Práticas discursivas acerca do poder decisório da mulher no parto

Prácticas discursivas sobre el poder de decisión de la mujer en el parto

Rejane Araújo Mauadie Adriana Lenho de Figueiredo Pereira Juliana Amaral Prata Ricardo José Oliveira Mouta Sobre os autores

Resumos

Este artigo analisou o poder decisório da mulher no parto expresso nas práticas discursivas de enfermeiras e médicos residentes da área de obstetrícia. Estudo qualitativo com 22 residentes de uma maternidade. Os dados foram coletados por meio de entrevistas e submetidos à análise do discurso à luz de Michel Foucault. As práticas discursivas enfocam o controle dos riscos e a normalização do comportamento cooperativo da parturiente, culminando em restrições no poder decisório das mulheres. Também valorizam a humanização do parto, por meio do protagonismo e da corresponsabilização feminina, o que tensiona o saber-poder médico. Evidenciou-se que há ancoragem na medicalização, reproduzida pelo ensino de obstetrícia, e na lógica neoliberal, associando o autogoverno das mulheres ao consumo. Autonomia e saúde como direitos precisam ser fortalecidos pelos atores sociais do ensino e da assistência em obstetrícia.

Palavras-chave
Autonomia pessoal; Parto; Capacitação de recursos humanos em Saúde; Humanização da assistência; Política de Saúde


Este artículo analizó el poder de decisión de la mujer en el parto expresado en las prácticas discursivas de enfermeras y médicos residentes del área de obstetricia. Estudio cualitativo con 22 internos de una maternidad. Los datos se colectaron por medio de entrevistas y se sometieron a análisis del discurso a la luz de Michel Foucault. Las prácticas discursivas enfocan el control de los riesgos y la normalización del comportamiento cooperativo de la parturienta, culminando en restricciones del poder de decisión de las mujeres. También evalúan la humanización del parto, por medio del protagonismo y de la corresponsabilización femenina, lo que causa tensión sobre el saber-poder médico. Se puso en evidencia que hay anclaje en la medicalización, reproducida por la enseñanza de la obstetricia y en la lógica neoliberal, asociando el autogobierno de las mujeres al consumo. La autonomía y la salud como derechos precisan ser fortalecidas por los actores sociales de la enseñanza y de la asistencia en obstetricia.

Palabras clave
Autonomía personal; Parto; Capacitación de recursos humanos en salud; Humanización de la asistencia; Política de salud


Introdução

O empoderamento das mulheres e a saúde reprodutiva são interesses globais desde a Plataforma de Ação de Pequim em 1995. No entanto, considerando que nenhum país conseguiu alcançar a igualdade de gênero, esses temas permanecem entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 203011 Darteh EKM, Dickson KS, Doku DT. Women’s reproductive health decision-making: a multi-country analysis of demographic and health surveys in sub-Saharan Africa. PLoS One. 2019; 14(1):e0209985. Doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0209985.
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Primordial ao desenvolvimento social, econômico e sustentável, a autonomia feminina é influenciada pelas desigualdades de gênero e pelo contexto social, que interferem na tomada de decisão em saúde reprodutiva e na liberdade de fazer escolhas livres e conscientes11 Darteh EKM, Dickson KS, Doku DT. Women’s reproductive health decision-making: a multi-country analysis of demographic and health surveys in sub-Saharan Africa. PLoS One. 2019; 14(1):e0209985. Doi: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0209985.
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,22 Nieuwenhuijze M, Leahy-Warren P. Women’s empowerment in pregnancy and childbirth: a concept analysis. J Nurse Midwifery. 2019; 78:1-7. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.07.015.
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. O poder da mulher para se posicionar e decidir é importante para o alcance de melhorias na saúde materna e neonatal, com impactos sobre o bem-estar psicológico, os desfechos do parto e a adaptação ao papel materno22 Nieuwenhuijze M, Leahy-Warren P. Women’s empowerment in pregnancy and childbirth: a concept analysis. J Nurse Midwifery. 2019; 78:1-7. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.07.015.
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,33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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A experiência positiva na parturição é propiciada quando as mulheres ocupam a centralidade da assistência e estão envolvidas nas decisões do cuidado, em um ambiente seguro e com profissionais de saúde empáticos e competentes. Porém, o baixo controle das mulheres em ambientes com discriminação de gênero e práticas culturais restritivas à sua autonomia estão associados a piores resultados de saúde22 Nieuwenhuijze M, Leahy-Warren P. Women’s empowerment in pregnancy and childbirth: a concept analysis. J Nurse Midwifery. 2019; 78:1-7. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.07.015.
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3 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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-44 Clesse C, Lighezzolo-Alnot J, Lavergne S, Hamlin S, Scheffler M. The evolution of birth medicalization: a systematic review. J Nurse Midwifery. 2018; 66:161-167. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2018.08.003.
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No Brasil, as mulheres têm dificuldades de exercer a sua autonomia na parturição por fatores culturais relacionados às desigualdades de gênero e ao modelo de atenção obstétrica, caracterizado pelo uso rotineiro de intervenções desnecessárias, sob o argumento de tornar o parto mais seguro55 Tempesta GA, França RL. Nomeando o inominável. A problematização da violência obstétrica e o delineamento de uma pedagogia reprodutiva contra-hegemônica. Horiz Antropol. 2021; 27(61):257-290. Doi: https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000300009.
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. Ademais, ressalta-se a influência da medicalização nesse processo, que transformou questões cotidianas da vida em objetos do saber biomédico, trazendo consigo a institucionalização e a concepção higienista, comentada por Michel Foucault ao analisar o controle social associado ao poder médico, contribuindo para reflexões acerca das relações entre gênero masculino e medicalização, desmedicalização e concepção natural do parto44 Clesse C, Lighezzolo-Alnot J, Lavergne S, Hamlin S, Scheffler M. The evolution of birth medicalization: a systematic review. J Nurse Midwifery. 2018; 66:161-167. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2018.08.003.
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A medicalização constituiu a visão do corpo feminino como defeituoso e despreparado para parir e do parto como um evento potencialmente perigoso e patológico. Nessa perspectiva, as relações de poder e os fenômenos se ancoram no paradigma biomédico, cuja lógica estruturante é curativa, individualista, mercantil, excludente e masculina33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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4 Clesse C, Lighezzolo-Alnot J, Lavergne S, Hamlin S, Scheffler M. The evolution of birth medicalization: a systematic review. J Nurse Midwifery. 2018; 66:161-167. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2018.08.003.
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-55 Tempesta GA, França RL. Nomeando o inominável. A problematização da violência obstétrica e o delineamento de uma pedagogia reprodutiva contra-hegemônica. Horiz Antropol. 2021; 27(61):257-290. Doi: https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000300009.
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A crítica feminista considera que o controle social é um elemento central na medicalização dos processos reprodutivos e da saúde das mulheres33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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4 Clesse C, Lighezzolo-Alnot J, Lavergne S, Hamlin S, Scheffler M. The evolution of birth medicalization: a systematic review. J Nurse Midwifery. 2018; 66:161-167. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2018.08.003.
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-55 Tempesta GA, França RL. Nomeando o inominável. A problematização da violência obstétrica e o delineamento de uma pedagogia reprodutiva contra-hegemônica. Horiz Antropol. 2021; 27(61):257-290. Doi: https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000300009.
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. Sobre esse controle, Foucault66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.

