Relatos de acidentes por animais peçonhentos e medicina popular em agricultores de Cuité, região do Curimataú, Paraíba, Brasil

Hellyson Fidel Araújo de Oliveira Cristiane Francisca da Costa Roberto Sassi Sobre os autores

Resumo

Acidentes por animais peçonhentos ocorridos com agricultores sindicalizados do município de Cuité, região do Curimataú paraibano, e práticas de medicina popular por eles utilizadas foram estudadas neste trabalho, através de entrevistas livres e questionários semiestruturados durante o período de junho a agosto de 2010. A idade dos agricultores pesquisados variou de 11 a 90 anos e a incidência de pessoas que sofreram algum acidente com esses animais chegou a 89,3%. Escorpiões, marimbondos, abelhas e serpentes foram os animais mais citados. As extremidades do corpo (mãos, pés, pernas e cabeça) foram as regiões mais atingidas. A prática da medicina popular para tratar desses acidentes inclui vários procedimentos que vão desde tratamentos ritualísticos, uso de animais ou partes dele, até preparos fitoterápicos. O tratamento caseiro é reconhecido como sendo eficaz pela maioria dos que sofreram acidentes (63,9%). Serpentes mortas têm várias partes do corpo arrancadas e usadas em tratamentos zooterápicos diversos. No imaginário dos agricultores, os animais peçonhentos são vistos como perigosos (48,7%) ou nojentos (11,3%), e diversas partes desses animais como chocalho, ferrão da abelha ou couro da cobra são usadas como amuletos de sorte. Inúmeras lendas também foram relatadas com cobras, escorpiões e abelhas. A necessidade de atividades educacionais visando esclarecer esses trabalhadores sobre os perigos dessas práticas é urgente.

Caatinga; Animais venenosos; Acidente ofídico; Medicina popular; Zooterapia; Cuité


Introdução

As notificações de acidentes por animais peçonhentos têm aumentado de forma extraordinária, principalmente na zona rural11. Cardoso JLC, Brando RB. Acidentes por animais peçonhentos. São Paulo: Santos; 1982.

2. Feitosa RFG, Melo I, Monteiro HSA. Epidemiologia dos acidentes por serpentes peçonhentas no Estado do Ceará - Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 1997; 30(4): 295-301.

3. Borges CC, Sadahiro M, Santos MC. Aspectos epidemiológicos e clínicos dos acidentes ofídicos ocorridos nos municípios do Estado do Amazonas. Rev Soc Bras Med Trop 1999; 32: 637-646.
- 44. Bochner R, Struchiner CJ. Aspectos ambientais e sócio-econômicos relacionados à incidência de acidentes ofídicos no Estado do Rio de Janeiro de 1990 a 1996: uma análise exploratória. Cad Saúde Pública 2004; 20: 976-985., e uma das principais causas pode estar relacionada às modificações no ambiente produzidas pelo homem55. Lima JS, Martelli Júnior H, Martelli DRB, Silva MS, Carvalho SFG, Canela, et al. Perfil dos acidentes ofídicos no norte do Estado de Minas Gerais, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 2009; 42(5): 561-564.. Mudanças em ambientes rurais reduzem a qualidade e a disponibilidade de habitats, fazendo com que os contatos desses animais com humanos se tornem mais frequentes.

A maioria desses acidentes constitui problema de saúde pública e acontecem particularmente em áreas rurais remotas. Alterações ambientais devido à urbanização podem favorecer as condições necessárias à presença de serpentes nas cidades, o que somado a práticas sanitárias deficientes e desconhecimento populacional de práticas de cuidado e prevenção66. Nascimento SP. Aspectos epidemiológicos dos acidentes ofídicos ocorridos no Estado de Roraima, Brasil, entre 1992 e 1998. Cad Saúde Pública 2000; 16: 1-8. , 77. Carvalho MA, Nogueira F. Serpentes da área urbana de Cuiabá, Mato Grosso: aspectos ecológicos e acidentes ofídicos associados. Cad Saúde Pública 1998; 14: 753-763..

Um número indeterminado de acidentes não são notificados, porque os pacientes não procuram atendimento em serviços de saúde (ou médico-hospitalares). Além disso, conhecer de que forma as populações locais lidam com esses acidentes torna-se relevante, pois muitas das práticas por eles utilizadas no tratamento desses casos podem trazer complicações à saúde, colocando em risco a vida das pessoas. Essas práticas precisam ser catalogadas, visto que podem ser úteis em programas educacionais preventivos.

Dentre os animais peçonhentos e venenosos causadores de acidentes no Brasil destacam-se as serpentes e alguns artrópodes, particularmente escorpiões e aranhas22. Feitosa RFG, Melo I, Monteiro HSA. Epidemiologia dos acidentes por serpentes peçonhentas no Estado do Ceará - Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 1997; 30(4): 295-301.. Em menor escala, também são citados as lacraias (quilópodos), alguns himenópteros (abelhas, vespas e formigas), coleópteros (besouros conhecidos como potós) e larvas de lepidópteros urticantes (lagartas-de-fogo).

