Avaliação do manejo da infecção urinária no pré-natal em gestantes do Sistema Único de Saúde no município do Rio de Janeiro*

Marcelo Vianna Vettore Marcos Dias Mario Vianna Vettore Maria do Carmo Leal Sobre os autores

Resumos

O objetivo deste estudo foi avaliar o perfil sociodemográfico de risco para infecção do trato urinário e para inadequação do pré-natal, segundo índice de Kotelchuck, e avaliar o manejo da infecção do trato urinário durante o pré-natal segundo o profissional de saúde, o serviço de saúde e a mulher, em gestantes no município do Rio de Janeiro. Um estudo seccional foi realizado com 1.091 gestantes, 501 com infecção do trato urinário, na rede do SUS do Rio de Janeiro em 2007/2008. Informações demográficas, socioeconômicas, história obstétrica e adequação do pré-natal foram coletadas através de entrevistas e do cartão do pré-natal. O manejo inadequado da infecção do trato urinário foi avaliado pelas dimensões: profissional de saúde, serviços de saúde e mulher. Utilizou-se o teste χ2 e regressão logística multivariada para comparação entre os grupos e identificação dos fatores associados ao manejo inadequado da infecção do trato urinário. As gestantes adolescentes, anêmicas, diabéticas e com qualidade do pré-natal parcialmente adequado ou inadequado apresentaram maior chance de infecção do trato urinário. Na avaliação global, 72% tiveram manejo inadequado da infecção do trato urinário. O manejo inadequado da infecção do trato urinário foi associado à cor parda em comparação com a cor branca. Na avaliação do profissional de saúde, o manejo inadequado para infecção do trato urinário foi menos comum nas gestantes com baixo peso e com sobrepeso e obesidade e, na avaliação da gestante, as primíparas tiveram menor chance de manejo inadequado para infecção do trato urinário em relação àquelas com um ou mais filhos.

Infecção; Trato urinário; Cuidado pré-natal; Gravidez; Avaliação em saúde; Setor público


Introdução

As formas clínicas da infecção do trato urinário (ITU) são bacteriúria assintomática, cistite ou pielonefrite. A bacteriúria assintomática acomete 2 a 10% das gestantes, das quais 25 a 35% desenvolvem pielonefrite1. Jacociunas et al.2 encontraram incidência de 16% de bacteriúria assintomática na gravidez, e Magalhães et al.3 de 6,4% de ITU em adolescentes grávidas.

A ITU na gravidez ocorre devido à dilatação pélvica e hidroureter, aumento do tamanho renal, aumento da produção de urina, mudança na posição da bexiga que de pélvica passa a abdominal, redução do tônus vesical e relaxamento da musculatura lisa da bexiga e do ureter causado pela impregnação de progesterona, glicosúria e aminoacidúria1,4. A ITU acomete gestantes com características semelhantes, como primigestas, anêmicas e com história prévia de ITU5,6. A principal complicação da ITU na gravidez é a prematuridade. Além desta, a ITU pode provocar restrição de crescimento intrauterino, baixo peso ao nascer, paralisia cerebral, retardo mental, infecção, falência de múltiplos órgão e morte. A ITU também pode causar graves complicações maternas como celulite, abscesso perinefrético, obstrução urinária, trabalho de parto prematuro, rotura prematura de membranas, anemia, corioamnionite, endometrite, choque séptico, falência de múltiplos órgãos e até óbito7-8.

O diagnóstico de ITU deve ser feito com cultura de urina, considerada padrão-ouro. Outras formas de exames mais rápidos indicativos de infecção urinária são o exame do tipo I e a coloração pelo método Gram da urina. O exame de urina do tipo I deve ser solicitado de rotina na primeira consulta de pré-natal e repetido próximo à 30a semana de gestação. No caso deste exame apresentar bactérias, leucócitos ou piócitos deve-se então pedir a cultura de urina1.