7 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.

8 Foucault M. Arqueologia do saber. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2008.
-99 Foucault M. A ordem do discurso. 13a ed. São Paulo: Loyola; 2006. analisa que a medicalização da vida se baseia em relações de poder e envolve um “ideal de saúde” veiculado no discurso sanitário. Neste, o saber é a autoridade assegurada pelo poder sobre a vida, denominado biopoder, que se manifesta em formas de saber implícitas no processo de medicalização social e transformação do hospital em instrumento terapêutico66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.. O aparelhamento desse local com mecanismos disciplinares repercute na perda da autonomia do indivíduo, que assume o papel de paciente66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.,1010 Furtado RN, Camilo JAO. The concept of biopower in Michel Foucault’s Thoughts. Rev Subj. 2016; 16(3):34-44. Doi: https://doi.org/10.5020/23590777.16.3.34-44.
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Nesse sentido, os discursos profissionais tendem a persuadir e controlar o comportamento das mulheres no parto, submetendo-as a práticas inadequadas, abusivas e desrespeitosas. Ressalta-se que esses discursos são construídos desde a formação profissional na área obstétrica, quando o ensino prático privilegia os cenários hospitalares com mulheres internadas para o parto1111 Diniz SG, Niy DY, Andrezzo HAA, Carvalho PCA, Salgado HO. The vagina-school: interdisciplinary seminar on violence against woman in the teaching of the health professions. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):253-259. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0736.
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,1212 Diniz GS, Rattner D, d’Oliveira AFPL, Aguiar JM, Niy DY. Disrespect and abuse in childbirth in Brazil: social activism, public policies and providers’ training. Reprod Health Matters. 2018; 26(53):19-35. Doi: https://doi.org/10.1080/09688080.2018.1502019.
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Considerando que essa formação pode ser influenciada por discursos que interferem nas possibilidades de decisão das mulheres durante a parturição, questionou-se: como o poder decisório da mulher no parto se constitui nos discursos de enfermeiras e médicos que estão em qualificação na área obstétrica?

O presente estudo objetivou analisar o poder decisório da mulher no parto expresso nas práticas discursivas de enfermeiras e médicos residentes da área de obstetrícia.

Metodologia

Trata-se de um estudo qualitativo realizado em uma maternidade pública do município de Rio de Janeiro, localizada na zona oeste e que oferece assistência às gestantes de “risco habitual” e àquelas com risco associado, atendendo, majoritariamente, mulheres provenientes de classes populares.

A escolha desse cenário de pesquisa se justifica, pois a referida instituição sedia um programa de residência médica e dois de Enfermagem na área de obstetrícia. Com registro no Ministério da Educação, o primeiro programa é coordenado pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), enquanto os de Enfermagem obstétrica são gerenciados por duas universidades públicas, em parceria com a SMS.

Os participantes foram 11 enfermeiras residentes de Enfermagem obstétrica e 11 médicos residentes de obstetrícia. Como critério de inclusão, adotou-se: estar matriculado como residente em programas de residência médica e de Enfermagem na área de obstetrícia. Excluíram-se os residentes em estágio optativo, que corresponde ao período de aprendizado prático em instituição diferenciada do local-sede do programa de residência.

A captação dos participantes iniciou-se com o levantamento da relação nominal e setor de lotação dos residentes de Enfermagem e Medicina no centro de estudos da unidade. Posteriormente, uma das pesquisadoras abordou todas as 11 enfermeiras e os 12 médicos residentes lotados na maternidade durante o período de coleta de dados, de abril a junho de 2017. Ressalta-se que não havia profissionais em estágio optativo na maternidade e que um médico do primeiro ano do programa de residência manifestou recusa à participação.

Entre os 22 participantes do estudo, vinte tinham entre vinte a 29 anos de idade. Todas as enfermeiras eram mulheres e o grupo de médicos era composto por seis mulheres e cinco homens. Neste estudo, optou-se pela designação do gênero masculino aos participantes da profissão médica. Quanto à formação, a maioria (sete) das enfermeiras cursou a graduação em universidade pública, enquanto todos os médicos eram oriundos de universidade privada. Entre as enfermeiras, oito estavam no primeiro ano de residência (R1) e as demais no segundo ano do programa (R2). Quanto aos médicos residentes, cinco cursavam o R1, três estavam no R2 e três, no terceiro ano do programa (R3). Destaca-se que o programa de residência em Enfermagem obstétrica não possui o terceiro ano.

As entrevistas individuais foram conduzidas com apoio de um roteiro semiestruturado dividido em duas partes: a primeira possuía questões acerca da idade, instituição de realização da graduação e o ano do programa de residência que estava cursando; e a segunda, perguntas abertas acerca das possibilidades, limites e situações envolvidas com o poder decisório da mulher na assistência ao parto. Destaca-se que o instrumento foi previamente testado e que ajustes não foram necessários.

As entrevistas tiveram a duração média de 22 minutos e foram realizadas por uma das autoras, mestranda na época, em local reservado fora do ambiente assistencial, na sala da equipe, a fim de evitar interrupções e constrangimentos. Os depoimentos foram gravados, por meio de aparelho MP3, e posteriormente transcritos.

