Mortes infantis em Cabinda, Angola: desafio para as políticas públicas de saúde

Razão Simão Paulo Rogério Gallo Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO:

Discutir criticamente, descrever e analisar os dados e óbitos infantis disponibilizados pelos serviços públicos da província de Cabinda, Angola.

MÉTODO:

Foram estudados óbitos de menores de um ano de idade, em 2007 e 2008, da província de Cabinda. Utilizaram-se os registros do hospital provincial e do escritório provincial da Organização Mundial da Saúde (OMS) de Cabinda, considerando as dificuldades e limitantes da qualidade e disponibilidade das informações locais.

RESULTADOS:

Em 2007, nasceram 11.734 crianças; destas, 366 morreram no primeiro ano de vida: 113 no primeiro dia e 87 até o 28º e 166 nos 337 dias restantes Em 2008, nasceram 13.441 e morreram 275 crianças; destas, 109 crianças no primeiro dia de vida e 69 até o 28º dia de vida. A malária destaca-se como principal causa de morte (uma a cada três). A pneumonia, segunda causa em 2007 e terceira em 2008, com expressiva redução de 65 para 40 óbitos, respectivamente. As diarreias de 2007 (9,83%) diminuíram em 2008 (3,27%). O tétano responde por cerca de 5% das mortes. As causas perinatais aumentaram de proporção, particularmente a asfixia neonatal (17,75% em 2007 e 26,90% em 2008) e a prematuridade (13,38% em 2007 e 17,45% em 2008).

CONCLUSÕES:

Melhorias na qualidade de assistência pré-natal, ao parto e ao recém-nascido de risco poderiam reduzir a mortalidade infantil. A falta de saneamento básico, condições inadequadas de abastecimento de água e acesso aos serviços de saúde revelaram ter papel importante como condicionantes da elevada mortalidade infantil observada em Cabinda. Evidencia-se a necessidade de reorganizar o sistema de registro civil.

Mortalidade infantil; Estatísticas vitais; Indicadores básicos de saúde; Registros médicos; Sistemas de informação; Serviços de saúde


Introdução

Os eventos vitais são processos inerentes ao ser humano. Contudo, nascer e morrer, crescer e adoecer, por mais naturais que sejam não ocorrem sem que uma causa eficiente os produza.

A morte na infância é a interrupção da vida no início de seu processo; portanto, algo não esperado acontece na economia do processo vital. Entender por que há morte na infância não é apenas uma especulação filosófica, mas é, principalmente, uma maneira de se buscar suprimir os fatores que estão causando a morte e, assim, permitir o florescimento da vida, direito consagrado a toda a humanidade.

O valor da vida não está dissociado da cultura específica do povo, de suas possibilidades e opções de sobrevivência, enfim, da sua história. A morte, evento único e definitivo, representa a última manifestação das pessoas e, se analisada do ponto de vista coletivo, pode ser interpretada como indicador ou produto final das condições de vida das comunidades; se analisada sob esta ótica, apresenta grandes diferenças tanto em magnitude quanto ao rol de causas11. Wagstaff A, Bustreo F, Bryce J, Clawson M, WHO-World Bank Child Health and Poverty Working Group. Child health: reaching the poor. Am J Public Health 2004; 94(5): 726-36. , 22. Wise PH. Confronting racial disparities in infant mortality: reconciling science and politics. Am J Prev Med 1993; 9(6): 7-16..

O nível de qualidade de vida de uma sociedade é difícil ser mensurado em sua plenitude. A dificuldade reside na atribuição de valores ao comportamento alimentar, hábitos de vida, condições de trabalho, moradia, segurança, padrões de consumo, relações políticas entre os povos e etnias. Valores singulares e distintos a depender do momento, lugar e curso de vida de cada sociedade.

Contudo, por ser a vida um valor supremo, ressaltado e defendido historicamente em todas as culturas, as condições de sobrevivência podem ser avaliadas e comparadas por meio de indicadores específicos. Dentre os indicadores, o mais tradicional é o Coeficiente de Mortalidade Infantil (CMI), que mede ou indica o risco que um recém-nascido vivo tem de morrer antes de completar um ano de idade. Por ser o que expressa não só o nível de saúde de uma sociedade, mas também seu padrão socioeconômico e em face destas características, tem sido universalmente utilizado como um indicador sintético de desenvolvimento social e de garantia dos direitos humanos.

