Epidemiologia e pandemia de Covid-19: oportunidades para rever trajetórias e planejar o futuro

Epidemiología y pandemia de Covid-19: oportunidades para revisar trayectorias y planear el futuro

Guilherme Loureiro Werneck Sobre o autor

Resumos

A pandemia de Covid-19 provocou modificações substanciais em diversas esferas da vida acadêmica. A Epidemiologia pode utilizar as experiências acumuladas nesse período como oportunidade para planejar seu futuro. O enfrentamento de uma pandemia exige a produção de teorias explicativas sobre o processo pandêmico e sua expressão desigual na população. Nesse sentido, a Epidemiologia necessita fortalecer seus fundamentos científicos e reconhecer os valores e limites de suas abordagens. Nesse caminho, é essencial o fortalecimento dos elos com outras disciplinas. Um novo modelo de ensino pode ser produzido por meio das experiências ao longo da pandemia, integrando conteúdos transversais, como a preparação para a resposta a desastres naturais e de origem tecnológica, incluindo epidemias e pandemias e a comunicação científica. O ensino da Epidemiologia precisa ser contextualizado com as bases da Saúde Coletiva, reforçando seu compromisso com a tradução e a aplicação do conhecimento para a melhoria da saúde e da vida das pessoas.

Palavras-chave
Epidemiologia; Pandemia; Covid-19; Ensino; Epidemiologia em desastres


La pandemia de Covid-19 causó modificaciones substanciales en diversas esferas de la vida académica. La epidemiología puede utilizar las experiencias acumuladas en este período como oportunidad para planear su futuro. El enfrentamiento de una pandemia exige la producción de teorías explicativas sobre el proceso pandémico y su expresión desigual en la población. En ese sentido, la epidemiología necesita fortalecer sus fundamentos científicos y reconocer los valores y límites de sus abordajes. En este camino es esencial el fortalecimiento de los eslabones con otras asignaturas. Es posible producir un nuevo modelo de enseñanza a partir de las experiencias en el transcurso de la pandemia, integrando contenidos transversales, tales como la preparación para la respuesta a desastres naturales y de origen tecnológico, incluyendo epidemias y pandemias y la comunicación científica. La enseñanza de la epidemiología tiene que contextualizarse con las bases de la salud colectiva, reforzando su compromiso con la traducción y aplicación del conocimiento para la mejora de la salud y de la vida de las personas.

Palabras clave
Epidemiología; Pandemia; Covid-19; Enseñanza; Epidemiología en desastres


Introdução

O Dicionário de Epidemiologia, editado pela International Epidemiologic Association, propõe a seguinte definição para Epidemiologia: “o estudo da ocorrência e distribuição de eventos, estados e processos de ou relacionados à saúde em populações específicas, incluindo o estudo dos determinantes que influenciam tais processos, e a aplicação desse conhecimento para controlar problemas de saúde”11 Porta M. A dictionary of epidemiology. 6a ed. New York: Oxford University Press; 2014.. Trata-se de uma definição útil lexicográfica e operacionalmente, até porque é baseada em dicionário desenvolvido com o compromisso de reconhecer a pluralidade de práticas e enfoques em Epidemiologia11 Porta M. A dictionary of epidemiology. 6a ed. New York: Oxford University Press; 2014.. Porém, e consequentemente, tal diversidade abriga acepções variadas de Epidemiologia, refletindo, de certo modo, teorias, métodos, valores e compromissos sociais vigentes em distintos contextos históricos e geográficos22 Breilh J. Critical epidemiology and the people’s health. New York: Oxford University Press; 2021..

Para além de relevantes e necessárias definições, importa a demarcação de teorias epidemiológicas que forneçam subsídios para pensar e buscar explicações no âmbito de seu domínio específico de interesse, qual seja, a distribuição populacional de doenças, incapacidades, mortes, saúde e seus determinantes e limitantes, no espaço e tempo33 Krieger N. Commentary: society, biology, and the logic of social epidemiology. Int J Epidemiol. 2001; 30(1):44-6.,44 Krieger N. Epidemiology and the people’s health: theory and context. New York: Oxford University Press; 2011.. Teorias epidemiológicas sobre a distribuição de eventos de saúde precisam incluir não somente teorias sobre os mecanismos causadores dos eventos em si (por exemplo, doenças), mas também sobre os motivos que levam a heterogeneidades espaço-temporais na distribuição desses eventos e seus condicionantes44 Krieger N. Epidemiology and the people’s health: theory and context. New York: Oxford University Press; 2011..

Se fosse somente um empreendimento científico, talvez essa delimitação teórica fosse suficiente para que a epidemiologia alcançasse sua missão. Porém, os objetivos da Epidemiologia vão muito além, incluindo a geração de conhecimento que possa ser traduzido e aplicado para suscitar mudanças que levem à melhoria da saúde e da qualidade de vida das populações e à redução das iniquidades sociais em saúde44 Krieger N. Epidemiology and the people’s health: theory and context. New York: Oxford University Press; 2011.,55 Krieger N. Epidemiology and the web of causation: has anyone seen the spider? Soc Sci Med. 1994; 39(7):887-903.. Esse compromisso é inerente à Epidemiologia, como reconhecido por diversos autores e organizações, mas não é necessariamente consensual entre os epidemiologistas. Há aqueles que entendem que a Epidemiologia deveria acolher a liberdade da busca do conhecimento descontextualizado como, por exemplo, aquele com foco na compreensão dos mecanismos de adoecimento em indivíduos, porque esse conhecimento poderia trazer benefícios mais imediatos para a saúde do que mudanças sociais, no mais das vezes complexas e difíceis de serem alcançadas66 Rothman KJ, Adami HO, Trichopoulos D. Should the mission of epidemiology include the eradication of poverty? Lancet. 1998; 352(9130):810-3.. Em termos gerais, essa última visão, amplamente dominante durante anos, mantém correspondência com a assim chamada Epidemiologia Moderna, também referida por seus críticos como “epidemiologia dos fatores de risco”, cujo foco analítico se reduziu da população para o indivíduo e propiciou maior ênfase em métodos e técnicas em detrimento da teoria77 Pearce N. Traditional epidemiology, modern epidemiology, and public health. Am J Public Health. 1996; 86(5):678-83.,88 Keyes K, Galea S. What matters most: quantifying an epidemiology of consequence. Ann Epidemiol. 2015; 25(5):305-11..