O processo analítico foi ancorado na Análise do Discurso Foucaultiana (ADF), que usa técnicas convencionais de coleta de dados e analisa o conteúdo dos textos com enfoque no modo como foram construídos, ordenados e moldados em termos de sua situação social e histórica1313 Willig C. Introducing qualitative research in psychology. 2a ed. Buckingham: Open University Press; 2008. Adventures in theory and method; p. 112-142..

Para Foucault, o conhecimento está intimamente ligado ao poder, compreendido como um conceito produtivo e não simplesmente repressivo, pois opera como rede que permite ao conhecimento ser produzido e manifesto88 Foucault M. Arqueologia do saber. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2008.,99 Foucault M. A ordem do discurso. 13a ed. São Paulo: Loyola; 2006.,1313 Willig C. Introducing qualitative research in psychology. 2a ed. Buckingham: Open University Press; 2008. Adventures in theory and method; p. 112-142.. Já o discurso se refere às formas de pensar e falar sobre aspectos da realidade, sendo uma prática social que possui condições de produção definidas, as quais constroem quadros discursivos para pensar, escrever e falar sobre os aspectos dessa realidade1313 Willig C. Introducing qualitative research in psychology. 2a ed. Buckingham: Open University Press; 2008. Adventures in theory and method; p. 112-142..

Nessa perspectiva genealógica, a ADF possibilita analisar o saber em termos de estratégia e táticas de poder, pois o discurso está implicado no processo pelo qual os seres humanos são feitos sujeitos e, como resultado, orienta modos de ver o mundo particulares e modos de ser no mundo. Portanto, a ADF é interpretativa de relações e discursos de poder expressos em práticas discursivas, ou seja, o processo pelo qual a realidade em um dado momento histórico passa a ser construído sistematicamente pelas práticas de formulação de sujeitos/objetos, envolvendo sistemas que permitem o surgimento de enunciados, como eventos que manifestam efeitos constitutivos1313 Willig C. Introducing qualitative research in psychology. 2a ed. Buckingham: Open University Press; 2008. Adventures in theory and method; p. 112-142..

Operacionalmente, os textos transcritos foram lidos exaustivamente e os enunciados, selecionados e tematizados. Na sequência, procedeu-se a releitura dos enunciados com base nestes principais questionamentos: como o poder de decisão da mulher no parto se constitui nos discursos? Quais discursos são utilizados? Quais são as relações estabelecidas e as possibilidades de ação? Que posição os sujeitos ocupam? Por fim, procedeu-se a reflexão teórico-conceitual acerca do biopoder e saber-poder em Foucault para composição e recomposição temática.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa e, para preservar o anonimato, os depoimentos receberam a codificação pela categoria profissional, seguida pelo ano da residência e a ordem da concessão das entrevistas.

Resultados e discussão

Discursos de controle do risco

A medicalização fez com que a gravidez e o parto fossem vistos como fenômenos biológicos e de risco para a saúde materna e neonatal33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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. Com base nessa concepção, nota-se que os profissionais de saúde adotam atitudes intervencionistas, consideradas preventivas de possíveis complicações na parturição, ainda que estas não se mostrem como ameaças concretas:

[…] muitas vezes, é o médico acelerando um pouco o parto, por inexperiência ou medo de sofrimento fetal. Mas acho que tem muitas intervenções que fazemos que não são necessárias. Ainda temos muito medo de deixar o parto ocorrer normalmente.

(Médico R1/E1)

Aqui, eu acho que a mulher não tem muitas possibilidades de decisão. Quando ela entra no pré-parto com o desejo de ter um parto normal, isso é colocado em stand by. Mas, se tiver alguma evolução e se o médico resolver, vai intervir por mais que não seja realmente necessário.

(Enfermeira R2/E4)

Conforme verificado entre enfermeiras e médicos residentes, a incerteza e o medo de desfechos desfavoráveis e complicações ameaçadoras do bem-estar materno e fetal sustentam a recorrência da prática discursiva de controle do risco, que é produzida pelo saber-poder da medicalização, tornando inexorável o agir diante da probabilidade de eventos indesejáveis na assistência obstétrica33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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,55 Tempesta GA, França RL. Nomeando o inominável. A problematização da violência obstétrica e o delineamento de uma pedagogia reprodutiva contra-hegemônica. Horiz Antropol. 2021; 27(61):257-290. Doi: https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000300009.
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,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016..

Desde a obstetrícia moderna, o discurso biomédico sustenta que os corpos das mulheres são propensos a disfunções e, por isso, submetidos às tecnologias preventivas e curativas, para evitar que o funcionamento imperfeito implique em resultados perinatais negativos. Baseado nesse pressuposto, o monitoramento do trabalho de parto se configurou como uma norma assistencial para assegurar que o “produto” do corpo de risco da parturiente seja o nascimento saudável de um novo paciente1414 Davis DL, Walker K. Re-discovering the material body in midwifery through an exploration of theories of embodiment. J Nurse Midwifery. 2010; 26(4):457-462. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2008.10.004.
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Sob essa ótica, a noção de risco se configura como um instrumento na distinção entre o fisiológico e o patológico, concretizando-se em atitudes de controle do corpo grávido66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.. Assim, sob o argumento de segurança no parto, o hospital emerge como um espaço privilegiado no qual os profissionais se utilizam de regras, saberes e práticas para controlar o corpo das mulheres. Em outras palavras, é o poder disciplinar que se exerce, não necessariamente por via da coerção, mas por normas sociais implícitas que conduzem à disciplinarização dos corpos por meio da vigilância e do conhecimento33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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,1414 Davis DL, Walker K. Re-discovering the material body in midwifery through an exploration of theories of embodiment. J Nurse Midwifery. 2010; 26(4):457-462. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2008.10.004.
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. O controle do risco foi assim justificado:

Então, ela [a mulher] pode optar pelo parto vaginal, mas até o limite do sofrimento fetal [...], quando há uma cardiotocografia que a indique, devido à oligodraminia muito grave, pela falha na indução do parto normal, desproporção céfalo-pélvica ou placenta prévia. Acho que essas são as principais indicações e realmente ela não tem o direito de escolha, infelizmente.