De fato, a capacidade das sociedades de defender sua sobrevivência, preservando sua descendência e a vida de suas crianças, muito mais que uma discussão filogênica, revela também seu grau de organização, respeito, solidariedade e coerência interna; portanto, seu grau de desenvolvimento social22. Wise PH. Confronting racial disparities in infant mortality: reconciling science and politics. Am J Prev Med 1993; 9(6): 7-16. , 33. Telarolli JR. Mortalidade infantil: uma questão de saúde pública. São Paulo: Moderna; 1997..

Ao considerar a morte de crianças, tanto em número absoluto como padronizado em coeficientes, Angola se destaca negativamente, figurando, em 2012, nos dez primeiros lugares quando comparado aos demais países avaliados pelo Grupo Interagencial de Estudos sobre Mortalidade na Infância (IGMI)44. UN Inter-agency Group for Child Mortality Estimation (UNICEF, WHO, WB, UN). Report 2012. Disponível em http://www.childmortality.org/files_v9/download/Levels%20and%20Trends%20in%20Child%20Mortality%20Report%202012.pdf . (Acessado em 16 de outubro de 2012).
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. Contudo, a agência explica a dificuldade de avaliação da magnitude do problema.

De acordo com o IGME, a inconsistência dos dados disponibilizados se deve a um conjunto de motivos e destaca, dentre estes, a notificação incorreta da idade dos óbitos, os vieses de amostragem, seleção e inconstância das pesquisas exploratórias por comprometerem a validação dos resultados.

De qualquer modo, o IGME estima que em 2011 houve 96 mortes em menores de um ano a cada mil nascimentos. Neste cenário, entre 1990 e 2011, Angola apresentaria uma das menores taxas de redução da mortalidade infantil de toda a África Subsaariana (2,1% ao ano), conduzindo o país a ocupar a 9ª pior taxa de mortalidade infantil dentre os 50 países que compõem os estudos da África Subsaariana44. UN Inter-agency Group for Child Mortality Estimation (UNICEF, WHO, WB, UN). Report 2012. Disponível em http://www.childmortality.org/files_v9/download/Levels%20and%20Trends%20in%20Child%20Mortality%20Report%202012.pdf . (Acessado em 16 de outubro de 2012).
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.

Angola: aspectos geopolíticos

Angola situa-se na África Austral e Central, tem 1.271 aldeias, 475 comunas, 163 municípios, 18 províncias e uma população estimada em 2009 de 18.498.000 habitantes composta por vários povos, etnias e culturas, uma diversidade de idiomas, embora o português seja a língua oficial55. Giugliani C. Angola, ares de transformação. Rev Bras Med Fam e Com 2008; 3(10): 125-31..

A independência de Angola (11 de novembro de 1975) não foi o início da paz, mas o início de uma nova guerra aberta. Três grupos nacionalistas - Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) - passaram a lutar entre si pelo controle do país, e em particular da capital, Luanda. Angola perdeu, a partir dos anos 1970, sua tradição estatística de análise demográfica proveniente da época colonial. O sistema de registro civil, que durante o período colonial funcionava razoavelmente nas áreas urbanas, deteriorou-se a ponto de não poder mais ser utilizado com fins estatísticos66. Angola C. Registro civil de nascimentos e de óbitos de Angola. Consulado de Angola. Disponível em http://www.Org/index.php?option=com_content@task. (Acessado em 26 de janeiro de 2012).
Disponível em http://www.Org/index.php?o...
. Atualmente, o sistema de registro civil funciona com muitas dificuldades e, em certas regiões, é inexistente.