Os que adotam esse ponto de vista reconhecem que a pesquisa epidemiológica está abrigada no contexto da Saúde Pública e deve ser motivada por seu potencial de produzir e maximizar benefícios à saúde das populações99 Poole C, Rothman KJ. Epidemiologic science and public health policy. J Clin Epidemiol. 1990; 43(11):1270-1.,1010 Savitz DA, Poole C, Miller WC. Reassessing the role of epidemiology in public health. Am J Public Health. 1999; 89(8):1158-61.. No entanto, compreendem também que ao epidemiologista caberia o papel de executar, sem paixão, com rigor e objetividade, sua atividade científica, deixando para os formuladores de políticas de saúde as funções de advocacia e implementação99 Poole C, Rothman KJ. Epidemiologic science and public health policy. J Clin Epidemiol. 1990; 43(11):1270-1.,1010 Savitz DA, Poole C, Miller WC. Reassessing the role of epidemiology in public health. Am J Public Health. 1999; 89(8):1158-61.. Sem dúvida, decisões sobre incorporação e implementação de ações, tecnologias, programas e políticas de saúde, embora devam ser orientadas pela melhor evidência científica disponível, não podem e não devem ser pautadas apenas em evidências epidemiológicas, nem caberia aos epidemiologistas, isoladamente, essa tarefa. Porém, a visão da Epidemiologia como uma atividade de cunho eminentemente científico implica uma concepção específica, ingênua, desinteressada e idílica de uma Ciência destituída de valores morais e interesses políticos1111 Krieger N. Questioning epidemiology: objectivity, advocacy, and socially responsible science. Am J Public Health. 1999; 89(8):1151-3.. A Epidemiologia, assim como a Ciência, é um empreendimento humano que não pode alegar isenção e neutralidade, principalmente em um contexto de crescente influência de indústrias e corporações na pesquisa epidemiológica1212 Wing S. Whose epidemiology, whose health? Int J Health Serv. 1998; 28(2):241-52.

13 Breilh J, Jefer CB, Castelman BI, Cherniack M, Christiani DC, Cicolella A, et al. Texaco and its consultants. Int J Occup Environ Health. 2005; 11(2):217-20.

14 Pearce N. Commentary: the rise and rise of corporate epidemiology and the narrowing of epidemiology’s vision. Int J Epidemiol. 2007; 36(4):713-7.
-1515 Legg T, Hatchard J, Gilmore AB. The science for profit model-how and why corporations influence science and the use of science in policy and practice. PLoS One. 2021; 16(6):e0253272..

As implicações de visões divergentes sobre o domínio e os objetivos da Epidemiologia para a sua configuração teórico-conceitual e prática, e para as suas relações com a própria Saúde Coletiva e outros campos do conhecimento, têm sido amplamente discutidas, inclusive no contexto brasileiro22 Breilh J. Critical epidemiology and the people’s health. New York: Oxford University Press; 2021.,44 Krieger N. Epidemiology and the people’s health: theory and context. New York: Oxford University Press; 2011.,77 Pearce N. Traditional epidemiology, modern epidemiology, and public health. Am J Public Health. 1996; 86(5):678-83.,88 Keyes K, Galea S. What matters most: quantifying an epidemiology of consequence. Ann Epidemiol. 2015; 25(5):305-11.,1616 Barreto ML. Por uma epidemiologia da saúde coletiva. Rev Bras Epidemiol. 1998; 1(2):104-22.

17 Susser M. Does risk factor epidemiology put epidemiology at risk? Peering into the future. J Epidemiol Community Health. 1998; 52(10):608-11.
-1818 Camargo KR Jr, Ortega F, Coeli CM. Modern epidemiology and its discontents. Rev Saude Publica. 2013; 47(5):984-91.. Dessa forma, não é nosso objetivo retomar esse debate de um ponto de vista teórico-conceitual. Trata-se aqui de aproveitar minha vivência pessoal da maior crise sanitária de nossa geração, a pandemia de Covid-19, para apresentar reflexões sobre alguns dos desafios enfrentados pela Epidemiologia (e pelos epidemiologistas) nesse contexto e identificar temas e questões que merecem maior debate e aprofundamento com vistas ao seu desenvolvimento nos próximos anos.

A Epidemiologia sob holofotes

A pandemia de Covid-19 é um dos eventos mais impactantes na história recente da Saúde Pública, tendo sido denominado de “evento incapacitante em massa” ou “evento de deterioração em massa”1919 Lowenstein F, Davis H. Long Covid is not rare. It’s a health crisis [Internet]. New York: The New York Times; 2021 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://www.nytimes.com/2021/03/17/opinion/long-covid.html
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,2020 Mazer B. Long Covid could be a ‘mass deterioration event’ [Internet]. Washington: The Atlantic; 2022 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://www.theatlantic.com/health/archive/2022/06/long-covid-chronic-illness-disability/661285/
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. Tais designações enfatizam não somente os efeitos diretos de curto, médio e longo prazos sobre aqueles que desenvolveram a doença e suas implicações para a política e o planejamento de saúde, mas também os efeitos indiretos altamente disruptivos sobre a saúde das populações. Por exemplo, a pandemia de Covid-19 afetou também a oferta de programas preventivos, como vacinação e rastreamento de câncer, e o cuidado contínuo de condições crônicas2121 Alves JG, Figueiroa JN, Urquia ML. Impact of Covid-19 on immunization of Brazilian infants. Int J Infect Dis. 2021; 107:252-3.

22 Horta BL, Silveira MF, Barros AJD, Hartwig FP, Dias MS, Menezes AMB, et al. Covid-19 and outpatient care: a nationwide household survey. Cad Saude Publica. 2022; 38(4):e00194121.
-2323 Ribeiro CM, Correa FM, Migowski A. Short-term effects of the Covid-19 pandemic on cancer screening, diagnosis and treatment procedures in Brazil: a descriptive study, 2019-2020. Epidemiol Serv Saude. 2022; 31(1):e2021405..