Adequadas intervenções no pré-natal colaboram para redução das complicações causadas pela ITU na gravidez. A realização de exames de urina de rotina durante o pré-natal, em gestantes assintomáticas, para identificação e tratamento das gestantes com bacteriúria assintomática, traz benefícios às gestantes e aos recém-nascidos. Em revisão sistemática, foi observado que o tratamento da bacteriúria assintomática reduziu o risco de pielonefrite e de baixo peso ao nascer, mas não houve diferença em relação à prematuridade9.

Em 2009, a proporção de recém-nascido com baixo peso ao nascer no município do Rio de Janeiro foi de 10%. ( http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2010/g16.def). É possível que muitos recém-nascidos de baixo peso tenham sido oriundos de gestantes com ITU tratada de forma inadequada durante pré-natal.

O presente artigo aborda de forma aprofundada e inovadora a avaliação da adequação do manejo da infecção do trato urinário durante o pré-natal, pois apresenta o diferencial de verificar o manejo da infecção do trato urinário no pré-natal em várias dimensões em conjunto e ainda não observadas na literatura desta forma, como avaliação do profissional de saúde, serviço de saúde e gestante, de acordo com as recomendações do Ministério da Saúde1. A hipótese principal é que o profissional de saúde é o maior responsável pela dificuldade da assistência pré-natal adequada em relação à infecção do trato urinário.

Metodologia

População do estudo

Foi desenvolvido um estudo seccional, no período outubro de 2007 a maio de 2008, com gestantes atendidas nos estabelecimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) do Município do Rio de Janeiro.

Amostragem

A amostragem do estudo foi por conglomerados em dois estágios. No primeiro estágio foram selecionados os estabelecimentos de saúde com atendimento pré-natal de baixo risco na rede SUS do Município do Rio de Janeiro. O segundo estágio da amostragem selecionou as gestantes dentro dos estabelecimentos de saúde. O tamanho da amostra foi de 1.313 nas unidades básicas de saúde, 832 nos hospitais ou maternidades e 73 na Casa de Parto, totalizando, 2.218 gestantes. Os detalhes da amostragem encontram-se publicados no artigo de Vettore et al.10.

Coleta de dados

Os dados foram coletados a partir de um questionário padronizado e da análise do cartão de pré-natal. As gestantes selecionadas foram entrevistadas por profissionais e estudantes da área de saúde previamente treinados, sob supervisão, na própria unidade de saúde.

Todos os questionários e cartões de pré-natal foram revisados por médicos com experiência na assistência perinatal para identificação das gestantes com infecção do trato urinário (ITU), anemia, diabetes e história de prematuridade, natimortalidade e/ou neomortalidade. Critérios de inclusão: ter cartão de pré-natal, estar com o cartão de pré-natal no momento da entrevista e ter sido classificada com ou sem infecção do trato urinária. Critérios de exclusão: ausência do exame de urina, falta de registro do exame de urina no cartão de pré-natal ou ausência de tratamento registrado no cartão de pré-natal e/ou relatado pela paciente.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ), protocolo n° 142/06.

Variáveis do estudo

As entrevistas incluíram informações sobre idade, cor da pele, escolaridade, situação conjugal, atividade remunerada, número de gestações anteriores, estado nutricional pré-gravídico, história obstétrica, história de anemia e diabetes, idade gestacional em que iniciou pré-natal, explicação sobre o risco de ITU, pedido de exame de urina antes e após tratamento e realização do exame pelo SUS, prescrição, fornecimento pelo SUS e uso de medicação para tratamento de ITU. Por fim, foi calculado o índice de Kotelchuck11, que avalia a adequação do atendimento pré-natal. Além da entrevista, também foram copiados os cartões de pré-natal de todas as gestantes incluídas no estudo (cópia manual ou por serviço de reprografia). Foram verificadas nos cartões de pré-natal as anotações da idade gestacional, peso, resultados de exames complementares de EAS (Elementos Anormais Sedimentados), urinocultura, glicemia, hemoglobina, hematócrito e ultrassonografia obstétrica e registro de tratamento para infecção do trato urinário.