(Médico R1/E17)

Considerando a postura de vigilância em razão da probabilidade de risco e não pelas contraindicações médicas para o parto normal mencionadas acima pelo residente, Foucault nos esclarece que a prontidão dos profissionais frente ao perigo iminente revela o poder disciplinar. Esse poder é operado pelo olhar simbolizado no panóptico de Jeremy Bentham, cuja arquitetura prisional constituiu o modelo de vigilância hierárquica para as instituições modernas, a exemplo de escolas, asilos e hospitais. A sensação constante de vigilância e o poder exercido através do “ver sem ser visto” fazem com que as pessoas se autodisciplinem66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016..

Destaca-se que a disciplina não envolve necessariamente coerção, mas é referência para classificação, diferenciação, hierarquização e exclusão de indivíduos considerados fora dos padrões de normalidade. Já a sanção normalizadora consiste na norma disciplinar, que qualifica e reprime um conjunto de comportamentos, assim como delimita a fronteira entre o normal e o anormal. A combinação entre o olhar hierárquico e a sanção normalizadora se materializa no exame, quando o indivíduo se transforma em um caso e, como tal, pode ser vigiado, descrito, mensurado, comparado e normalizado por meio de um ritual disciplinar66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.

7 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.
-88 Foucault M. Arqueologia do saber. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2008..

Verifica-se que esses mecanismos de poder estão presentes nas práticas discursivas dos residentes, pois, por meio da observação e de exames recorrentes, intervêm sobre a fisiologia feminina e impõem práticas obstétricas para produzir corpos dóceis e passíveis de serem manipulados sem contestações, a fim de mitigar a probabilidade de riscos de resultados maternos e perinatais indesejáveis. Na perspectiva das mulheres, ressalta-se que essas ações de disciplinarização dos corpos podem ser vislumbradas como uma punição, visto que interferem no exercício de seus direitos de escolha e decisão na assistência ao parto33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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,1111 Diniz SG, Niy DY, Andrezzo HAA, Carvalho PCA, Salgado HO. The vagina-school: interdisciplinary seminar on violence against woman in the teaching of the health professions. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):253-259. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0736.
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,1212 Diniz GS, Rattner D, d’Oliveira AFPL, Aguiar JM, Niy DY. Disrespect and abuse in childbirth in Brazil: social activism, public policies and providers’ training. Reprod Health Matters. 2018; 26(53):19-35. Doi: https://doi.org/10.1080/09688080.2018.1502019.
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Cabe ponderar que os discursos de controle do risco vêm sendo reproduzidos no âmbito do ensino de obstetrícia:

O foco no ensino [da graduação] era na intercorrência, quando o sangramento e o motor [contrações uterinas] não estão legais. A minha experiência foi com profissionais intervencionistas. Eu entendo que há necessidade de saber sobre a intercorrência, de agir no momento certo, mas eu penso que temos que acreditar na fisiologia.

(Enfermeira R2/E14)

A gente aprende [na residência] as situações de alerta e as emergências. O que você tem que ver e colocar sua orelha em pé. Eu acho que é isso que vemos mais.

(Médico R2/ E9)

Constata-se que, enquanto profissionais em formação, os próprios residentes estão sob efeito do poder disciplinar das instituições formadoras, as quais proporcionam a aquisição de competências, habilidades e atitudes, controlando o que se ensina e utilizando, predominantemente, a avaliação quantitativa baseada no número de procedimentos realizados em um período em detrimento de critérios qualitativos, que permitem o acompanhamento processual do desempenho1111 Diniz SG, Niy DY, Andrezzo HAA, Carvalho PCA, Salgado HO. The vagina-school: interdisciplinary seminar on violence against woman in the teaching of the health professions. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):253-259. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0736.
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.

No Brasil, a qualificação em obstetrícia prioriza o olhar hierárquico e a sanção normalizadora ao direcionar a formação para a aprendizagem de técnicas de observação e vigilância dos sinais do corpo no parto como elementos da prática clínica indispensáveis na tomada de decisão pelo uso de intervenções, especialmente no ambiente hospitalar55 Tempesta GA, França RL. Nomeando o inominável. A problematização da violência obstétrica e o delineamento de uma pedagogia reprodutiva contra-hegemônica. Horiz Antropol. 2021; 27(61):257-290. Doi: https://doi.org/10.1590/S0104-71832021000300009.
https://doi.org/10.1590/S0104-7183202100...
,1111 Diniz SG, Niy DY, Andrezzo HAA, Carvalho PCA, Salgado HO. The vagina-school: interdisciplinary seminar on violence against woman in the teaching of the health professions. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):253-259. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0736.
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,1212 Diniz GS, Rattner D, d’Oliveira AFPL, Aguiar JM, Niy DY. Disrespect and abuse in childbirth in Brazil: social activism, public policies and providers’ training. Reprod Health Matters. 2018; 26(53):19-35. Doi: https://doi.org/10.1080/09688080.2018.1502019.
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.

Portanto, o corpo feminino se mostra como um corpo útil que é percebido pelos profissionais como um objeto a ser manipulado, analisado, controlado e aperfeiçoado por meio de seu saber-poder. Sob essa ótica, o corpo é o lócus de atualização do poder e o hospital se configura como um ambiente de cura e instrumento de produção, acúmulo e transmissão do saber e, consequentemente, de poder66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016..

Nesse sentido, o risco funciona como um recurso cultural de objetivação e subjetivação por meio do qual os profissionais de saúde se inserem na rede de micropoderes existente no hospital, no qual atuam o biopoder, o poder disciplinar e o poder institucional. Esse último produz normas, rotinas, estrutura, hierarquia e burocracia que regem as relações de poder no âmbito da organização, determinando discursos para governar percepções, experiências e ações humanas66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.,1414 Davis DL, Walker K. Re-discovering the material body in midwifery through an exploration of theories of embodiment. J Nurse Midwifery. 2010; 26(4):457-462. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2008.10.004.
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,1515 Newnham EC, McKellar LV, Pincombe JI. Paradox of the institution: findings from a hospital labour ward ethnography. BMC Pregnancy Childbirth. 2017; 17(2):1-11. Doi: https://doi.org/10.1186/s12884-016-1193-4.
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.

