria, não sendo apenas entre pares que “falam a mesma língua”, pois a curto prazo produzirá, entre os profissionais, conflitos, disputas e interferência nas condutas deliberadas interprofissionalmente. A micropolítica hierárquica gera muitos conflitos entre os membros e acarreta prejuízo e dano ao atendimento dispensado e, a longo prazo, ao emocional desse grupo1616 Araujo Neto JDA, Silva ISP, Zanin LE, Paulo Andrade A, Moraes KM. Profissionais de saúde da unidade de terapia intensiva: percepção dos fatores restritivos da atuação multiprofissional. Rev Bras Promoç Saude. 2016; 29(1):43-50..

Outro achado importante é a clareza no sentido de as notificações não possuírem teor punitivo. A organização e a chefia imediata devem fornecer treinamentos e esclarecimentos, bem como influenciar positivamente o engajamento do grupo para utilizar as notificações e trazer melhorias ao cuidado, e não endossar o viés punitivo, reforçando os receios e inseguranças que interferem inclusive no desejo dos profissionais de notificarem. A cultura de segurança institucional precisa estar alinhada com o comprometimento atitudinal dos profissionais, principalmente de gestores e chefias, criar confiabilidade, propiciar aos depoentes a comunicação de forma clara e sem receios e relatar as falhas, garantindo uma cultura de segurança baseada na melhoria da assistência e das relações interprofissionais1717 Teodoro RFB, Silva ASD, Carreiro MDA, Bilio RDL, Paula DGD. Análise da notificação de eventos adversos através da pesquisa de cultura de segurança do paciente. Rev Pesqui (Univ. Fed. Estado Rio J.). 2020; 12:468-475..

A complexidade das atividades exigidas dentro de uma UTI adulto acarreta um aumento da carga de trabalho, seja ele realizado diretamente ao paciente, seja ele mais burocrático, e a isso se soma o uso de um conhecimento e equipamentos/ aparatos mais específicos dentro da unidade, o que aumenta a dinâmica e a especificidade desse cuidar, criando mais possibilidades de danos1616 Araujo Neto JDA, Silva ISP, Zanin LE, Paulo Andrade A, Moraes KM. Profissionais de saúde da unidade de terapia intensiva: percepção dos fatores restritivos da atuação multiprofissional. Rev Bras Promoç Saude. 2016; 29(1):43-50..

A comunicação quando não é efetiva pode propiciar vários EA durante o processo do cuidar. Essa comunicação é mais bem norteada empregando-se protocolos, checklists e rounds usados para engajar a equipe e agregar as ações, expandindo as notificações dos EA e colaborando para a segurança1818 Silva MVO, Caregnato RCA. Unidade de Terapia Intensiva: Segurança e monitoramento de eventos adversos. Rev Enferm UFPE on line. 2019; 13:e239368. Doi: https://doi.org/10.5205/1981-8963.2019.239368.
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, compreensão que foi devidamente expressa pelos depoentes.

O round – chamado de visita da equipe multiprofissional ou interprofissional –, é uma ferramenta utilizada pelos profissionais para discutir os casos clínicos de cada paciente à beira do leito, internados em uma UTI. Durante essas visitas, todos os profissionais das diversas categorias que compõem a equipe podem participar expondo suas expertises e tirando dúvidas sobre os casos, para conhecer integralmente o problema e discutir condutas. Nesse momento, são também elaboradas metas diárias que são dispostas em um checklist, que vai sendo revisto/eliminado a cada resolução ou propósito alcançado. Essa ferramenta une a equipe em um mesmo objetivo terapêutico para cada paciente, agrega os saberes e compartilha decisões, transformando toda parte do cuidado integral em busca da qualidade da assistência e manutenção da Segurança do Paciente dentro da UTI.

Durante a passagem de plantão, é essencial a comunicação eficaz mantendo o cuidado seguro, fornecendo informações importantes e compartilhando saberes. Na unidade estudada, isso ocorre com a utilização de um impresso individual dos médicos, dos enfermeiros e dos fisioterapeutas na passagem de plantão entre os turnos; os técnicos de enfermagem utilizam a comunicação verbal nessa atividade. Esse processo durante as trocas de plantões, quando não realizado de maneira adequada interprofissionalmente, é perigoso causando a ocorrência dos EA1919 Gonçalves MI, Rocha PK, Souza S, Tomazoni A, Dal Paz BP, Souza AIJ. Segurança do paciente e passagem de plantão em unidades de cuidados intensivos neonatais. Rev Baiana Enferm. 2017; 31(2):e17053..

O padrão de comunicação, baseado no repasse de informação por categorias profissionais e no modelo clínico biomédico, é restritivo ao cuidado, pois torna as rotinas e tarefas diferenciadas e fragmentadas, e essa separação de saberes e fazeres interfere no trabalho da UTI prejudicando a qualidade e a integralidade2020 Noce LGDA, Oliveira TSD, Melo LC, Silva KFB, Parreira BDM, Goulart BF. Relações interprofissionais de uma equipe de assistência ao paciente em cuidados críticos. Rev Bras Enferm. 2020; 73(4):e20190420..