A pandemia de Covid-19 alcança a população brasileira em uma situação de franca vulnerabilidade social, econômica e programática2424 Werneck GL. The Covid-19 pandemic: challenges in assessing the impact of complex and multidimensional problems on the health of populations. Cad Saude Publica. 2022; 38(4):PT045322.. Formou-se, assim, uma tempestade perfeita, ancorada no desmonte das políticas sociais, no crônico subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) e na gestão catastrófica da pandemia2525 Werneck GL, Carvalho MS. A pandemia de Covid-19 no Brasil: crônica de uma crise sanitária anunciada. Cad Saude Publica. 2020; 36(5):e00068820.,2626 Werneck GL. Long-term mass population effects of the Covid-19 pandemic: a long way to go. Cad Saude Publica. 2022; 38(7):e00115222.. Pandemias são, simultaneamente, fenômenos com dimensões biológicas, ecológicas, sociais e históricas e, como tais, desvelam e aprofundam desigualdades sociais, fazendo que a maior carga de adoecimento e morte da Covid-19 incida sobre os mais vulnerabilizados2727 Oliveira RG, Cunha AP, Gadelha AGS, Carpio CG, Oliveira RB, Corrêa RM. Racial inequalities and death on the horizon: Covid-19 and structural racism. Cad Saude Publica. 2020; 36(9):e00150120.,2828 Nassif-Pires L, Carvalho L, Rawet E. Public Policy Brief, No. 153. Multidimensional Inequality and Covid-19 in Brazil. Blithewood: Levy Economics Institute of Bard College; 2020.. Esse quadro dramático pode ser mais bem expresso como uma sindemia, na qual a pandemia de Covid-19 interage com diferentes fontes de vulnerabilidades sanitárias, sociais e ambientais, potencializando os efeitos adversos de todos os fatores sobre a saúde da população2626 Werneck GL. Long-term mass population effects of the Covid-19 pandemic: a long way to go. Cad Saude Publica. 2022; 38(7):e00115222.,2929 Singer M, Bulled N, Ostrach B, Mendenhall E. Syndemics and the biosocial conception of health. Lancet. 2017; 389(10072):941-50..

A crise sanitária tragou imediatamente a Epidemiologia para o núcleo da tempestade. Embora os princípios-chave para enfrentamento de crises sanitárias exijam, necessariamente, enfoques interdisciplinares e intersetoriais3030 The Academy of Medical Sciences. Interdisciplinary research in epidemic preparedness and response [Internet]. London: Acmedsci; 2019 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://acmedsci.ac.uk/policy/policy-projects/multidisciplinary-research-in-epidemic-preparedness-and-response-
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31 Bardosh KL, Vries DH, Abramowitz S, Thorlie A, Cremers L, Kinsman J, et al. Integrating the social sciences in epidemic preparedness and response: a strategic framework to strengthen capacities and improve Global Health security. Global Health. 2020; 16(1):1-18.

32 Stephen C. Rethinking pandemic preparedness in the Anthropocene. Healthc Manage Forum. 2020; 33(4):153-7.

33 Nunes MO, Deslandes S, Verdi MIM, Harayama RM, Leão LHC, Silva MBB, et al. A research agenda for the Social and Human Sciences during the Covid-19 pandemic. Cad Saude Publica. 2021; 37(10):e00158421.
-3434 Corsi M, Ryan JM. What does the Covid-19 crisis reveal about interdisciplinarity in social sciences? Int Rev Soc. 2022; 32(1):1-9., no âmbito constitutivo da Saúde Coletiva, a Epidemiologia foi a área mais imediata e intensamente requisitada a se manifestar3535 Nature. How epidemiology has shaped the Covid pandemic. Nature. 2021; 589(7843):491-2., um padrão já detectado em outras situações epidêmicas3131 Bardosh KL, Vries DH, Abramowitz S, Thorlie A, Cremers L, Kinsman J, et al. Integrating the social sciences in epidemic preparedness and response: a strategic framework to strengthen capacities and improve Global Health security. Global Health. 2020; 16(1):1-18.. Tal proeminência da Epidemiologia pode encontrar diversas explicações, destacando-se: maior institucionalização das práticas epidemiológicas em serviços de saúde; familiaridade com conceitos biomédicos3131 Bardosh KL, Vries DH, Abramowitz S, Thorlie A, Cremers L, Kinsman J, et al. Integrating the social sciences in epidemic preparedness and response: a strategic framework to strengthen capacities and improve Global Health security. Global Health. 2020; 16(1):1-18.; treinamentos para investigação de epidemias3131 Bardosh KL, Vries DH, Abramowitz S, Thorlie A, Cremers L, Kinsman J, et al. Integrating the social sciences in epidemic preparedness and response: a strategic framework to strengthen capacities and improve Global Health security. Global Health. 2020; 16(1):1-18.; conhecimento específico para construção de cenários de previsão para a disseminação da Covid-193333 Nunes MO, Deslandes S, Verdi MIM, Harayama RM, Leão LHC, Silva MBB, et al. A research agenda for the Social and Human Sciences during the Covid-19 pandemic. Cad Saude Publica. 2021; 37(10):e00158421.; maior valorização do capital científico da Epidemiologia em função de sua predominância numérica; e, consequentemente, ocupação nas instâncias decisórias de aferição de prestígio3636 Deslandes S, Moraes CL, Maksud I, Marques ES, Bosi MLM, Ianni AMZ. Distribuição dos capitais científicos entre docentes permanentes de Ciências Sociais e Humanas e de Epidemiologia do campo da Saúde Coletiva. Cad Saude Publica. 2021; 37(11):e00278620..