Angola viveu 5 séculos de colonização portuguesa (1475 - 1975), 14 anos de luta de libertação nacional para independência (1961 - 1975) e mais de 27 anos de guerra civil (1975 - 2002). Após uma longa guerra civil que só terminou em 22 de fevereiro de 2002 com a morte de Jonas Malheiro Savimbi, o país passa por um período de paz e reconstrução, mas o conflito ficou marcado na história, na cultura, na vida e no olhar dos angolanos, que ainda vivem na lógica da sobrevivência77. Kiala PK. Diagnóstico sócio-demográfico de Angola numa perspectiva de integração entre população e desenvolvimento [dissertação de mestrado]. Bélgica: Instituto de Demografia-Universidade de Louvain-la-Neuve; 1997. .

Cabinda: aspectos geopolíticos

A província de Cabinda destaca-se social e geograficamente do território angolano: situa-se ao norte de Angola na região da África Central, tem quatro municípios, oito comunas e uma população estimada em 518.266 habitantes. Está localizada a 60 km do território angolano e a 480 km de Luanda, de acordo com informações prestadas diretamente ao pesquisador pelo Gabinete de Estudo, Planejamento e Estatística (GEPE) do governo da província de Cabinda, em 2010.

Cabinda é uma província rica em recursos naturais. Contudo, registram-se dificuldades logísticas e socioculturais de várias ordens para o estabelecimento de ações preventivas, como, por exemplo, a falta de combustível para conservação e manutenção da cadeia de frio, estrutura fundamental e imprescindível para a implementação da imunização, assim como o reconhecimento social, e indiretamente do próprio governo, da importância do registro de nascimento.

O nascimento ocorrido na província deve ser declarado verbalmente. Nos dias úteis, o registro de nascimento é realizado nas maternidades por funcionários das "conservatórias" do registro civil. Todavia, os nascimentos que ocorrem aos sábados, domingos e feriados não são registrados e muitos pais já não retornam nos dias úteis para a realização do registro de seus filhos. É bastante comum encontrar crianças na idade escolar sem terem ainda efetuado o seu registro.

Quanto ao óbito, cabe ao familiar a declaração dentro ou mesmo após os 30 dias imediatos na "conservatória" ou no posto de registro civil da área do respectivo lugar em que tiver ocorrido; qual seja, onde se encontrar o cadáver, desde que sejam pagos os emolumentos referentes à multa pelo atraso na declaração66. Angola C. Registro civil de nascimentos e de óbitos de Angola. Consulado de Angola. Disponível em http://www.Org/index.php?option=com_content@task. (Acessado em 26 de janeiro de 2012).
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Se o nascimento for simultaneamente declarado com o óbito do registrando, deverá constar no assunto de nascimento e, logo em seguida, será lavrado no livro próprio o assento de óbito.

Infraestrutura

A zona urbana, embora disponha de um sistema de distribuição de água potável para quase toda a província, passa sempre por períodos prolongados de abastecimento irregular, principalmente em áreas periféricas, em função da falta de combustível e avarias constantes das bombas submersas para o atendimento da demanda.

A assistência médico-sanitária é oferecida em 138 equipamentos de saúde (postos de saúde, centros de saúde, 3 hospitais municipais e 1 hospital provincial que centraliza o único laboratório bioquímico público de análises clínicas). A província de Cabinda, em 2010, dispunha de 370 leitos hospitalares (para todos os serviços), distribuídos da seguinte forma: 255 no município de Cabinda, 40 em Cacongo, 40 em Buco-Zau e 35 em Belize.

Cabe destacar que o conjunto da província de Cabinda contava com 2.265 profissionais de saúde, em sua maioria agentes de saúde e visitadores sanitários, com nível básico de escolaridade88. Simão R. Relatório técnico Annual, 2007. Departamento de Saúde Pública de Cabinda-Angola. Ministério da Saúde; 2008 (Mimeo).. A média provincial é de 0,71 leitos por mil habitantes, cifra aquém das necessidades, considerando que é, na experiência do autor deste trabalho, observada, em alguns serviços hospitalares - inclusive na pediatria e ginecologia do hospital provincial - , a internação de mais de um paciente por leito.