Foi considerada infecção do trato urinário durante a gravidez a gestante com urinocultura positiva registrada no cartão de pré-natal ou a gestante com resultado de EAS alterado (com mais de doze piócitos por campo, piúria maciça ou incontáveis piócitos, nitrito positivo) registrado no cartão de pré-natal ou registro de tratamento para infecção do trato urinário no cartão de pré-natal ou relato da gestante de ter tido infecção do trato urinário e ter sido prescrito tratamento durante esta gravidez1.

O grupo de comparação foi composto por gestantes sem infecção do trato urinário que realizavam pré-natal nas mesmas unidades de saúde, sendo utilizados os mesmos critérios para o diagnóstico.

Todas as gestantes identificadas como tendo tido infecção do trato urinário tiveram o manejo dessa afecção avaliado por dois obstetras de forma independente, sendo os casos discordantes resolvidos por consenso.

Considerando as recomendações do Manual Técnico Pré-natal e Puerpério1, o manejo da ITU durante a gravidez foi avaliado em adequado ou inadequado, conforme o quadro abaixo.

Análise

Inicialmente foram estimados os pesos amostrais por tipo de unidade de saúde, que foram empregados em todas as análises estatísticas. As associações das características das gestantes com risco de ITU foram testadas com teste Qui-quadrado considerando-se o nível de significância de 5%. Quando o valor de p encontrado foi menor que 0,20, a variável foi incluída na regressão logística multivariada da avaliação do risco de ITU para a estimação das Odds Ratio (OR) e os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Para observar as associações das características das gestantes com ITU em relação ao resultado do manejo pré-natal foram feitos testes qui-quadrados. Quando o valor de p encontrado foi menor que 0,20, a variável foi incluída na regressão logística multivariada da avaliação do manejo da ITU. Inicialmente foram feitas avaliações separadas do profissional de saúde, serviço de saúde e gestante e em seguida uma avaliação global.

Utilizou-se o aplicativo estatístico SPSS ( Statistical Package for the Social Science ) 17.0 em todas as análises estatísticas.

Resultados

Perfil das gestantes

Foram recrutadas 2.188 gestantes: 92 (4,2%) recusaram-se a participar do estudo e 1.005 (45,9%) foram excluídas por não ter sido possível avaliar o risco de infecção do trato urinário (ITU). Foram incluídas 1,091 (46,8%), e destas 501 (45,9%) tinham ITU e 590 (54,1%) não tinham ITU.

Na avaliação do perfil das gestantes, as diferenças entre as que tiveram ITU e as que não tiveram foram estatisticamente significativas para idade das gestantes, situação conjugal, anemia, diabetes e idade gestacional do início do pré-natal ( Tabela 1 ).

Tabela 1
Perfil sociodemográfico das gestantes no pré-natal do SUS, segundo a presença ou ausência de infecção urinária. Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2007-2008.

A ITU foi mais frequente nas gestantes mais jovens. Entre aquelas com ITU, a proporção de gestantes com menos de 19 anos foi 1,4 vezes maior em comparação com aquelas sem ITU (p = 0,01). A maioria (76%) vivia com companheiro e essas tiveram menos ITU quando comparadas com as que viviam sem companheiro. No total, 26,5% das gestantes tinham anemia e esta foi 2,5 vezes mais frequente nas que tinham ITU. O diabetes também foi mais encontrado no grupo de gestantes com ITU (p = 0,01), apesar de ser observado em apenas 2% do total da amostra. Não havia informação disponível para 360 gestantes sobre diabetes. O início do pré-natal se deu no primeiro trimestre para 64% das gestantes; as gestantes com ITU iniciaram pré-natal mais tardiamente.