Corrobora-se a existência de severas dificuldades para a comunicação interprofissional, e uma das apuradas pelo estudo foi o desconhecimento. Logo, construir um panorama propício com ambientes éticos de diálogo promotor da conexão e da agregação para articular as ações, é fundamental, favorável à comunicação interprofissional e não dependente unicamente da gestão, mas também do desejo de a equipe dirimir os obstáculos permitindo o crescimento dessa estratégia na UTI2121 Silva Barros ER, Ellery AEL. Colaboração interprofissional em uma unidade de terapia intensiva: desafios e possibilidades. Rev Rene. 2016; 17(1):10-19..

Destarte, a comunicação assegura transições para o cuidado, caracterizando-se como um grupo de ações com a finalidade de organizar e promover o prosseguimento dos cuidados na transferência intra-hospitalar, temporária ou definitiva; na inter-hospitalar; e na passagem de plantão. Um dos achados foi o emprego de aplicativos de mensagens instantâneas para comunicação do EA, um fenômeno que ainda deve ser mais bem explorado pela literatura quanto ao ônus e ao bônus.

Como Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), o WhatsApp é citado como um canal (estratégia) apreciado pela equipe para se comunicar com repasses de informações gerais. Na instituição, grupos são criados entre categorias distintas de maneira informal e estabelecendo-se como canais; porém, pela pesquisadora principal ser do setor, informa-se que não há um grupo criado com a unificação da equipe. Essa tecnologia rápida e prática precisa estar definida dentro de um protocolo da instituição, bem como devem ser feitas a regulação e a limitação daquilo que pode ser repassado via aplicativo.

O Vigihosp é um aplicativo desenvolvido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), sendo citado pelos depoentes. Ele informatiza e centraliza o acompanhamento das notificações de EA, de incidentes sem dano, quase erros, circunstâncias notificadas, queixas técnicas e doenças de notificação compulsória que ocorrem nos hospitais universitários sob sua gerência. A notificação é de responsabilidade de qualquer profissional.

Tal instrumento precisa ser divulgado de maneira mais efetiva dentro do setor, com Educação Permanente, orientações e devolutiva dos resultados, sempre desmistificando o processo e seu objetivo maior. Ele vem sendo usado em outras realidades assistenciais de forma bem-sucedida, como na notificação de flebite, permitindo averiguar sua incidência,2222 Mota RS, Silva VA, Mendes AS, Souza Barros Â, Santos OMB, Gomes BP. Incidência e caracterização das flebites notificadas eletronicamente em um hospital de ensino. Rev Baiana Enferm. 2020; 34:e35971. e na notificação de informações equivocadas relativas a exames laboratoriais e administração de medicação2323 Silva JA, Pinto FCM. Avaliando o impacto da estratégia de segurança do paciente implantada em uma unidade de clínica médica de um hospital universitário sob a perspectiva da dimensão da atenção à saúde. Rev Adm Saude. 2016; 17(66):1-15. Doi: http://dx.doi.org/10.23973/ras.66.10.
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Observa-se, portanto, que as causas mais frequentes para a ocorrência de EA estão relacionadas ao processo de comunicação ineficaz, falta de conhecimento quanto à notificação, problemas institucionais, hierarquização, falta de execução de protocolos de segurança e da almejada Educação Permanente em serviço. Como limitação do estudo, reporta-se que os depoimentos não sofreram nenhum tipo de correlação com tempo de UTI de cada participante, ponto que reforçaria a análise de conteúdo realizada.

Considerações finais

Evidenciou-se que, na percepção dos depoentes, a comunicação na equipe interprofissional é fundamental na desmistificação dos processos que envolvem a notificação dos EA dentro das particularidades da Terapia Intensiva adulto. A comunicação interprofissional parece selada entre pares, respeitando a categoria profissional e distanciando-se da interprofissionalidade.

Com base nos seus conhecimentos, a equipe consegue identificar as fragilidades do setor; assim, por meio do conceito de Dano e da meta internacional 2, “Melhorar a comunicação” desvelou-se a transição do cuidado deficiente, o desconhecimento de como notificar, o medo de punições, as falhas na comunicação e a descontinuidade das medidas de segurança criadas (checklist e rounds).

A pesquisa conheceu uma equipe com (des)conhecimentos de como comunicar EA e as melhorias que os processos bem estruturados promovem na Segurança do Paciente, sendo um fator positivo e facilitador na adesão da cultura de segurança. A gestão precisa criar estratégias de Educação Permanente e sondar seus possíveis ativadores em serviço dentro dessa equipe, valendo-se de treinamentos, manutenção e formalização dos processos instituídos para melhoria do cuidado, como a título de exemplo o WhatsApp, assim incentivando o envolvimento no processo para melhoria da assistência prestada.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2021
  • Aceito
    12 Maio 2022
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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