Esse processo de um inédito e amplo envolvimento de toda a comunidade de epidemiologistas na resposta à pandemia trouxe à tona várias questões. Uma delas foi reavivar as tensões teóricas e políticas entre Epidemiologia e as outras subáreas estruturantes da Saúde Coletiva, quais sejam, as Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CSHS) e Políticas, Planejamento e Gestão em Saúde (PPGS)3737 Teixeira CFS. Challenges of health surveillance today. Epidemiol Serv Saude. 2022; 31(2):e2022357.. É patente que a Epidemiologia teve maior peso nos processos de consulta aos especialistas, para fins de decisão sobre políticas públicas no âmbito da pandemia de Covid-19, do que as Ciências Sociais, que têm tido, historicamente, seu papel secundarizado3838 Lohse S, Canali S. Follow *the* science? On the marginal role of the social sciences in the Covid-19 pandemic. Eur J Philos Sci. 2021; 11(4):1-28.. Logo no início da pandemia, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) captou rapidamente esse mal-estar em sua comunidade e procurou agir em várias frentes. Primeiro, denunciando a exclusão de temas afeitos às Ciências Sociais e Humanas nos editais de financiamento público de pesquisas no contexto da pandemia de Covid-193939 Flaeschen H. Precisamos das Ciências Sociais e Humanas para compreender e enfrentar a pandemia de Covid-19 [Internet]. Rio de Janeiro: Abrasco; 2020 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/saude-da-populacao/nota-precisamos-das-ciencias-sociais-e-humanas-para-compreender-e-enfrentar-a-pandemia-de-covid-19/47225/
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. Segundo, promovendo debates sobre o tema no âmbito da “Ágora Abrasco”, uma programação de atividades com o objetivo de acompanhar, debater e propor respostas para a pandemia4040 Dias BC. Ágora Abrasco, uma nova forma da Saúde Coletiva produzir respostas à pandemia [Internet]. Rio de Janeiro: Abrasco; 2020 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/noticias/institucional/agora-abrasco-uma-nova-forma-da-saude-coletiva-produzir-respostas-a-pandemia/46521/
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Conforme anteriormente salientado, a Epidemiologia, em função de seu domínio de atuação, objetivos, conceitos e métodos e, sobretudo, pela influência da “epidemiologia dos fatores de risco” em sua prática científica, tem, mais frequentemente, utilizado teorias sobre mecanismos causadores dos eventos em detrimento das teorias sobre distribuição de agravos em populações, para interpretar os resultados de seus estudos44 Krieger N. Epidemiology and the people’s health: theory and context. New York: Oxford University Press; 2011.. A sutileza das diferenças tem enormes implicações. Teorias sobre mecanismos causais de doenças e outros eventos de saúde são importantes para gerar conhecimento que eventualmente possa ser traduzido, mas não atendem inteiramente à necessidade de compreender como e por que esses eventos se expressam de forma desigual em diferentes populações ao longo do tempo e do espaço44 Krieger N. Epidemiology and the people’s health: theory and context. New York: Oxford University Press; 2011.. Um modo simplista de interpretar as dificuldades de integração entre Epidemiologia e Ciências Sociais e Humanas seria imputar à Epidemiologia um vínculo intrínseco ao modelo biomédico de explicação de fenômenos de saúde, o que não condiz com as históricas conexões entre Epidemiologia e Ciências Sociais4141 Krieger N. Epidemiology and social sciences: towards a critical reengagement in the 21st century. Epidemiol Rev. 2000; 22(1):155-63..

Não existe uma inerente e preferencial identidade da Epidemiologia com o modelo biomédico de explicação de fenômenos de saúde, nem uma dificuldade de exercer a interdisciplinaridade ou, ainda, de se debruçar sobre questões teóricas complexas. A Epidemiologia Moderna pode ser insuficiente para a dimensão da missão da Epidemiologia que queremos e precisamos na Saúde Coletiva, mas ela permitiu avanços teórico-conceituais e metodológicos essenciais para o amadurecimento e a consolidação da área, exigindo interações não somente com disciplinas biomédicas, mas com campos tão diversos como filosofia, inteligência artificial e ciências da computação4242 Struchiner CJ. A síndrome da gafieira (quem está fora não entra e quem está dentro não sai): comentários a “por uma epidemiologia da saúde coletiva”. Rev Bras Epidemiol. 1998; 1(2):125-7.,4343 Porta M, Vineis P, Bolúmar F. The current deconstruction of paradoxes: one sign of the ongoing methodological “revolution”. Eur J Epidemiol. 2015; 30(10):1079-87.. Determinar a Epidemiologia Moderna como paradigma único da Epidemiologia é equivocado, senão pouco construtivo, porque ignora o vigor de diversos movimentos no interior da área que buscam recuperar as raízes da Epidemiologia crítica latino-americana e estimular maior integração com as Ciências Sociais e Humanas22 Breilh J. Critical epidemiology and the people’s health. New York: Oxford University Press; 2021.,44 Krieger N. Epidemiology and the people’s health: theory and context. New York: Oxford University Press; 2011.,4444 Roux AVD. Social epidemiology: past, present, and future. Annu Rev Public Health. 2022; 43:79-98.. De fato, a pandemia revelou uma Epidemiologia plural, em que coexistem abordagens com ênfases mais disciplinares e participação em uma gama variada de esforços de formação e produção de conhecimento e práticas interdisciplinares4545 Braune K, Rojas P-D, Hofferbert J, Sosa AV, Lebedev A, Balzer F, et al. Interdisciplinary online hackathons as an approach to combat the Covid-19 pandemic: case study. J Med Internet Res. 2021; 23(2):e25283.,4646 Carter S, Moncrieff IS, Akilimali PZ, Kazadi DM, Grépin KA. Understanding the broader impacts of Covid-19 on women and girls in the DRC through integrated outbreak analytics to reinforce evidence for rapid operational decision-making. Anthropol Action. 2022; 29(1):47-59.. No Brasil, destacam-se, nesse contexto, as iniciativas da Rede CoVida4747 Cidacs/Fiocruz, UFBA. Rede CoVida - Ciência, Informação, Solidariedade [Internet]. Salvador: RedeCovida; 2022 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://redecovida.org/sobre/
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e do Observatório Covid-19 BR4848 Observatório Covid-19 BR. Sobre [Internet]. Rio de Janeiro: Covid19Br; 2022 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://covid19br.github.io/sobre
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, entre outras.

Equilibrar o papel dos diferentes eixos da Saúde Coletiva em situações de emergência sanitária é uma necessidade prática, mas deve ser também um princípio basilar e uma exigência para o próprio campo da Saúde Coletiva. Não é uma tarefa simples; as tensões entre as (sub)áreas fazem parte da própria constituição do campo, mas é nesse processo que a Saúde Coletiva pode sair fortalecida e os benefícios à saúde da população, maximizados.

Uma Epidemiologia comprometida, engajada e desafiada

A pujança da Epidemiologia brasileira já havia sido observada em outras ocasiões, como no caso da resposta à epidemia de Zika4949 Machado-Silva A, Guindalini C, Fonseca FL, Pereira-Silva MV, Fonseca BP. Scientific and technological contributions of Latin America and Caribbean countries to the Zika virus outbreak. BMC Public Health. 2019; 19(1):530.,5050 Oliveira JF, Pescarini JM, Rodrigues MS, Almeida BA, Henriques CMP, Gouveia FC, et al. The global scientific research response to the public health emergency of Zika virus infection. PLoS One. 2020; 15(3):e0229790.. Porém, em nenhuma outra situação foi tão evidente o engajamento total e intensivo de toda a comunidade, independentemente de suas áreas específicas de atuação. Nesse sentido, a resposta da Epidemiologia brasileira à pandemia é um tributo às suas origens e a seu compromisso social, e demonstra sua essencialidade ao campo da Saúde Coletiva.