Para o índice de Kotelchuck11, que avalia a adequação do pré-natal, 84% do total das gestantes tiveram índices adequado ou mais que adequado. As grávidas com ITU tiveram pior desempenho, 24% delas ficaram nas categorias parcialmente adequado ou inadequado, taxa bem superior aos 9% daquelas que não tiveram ITU.

A cor parda predominou nos dois grupos, e a maioria das gestantes tinha o ensino fundamental completo e não exercia atividade remunerada. No total, predominaram gestantes com uma ou duas gestações anteriores, com índice de massa corporal normal e sem história de prematuridade, natimortalidade e neomortalidade. Apenas 55% das gestantes foram avaliadas quanto à história obstétrica de prematuridade, natimortalidade e neomortalidade, pois 39% eram primigestas e, nos 6,6% restantes, não foi possível obter essa informação. Não houve diferença significativa entre os grupos para cor da pele, anos de estudo, atividade remunerada, número de gestações anteriores, estado nutricional pré-gestacional, história de prematuridade e de natimortalidade e/ou neomortalidade.

Resultados da análise de regressão logística do perfil sociodemográfico das gestantes com infecção urinária

Na regressão logística multivariada as variáveis que apresentaram significância estatística foram idade da gestante, anemia, diabetes e índice de Kotelchuck11.

Foi verificado que a chance de ter ITU no pré-natal foi 1,79 vezes maior entre as adolescentes comparadas àquelas com idade entre 20 a 34 anos (IC 95%: 1,12 – 2,88, p = 0,02). As gestantes com anemia tiveram maior chance de ter ITU em relação àquelas sem anemia (OR = 1,83; IC 95%: 1,23 – 2,72, p = 0,01), assim como as diabéticas comparadas às não diabéticas (OR = 3,56; IC 95%: 1,25 – 10,19, p = 0,02). As gestantes com índice de Kotelchuck9 parcialmente adequado ou inadequado apresentaram chance 1,6 vezes maior de ter ITU no pré-natal quando comparadas àquelas com índices adequado ou mais que adequado (OR = 1,55; IC 95%: 1,03 – 2,33, p = 0,04).

Resultados do manejo da infecção urinária

Inicialmente, foi feita a avaliação da dimensão do manejo relativa ao profissional. No grupo de gestantes com ITU, 53% disseram ter recebido esclarecimentos sobre os riscos da ITU na gravidez. A solicitação de exame de urina foi relatada por 75% das gestantes e 96% referiram terem sido medicadas para tratamento da ITU. Um novo exame de urina para controle após o tratamento da ITU foi solicitado para 67% das gestantes ( Tabela 2 ).

Tabela 2
Avaliação do manejo da infecção do trato urinário no pré-natal em gestantes do SUS. Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2007-2008.

Na avaliação do serviço de saúde, conforme é mostrado na Tabela 2 , o exame de urina esteve disponível no Sistema Único de Saúde para a grande maioria das gestantes (98%) e a medicação para tratamento da ITU foi disponibilizada para 72% das que tentaram obtê-la.

Na avaliação da dimensão da gestante, foi observado que entre as gestantes em que o exame de urina foi solicitado, 94% conseguiram fazê-lo. Das 376 medicadas para tratamento da ITU, 81% tentaram pegar a medicação prescrita e 85% tomaram o remédio prescrito.

A avaliação global do manejo da ITU na gravidez pôde ser feita em 496 gestantes e, destas, 358 (72%) tiveram seu manejo considerado inadequado. A dimensão do manejo relativa ao profissional de saúde apresentou a maior proporção de inadequação (390 gestantes, 63%). O desempenho da rede de saúde pôde ser verificado para 482 gestantes e 110 (23%) tiveram manejo inadequado da ITU. Entre as 492 mulheres avaliadas na dimensão da gestante, em 40 (8%) o manejo da ITU não foi adequado.