A disciplina e a biopolítica são dimensões do exercício do biopoder. A biopolítica não está centrada no indivíduo, mas sim na população como um todo ou no corpo social. As questões biológicas relacionadas a nascimentos, mortes, saúde, doenças e descrições demográficas – a exemplo da raça, classe e gênero – passaram a ser administradas e ordenadas pelo governo. As formas de governar foram denominadas por Foucault de governamentalidade, compreendida como as técnicas de controle exercidas sobre os outros e as técnicas de si66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.

7 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.
-88 Foucault M. Arqueologia do saber. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2008..

Portanto, as práticas discursivas dos residentes expressam que o treinamento em serviço no hospital é operado pelo saber biomédico, que se manifesta como um discurso da verdade produzido e sustentado pelos sistemas de saber-poder, os quais determinam relações desiguais entre as mulheres e os profissionais33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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,44 Clesse C, Lighezzolo-Alnot J, Lavergne S, Hamlin S, Scheffler M. The evolution of birth medicalization: a systematic review. J Nurse Midwifery. 2018; 66:161-167. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2018.08.003.
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. Por outro lado, a normalização da prática clínica tende a ocorrer por meio de normas e protocolos, determinando tensões e hierarquias nas relações interprofissionais. Como persuasão de um ideal de saúde, a biopolítica da medicalização valoriza o risco e a gestão deste como modos de gerir a vida por meio de uma agenda e dinâmica própria de poder66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016..

Discursos de normalização do comportamento da mulher no parto

A normalização se refere à construção de formas idealizadas de conduta por meio do desenvolvimento e implantação de tecnologias de vigilância e controle66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.

7 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.
-88 Foucault M. Arqueologia do saber. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2008.. O ideal da “boa parturiente” emergiu nos discursos, ao ser esperado que ela apresente comportamentos de obediência, compreensão e cooperação com o profissional para o bom andamento da assistência. Esses discursos externalizam a subjetivação e a objetivação da mulher ao poder disciplinar, constituindo a sua subjetividade como passiva, dócil e obediente; e a objetivação do seu corpo pelo saber-poder profissional:

Ela tem que estar bem tranquila, relaxada e esperando por isso [parto normal]. É bom ela ser cooperativa e fazer força. Porque quando não é, não tem como a gente fazer o trabalho por ela.

(Médico R1/21)

Uma gestante que seja compreensiva e entenda que o que estamos falando para ela é o melhor, porque não queremos o pior para ninguém.

(Médico R1/E3)

Sobre essas formas idealizadas de conduta, as mulheres são particularmente afetadas pelas normas de gênero, que constroem modelos de comportamentos, atributos e papéis sociais. O gênero opera pela normalização de sujeitos masculinos e femininos e pelas intersecções com outros marcadores sociais, que envolvem relações de poder e produzem a subjetividade1616 Hay K, McDougal L, Percival V, Henry S, Klugman J, Wurie H, et al. Disrupting gender norms in health systems: making the case for change. Lancet. 2019; 393(10190):2535-2549. Doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)30648-8.
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. Paralelamente, características sociais criam hierarquias que mantêm as estruturas de poder, as quais se manifestam nos sistemas de saúde e produzem assimetrias entre indivíduos que podem ser mais apoiados e outros que têm maior probabilidade de serem destituídos de poder ou marginalizados1111 Diniz SG, Niy DY, Andrezzo HAA, Carvalho PCA, Salgado HO. The vagina-school: interdisciplinary seminar on violence against woman in the teaching of the health professions. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):253-259. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0736.
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,1212 Diniz GS, Rattner D, d’Oliveira AFPL, Aguiar JM, Niy DY. Disrespect and abuse in childbirth in Brazil: social activism, public policies and providers’ training. Reprod Health Matters. 2018; 26(53):19-35. Doi: https://doi.org/10.1080/09688080.2018.1502019.
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,1616 Hay K, McDougal L, Percival V, Henry S, Klugman J, Wurie H, et al. Disrupting gender norms in health systems: making the case for change. Lancet. 2019; 393(10190):2535-2549. Doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)30648-8.
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.

Essa lógica hierárquica está presente na assistência às mulheres no parto, pois é esperado que a parturiente se comporte de modo obediente e siga os comandos do profissional, submetendo-se à sua autoridade expressa no saber técnico. As desigualdades de gênero na sociedade, as rotinas hospitalares rígidas e o sistema hierárquico das profissões corroboram para que as mulheres sejam pouco apoiadas e tenham dificuldades em exercer os seus direitos e participar das decisões no parto, deixando-as mais expostas às situações de desrespeito, abusos e intervenções agressivas1111 Diniz SG, Niy DY, Andrezzo HAA, Carvalho PCA, Salgado HO. The vagina-school: interdisciplinary seminar on violence against woman in the teaching of the health professions. Interface (Botucatu). 2016; 20(56):253-259. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0736.
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,1212 Diniz GS, Rattner D, d’Oliveira AFPL, Aguiar JM, Niy DY. Disrespect and abuse in childbirth in Brazil: social activism, public policies and providers’ training. Reprod Health Matters. 2018; 26(53):19-35. Doi: https://doi.org/10.1080/09688080.2018.1502019.
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,1616 Hay K, McDougal L, Percival V, Henry S, Klugman J, Wurie H, et al. Disrupting gender norms in health systems: making the case for change. Lancet. 2019; 393(10190):2535-2549. Doi: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(19)30648-8.
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. A falta de apoio e autonomia das mulheres foram assim destacadas:

Quando a mulher entra na instituição, ela acaba tendo que seguir mais ou menos um padrão. Então, ela não tem muita opção ou se tem, a equipe pode ficar incomodada com as opções dela.

(Enfermeira R1/E8)

Para Foucault, o poder só se exerce sobre sujeitos livres, pois a liberdade, ao mesmo tempo em que é uma condição para a existência de relações de poder, possibilita o empreendimento de táticas de resistência às normas, instituições, técnicas e procedimentos, constituídos por meio de discursos e saberes como tecnologias de vigilância. Portanto, onde há poder, há estratégias de subversão66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.

7 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016.
-88 Foucault M. Arqueologia do saber. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2008..

Os comportamentos femininos resistentes às normas disciplinares causam tensões entre parturientes e profissionais, que reagem com táticas de controle expressas em regras institucionais, como é o caso da assinatura do termo de consentimento para responsabilizar a mulher pelos riscos de sua decisão, salvaguardando a si próprio de implicações éticas e jurídicas:

[…] se o neném estiver em risco de vida e a mãe quiser muito um parto normal, não pode! Vamos conversar com ela ao máximo! Se ela disser “Ah, não quero fazer cesárea de jeito nenhum!”, ela terá que assinar um termo ou alguma coisa assim.