Talvez, para as gerações de epidemiologistas formadas ao longo das últimas décadas, essa pode ter sido a primeira vivência concreta do caráter simultaneamente científico e aplicado da Epidemiologia. Em meio a inúmeras incertezas, pessoais e profissionais, medos e lutos, nunca tantas e tantos epidemiologistas se comprometeram tão amplamente com uma missão5151 Swanson SA. The lived experiences of epidemiologists in 2020. Epidemiology. 2021; 32(1):131.. Com isso em mente, o periódico “Epidemiology produziu uma bela homenagem à área: um número especial com o relato de vinte epidemiologistas acerca de suas experiências do que significou ser um epidemiologista em 20205151 Swanson SA. The lived experiences of epidemiologists in 2020. Epidemiology. 2021; 32(1):131.. As vivências desses epidemiologistas, suas dificuldades cotidianas para se adaptar ao ensino remoto, às funções domésticas, e seus esforços para adquirir conhecimento sobre conceitos específicos de Epidemiologia das doenças infecciosas são ativos que não devem ser perdidos e podem desempenhar um papel importante na definição do futuro da área5151 Swanson SA. The lived experiences of epidemiologists in 2020. Epidemiology. 2021; 32(1):131..

Esse processo de imersão e exposição do trabalho do epidemiologista, ao mesmo tempo que reflete um reconhecimento da área, trouxe muitos desafios, frustrações e incertezas; fontes potenciais de aprendizado. No que tange ao próprio trabalho do epidemiologista, a pandemia de Covid-19 despertou novas discussões e debates sobre a missão e a ética da pesquisa e da prática em Epidemiologia. Renovou-se o debate sobre a possibilidade de existir uma epidemiologia-ciência neutra, desinteressada e isenta, o que, de certa forma revive os antigos questionamentos sobre a “epidemiologia dos fatores de risco”5252 Savitz DA. Point: reconciling epidemiology’s aspirations and capabilities. Am J Epidemiol. 2021; 190(6):977-9.,5353 Saracci R. Counterpoint: epidemiology’s dual social commitment-science and health. Am J Epidemiol. 2021; 190(6):980-3.. Declarações de grupos contra e a favor de diferentes estratégias de controle da pandemia também geraram agitação nos meios acadêmicos da Epidemiologia, elevando o debate para o campo ético e social5454 Kupferschmidt K. A divisive disease. Science. 2020; 370(6523):1395-7.. Em função de fatores variados, como o aumento na velocidade de publicação de artigos sobre Covid-19, a alta frequência de retratações de artigos científicos, mesmo em periódicos tidos como editorialmente exemplares, e o uso disseminado de plataformas de divulgação de artigos em preprint aumentaram a preocupação com um crescimento de práticas incompatíveis com a ética na publicação científica5555 Anderson C, Nugent K, Peterson C. Academic journal retractions and the covid-19 pandemic. J Prim Care Community Health. 2021; 12:1-6.,5656 Schonhaut L, Costa-Roldan I, Oppenheimer I, Pizarro V, Han D, Díaz F. Scientific publication speed and retractions of Covid-19 pandemic original articles. Rev Panam Salud Publica. 2022; 46:e25..

Em uma esfera mais aplicada, alguns cânones centrais à Ciência e à própria Epidemiologia passaram a ser disputados, como a necessidade de se ponderar até que ponto o contexto pandêmico autorizaria uma relativização do tipo e do grau de evidências usualmente requeridos para se fazer recomendação em Saúde Pública, de alguma forma conflitando os princípios da precaução com os de não causar danos à saúde e a outras esferas da vida social, como a educação5757 Baral SD, Mishra S, Diouf D, Phanuphak N, Dowdy D. The public health response to Covid-19: balancing precaution and unintended consequences. Ann Epidemiol. 2020; 46:12-3.,5858 Ioannidis JPA. Coronavirus disease 2019: the harms of exaggerated information and non-evidence-based measures. Eur J Clin Invest. 2020; 50(4):e13222.. Usar informações incompletas para apoiar a tomada de decisões pode ser desconfortável para epidemiologistas, mas a urgência exige o uso da melhor evidência disponível em um certo momento sintetizada com base em diversas fontes5959 Edwards JK, Lessler J. What now? Epidemiology in the wake of a pandemic. Am J Epidemiol. 2021; 190(1):17-20.. É necessário compreender que o trabalho do epidemiologista não termina quando as decisões são tomadas, devendo avaliar como os eventos evoluem por meio das recomendações a fim de atualizar o conhecimento para promover eventuais redirecionamentos5959 Edwards JK, Lessler J. What now? Epidemiology in the wake of a pandemic. Am J Epidemiol. 2021; 190(1):17-20..

Um exemplo desse embate foi o fechamento das escolas logo no início da pandemia, de duração e amplitude sem precedentes. Na ausência de conhecimento sólido sobre o papel das crianças na transmissão do SARS-CoV-2, a implementação dessa medida se baseou, em grande parte, na analogia com as pandemias de influenza, em que se demonstrou que o fechamento de escolas pode reduzir o tamanho da epidemia6060 Nafisah SB, Alamery AH, Nafesa AA, Aleid B, Brazanji NA. School closure during novel influenza: a systematic review. J Infect Public Health. 2018; 11(5):657-61.. Porém, trata-se de medida que traz altos custos sociais e econômicos, especialmente para as populações vulnerabilizadas, exacerbando disparidades educacionais, aumentando a evasão escolar além do impacto deletério na nutrição infantil, na Saúde Mental de pais e crianças e na exposição à violência6161 United Nations Educational, Scientific and Cultural Foundation - UNESCO. Adverse consequences of school closures [Internet]. Paris: Unesco; 2020 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://en.unesco.org/covid19/educationresponse/consequences
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. Nesse tópico, vale salientar a participação integrada de pesquisadores da Epidemiologia, Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CSHS) e Programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGSC), sob a liderança da Abrasco, da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e de outras organizações do setor da Educação, para a consolidação do manifesto “Ocupar escolas, proteger pessoas, valorizar a educação”, subscrito por dezenas de entidades da sociedade civil6262 Abrasco. Ocupar escolas, proteger pessoas, valorizar a educação [Internet]. Rio de Janeiro: Abrasco; 2020 [citado 19 Jun 2022]. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/wp-content/uploads/2020/10/MANIFESTO-_OCUPAR-ESCOLAS-PROTEGER-PESSOAS-RECRIAR-A-EDUCACAO_2-1.pdf
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.