As atividades de agricultura e pecuária desenvolvidas sem o uso de equipamentos de proteção individual aumentam a exposição aos animais peçonhentos, contribuindo para aumentar os acidentes88. Lima & Vasconcelos. Acidentes com animais peçonhentos: um estudo etnozoológico com agricultores de Tacaratu, sertão de Pernambuco. Sitientibus Serie Ciênc Biol 2006; 6(2): 138-144..

Os dados oficiais indicam que somente os acidentes ofídicos somam em média 28.000 casos por ano no Brasil, com letalidade próxima a 0,4%99. Brazil V. Contribuição ao estudo do veneno ophidico. Revista Médica de São Paulo 1901; 4: 255-260. , 1010. FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Ministério da Saúde. Brasília 2001, p. 120.. São provocados principalmente por serpentes dos gêneros Bothrops, Crotalus, Lachesis e Micrurus 33. Borges CC, Sadahiro M, Santos MC. Aspectos epidemiológicos e clínicos dos acidentes ofídicos ocorridos nos municípios do Estado do Amazonas. Rev Soc Bras Med Trop 1999; 32: 637-646. , 66. Nascimento SP. Aspectos epidemiológicos dos acidentes ofídicos ocorridos no Estado de Roraima, Brasil, entre 1992 e 1998. Cad Saúde Pública 2000; 16: 1-8. , 77. Carvalho MA, Nogueira F. Serpentes da área urbana de Cuiabá, Mato Grosso: aspectos ecológicos e acidentes ofídicos associados. Cad Saúde Pública 1998; 14: 753-763. , 1111. Amaral A. Contribuição à biologia dos ophidios brasileiros (habitat, hábitos e alimentação). Coletâneas de Trabalhos do Instituto Butantan (1918-1924) 1927; 2: 177-181.

12. Caiaffa WT, Antunes CM, Oliveira HR, Diniz CR. Epidemiological and clinical aspects of snakebite in Belo Horizonte, Southeast Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo 1997; 39: 113-118.

13. Jorge MT, Ribeiro LA. Acidentes por serpentes peçonhentas do Brasil. Rev Assoc Med Bras 1990; 36: 66-77.

14. Moreno E, Queiroz-Andrade M, Lira-da-Silva RM, Tavares-Neto J. Características clínicoepidemiológicas dos acidentes ofídicos em Rio Branco, Acre. Rev Soc Bras Med Trop 2005; 38: 15-21.

15. Pinho FMO, Oliveira ES, Pereira ID. Acidente ofídico no estado de Goiás. Rev Assoc Med Bras 2004; 50: 93-96.
- 1616. Silveira PV, Nishioka SA. Non-venomous snake bite and snake bite without envenoming in a brazilian teaching hospital: analysis of 91 cases. Rev Inst Med Trop São Paulo 1992; 34: 499-503., sendo que o primeiro isoladamente responde por aproximadamente 85% dos envenenamentos por serpentes peçonhentas1717. Resende CC, Araújo FAA, Sallenave RNUR. Análise epidemiológica dos acidentes ofídicos. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde. Brasília 1989. , 1818. Ribeiro LA. Epidemiology of ophidic accidents. Memórias do Instituto Butantan 1990; 52(Suppl): 15-16..

Os gêneros Bothrops (jararacas) e Micrurus (corais) podem ser encontrados em todo o território nacional, enquanto o gênero Crotalus (cascavéis) se distribui preferencialmente pelo sudeste e sul, e as Lachesis (surucucus), ocorrem na Região Amazônica e em áreas de mata atlântica remanescentes1919. Azevedo-Marques MM, Cupo P, Hering SE. Acidentes por animais peçonhentos: serpentes peçonhentas. In: Simpósio Urgências e Emergências Dermatológicas e Toxicológicas. capítulo IV. Ribeirão Preto 2003; 36: 480-489. .

Na região nordeste do Brasil, acidentes por animais peçonhentos são comuns. O tratamento imediato empregado pelos trabalhadores rurais e sertanejos urbanos geralmente inclui o uso da medicina popular, suplementado por simpatias e rituais religiosos. Essas práticas são utilizadas no combate a diversos problemas de saúde, incluindo o tratamento dos acidentes por animais peçonhentos88. Lima & Vasconcelos. Acidentes com animais peçonhentos: um estudo etnozoológico com agricultores de Tacaratu, sertão de Pernambuco. Sitientibus Serie Ciênc Biol 2006; 6(2): 138-144..

Integram a chamada Medicina Tradicional (MT) e consistem num sistema holístico de cura que envolve a fitoterapia, medicina religiosa, medicina mágica e a zooterapia2020. Souto Maior, M. A medicina popular e alguns remédios curiosos. Fundação Joaquim Nabuco. (Trabalhos para discussão, n.75), 1997. , 2121. Alves, RRN & Rosa, IL. From cnidarians to mammals: The use of animals as remedies in fishing communities in NE Brazil. J Ethnopharmacol 2006; 1- 18.. Suas aplicações cobrem o corpo, a mente e a alma2222. World Health Organization. The Promotion and Development of Traditional Medicine.- Geneva; 1978. (WHO - Technical Report Series, 622) .