Em 2010, os serviços públicos de saúde da província de Cabinda contavam em seu quadro de profissionais com 115 médicos. Números que representavam, em 2010, aproximadamente 0,22 médicos por mil habitantes da província88. Simão R. Relatório técnico Annual, 2007. Departamento de Saúde Pública de Cabinda-Angola. Ministério da Saúde; 2008 (Mimeo)..

Segundo informações, não publicadas, da Direção Provincial de Saúde (DPS) do GEPE, 48% da rede pública se encontrava em bom estado de conservação física, 25% era razoável e 27% considerado ruim ou se encontrando fechada. Os elementos considerados nessa classificação foram: a condição da estrutura física, nomeadamente, o estado de conservação de paredes, cobertura, portas e janelas, rede elétrica, instalações sanitárias, rede de esgotos, pintura e a operacionalidade do seu equipamento. Entretanto, não foi possível resgatar informações sobre a qualidade dos equipamentos e do laboratório de análises clínicas e nem sobre sua utilização (sobre ou subutilização); mas, na experiência pessoal do pesquisador, do ponto de vista estrutural, grosso modo, as informações oferecidas pela direção provincial parecem consistentes.

Em muitas unidades de saúde rurais, a presença de médicos ainda não é uma realidade das equipes de saúde. Contribuem para esta situação problemas relacionados ao recrutamento (falta de médicos na região/país), colocação e fixação (falta de políticas de estímulo à interiorização de profissionais). Agrega-se a esta situação precária de recursos humanos a falta de especialistas obstetras e pediatras e a opção dos médicos e profissionais com formação superior - enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e até dentistas dentre outros, de vincularem-se a clínicas privadas e com clara preferência de exercício na capital do país (Luanda), onde há mais atrativos, melhores possibilidades financeiras e um atraente sistema de saúde privado55. Giugliani C. Angola, ares de transformação. Rev Bras Med Fam e Com 2008; 3(10): 125-31.. Na prática cotidiana, os médicos muitas vezes são substituídos por técnicos médios ou básicos de enfermagem.

Não obstante o reconhecimento da importância na preservação, restauração e desenvolvimento da vida, o setor saúde na província de Cabinda é historicamente um dos mais desprovidos e desfavorecidos quando comparado a outros setores da administração pública de Angola. Segundo opinião do pesquisador, o setor padece de enormes carências e deficiências administrativas, financeiras, de estrutura física e até de recursos humanos (número e qualidade dos profissionais).

Educação

As escolas públicas de Cabinda existem, mas funcionam mal. Segundo informações do GEPE, o conjunto da rede pública e privada totaliza 276 escolas: Primárias (231); Pré-6ª Classe até I Ciclo (26); 7ª, 8ª e 9ª Classe e II Ciclo (15); 10ª até 12ª Classe (4). O III Ciclo possui 1 Universidade Privada de Angola (UPRA), 1 Universidade Lusíada, 1 Centro Universitário de Cabinda (CUC) 11 de Novembro e 1 Faculdade de Medicina.

Não há dados disponíveis sobre as taxas de escolaridade da população geral ou infantojuvenil.

Dessa maneira, este trabalho se apresenta como uma oportunidade de discutir com a comunidade científica e com a população considerações sobre as taxas obtidas a partir dos dados de mortalidade infantil disponibilizados pelos serviços públicos locais e busca evidenciar inconsistências passíveis de correção.

Parte-se do pressuposto de que é importante a coexistência do diálogo entre as políticas públicas de Cabinda, Angola, e os dados epidemiológicos expressos nas taxas de mortalidade infantil. É pressuposta também a existência de vontade política dos governantes em melhorar as informações no campo da estatística vital.

Método

Delineamento

Estudo descritivo estruturado a partir de um banco de dados construído com as informações contidas nos livros de registros de óbitos e nascimentos sob a responsabilidade do Hospital Provincial de Cabinda. Caracterizam-se os nascimentos e os óbitos no primeiro ano da criança, no tocante a idade do óbito, a causa básica, e tempo de sobrevida como variáveis independentes, calculadas segundo princípios de análise de sobrevida99. Laurenti R, Mello Jorge MHP, Lebrão ML, Gotlieb SLD. Estatísticas de saúde. 2ª ed. São Paulo: EPU; 2005.. São calculados os respectivos CMIs de 2007 e 2008 para as crianças registradas nos livros do hospital (município de Cabinda). Os dados de nascimento e óbito nos demais municípios que compõem a província de Cabinda (Cacongo, Buco-Zau, Belize) não estão disponibilizados e, por isso, não são apresentados neste artigo.