Resultados do perfil das gestantes em relação ao manejo da infecção do trato urinário e da regressão logística da avaliação do manejo da infecção urinária no pré-natal do SUS no município do Rio de Janeiro

Gestantes com baixo peso tiveram menor proporção de acompanhamento inadequado da ITU no pré-natal em comparação com as eutróficas (p = 0,05) ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Perfil das gestantes em relação ao manejo da infecção urinária no pré-natal do SUS. Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2007-2008.

Observou-se uma tendência de manejo inadequado da ITU no pré-natal para as gestantes mais velhas, pardas, com menor escolaridade, que viviam com companheiro, com atividade remunerada, com pelo menos uma gravidez anterior, com história de prematuridade, com anemia, sem história de natimortalidade e/ou neomortalidade e aquelas sem diabetes. Não havia informações disponíveis sobre diabetes e anemia para 269 e 165 gestantes, respectivamente.

Conforme está mostrado na Tabela 4 , segundo a dimensão do profissional de saúde, as gestantes com baixo peso e com sobrepeso e obesidade tiveram menor chance de manejo inadequado para ITU (OR = 0,45; IC 95%: 0,25 – 0,81 p = 0,01; OR = 0,58; IC 95%: 0,3 – 0,99, p = 0,05, respectivamente) em comparação com as eutróficas. Na avaliação do manejo do serviço de saúde, não houve diferenças estatísticas para as variáveis estudadas. Em relação à avaliação da dimensão da gestante, a chance de manejo inadequado da ITU foi três vezes menor para as primíparas em relação àquelas com um ou mais filhos (OR = 0,31; IC 95%: 0,12 – 0,76, p = 0,01).

Tabela 4
Resultados da análise de regressão logística para o manejo inadequado da infecção urinária conforme as dimensões: profissional de saúde, serviço de saúde e mulher no pré-natal em gestantes do SUS. Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2007-2008.

Na avaliação global, a variável que apresentou significância estatística foi cor da pele (p = 0,01) ( Tabela 5 ). Foi verificado que a chance de ser submetida a um manejo inadequado da ITU no pré-natal foi 2,5 vezes maior para aquelas de cor parda em comparação com aquelas de cor branca (OR = 2,53; IC 95%: 1,31 – 4,87, p = 0,01).

Tabela 5
Resultados da análise de regressão logística para avaliação global do manejo inadequado da infecção urinária no pré-natal em gestantes do SUS. Município do Rio de Janeiro, Brasil, 2007-2008.

Discussão

A proporção de gestantes com infecção do trato urinário (ITU) foi de 46%. Narchi et al.12, por meio de entrevista e análise do cartão de pré-natal, encontraram taxa de 51% de ITU na gravidez. Entretanto, Leal et al. verificaram taxa de ITU na gravidez de 19,2%, com dados informados por pacientes do serviço público13. No estudo que acrescentou o cartão de pré-natal como fonte de informação para ITU na gravidez, o dado da literatura foi semelhante ao nosso, ou seja, apenas a informação autorreferida subestima a prevalência de ITU. Futuros estudos devem considerar outras fontes de informação, como o cartão de pré-natal.

Dentre as gestantes que tiveram ITU, 28% eram adolescentes e foram mais acometidas em comparação com as que tinham mais de 35 anos. Cabral et al. verificaram que a ITU foi mais comuns entre gestantes adolescentes14. Faria et al. observaram taxa de 35,7% de ITU em grávidas adolescentes5.

A anemia foi mais frequente no grupo com ITU, Duarte et al. verificaram que 57% das gestantes com pielonefrite apresentavam anemia14. Diabetes foi mais encontrada no grupo com ITU. Alvarez et al. observaram incidência 2,5 vezes maior de bacteriúria assintomática em gestantes diabéticas comparadas às não diabéticas15.