23. World Health Organization. Traditional Medicine Strategy 2002-2005. Geneva; 2002. (WHO/EDM/TRM/2002.1).
- 2424. Johns T, Kokwaro JO, Kimanani EK. Herbal remedies of the Luo of Siaya district, Kenya: establishing quantitative criteria for consensus. Econ Botany 1990; 44 (3): 369-381. e baseiam-se em teorias, crenças e experiências culturais nativas, explicáveis ou não, usadas na manutenção da saúde, diagnóstico, prevenção ou eliminação física, mental ou social das doenças, exclusivamente adquiridas na experiência prática e observação, e transmitida de geração em geração verbalmente ou por escrito2222. World Health Organization. The Promotion and Development of Traditional Medicine.- Geneva; 1978. (WHO - Technical Report Series, 622) ..

No Brasil, o uso dos produtos derivados da medicina popular foi registrado muito antes da colonização2525. Costa-Neto EM, Pacheco JM. Utilização medicinal de insetos no povoado de Pedra Branca, Santa Terezinha, Bahia, Brasil. Biotemas 2005; 18: 113-133.. Povos indígenas os utilizavam para a cura de doenças ou para fazer poções que "purificavam" o espírito26 e, segundo o Ministério do Meio Ambiente, pelo menos 150 produtos de origem vegetal são reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como de real valor terapêutico26. Além de plantas, produtos de origem animal também são popularmente utilizados no combate a várias doenças2121. Alves, RRN & Rosa, IL. From cnidarians to mammals: The use of animals as remedies in fishing communities in NE Brazil. J Ethnopharmacol 2006; 1- 18. , 2727. Costa-Neto EM. Recursos animais utilizados na medicina tradicional dos índios Pankararé que habitam no nordeste do estado da Bahia, Brasil. Actual Biol 1999b; 21: 69-79. , 2828. Costa-Neto EM, Marques JGW. Faunistic resources used as medicines by artisanal fishermen from Siribinha Beach, State of Bahia, Brazil. J Ethnobiol 2000; 20: 93-109..

No Estado da Paraíba, estudos acerca das práticas de medicina popular são incipientes e os poucos trabalhos desenvolvidos sobre o assunto têm sido realizados com etnias indígenas2121. Alves, RRN & Rosa, IL. From cnidarians to mammals: The use of animals as remedies in fishing communities in NE Brazil. J Ethnopharmacol 2006; 1- 18.. Além disso, pouco se sabe acerca dos acidentes ocorridos por animais peçonhentos entre os agricultores do estado, e nenhum estudo até então relaciona as práticas de medicina popular usadas no tratamento desses acidentes.

Este artigo relata acidentes por esses animais entre os agricultores sindicalizados do município de Cuité, Paraíba, e enfatiza as práticas usadas pelos trabalhadores acometidos por tais acidentes, destacando aspectos da zooterapia e da médica ritualística.

Métodos

A pesquisa foi desenvolvida com os agricultores sindicalizados do município de Cuité (6º28'53, 94" S e 36º08'58,87" W), localizado na mesorregião do Agreste Paraibano e na microrregião do Curimataú Ocidental. A região se acha inserida no domínio do bioma Caatinga, e o clima local, de natureza semiárida. A precipitação pluviométrica anual é de 916,30 mm e a média mensal é de 76,35 mm. Por sua latitude, quase sempre apresenta uma temperatura, oscilante entre 17 e 28ºC.

Em toda a região existem expressivos núcleos de degradação ambiental indicando que o processo de conversão do ambiente natural para usos humanos vem se intensificando. Dados do IBGE30 mostram que aproximadamente 38% do território do município são cobertos por pastagens naturais e matas, 13% são de florestas naturais, 15% correspondem às lavouras temporárias, 5% são de lavouras permanentes, e as pastagens plantadas representam 2%.

Mandioca, feijão, milho e fava representam os principais cultivares, mas em muitos locais existe uma fruticultura bem desenvolvida, especialmente de maracujá e caju. A criação de aves, a bovinocultura e a caprinocultura representam os maiores índices da pecuária local.

O trabalho foi desenvolvido no período de junho a agosto de 2010 com 150 agricultores sindicalizados do município de Cuité, Paraíba, residentes em duas agrovilas (Agrovila do Melo e Agrovila do Bujari), dois assentamentos (Assentamento Campo Comprido e Assentamento das Cabaças), dois bairros da zona urbana (Bairro Eucalipto e São José) e dois sítios do município (Sítio Campo Comprido e Muralhas).