Considerações éticas

O estudo foi autorizado pelo governo local (Secretaria da Saúde de Cabinda de Angola) e obedece às normas brasileiras pautadas na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa.

Área de estudo

Os dados são provenientes da área de cobertura do Hospital Regional da Província de Cabinda. Este, excluindo os hospitais da capital, é o maior e mais organizado de toda a região. Apesar de ter sua estrutura física reparada durante o período de coleta de dados, apresentou os registros de dados de nascimentos e de óbitos de todos os meses de 2007 e 2008. Para este hospital são encaminhados os partos da província e as gestantes dos demais municípios que apresentam gestações caracterizadas como de alto risco.

Cumpre destacar que os hospitais localizados nos demais municípios não guardam prontuários nem atestados de óbito. A estatística destes hospitais é preenchida pela Secretaria/Serviço de Arquivo Médico Hospitalar (SAME) de cada um deles e encaminhada regularmente para a sede do Departamento de Saúde Pública da Província (DSP). Não há informações sobre os critérios ou sobre a sistemática de preenchimento dos formulários (não há, portanto, supervisão sobre os resultados e/ou normas operacionais definidas).

O processo de coleta de dados

A coleta de dados foi realizada entre dezembro de 2009 e março de 2010, com a participação direta do escritório regional da OMS de Cabinda para imunização e poliomielite. A coleta foi realizada com apoio institucional dos técnicos responsáveis pela vigilância epidemiológica e estatísticas dos respectivos hospitais. Transcreveram-se as informações contidas nos livros de registros de óbitos e nascimentos sob a responsabilidade do hospital provincial.

Cabe destacar que os livros de registro são organizados em folhas sequenciais de cadernos comuns nas quais ao final do expediente os funcionários da maternidade e da pediatria preenchem com caneta ou lápis as informações sobre as crianças que nasceram e sobreviveram/morreram durante o respectivo turno de trabalho. Dessa forma, por ser uma informação anotada na passagem de turno, pode conter muitas incorreções, uma vez que se evoca a lembrança dos funcionários num momento de pressa e constrangimentos relacionados ao horário de saída-entrada do trabalho.

Um exemplo, ainda que verificado apenas no Hospital Provincial de Cabinda, mas permitido pelas autoridades, diz respeito à premiação, como valor agregado ao salário, aos funcionários da maternidade que não tenham óbitos registrados durante seu período de plantão. Iniciativa que, na opinião dos técnicos da maternidade, induziria ao "esquecimento" no registro das mortes.

Além dessas graves questões quanto ao registro das estatísticas vitais, ignoram-se sistematicamente, na rotina dos hospitais, as mortes de crianças nas primeiras 24 horas após o parto.

No tocante ao atendimento de urgência e emergência, responsável pelo atendimento das crianças, autoriza-se a abertura do registro hospitalar apenas após 24 horas de permanência das crianças nos setores de emergência. A morte das crianças durante as primeiras 24 horas do período de observação é considerada morte extra-hospitalar, óbito pelo qual e o hospital não assume qualquer responsabilidade quanto ao atestado, registro na conservatória ou outros registros da condição social.

Mesmo com todos esses limitantes da qualidade das informações, buscou-se valorizar as existentes, transcrevendo-as com ajuda dos técnicos mencionados para as anotações pessoais do pesquisador, posteriormente digitadas em uma planilha Excel e analisadas neste trabalho.

Foi possível caracterizar os nascimentos, a idade do óbito e a causa básica de falecimento de todas as crianças registradas nos livros do hospital provincial.

O Quadro 1 apresenta um resumo dessas dificuldades de coleta das informações.