(Médico R2/E9)

Nos processos de tomada de decisão sobre os cuidados, os indivíduos podem agir ativamente diante das tentativas dos profissionais de saúde em dominá-los. Nesse sentido, algumas gestantes adotam estratégias de resistência para manter algum controle sobre a situação, recorrendo à agregação de informações obstétricas, reprodutivas e sociais para evitar cuidados maternos desrespeitosos e proteger sua autonomia corporal1717 Schulz JL, Youn J. Monsters and madwomen? Neurosis, ambition and mothering in women lawyers in film. Law Cult Humanit. 2020; 16(3):411-431. Doi: https://doi.org/10.1177/1743872116673162.
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Quando as parturientes manifestam comportamentos exasperados frente à dor no trabalho de parto, estes são percebidos como inadequados pelos residentes médicos, pois representam um confronto explícito à disciplina por eles esperada. Nessas situações, as rotulam como histéricas, irracionais e desorientadas:

Elas chegam alucinadas, pedem para cortar e arrancar o bebê. Então, não dá para levar muito em consideração no momento de desespero, tem que ser num momento de frieza e racionalidade.

(Médico R1/E13)

Eu acho que, se ela pudesse escolher o que ela quer, ela iria agir do jeito ideal. Como elas não podem escolher e nem sempre querem um parto normal de jeito nenhum, aí agem com histeria e ficam estressadas.

(Médico R3/E12)

[…] aqui, como temos um público-alvo que é muito desorientado, elas não têm muita escolha, não sabem nem o que vai acontecer, quanto é a dilatação total. A gente explica, mas elas não entendem muito.

(Médico R2/E6)

Os discursos androcêntricos concebem uma feminilidade apropriada e produzem estereótipos quando os comportamentos das mulheres revelam resistência ao poder disciplinar, pois a histeria pode ser uma rebelião. A rotulagem de “histéricas” insinua que elas são inteiramente “corpo” e, por isso, agem de forma irracional e são incapazes de se conduzir pela razão ou lógica. Por outro lado, também pode sinalizar atitudes pouco sensíveis à dor na parturição, repercutindo em possíveis limitações na oferta de métodos, farmacológicos ou não, para o manejo da dor, sobretudo em maternidades públicas1717 Schulz JL, Youn J. Monsters and madwomen? Neurosis, ambition and mothering in women lawyers in film. Law Cult Humanit. 2020; 16(3):411-431. Doi: https://doi.org/10.1177/1743872116673162.
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,1818 McCabe K. Mothercraft: birth work and the making of neoliberal mothers. Soc Sci Med. 2016; 162:177-184. Doi: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.06.021.
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Ainda, os discursos dos residentes sugerem o intercruzamento entre gênero e classe social quando classificam as mulheres oriundas de segmentos populares como desprovidas de conhecimentos, desorientadas, incapazes de compreender os fenômenos do parto e, por conseguinte, de realizar escolhas e tomar decisões. A intersecção do gênero com as desigualdades sociais pode influenciar a forma como os profissionais de saúde percebem e interagem com as mulheres em trabalho de parto; e interferir em suas decisões clínicas e práticas obstétricas1717 Schulz JL, Youn J. Monsters and madwomen? Neurosis, ambition and mothering in women lawyers in film. Law Cult Humanit. 2020; 16(3):411-431. Doi: https://doi.org/10.1177/1743872116673162.
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,1818 McCabe K. Mothercraft: birth work and the making of neoliberal mothers. Soc Sci Med. 2016; 162:177-184. Doi: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.06.021.
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Questões de gênero e desigualdade social podem envolver restrições no acesso aos cuidados maternos e maior exposição às situações de discriminação na assistência. Os julgamentos morais sobre quem é “boa” ou “má” paciente tendem a ser incorporados durante a formação, especialmente em relação aos grupos socialmente desfavorecidos. A atitude de negar apoio às parturientes pode denotar a tentativa dos profissionais de manterem o seu poder, controle e autoridade sobre elas. O não fornecimento de informações também é outra forma de evitar que as mulheres participem ativamente das decisões e exerçam a sua autonomia no parto, demarcando-se assim o poder profissional a partir do saber biomédico33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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,1212 Diniz GS, Rattner D, d’Oliveira AFPL, Aguiar JM, Niy DY. Disrespect and abuse in childbirth in Brazil: social activism, public policies and providers’ training. Reprod Health Matters. 2018; 26(53):19-35. Doi: https://doi.org/10.1080/09688080.2018.1502019.
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,1717 Schulz JL, Youn J. Monsters and madwomen? Neurosis, ambition and mothering in women lawyers in film. Law Cult Humanit. 2020; 16(3):411-431. Doi: https://doi.org/10.1177/1743872116673162.
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Discursos da humanização do parto e protagonismo da mulher

Inicialmente direcionada à atenção obstétrica, a humanização se conformou como uma política pública transversal a todas as áreas programáticas do Sistema Único de Saúde (SUS)33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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. Portanto, a humanização é uma prática discursiva governamental que constitui uma forma particular de racionalidade, procedimentos técnicos e de instrumentalização para governar os cidadãos66 Foucault M. O nascimento da clínica. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2015.,77 Foucault M. Microfísica do poder. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2016..