A pior avaliação foi a do profissional de saúde, 62% inadequado. O que mais contribuiu para este desempenho ruim foi esclarecimento dos riscos da ITU na gravidez. Esta avaliação pode ter sido influenciada pelo grau de escolaridade das gestantes e a dificuldade do profissional de saúde em estabelecer um diálogo e entendimento com as gestantes com pouco estudo. Ainda assim, a satisfação com o atendimento não diferiu conforme a escolaridade, comparando-se as gestantes com até o ensino fundamental e aquelas com mais de 8 anos de estudo. O exame de urina de rotina no pré-natal, EAS ou urinocultura, foi solicitado para 75% das gestantes, e 96% das gestantes com ITU receberam prescrição para tratamento da ITU. Apenas metade das gestantes com ITU referiu ter recebido esclarecimentos sobre os riscos da gravidez. Esse resultado sugere que o profissional pouco conversa com a paciente, talvez pelo excessivo número de atendimentos, com uma prática médica mais voltada para solicitar exames e instituir tratamento. Após o tratamento, em 1/3 dos casos não foi pedido novo exame de urina para controle da infecção, conforme é recomendado pelo Ministério da Saúde1. As gestantes com baixo peso, sobrepeso ou obesidade tiveram melhor assistência do profissional de saúde no PN em relação à ITU em comparação com as eutróficas, o que demonstrou preocupação com estas gestantes de risco.

A disponibilidade do exame de urina na rede pública foi ampla: 98%. Em 2006, 90,5% das gestantes que tiveram nascidos vivos na região Sudeste fizeram exame de urina no pré-natal. Entretanto, 28% das pacientes não conseguiram a medicação para o tratamento16. O tratamento da ITU na gravidez reduz o risco de complicações. Além de beneficiar as pacientes, o tratamento ambulatorial envolve menor custo do que o hospitalar.

As gestantes, comparadas ao profissional de saúde e ao serviço de saúde, foram as que tiveram melhor desempenho na adequação do PN em relação à ITU. As primigestas foram melhor quando comparadas às que já tinham pelo menos um filho. As primigestas parecem demonstrar mais preocupação e zelo com a gravidez do que aquelas que já têm filho. A maioria das gestantes, 81%, tentou pegar a mediação prescrita no SUS e 85% referiram ter tomado a medicação. Esta diferença pode ter ocorrido porque algumas adquiriram a medicação de outra forma ou a resposta dada foi enviesada, viés de informação, sobre o uso do remédio para tratar ITU.

Foi identificado que as gestantes com anemia e diabetes tiveram maior chance de apresentar ITU durante o pré-natal. Mas essas situações de risco não foram suficientes para um melhor cuidado durante o pré-natal. A cor da pele foi condição determinante para um pior ou melhor manejo da ITU no pré-natal. As gestantes de cor parda, comparadas às de cor branca, tiveram pior acompanhamento de pré-natal na avaliação global da ITU. Leal et al.17 reportaram a persistente condição desfavorável das mulheres de pele preta e parda em relação às brancas na assistência pré-natal no município do Rio de Janeiro. Na categoria pré-natal inadequado, segundo o índice de Kotelchuck9, os valores foram bem mais elevados entre as pretas e pardas comparadas às brancas. Silveira et al. verificaram que a prevalência de não realização do exame de urina foi de 10% entre as gestantes pobres, negras e de baixa escolaridade, e de 0,4% em gestantes brancas, ricas e escolarizadas18.

As gestantes sem história de natimortalidade e/ou neomortalidade tiveram uma tendência de receberem pior acompanhamento em relação ao manejo da ITU do que aquelas com estes passados obstétricos. Parece haver um cuidado melhor das gestantes com história obstétrica de risco, provavelmente pelo conhecimento das conseqüências de não investigar e tratar a ITU na gravidez. Mazor-Dray et al. observaram associação independente de ITU com RCIU, pré-eclâmpsia, cesariana e parto prematuro19.