Especialistas também tiveram de conviver com questionamentos sobre o papel da Epidemiologia e, mais genericamente, do conhecimento científico, na decisão sobre políticas públicas. Para desagrado e frustração geral, descobriu-se tardiamente que a máxima follow the science tem limites e que cabe à Ciência pesquisar, descobrir, avaliar, informar e aconselhar, mas que a decisão deve ser tomada pelos gestores ouvindo-se outros atores e outros setores da sociedade6363 Colman E, Wanat M, Goossens H, Tonkin-Crine S, Anthierens S. Following the science? Views from scientists on government advisory boards during the Covid-19 pandemic: a qualitative interview study in five European countries. BMJ Glob Health. 2021; 6(9):e006928.. A Ciência por si só não muda o mundo. Ciência, política e militância social andam juntas na vida de todos, inclusive de nós, epidemiologistas.

Também um grande desafio, talvez inédito em termos de abrangência e frequência, tenha sido a presença de epidemiologistas na mídia. A comunicação científica, uma espécie de “patinho feio” da atuação acadêmica, mostrou-se essencial e, claramente, além das capacidades da maioria de nós. Obstáculos vão além das dificuldades de expressar conceitos complexos; para esses talvez seja mais viável fazer uso de metáforas criativas, e passam por uma comunicação de risco mais efetiva, especialmente sobre as incertezas inerentes ao trabalho científico3535 Nature. How epidemiology has shaped the Covid pandemic. Nature. 2021; 589(7843):491-2.,3838 Lohse S, Canali S. Follow *the* science? On the marginal role of the social sciences in the Covid-19 pandemic. Eur J Philos Sci. 2021; 11(4):1-28.,6363 Colman E, Wanat M, Goossens H, Tonkin-Crine S, Anthierens S. Following the science? Views from scientists on government advisory boards during the Covid-19 pandemic: a qualitative interview study in five European countries. BMJ Glob Health. 2021; 6(9):e006928.. Para o epidemiologista, por exemplo, falar sobre incerteza supera a questão da aleatoriedade; é preciso abordar também como vieses podem influenciar a credibilidade dos resultados de estudos6464 Banack HR, Lesko CR, Whitcomb BC, Kobayashi LC. Teaching epidemiology online (Pandemic Edition). Am J Epidemiol. 2021; 190(7):1183-9..

Difícil também se mostrou a comunicação sobre o princípio da precaução. Há a necessidade de perceber que certas medidas de controle e mitigação exigem grande esforço das pessoas, e as recomendações de sua utilização no contexto de uma pandemia prolongada contribuem para a assim denominada fadiga pandêmica6565 World Health Organization. Pandemic fatigue - reinvigorating the public to prevent Covid-19: policy framework for supporting pandemic prevention and management. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2020.,6666 Haktanir A, Can N, Seki T, Kurnaz MF, Dilmaç B. Do we experience pandemic fatigue? Current state, predictors, and prevention. Curr Psychol. 2021; 1-12. doi: https://doi.org/10.1007/s12144-021-02397-w.
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. Se as recomendações preconizadas não são negociadas de modo sistemático e eventualmente flexibilizadas, mesmo que isso implique algum risco adicional, a sociedade se frustra por não perceber os benefícios de seus esforços na sua vida cotidiana. A fadiga pandêmica reduz a procura por informação relacionada à Covid-19 e diminui a adesão às medidas de controle6565 World Health Organization. Pandemic fatigue - reinvigorating the public to prevent Covid-19: policy framework for supporting pandemic prevention and management. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2020..

Um outro exemplo de falha na comunicação, que deve ser objeto de debate na área, foi a falta de consenso sobre os modos principais de transmissão da Covid-19, o que eventualmente levou à priorização de ações pouco efetivas e que podem ter contribuído para a fadiga pandêmica (p. ex., limpeza de alimentos, materiais e superfícies) em detrimento do uso de máscaras6464 Banack HR, Lesko CR, Whitcomb BC, Kobayashi LC. Teaching epidemiology online (Pandemic Edition). Am J Epidemiol. 2021; 190(7):1183-9.. Também no caso da recomendação sobre uso de máscaras se transitou ao longo da pandemia desde a recomendação de uso de máscaras de pano até a necessidade de uso de máscaras filtrantes mais efetivas do tipo Pff2 e N95, o que pode ter contribuído para confundir a população6464 Banack HR, Lesko CR, Whitcomb BC, Kobayashi LC. Teaching epidemiology online (Pandemic Edition). Am J Epidemiol. 2021; 190(7):1183-9.. É certo que parte dessa inconsistência se deveu à percepção de que havia um desabastecimento de máscaras de melhor qualidade para o ambiente dos serviços de saúde, mas há de se destacar também a demora no reconhecimento de que a transmissão do SARS-CoV-2 se dava não somente por gotículas, mas também por aerossóis6767 Lewis D. Why the WHO took two years to say Covid is airborne. Nature. 2022; 604(7904):26-31..

Por fim, em raras ocasiões, a Epidemiologia foi capaz de influenciar as agendas da mídia e da política, e as pautas geralmente foram definidas no sentido contrário. Em algumas situações, a agenda política encurralou a agenda de pesquisa epidemiológica, como parece ser o caso do uso de cloroquina para tratamento de Covid-196464 Banack HR, Lesko CR, Whitcomb BC, Kobayashi LC. Teaching epidemiology online (Pandemic Edition). Am J Epidemiol. 2021; 190(7):1183-9.. Apesar da grande interação entre Epidemiologia e mídia, a qualidade da apresentação dos dados epidemiológicos nesses veículos ainda carece de maior qualificação6868 Hammes LS, Rossi AP, Pedrotti LG, Pitrez PM, Mutlaq MP, Rosa RG. Is the press properly presenting the epidemiological data on Covid-19? An analysis of newspapers from 25 countries. J Public Health Policy. 2021; 42(3):359-72..

Como comunicar riscos e incertezas de forma transparente; negociar possíveis instâncias de flexibilização de medidas de controle em situações em que a fadiga pandêmica ocorre; enfrentar fake news e influenciar as pautas e temas na relação com a mídia e a sociedade civil são temáticas ainda incipientes e que precisam ser mais debatidas e incorporadas ao arsenal de formação em Epidemiologia, tanto no nível de graduação quanto de pós-graduação.

Somos todos epidemiologistas?

A Epidemiologia foi colocada no centro das atenções na mídia e da arena de decisões em políticas públicas para o enfrentamento da pandemia de Covid-193535 Nature. How epidemiology has shaped the Covid pandemic. Nature. 2021; 589(7843):491-2.. Na mídia em geral, mas também nas conversas sociais, termos epidemiológicos passaram a ser usados cotidianamente. É como se todos, de repente, tivessem se tornado epidemiologistas6969 Gouvea N. What has it meant for me to be an epidemiologist in 2020? Epidemiology. 2021; 32(1):144-5..