O procedimento adotado baseou-se na realização de entrevistas livres e aplicação de questionários semiestruturados, técnica comumente utilizada em estudos similares88. Lima & Vasconcelos. Acidentes com animais peçonhentos: um estudo etnozoológico com agricultores de Tacaratu, sertão de Pernambuco. Sitientibus Serie Ciênc Biol 2006; 6(2): 138-144. , 3131. Marcelino RL, Sassi R, Cordeiro TA, Costa CF. Uma abordagem sócio-econômica e sócio-ambiental dos pescadores artesanais e outros usuários ribeirinhos do estuário do rio Paraíba do Norte, Estado da Paraíba, Brasil. Tropical Oceanography, Recife 2005; 33(2): 179-192. ,32.

As entrevistas tiveram o propósito de facilitar a relação entre o entrevistador e os entrevistados permitindo que se registrassem em equipamento eletromagnético e/ou por escrito as informações relatadas. Os registros foram transcritos, mantendo-se a fidelidade das expressões e palavras nativas. Para as entrevistas livres seguiu-se a aplicação dos questionários semiestruturados, em que se procurou detalhar as condições sócioeconômicas dos entrevistados, a frequência de ocorrência de acidentes por animais peçonhentos, o tipo de animal responsável pelo acidente, a parte do corpo afetada, os procedimentos adotados para aliviar os sintomas, entre outros, sendo que todos os entrevistados responderam aos questionários e apresentaram suas opiniões a respeito.

Também foram levantados dados acerca da percepção dos agricultores quanto aos animais peçonhentos e acerca da prática da medicina popular, incluindo-se, nesse caso, a forma com que eles veem esses animais, o conhecimento que têm acerca de lendas ou mitos sobre eles, a sua utilização para finalidades medicinais, a eficácia do tratamento utilizado, como tal conhecimento é socializado entre integrantes da família, entre outros aspectos.

Cada entrevista durou cerca de 20 minutos, tempo necessário para explicação por parte do entrevistador dos objetivos da pesquisa e realização das perguntas propostas. O agricultor estava livre para fazer as colocações que achasse necessárias no momento da entrevista. As entrevistas ocorreram em suas respectivas residências. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Paraíba, sob o protocolo nº 0599.0.126.000-10.

A análise estatística dos dados foi realizada por meio da aplicação de testes de frequência simples, utilizando o programa Excel 7.0. Todos os dados quantitativos obtidos representaram as respostas dos entrevistados.

Resultados e Discussão

A maioria dos entrevistados é casada (62,0%), existe predomínio do sexo masculino, refletindo a predominância da figura masculina na agricultura local (52,0%), católico (92,0%), de baixo nível de escolaridade (48,0% estudaram da 1a à 4a série apenas) a analfabetos (34,0% analfabetos). Possuem moradia própria (93%). Residem em casa de alvenaria (92,7%), coberta de telhas (96,7%). A faixa etária dos entrevistados variou de 11 a 90 anos, com uma grande parcela de acidentados entre 51 e 60 anos (25,0%), 41 a 50 anos (22,0%) e 31 a 40 anos (22,0%). Trinta e três por cento dos entrevistados residem na cidade Cuité, 31% em agrovilas, 20,0% em assentamentos e 16,0% em sítios.

As entrevistas revelaram um maior percentual de acidentes com animais peçonhentos em pessoas do sexo masculino (52,0%). Tal achado está de acordo com todas as casuísticas nacionais, e provavelmente se deve à maior frequência com que os homens realizam atividades no campo. Já foi referida também a acentuada frequência de acidentes com indivíduos entre 10 ou 15 e 49 ou 50 anos de idade13,17,33-37.

Dos entrevistados, 89,3% informaram que já sofreram algum tipo de acidente por esses animais, sendo que a maioria ocorreu durante o trabalho (78,7%). No entanto, a percepção deles é que esses casos têm diminuído, porque a quantidade desses animais, especialmente as serpentes, vem diminuindo, conforme alegaram 57,4% dos entrevistados, devido ao fato de matarem muito (17,1% das respostas) ou porque lhes faltam alimento no período de seca (13,4% das respostas), ou ainda por conta do desmatamento (8,5%).

Os principais animais peçonhentos envolvidos nesses acidentes foram os escorpiões, marimbondos, abelhas e serpentes, sendo que os primeiros representaram 58,9% das respostas dos agricultores entrevistados.

Dentre os escorpiões, a maioria dos acidentes aconteceu com o escorpião amarelo, possivelmente a espécie Tityus stigmurus Thorell, 1876 (50,3% dos casos), seguido pelo escorpião preto Bothriurus spp. (8,6% dos casos), porém muitos entrevistados relataram não se lembrarem se era escorpião amarelo ou preto.

Esta informação foi checada a partir de contatos com o Centro de Assistência Toxicológica da Paraíba, ligado ao Hospital Universitário Lauro Wanderley, da UFPB, em função da dificuldade de se identificar escorpiões pela descrição de lavradores em entrevistas, e pelo fato de que a cor do animal não pode ser tomada como um parâmetro de confiança para tal finalidade.