Uma limitação deste estudo foi o fato de metade da amostra ter sido excluída pela impossibilidade de se avaliar o risco de infecção do trato urinário, o que pode ter gerado um viés de seleção. Na análise do grupo excluído em comparação com o grupo incluído no estudo foi observado que não houve diferença entre eles em relação à faixa etária, situação conjugal, paridade, estado nutricional, história de prematuridade, natimortalidade e/ou neomortalidade, idade gestacional no início do pré-natal. No entanto, houve diferença em relação à cor da pele, anos de estudo, trabalho remunerado, anemia, diabetes e adequação do PN, segundo o índice de Kotelchuck. Foram mais excluídas as de cor de pele preta, com menos anos de estudo, sem trabalho remunerado, com anemia, diabetes e com índices de Kotelchuck parcialmente adequado ou inadequado. Mesmo tendo excluídas mais aquelas com anemia, diabetes e com índices de Kotelchuck parcialmente adequado ou inadequado, ainda assim essas características permaneceram associadas ao risco de ITU no PN. Em relação à cor da pele preta, se não houvesse ocorrido esta diferença na seleção das pacientes, talvez na avaliação global do manejo da ITU tivesse entrado a cor de pele preta junto com a parda como fator associado ao manejo inadequado, e nas avaliações do manejo da ITU do serviço de saúde e da gestante poderia ter sido aparecido um resultado diferente. A escolaridade, que também apresentou exclusão diferenciada, quase foi significativa na avaliação do manejo das gestantes (p = 0,09). É possível que se esta exclusão não tivesse ocorrido desta forma, esta variável fosse estatisticamente significativa. Com essas exclusões, pode ter ocorrido uma subestimação das medidas de associação.

Recomendamos, após esses resultados, que os serviços de saúde promovam treinamento dos profissionais de saúde sobre a humanização do atendimento às gestantes. É importante também a educação continuada destes profissionais sobre a relevância da ITU da gravidez, com enfoque nas potenciais repercussões negativas, e assim se incentivar a realização de exames de urina no pré-natal. Às unidades de saúde sugere-se adequar o número de atendimento no pré-natal, a fim de possibilitar um melhor tempo para esclarecimentos dos riscos da doença na gravidez. É importante também chamar a atenção das autoridades públicas da saúde sobre a necessidade do fornecimento de forma regular de medicação para o tratamento da ITU na gravidez.

Os resultados deste estudo são válidos apenas para mulheres que fizeram acompanhamento pré-natal e, portanto, os resultados aqui apresentados devem ser melhores do que aqueles para a população geral, que inclui as gestantes sem acompanhamento pré-natal.

Conclusões

As gestantes que mais apresentaram chance de ITU no pré-natal foram as adolescentes, anêmicas, diabéticas e com qualidade do pré-natal parcialmente adequado ou inadequado, segundo o índice de Kotelchuck9.

A proporção de manejo adequado da ITU no pré-natal foi baixa. O fator que mais contribuiu para um manejo inadequado da ITU foi o profissional de saúde. Houve uma deficiência do serviço público de saúde no fornecimento da medicação para o tratamento da ITU na gravidez. De maneira geral, as gestantes com ITU aderiram às recomendações para ter um bom acompanhamento pré-natal.

O acompanhamento pré-natal, em relação ao manejo da ITU, foi pior para as gestantes de cor parda em comparação com as de cor branca na avaliação global. As gestantes com baixo peso, com sobrepeso e obesidade tiveram menor chance de manejo inadequado da ITU no PN em comparação com as eutróficas na avaliação do profissional de saúde. Na avaliação da gestante, as primíparas tiveram menor risco de manejo inadequado em relação àquelas com um ou mais filhos.

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  • Fontes de financiamento: FAPERJ, número do processo: 170.710/2007; CAPES/FIOCRUZ, número do processo: 403578/2008-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013

Histórico

  • Recebido
    22 Ago 2011
  • Revisado
    5 Mar 2013
  • Aceito
    7 Abr 2013
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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