Aparentemente, esse seria um sinal positivo de popularização da Epidemiologia, mas pode, ao contrário, representar um risco de descaracterização da área se subitamente todos se apresentam e emitem opiniões, interpretações e recomendações como se fossem epidemiologistas. O termo aqui mais apropriado para definir essa situação seria ultracrepidário, isto é, aquele que emite opiniões sobre aquilo que não tem conhecimento. O termo “epidemiologista de poltrona” também tem sido empregado nesse sentido7070 Smith GD, Blastland M, Munafò M. Covid-19’s known unknowns. BMJ. 2020; 371:m3979.. Sem dúvida, epidemiologistas não são os únicos que podem usar e explicar conceitos e termos técnicos tipicamente utilizados na área. Porém, é necessário reconhecer e valorizar a Epidemiologia como uma área definida do conhecimento, que se insere no campo da Saúde Coletiva, que opera em um domínio particular, que tem objetivos, conceitos e métodos próprios e que exige formação teórica e prática específicas7171 Samet JM, Woodward A. On being an epidemiologist. Am J Epidemiol. 2019; 188(5):818-24.. Isso é fundamental para que gestores e o público em geral reconheçam sua relevância e a necessária diferenciação de profissional das áreas biomédicas, implicando, inclusive, oportunidades de trabalho qualificado.

Um possível aspecto positivo dessa exposição pública pode ter sido a divulgação de um nicho de atuação acadêmica e profissional que, eventualmente, pode ampliar o interesse pelo ingresso na área. Ainda não nos encontramos na fase em que uma criança diz para seus pais que quando crescer quer ser uma epidemiologista, é preciso tomar proveito dessa oportunidade para divulgar mais intensamente o que é ser um epidemiologista, o que a Epidemiologia pesquisa e o papel que desempenha nos serviços de saúde e na sociedade. Dada a intrínseca e inerente relação da Epidemiologia brasileira com a Saúde Coletiva, trata-se de uma ocasião promissora para todo o campo.

Nesse aspecto, é preciso utilizar o legado da pandemia para repensar vários aspectos da formação em Epidemiologia no nível de graduação e pós-graduação. Em geral, componentes básicos da formação em Epidemiologia envolvem o desenvolvimento do pensamento crítico, a aquisição de informação para sua aplicação no âmbito acadêmico ou profissional e a consolidação de uma identidade profissional7272 August E, Trostle JA. Using writing assignments to promote critical thinking, learning and professional identity: the epidemiology workplace writing repository. J Public Health. 2018; 40(3):419-22.. Aquisição de informação implica a relação entre discente e conteúdo, comumente mediada por tutores, e pode ser maximizada por meio de tecnologias digitais, permitindo maior flexibilidade, responsabilidade, cooperação, inclusão, democratização, orientação ao problema de interesse e interação entre programas de pós-graduação, discentes e docentes6464 Banack HR, Lesko CR, Whitcomb BC, Kobayashi LC. Teaching epidemiology online (Pandemic Edition). Am J Epidemiol. 2021; 190(7):1183-9.,7373 Das TM, Kaur G, Nematollahi S, Ambinder D, Shafer K, Sulistio M, et al. Medical education in the digital era: a new paradigm for acquiring knowledge and building communities. JACC Adv. 2022; 1(2):1-4.. Já abordagens pedagógicas mais tradicionais, com interação pessoal sincrônica, tutorial e prática, são essenciais para encorajar o diálogo, a sensação de pertencimento e o desenvolvimento do senso de comunidade e do pensamento crítico6464 Banack HR, Lesko CR, Whitcomb BC, Kobayashi LC. Teaching epidemiology online (Pandemic Edition). Am J Epidemiol. 2021; 190(7):1183-9.,7373 Das TM, Kaur G, Nematollahi S, Ambinder D, Shafer K, Sulistio M, et al. Medical education in the digital era: a new paradigm for acquiring knowledge and building communities. JACC Adv. 2022; 1(2):1-4.. Tecnologias digitais podem contribuir para ampliar a representatividade e a identificação com o campo, colaborando para superar barreiras geográficas e sociais7373 Das TM, Kaur G, Nematollahi S, Ambinder D, Shafer K, Sulistio M, et al. Medical education in the digital era: a new paradigm for acquiring knowledge and building communities. JACC Adv. 2022; 1(2):1-4.. Estudos têm demonstrado que estratégias híbridas, como salas de aula invertidas, ajudam a melhorar a qualidade e da efetividade do ensino e para o desenvolvimento de autonomia e habilidades para resolução de problemas, trabalho em equipe e comunicação6464 Banack HR, Lesko CR, Whitcomb BC, Kobayashi LC. Teaching epidemiology online (Pandemic Edition). Am J Epidemiol. 2021; 190(7):1183-9.,7474 Baytiyeh H. The flipped classroom model: when technology enhances professional skills. Int J Inf Learn Technol. 2017; 34(1):51-62.. No contexto brasileiro, é preciso considerar políticas específicas para garantir a inclusão digital no ensino não presencial. Também é preciso cautela e critérios para que a disseminação de plataformas de ensino a distância não “autorize” a expansão indiscriminada de cursos de má qualidade.

Dois outros legados da pandemia poderão fazer bem ao futuro da Epidemiologia. O primeiro se refere ao resgate da importância da Epidemiologia descritiva. Investigações de cunho mais descritivo são parte constitutiva da atividade epidemiológica, particularmente na sua interface com os serviços de saúde7575 Werneck G. Epidemiologia descritiva: qualidade das informações e pesquisa nos serviços de saúde. Epidemiol Serv Saude. 2009; 18(3):205-7.. O termo “epidemiologia descritiva” passou a ter uma conotação pejorativa, indicando uma abordagem menos científica ou sofisticada7676 Barata RCB. O desafio das doenças emergentes e a revalorização da epidemiologia descritiva. Rev Saude Publica. 1997; 31(5):531-7.. No entanto, estudos descritivos são fundamentais para a compreensão de problemas de saúde e oferecem desafios tão ou mais complexos do que aqueles enfrentados nos demais tipos de estudos epidemiológicos7575 Werneck G. Epidemiologia descritiva: qualidade das informações e pesquisa nos serviços de saúde. Epidemiol Serv Saude. 2009; 18(3):205-7.,7676 Barata RCB. O desafio das doenças emergentes e a revalorização da epidemiologia descritiva. Rev Saude Publica. 1997; 31(5):531-7.. Durante a pandemia, fomos sistematicamente apresentados quase que diariamente às simples médias móveis ou complexos modelos de nowcasting7777 Bastos LS, Economou T, Gomes MFC, Villela DAM, Coelho FC, Cruz OG, et al. A modelling approach for correcting reporting delays in disease surveillance data. Stat Med. 2019; 38(22):4363-77. para descrever as tendências e distribuição geográfica dos casos de internações e mortes por Covid-19. Procurávamos informações sobre letalidade segundo faixas etárias mais acometidas e se essa distribuição estava se alterando ao longo do tempo de forma que indicasse uma mudança no perfil de gravidade da epidemia. Conversávamos sobre investigação de casos e rastreamento de contatos, medidas típicas das ações de vigilância em saúde, pouco utilizadas no enfrentamento da pandemia no Brasil, porém essenciais para a interrupção das redes de transmissão7878 Teixeira MG, Kerr LRFS, Ximenes RAA, Almeida RLF, Ichihara MY, Albuquerque MFM, et al. Fortalecer as atividades de informação e vigilância epidemiológica é essencial e urgente para reduzir a força de transmissão do SARS-CoV-2. Rev Bras Epidemiol. 2021; 24:e210049..