Apesar da elevada frequência de acidentes por esses animais, os agricultores relataram que eles não são perigosos e que os acidentes ocorrem quando realizam suas atividades diárias. Essa situação sugere a não utilização de equipamentos de proteção individual, em particular nas áreas de agricultura não mecanizada.

Considerando estas observações, o uso de equipamentos de proteção específicos, como perneiras, botas de cano alto e luvas, bem como o uso de enxadas e pás para retirar entulhos e remover o mato, poderiam contribuir para a redução dos acidentes por esses animais.

Acidentes com marimbondos e abelhas (Ordem Hymenoptera) foram relatados em 51,5% e em 39,6% dos agricultores, respectivamente, sendo a cabeça a região do corpo mais atingida. Mesmo não sendo animais dos mais perigosos, o ataque pode ser fatal em casos de hipersensibilidade, ao desencadear processos alérgicos na vítima que podem ser promovidos por uma única picada ou por muitas abelhas em casos de enxames, e levar o acidentado à morte, em virtude de edema de glote ou choque anafilático1010. FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Ministério da Saúde. Brasília 2001, p. 120. , 3838. Vetter RS, Kirk VP. Mass envenomations by honey bees and wasps. West J Med 1999; 170(4): 223-227.. A facilidade de locomoção desses insetos e sua ubiquidade, colonizando árvores, forros de residências e outros abrigos, aumentam as chances de contato com humanos3939. Melo MHSH, Silva EA, Natal D. Abelhas africanizadas em área metropolitana do Brasil: abrigos e influências climáticas. Rev Saúde Pública 2003; 37(2): 237-241..

Cinquenta e sete dos entrevistados (38,8%) disseram ter sofrido acidente por diferentes espécies de serpentes, incluindo: a cobra coral (possivelmente Micrurus lemniscatus (Linnaeus, 1758); 6,7% dos casos), cascavel (possivelmente Crotalus durissus (Linnaeus, 1758); 7,5% dos casos), cobra guipeba, que segundo eles é a jararaca jovem (1,5% dos casos), Jararaca (possivelmente Bothrops jararaca (Wied, 1824); 14,2%); malha de cascavel que segundo eles também é a mesma jararaca (3,7%); cobra corre-campo (possivelmente Thamnodynastes pallidus (Linnaeus, 1758); 2,2%), cobra verde (possivelmente Philodryas olfersii (Lichtenstein, 1823); 2,2%); jararacuçu que segundo os agricultores é a jararaca-pintada (0,7% dos casos) e a cobra d'água (possivelmente Helicops modestus (Günther, 1861); 1,5%).

O gênero Bothrops foi responsável pela maioria dos acidentes envolvendo serpentes peçonhentas, confirmando dados de outras regiões do país para a zona rural4040. Albuquerque HN, Costa TBG, Cavalcanti MLF. Estudo dos acidentes ofídicos provocados por serpentes do gênero Bothrops notificados no estado da Paraíba. Rev Biol Ciênc Terra 2004; 5: 1-7.. Devido à capacidade de se adaptar a diferentes tipos de ambientes, as serpentes desse gênero podem ser encontradas nos mais diversos locais.

Conforme assinalaram, os membros inferiores, principalmente os pés foram as partes do corpo mais afetadas, confirmando o que já tem sido relatado por outros autores22. Feitosa RFG, Melo I, Monteiro HSA. Epidemiologia dos acidentes por serpentes peçonhentas no Estado do Ceará - Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 1997; 30(4): 295-301. , 33. Borges CC, Sadahiro M, Santos MC. Aspectos epidemiológicos e clínicos dos acidentes ofídicos ocorridos nos municípios do Estado do Amazonas. Rev Soc Bras Med Trop 1999; 32: 637-646. , 55. Lima JS, Martelli Júnior H, Martelli DRB, Silva MS, Carvalho SFG, Canela, et al. Perfil dos acidentes ofídicos no norte do Estado de Minas Gerais, Brasil. Rev Soc Bras Med Trop 2009; 42(5): 561-564. , 66. Nascimento SP. Aspectos epidemiológicos dos acidentes ofídicos ocorridos no Estado de Roraima, Brasil, entre 1992 e 1998. Cad Saúde Pública 2000; 16: 1-8. , 1313. Jorge MT, Ribeiro LA. Acidentes por serpentes peçonhentas do Brasil. Rev Assoc Med Bras 1990; 36: 66-77. , 1414. Moreno E, Queiroz-Andrade M, Lira-da-Silva RM, Tavares-Neto J. Características clínicoepidemiológicas dos acidentes ofídicos em Rio Branco, Acre. Rev Soc Bras Med Trop 2005; 38: 15-21.. Em 30.037 acidentes notificados de junho de 1986 a dezembro de 1987 ao Ministério da Saúde do Brasil, 58,0% das picadas aconteceram nos pés ou pernas, portanto, abaixo do joelho17. Isso se deve aos hábitos terrestres das serpentes peçonhentas brasileiras e à capacidade que têm de desferir comportamento defensivo até uma distância que não costuma exceder um terço do seu comprimento4141. Rosenfeld G. Animais peçonhentos e tóxicos do Brasil. In: Lacaz CS, Baruzzi RG, Siqueira E (eds) Introdução à geografia médica do Brasil. São Paulo: Edgard Blucher. São Paulo 1972; 430-475..