A incorporação desses discursos nas políticas de saúde das mulheres produziu práticas discursivas que visam ampliar a responsabilidade destas sobre a sua vida reprodutiva, contemplar os ideais do nascimento natural, incentivar o protagonismo feminino, promover a maternidade e paternidade responsáveis e possibilitar a inclusão de outros atores na cena do parto, como acompanhantes, doulas, obstetrizes e enfermeiras obstétricas33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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,1717 Schulz JL, Youn J. Monsters and madwomen? Neurosis, ambition and mothering in women lawyers in film. Law Cult Humanit. 2020; 16(3):411-431. Doi: https://doi.org/10.1177/1743872116673162.
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Na perspectiva foucaultiana, o discurso abarca enunciados que definem condições de existências, dispositivos estratégicos de relações de poder e formas de subjetivação88 Foucault M. Arqueologia do saber. 7a ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária; 2008.-99 Foucault M. A ordem do discurso. 13a ed. São Paulo: Loyola; 2006.. Na atualidade, normas culturais e modos de especialização para governar os cidadãos são determinados pela lógica neoliberal dominante, inclusive no Brasil. Na saúde, o neoliberalismo se utiliza da concepção de individualização e autonomia, responsabilizando os sujeitos pela promoção e manutenção do seu bem-estar1717 Schulz JL, Youn J. Monsters and madwomen? Neurosis, ambition and mothering in women lawyers in film. Law Cult Humanit. 2020; 16(3):411-431. Doi: https://doi.org/10.1177/1743872116673162.
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,1818 McCabe K. Mothercraft: birth work and the making of neoliberal mothers. Soc Sci Med. 2016; 162:177-184. Doi: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.06.021.
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Os discursos do parto humanizado também valorizam a autonomia, a participação e a corresponsabilização das mulheres, assim como intentam modificar os modos de regulação do corpo e a subjetividade feminina por meio de práticas educativas que objetivam a instrumentalização para o exercício dos seus direitos e o desenvolvimento do cuidado de si e do bebê22 Nieuwenhuijze M, Leahy-Warren P. Women’s empowerment in pregnancy and childbirth: a concept analysis. J Nurse Midwifery. 2019; 78:1-7. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.07.015.
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Nessa ótica, os residentes externam discursos de valorização do poder de decisão e da autonomia das parturientes, destacando o seu papel educativo para que elas sejam capazes de fazer escolhas informadas e tomar decisões no parto:

Devemos empoderá-la [a mulher] para que ela possa conhecer o seu próprio corpo e o processo do parto. E, quando chegar o parto, que ela saiba o que está acontecendo com o seu corpo, ter essa autonomia de fazer o que quiser, se empoderar e ser a protagonista.

(Enfermeira R1/E18)

A gente sempre tem que orientar sobre tudo o que pode acontecer durante o parto [...]. Ela tem a decisão, o direito de escolha e pode optar por não induzir [o parto] e escolher, nesse caso, a via de parto.

(Médico R1/E21)

Na gravidez e no parto, a autonomia da mulher abarca atributos que determinam a autoeficácia e o poder relacionados ao controle de si mesma e às decisões que a afetam. Os atributos internos se referem à crença em suas próprias habilidades para alcançar objetivos significativos e agir sobre o contexto situacional. Os atributos externos são igualdade de gênero, informações qualificadas, facilitação de escolhas e decisões na assistência22 Nieuwenhuijze M, Leahy-Warren P. Women’s empowerment in pregnancy and childbirth: a concept analysis. J Nurse Midwifery. 2019; 78:1-7. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.07.015.
https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.07.0...
,1212 Diniz GS, Rattner D, d’Oliveira AFPL, Aguiar JM, Niy DY. Disrespect and abuse in childbirth in Brazil: social activism, public policies and providers’ training. Reprod Health Matters. 2018; 26(53):19-35. Doi: https://doi.org/10.1080/09688080.2018.1502019.
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Além disso, o exercício da autonomia requer um ambiente livre de violência, o reconhecimento dos direitos humanos das mulheres e a garantia de acesso aos recursos necessários à promoção da igualdade de gênero. Para tanto, ações educativas são essenciais para ampliar as capacidades da mulher em lidar com novas situações e desafios da gestação, parturição e maternidade, conferindo-lhe oportunidades para fazer escolhas, com confiança e livres de coerções22 Nieuwenhuijze M, Leahy-Warren P. Women’s empowerment in pregnancy and childbirth: a concept analysis. J Nurse Midwifery. 2019; 78:1-7. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.07.015.
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Como biopolítica, as normas e os protocolos de humanização do parto determinam a redução de cesarianas, intervenções excessivas e práticas sem respaldo científico33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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,44 Clesse C, Lighezzolo-Alnot J, Lavergne S, Hamlin S, Scheffler M. The evolution of birth medicalization: a systematic review. J Nurse Midwifery. 2018; 66:161-167. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2018.08.003.
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. Porém, essas recomendações, que externam o controle governamental sobre a assistência obstétrica, são percebidas pelos médicos residentes como cerceamento do seu saber-poder profissional e da liberdade de escolha da mulher quanto à via cirúrgica de parto, como explicam:

Esse negócio de parto normal a qualquer custo, que não pode fazer episiotomia, não pode ocitocina, não pode não sei o quê... Essas coisas existem para fazermos no momento certo. E ninguém sabe melhor o momento de fazer isso que o profissional.

(Médico R1/E3)

É poder escolher se ela [a mulher] quer cesárea ou analgesia peridural na rede pública. Eu vejo que tem muita relutância para se ter a peridural. Isso não deveria ser assim.

(Médico R3/E20)

Diferente do que acontece no particular, onde ficamos mais soltos, podemos até fazer a vontade da paciente e, às vezes, até o que achamos mais correto.

(Médico R1/E13)

Os residentes médicos vislumbram a política de humanização do parto como restritiva à sua autonomia profissional e à presumida liberdade que as mulheres têm de optar pela cesariana. Eles sugerem que as usuárias dos serviços públicos estão mais expostas às experiências de parto doloroso e com privação de analgesia, conforme relatado em estudos brasileiros33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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Portanto, nota-se a interconexão entre os discursos da medicalização do parto e da lógica neoliberal na saúde, uma vez que as práticas discursivas de cesariana e analgesia se apresentam como privilégio de consumo para aquelas que podem pagar por procedimentos que abreviam o sofrimento na parturição, ao qual as parturientes de maternidades públicas tendem a ser mais sujeitas33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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Em contraposição, as enfermeiras residentes produzem discursos alinhados à biopolítica da humanização, ao se colocarem na defesa da autonomia feminina e do parto normal como instintivo e natural:

Eu acho que nós [mulheres] somos donas do nosso corpo, sabemos parir e nossos filhos sabem nascer. Então, não necessariamente uma mulher tem que estar no hospital para conseguir parir. Ela pode sim escolher onde e como ela quer parir.