O segundo legado foi a redescoberta da Epidemiologia das doenças infecciosas. A revolução microbiológica iniciada no século 19 e os avanços sociais, científicos e tecnológicos, particularmente na área da Saúde, modificaram substancialmente o perfil de morbimortalidade da população na primeira metade de século 20, sobretudo nos países do norte global7979 Susser M. Epidemiology in the United States after World War II: the evolution of technique. Epidemiol Rev. 1985; 7(1):147-77.. Paulatinamente, as doenças infecciosas foram diminuindo sua participação na carga de morbimortalidade da população em detrimento das doenças crônico-degenerativas e dos acidentes e violências8080 Reingold AL. Infectious disease epidemiology in the 21st century: will it be eradicated or will it reemerge? Epidemiol Rev. 2000; 22(1):57-63.. Esse panorama levou àquilo que tem sido reconhecido como o otimismo sanitário do século 20, qual seja, uma marcha inexorável rumo à erradicação ou à eliminação das doenças infecciosas como problemas de Saúde Pública8080 Reingold AL. Infectious disease epidemiology in the 21st century: will it be eradicated or will it reemerge? Epidemiol Rev. 2000; 22(1):57-63.. Esse processo levou a um decréscimo do interesse na área da Epidemiologia das doenças infecciosas, resultando em redução drástica de profissionais e da pesquisa8080 Reingold AL. Infectious disease epidemiology in the 21st century: will it be eradicated or will it reemerge? Epidemiol Rev. 2000; 22(1):57-63.. Infelizmente, a ideia de que as doenças infecciosas seriam simplesmente riscadas da história e substituídas por outros tipos de agravos não vingou. De fato, a partir da década de 1970, várias doenças infecciosas desconhecidas e outras tidas como eliminadas voltaram a acometer importantes contingentes populacionais, sendo o advento da Aids talvez um dos marcos mais significativos dessa mudança de rumo.

Na pandemia de Covid-19 observou-se que, em várias situações, conceitos básicos de epidemiologia de doenças infecciosas foram disseminados sem o rigor necessário, levando a uma série de incompreensões e julgamentos equivocados sobre o processo pandêmico. Faltou, para a maioria dos epidemiologistas envolvidos no esforço de enfrentamento da pandemia, uma maior familiaridade com conceitos como imunidade de grupo ou coletiva, número de reprodução básico e efetivo, intervalo serial, taxa de ataque secundário, transmissibilidade e suas implicações. Como o advento de uma nova pandemia originada por um microrganismo desconhecido não é uma questão de “se”, mas de “quando acontecerá”8181 Wolfe N. The viral storm: the dawn of a new pandemic age. New York: Times Books; 2011., será importante a inclusão desses conceitos básicos na formação do epidemiologista. Considerando os cenários de mudanças climáticas e de crescimento dos desastres naturais e de origem tecnológica8282 Freitas CM. Acidentes industriais ampliados: riscos e estratégias de prevenção. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2021., incluindo aí as epidemias e pandemias, é necessário incluir conteúdos sobre esses temas na formação em Saúde Coletiva.

Conclusões

A pandemia de Covid-19 pode ser considerada um grande experimento natural5959 Edwards JK, Lessler J. What now? Epidemiology in the wake of a pandemic. Am J Epidemiol. 2021; 190(1):17-20. com potencial de levar a modificações substanciais em diversas esferas da vida, inclusive a acadêmica. A Epidemiologia pode utilizar as experiências acumuladas nesse período como oportunidade para planejar seu futuro. Os anos de pandemia mostraram que o conhecimento de ferramentas de Saúde Pública e o acesso a dados não são suficientes para controlar uma pandemia3535 Nature. How epidemiology has shaped the Covid pandemic. Nature. 2021; 589(7843):491-2.. É preciso produzir teorias explicativas sobre o processo pandêmico que considerem as heterogeneidades temporais e espaciais dos fenômenos biológicos e sociais que permitem sua expressão desigual na população. Para isso, a Epidemiologia necessita, ao mesmo tempo, fortalecer seus fundamentos científicos, reconhecer os valores e limites de suas abordagens e compreender que as ferramentas e técnicas não são o que fundamentam o conhecimento transformador. Nesse caminho, é essencial trabalhar, partindo de experiências efetivas de atuação interdisciplinar, para superar entraves crônicos que dificultam o fortalecimento dos elos com outras disciplinas. Um novo modelo de ensino pode ser produzido com base nas experiências ao longo da pandemia. Esse novo modelo deve integrar conteúdos transversais, como a preparação para a resposta a desastres naturais e de origem tecnológica, incluindo epidemias e pandemias e a comunicação científica. O ensino da Epidemiologia precisa ser contextualizado com as bases da Saúde Coletiva, reforçando seu compromisso com a tradução e a aplicação do conhecimento para a melhoria da saúde e da vida das pessoas.

Agradecimentos

À Professora Hillegonda Maria Dutilh Novaes pelo estímulo para a redação deste texto e à Professora Tânia Maria de Araújo pela inspiração e revisão no manuscrito.

  • Werneck GL. Epidemiologia e pandemia de Covid-19: oportunidades para rever trajetórias e planejar o futuro. Interface (Botucatu). 2023; 27: e220340 https://doi.org/10.1590/interface.220340
  • Financiamento

    Este trabalho foi apoiado pelo CNPq (312850/2019-0) e FAPERJ / Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (E-26/202.677/2019 e E-26/210.180/2020).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2022
  • Aceito
    30 Ago 2022
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br