Segundo seus relatos, a maioria dos acidentes aconteceu durante o período chuvoso, ocasião em que os trabalhadores dedicam-se ao preparo da terra e cuidados com as lavouras. Dentre os entrevistados, 69,3% relataram que é nessa época do ano que os animais peçonhentos aparecem em maior quantidade. Dados da literatura indicam que o clima quente e chuvoso corresponde ao período de maior atividade de Bothrops spp.42. A sazonalidade do acidente parece depender mais das condições ambientais e da atividade do homem. Serpentes peçonhentas têm hábitos vespertinos e noturnos1111. Amaral A. Contribuição à biologia dos ophidios brasileiros (habitat, hábitos e alimentação). Coletâneas de Trabalhos do Instituto Butantan (1918-1924) 1927; 2: 177-181. , 4040. Albuquerque HN, Costa TBG, Cavalcanti MLF. Estudo dos acidentes ofídicos provocados por serpentes do gênero Bothrops notificados no estado da Paraíba. Rev Biol Ciênc Terra 2004; 5: 1-7. de modo que acidentes diurnos estão associados com a maior atividade diurna do homem do campo.

Vários agricultores relataram ter sofrido mais de um acidente por esses animais e que familiares chegaram a óbito devido a estes acidentes. Na agrovila do Melo, dos cinco casos de óbitos relatados quatro foram por serpentes e um por aranha. As vítimas pertenciam ao sexo masculino, 60% dos acidentados procuraram auxílio médico geralmente após 24 horas do acidente e o gênero do animal não foi identificado. No assentamento Cabaças e Sítio Campo Comprido os casos de óbitos relatados pelos entrevistados foram provocados por serpentes (Tabela 1).

Tabela 1
- Casos de acidentes por animais peçonhentos relatados pelos agricultores sindicalizados do município de Cuité, Paraíba, durante entrevistas no período de junho a agosto de 2010 e totais de óbitos em cada localidade pesquisada, conforme relatado pelos entrevistados.

Grande parte dos acidentes por animais peçonhentos (33,6%) representa relatos antigos (ocorridos há muito tempo), porém muitos entrevistados (24,6%) afirmaram que os acidentes acontecem sempre. Conforme relataram, eles foram mais frequentes no trabalho (78,7%) onde as atividades dos agricultores oferecem maior possibilidade de contato com esses animais. Isso ocorre provavelmente devido à degradação ambiental que contribui para diminuição do habitat natural desses animais.

Um total de 58,2% dos acidentados procurou por auxílio médico, mas apenas 23,1% deles procuraram por socorro imediato. A pequena procura por socorro médico principalmente em casos de acidentes por serpentes pode justificar os casos de óbitos na região.

O tempo decorrido entre o acidente, atendimento e tipo de envenenamento pode elevar a letalidade em até oito vezes essa taxa, como no envenenamento crotálico, quando o atendimento é realizado mais de 6 a 12 horas após o acidente (4,7%). A frequência de sequelas, relacionadas a complicações locais, é bem mais elevada (em torno de 10%) nos acidentes botrópicos, associada aos fatores de risco como o uso de torniquete, picada em extremidades (dedos de mãos e pés) e retardo na administração da soroterapia17,44. A maioria dos entrevistados (82,8%) alegou ter matado o animal, mas não o levou para possível identificação pelo profissional médico (56,7%). Todos os que procuraram auxílio foram medicados, e a internação ocorreu em 36,6% dos casos, com tempo máximo de internação de 1 a 5 dias (42,9%).

Grande parcela dos entrevistados considera os animais peçonhentos como perigosos (48,7%) ou nojentos (11,3%), devido a serem frequentes casos de acidentes por esses animais na região, podendo causar mortes e/ou sequelas que levam à incapacidade temporária para o trabalho e outras atividades laborais.

O tratamento caseiro para acidentes com esses animais inclui uso do fumo, cuspir na boca da pessoa picada, subir em cima de uma cadeira, urinar no ferimento, beber cachaça com alho, usar banha do índio e álcool no local da picada, e, no caso de acidentes com marimbondos, colocar a enxada sobre o ferimento (Tabela 2). A maioria dos entrevistados alegou que essas práticas de medicina popular são eficazes (63,9%) e 70,5% deles recomendou seu uso para conhecidos.

Tabela 2
- Procedimentos da medicina popular utilizados pelos agricultores sindicalizados do município de Cuité, Paraíba, para tratamento de acidentes por animais peçonhentos. Dados obtidos por entrevistas realizadas no período de junho a agosto de 2008.