(Enfermeira R1/E1)

As enfermeiras obstétricas, obstetrizes e doulas tendem a desenvolver cuidados relacionados à promoção da saúde materna e ao preparo da mulher para o parto e a maternidade, desempenhando o papel de especialistas que exercem uma forma particular de poder para promover a capacitação e o “empoderamento” feminino. Nesse sentido, atuam como “especialistas em conduta” e neutralizam a cultura medicalizada, ampliando as opções para as parturientes e as responsabilidades destas sobre a saúde reprodutiva e resultados do parto1818 McCabe K. Mothercraft: birth work and the making of neoliberal mothers. Soc Sci Med. 2016; 162:177-184. Doi: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.06.021.
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Na atualidade, os discursos e as tecnologias de poder operam sobre as liberdades individuais. Baseada em concepções neoliberais, a governança da saúde estabelece normas culturais e modos de especialização para conduzir os indivíduos à otimização de suas competências de autogoverno. Para tanto, a expertise se configura na tecnologia-chave para fomentar a autorregulação por meio de interações educativas e regimes de comportamentos promotores da saúde guiados por especialistas33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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Nessa perspectiva, a liberdade e o poder de decisão da mulher são elementos importantes para o exercício da autonomia, que requer um ambiente protetor e promotor de seus direitos humanos e que reconheça as influências do contexto sociocultural, econômico e político no qual ela está inserida, pois a crença interna em si mesma é fundamental na experiência de “empoderamento”22 Nieuwenhuijze M, Leahy-Warren P. Women’s empowerment in pregnancy and childbirth: a concept analysis. J Nurse Midwifery. 2019; 78:1-7. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2019.07.015.
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Ainda que as políticas de saúde incentivem práticas discursivas humanizadas, as mulheres brasileiras enfrentam restrições do direito aos cuidados maternos dignos, respeitosos e baseados em evidências33 Warmling CM, Fajardo AP, Meyer DE, Bedos C. Práticas sociais de medicalização e humanização no cuidado de mulheres na gestação. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):e00009917. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-311x00009917.
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. Também encontram barreiras sistêmicas nos serviços obstétricos, como falta de protocolos; e ausência de orientações e infraestrutura inadequada, que limitam as possibilidades de experiências positivas no parto. Além disso, os entraves relativos às desigualdades sociais têm impactado especialmente as mulheres negras, de baixa renda e com menor escolaridade. Ademais, os hospitais privados são menos propensos à adesão de práticas com respaldo científico e iniciativas para a redução de cesáreas desnecessárias44 Clesse C, Lighezzolo-Alnot J, Lavergne S, Hamlin S, Scheffler M. The evolution of birth medicalization: a systematic review. J Nurse Midwifery. 2018; 66:161-167. Doi: https://doi.org/10.1016/j.midw.2018.08.003.
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Diante dessa realidade, movimentos sociais brasileiros em defesa do parto normal têm se mobilizado por uma assistência digna, respeitosa e promotora da autonomia feminina. Paralelamente, algumas mulheres têm demandado cuidados ao parto nos seus domicílios como alternativa à medicalização excessiva dos serviços públicos e privados. No entanto, essa escolha é possível entre aquelas com educação superior e renda para consumir planos de saúde1919 Guimarães RM, Silva RLPD, Dutra VGP, Andrade PG, Pereira ACR, Jomar RT, et al. Factors associated to the type of childbirth in public and private hospitals in Brazil. Rev Bras Saude Mater Infant. 2017; 17(3):571-580. Doi: https://doi.org/10.1590/1806-93042017000300009.
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Desse modo, o discurso da humanização corrobora para ampliar o senso de liberdade, responsabilidade e participação ativa feminina na assistência à saúde em contraposição ao controle do corpo, ao excesso de intervenções e à centralidade médica difundidos pelo discurso medicalizado. Porém, ambas as práticas discursivas abordam a possibilidade de oferecer alternativas baseadas no poder de compra individual das mulheres, como a cesariana eletiva e a analgesia para as beneficiárias de planos de saúde, a despeito das normativas governamentais; e a busca por capacitações para a parturição no domicílio, já que essa assistência não está disponível no SUS.

Essas possibilidades de consumo na atenção ao parto estão ancoradas na lógica individualista, consumista e apolítica, que acentua desigualdades em saúde e penaliza, em particular, mulheres que dependem unicamente dos serviços públicos, nos quais encontram oportunidades limitadas de opinar e decidir sobre os cuidados. Apesar dessas iniquidades serem amplamente conhecidas, constatou-se que os residentes tendem a naturalizá-las e a reproduzi-las.

Considerações finais

As práticas discursivas de enfermeiras e médicos revelam restrições ao poder de decisão da mulher no parto face ao biopoder, poder disciplinar e saber-poder profissional. Apesar de a medicalização permanecer como o discurso da “verdade” na obstetrícia, a política de humanização do parto valoriza o protagonismo feminino e constitui a subjetividade materna ativa, mas tensiona a autoridade profissional e incita atitudes de resistência, especialmente entre os médicos.

A lógica neoliberal na saúde subjaz aos discursos da medicalização e humanização do parto. Os primeiros defendem o saber-poder médico e evocam argumentos de maior liberalidade em relação à escolha da mulher pela cesariana. Já os segundos valorizam técnicas de preparo para o parto natural destinadas a desenvolver competências de autogoverno nas mulheres, mas também criam demandas de consumo por rotas assistenciais à margem do sistema de saúde, como o domicílio materno.

Esses resultados demonstram a complexidade da rede de relações de poder que constitui a obstetrícia brasileira e a tendência reprodutivista no campo do ensino, sinalizando que os direitos humanos das mulheres e os princípios do SUS devem ser problematizados e fortalecidos pelos atores sociais envolvidos na formação, gestão e assistência. Aventa-se também que a coexistência dos subsistemas público e privado, aliada ao ordenamento neoliberal de nossa sociedade, potencializa as desigualdades de gênero, classe e raça, bem como corrobora a manutenção dos desafios da política de humanização do parto.

Ressalta-se ainda que a presente pesquisa apresenta limites por analisar discursos de um grupo particular de enfermeiras e médicos que estão se especializando em obstetrícia e pela duração média das entrevistas, que pode ter limitado a apreensão de práticas discursivas complementares. Essas limitações impossibilitam a generalização dos seus resultados, mas acredita-se no seu potencial analítico para promoção de uma reflexão crítica em cenários e contextos semelhantes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2022
  • Aceito
    20 Maio 2022
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br