A literatura especializada indica que nos casos de acidentes botrópicos não se deve usar torniquete (garrote), não se deve cortar ou provocar qualquer ferimento no local da picada, não se deve dar calmantes nem bebidas alcoólicas ou qualquer outra beberragem ao acidentado e não se deve colocar no local da picada substância de qualquer natureza, sejam pomadas, fumo, cinza ou outra substância qualquer1919. Azevedo-Marques MM, Cupo P, Hering SE. Acidentes por animais peçonhentos: serpentes peçonhentas. In: Simpósio Urgências e Emergências Dermatológicas e Toxicológicas. capítulo IV. Ribeirão Preto 2003; 36: 480-489. . Tais recomendações se contrapõem com as práticas de medicina popular que têm sido adotadas pelos agricultores sindicalizados do município de Cuité, e indicam que atitudes como as que eles empregam devem ser desaconselhadas, pois oferecem riscos de complicações secundárias1313. Jorge MT, Ribeiro LA. Acidentes por serpentes peçonhentas do Brasil. Rev Assoc Med Bras 1990; 36: 66-77..

No Estado da Bahia há relatos de práticas similares4545. Costa Neto EM. Barata é um santo remédio: introdução à zooterapia popular no estado da Bahia. Feira de Santana: UEFS. 1999 a. e que em casos de acidentes com escorpiões é comum o uso de procedimentos pouco conhecidos, como "subir em uma superfície alta e olhar para o céu", "subir em uma superfície alta e pular", "sair pulando" ou ainda "ficar mais alto que o escorpião". Outros procedimentos incluem pegar o próprio animal já morto, macerá-lo e aplicar a massa sobre o local do acidente, o uso do alho e a maceração de folhas verdes de plantas locais sobre a picada como processos paliativos, a ingestão de contraveneno (substâncias de efeito neutralizante de peçonhas) e de aguardente de cana, além de derramar a aguardente sobre o local da picada. Muitos desses procedimentos também foram reportados nesta pesquisa (Tabela 2).

Um pequeno número de pessoas (7,5%) também alegou procurar ajuda de rezadeiras/curandeiros da região, pois acreditam que esses profissionais possuem um saber místico que é capaz de promover a cura e cofiam neles. Inúmeras lendas também foram relatadas, especialmente nos casos de acidentes com serpentes, escorpiões e abelhas (Tabela 3), sendo que as mais citadas foram: a da "cobra coral, que quando pica uma pessoa só sai da cumieira da casa quando o caixão com a pessoa morta é retirado de casa" (67,45%), a de que "pessoas que são curadas de cobra podem cuspir na boca de quem for picado que ele sara" (58,1%), e de que se "colocar fumo na boca de uma cobra ela morre" (18,6%).

Tabela 3
- Lendas relatadas pelos agricultores sindicalizados do município de Cuité, Paraíba, sobre animais peçonhentos. Dados obtidos por entrevistas realizadas no período de junho a agosto de 2008.

A maioria dos agricultores não acredita que levar junto de si parte do corpo de animais peçonhentos possa atrair sorte, mas um pequeno número dos entrevistados (8,7%) afirmou que costumam utilizar tais materiais como amuletos de sorte destacando o chocalho da cascavel como o mais importante (69,2%), além do ferrão da abelha, do couro e do olho da cobra.

Todas essas práticas adotadas se acham incorporadas no conceito de Medicina Tradicional (MT) e seu uso em nosso país pode ser explicado tanto por tradições culturais como pelos custos dos tratamentos alopáticos. A difusão da MT entre as classes sociais menos favorecidas associa-se com a dificuldade enfrentada por essas pessoas para conseguir atendimento médico adequado em instituições públicas de saúde. Além disso, o sincretismo religioso herdado de nativos e colonizadores são fatores que se mantiveram enraizados na cultura popular. Neste caso em particular, a fé interage no procedimento de cura em muitos rituais religiosos dos quais participam curandeiros e rezadores e nessas práticas é frequente o uso de recursos da natureza88. Lima & Vasconcelos. Acidentes com animais peçonhentos: um estudo etnozoológico com agricultores de Tacaratu, sertão de Pernambuco. Sitientibus Serie Ciênc Biol 2006; 6(2): 138-144..

No Brasil, há referências de práticas similares com paraibanos e maranhenses que fazem usos de lacraias para aliviar a dor provocada por ferimentos causados por picadas de insetos e de cobras, sendo que nesses casos o animal é colocado em álcool e a solução é esfregada na área afetada. Paraibanos e maranhenses também utilizam a pele do guaxinim (Procyon cancrivorus (G. [Baron] Cuvier, 1798)) como um amuleto de proteção contra picada de cobras²¹. Outra aplicação zooterápica desse produto é para o tratamento de trombose, sendo que neste caso ele é preparado na forma de chá2121. Alves, RRN & Rosa, IL. From cnidarians to mammals: The use of animals as remedies in fishing communities in NE Brazil. J Ethnopharmacol 2006; 1- 18.. Práticas como estas não foram relatadas pelos trabalhadores rurais de Cuité.

No que concerne a outras práticas da medicina popular, evidenciou-se que os agricultores sindicalizados do município de Cuité incluem vários tipos de animais que são utilizados para finalidades medicinais diversas, sendo as serpentes comumente as mais usadas, sendo que a maioria dos produtos zooterapêuticos usados provém da caça desses animais. Dessa forma, os agricultores locais, utilizam as atividades de caça para também obter alimentos e remédios.

A obtenção dos remédios se dá mediante a utilização das espécies inteiras, ou de diferentes partes destas, podendo ser empregadas de diferentes modos. O modo de preparo mais comumente utilizado pelos agricultores sindicalizados do município de Cuité foi a banha (gordura) (Tabela 4). Essa forma de utilização zooterápica também é relatada em diversos trabalhos4545. Costa Neto EM. Barata é um santo remédio: introdução à zooterapia popular no estado da Bahia. Feira de Santana: UEFS. 1999 a.

46. Costa Neto, EM. Healing with animals in Feira de Santana City, Bahia, Brazil. J Ethnopharmacol 1999 b; 65: 225-230.
- 4747. Alves RRN, Rosa IL. Zootherapeutic practices among fishing communities in North and Northeast Brazil: A comparison. J Ethnopharmacol 2007; 111: 82-103..

Tabela 4
- Recursos faunísticos utilizados na medicina popular pelos agricultores sindicalizados do município de Cuité, Paraíba. Dados obtidos por entrevistas realizadas no período de junho a agosto de 2008.

Dentre os recursos faunísticos, ou partes deles, utilizados com fins medicinais destacam-se a banha de cascavel, banha da raposa, banha de cágado e de teju (Tabela 4). Dentre a fauna local, as serpentes (Reptilia) sobressaem-se como recursos de significativa importância para os moradores, principalmente da zona rural do município, onde esses animais são utilizados como remédio.

A principal espécie utilizada é a cobra cascavel (Crotalus durissus (Linnaeus, 1758); Família Viperidae), tendo finalidade no tratamento da asma, na cura de dores na coluna, problemas da garganta, dores no ouvido, reumatismo, vermelhidão, inflamação e no tratamento do câncer. O procedimento utilizado para obtenção do produto, de acordo com alguns entrevistados, é matar o animal, retirar toda a gordura e colocar no fogo até se tornar um produto líquido resistente que é guardado em garrafas PET e ingerido quando necessário. Conforme os agricultores, esses produtos devem ser acondicionados em locais frescos.

C. durissus (Linnaeus, 1758) é referida como uma das serpentes mais utilizadas na medicina popular de outras regiões2121. Alves, RRN & Rosa, IL. From cnidarians to mammals: The use of animals as remedies in fishing communities in NE Brazil. J Ethnopharmacol 2006; 1- 18.. Preparados derivados de C. durissus e da centopeia Scolopendra sp (Scolopendridae) são utilizadas para diversas doenças, bem como para o tratamento de reações provocadas por insetos e picadas de cobra. Vários outros animais como escorpiões (Scorpionidae), tejuaçu (Tupinambis teguixin sp. (Linnaeus, 1758) e jacarés (Paleosuchus palpebrosus (Cuvier, 1807), também são utilizados como preparados zooterápicos no tratamento de injúrias causadas por picadas de cobra, sendo que os mesmos animais são utilizados no tratamento de diversos tipos de enfermidades em várias localidades da região nordeste do Brasil21.

A pesquisa reflete um viés de comunidades locais que vivem na zona semiárida brasileira, e que por muito tempo têm ficado à margem de políticas públicas nacionais. Os casos identificados retratam um problema de saúde pública que vem acometendo áreas rurais remotas, onde há escassez de dados epidemiológicos relacionados com o assunto.

Os saberes dessas comunidades precisam ser estudados, pois muitos podem ter interesses científicos. Com elas se pode aprender uma variedade de aplicações para a flora e fauna locais. Dada a velocidade com que os ambientes naturais estão sendo convertidos para usos humanos, muitos desses recursos poderão ser exauridos antes mesmo que sua importância real seja conhecida. Entretanto, muitos usos que fazem de recursos naturais, e muitas práticas terapêuticas como as que foram levantadas na pesquisa são mitos e lendas, o que justifica a premência de incrementar processos educativos preventivos a essas comunidades, visando melhorar a qualidade de vida e as condições de saúde da população.

Agradecimentos

Os autores agradecem a todos os entrevistados pelas informações concedidas. Agradecem também ao Programa de Bolsa de Extensão Universitária (PROBEX/CES) da Universidade Federal de Campina Grande, pela concessão da bolsa e ao Profº Dr. Breno M. Grisi pela revisão do abstract e das legendas em inglês.

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Correspondência: Hellyson Fidel Araújo de Oliveira Rua Quinze de Novembro, 63 São João do Cariri, CEP: 58590-000 Paraíba - Brasil E-mail: fidelbio@hotmail.com
Conflito de interesses: nada a declarar

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2013

Histórico

  • Recebido
    09 Nov 2011
  • Revisado
    04 Set 2012
  • Aceito
    31 Out 2012
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