Quadro 1
Distribuição das informações coletadas dos diversos municípios da província de Cabinda, segundo disponibilidade dos dados e meses do ano.

Em muitos lugares da zona rural, suburbana e periurbana de Cabinda, a maioria dos partos é realizada no domicílio por parteiras tradicionais que não têm vínculo com o sistema de saúde. Nesses casos, não há obrigatoriedade de comunicação da ocorrência de nascimentos ou mortes de recém-nascidos assistidos pelas parteiras.

Nesses lugares, se houver necessidade de um parto cesáreo, as muitas horas de espera por transporte e o próprio trajeto até ao hospital provincial resultam em muitas mortes extra-hospitalares de mães e recém-nascidos.

A evasão e/ou invasão de nascimentos e de óbitos deve ser considerada possível1010. Avogo WA, Agadjanian V. Forced migration and child health and mortality in Angola. Soc Sci Med 2010; 70(1): 53-60., devido à presença constante de gestantes dos dois Congos que acorrem aos serviços de saúde de Cabinda, que apesar de suas limitações ainda é considerado de melhor qualidade que o oferecido pelos governos dos países circunvizinhos.

Segundo o pesquisador, supõe-se que em virtude da gratuidade dos serviços médicos-sanitários existentes em Cabinda, o que não acontece nos dois Congos, o número de evasões, invasões de nascimento e de óbitos deve ser grande. Contudo, apesar de reconhecer a importância dessa informação para a quantificação dos nascimentos e dos óbitos, não foi possível dimensioná-la fosse quanto à magnitude, fosse quanto à direção principal dos efeitos da força migratória (se evasão ou invasão) nas taxas de nascimento e mortes das crianças observadas neste estudo.

Resultados

Na Figura 1 observa-se o diagrama para comparação da média e do número absoluto de óbitos infantis, segundo mês de ocorrência, em 2007 e 2008, no Hospital Provincial de Cabinda. Visualiza-se que em 2008 há uma diminuição expressiva do número de óbitos de crianças quando se compara com 2007 (91 óbitos a menos que em 2007). Contudo, quando se analisa a distribuição dos óbitos segundo mês de ocorrência não se percebe concentração em torno de meses específicos.

Figura 1
Diagrama para comparação das médias do número de óbitos infantis, segundo mês de ocorrência, em 2007 e 2008, no Hospital Provincial de Cabinda, Angola.

Na Tabela 1 observam-se o número e a porcentagem dos óbitos ocorridos no Hospital Provincial de Cabinda durante os anos de 2007 e 2008, segundo causa básica. A primeira causa básica de óbito entre os menores de um ano de idade foi a malária. Isoladamente, essa causa responde aproximadamente por uma morte a cada três crianças que faleceram. Por outro lado, só houve registro de malformações congênitas no ano de 2007 e mesmo assim respondendo por uma proporção pequena dos óbitos (1,09%). Dentre as doenças infectocontagiosas, o tétano responde por cerca de 5% das mortes. As diarreias, com posição de destaque em 2007 (9,83%, correspondendo a 36 casos), diminuíram de frequência em 2008 (3,27%, ou seja, 09 casos).

Tabela 1
Número e porcentagem dos óbitos infantis ocorridos no Hospital Provincial de Cabinda nos anos de 2007 e 2008, segundo causa básica.

As causas perinatais realçaram sua importância, particularmente a asfixia neonatal (17,75% em 2007 e 26,90% em 2008) e a prematuridade (13,38% em 2007 e 17,45% em 2008), proporções que indicam uma melhoria das condições de assistência, saneamento ou aleitamento materno das crianças menores de um ano durante 2008. A mortalidade tendo como causa básica a prematuridade permite verificar que não houve modificações nas taxas específicas nos dois anos avaliados. A redução de 65 para 40 óbitos por pneumonia entre as crianças inscreve-a como segunda ou terceira causa mais importante de óbito entre as crianças cabindenses, partilhando espaço com a asfixia neonatal. Neste estudo não houve registros que pudessem imputar a aids como causa de óbito.

A análise de sobrevida das crianças que morreram no Hospital Provincial de Cabinda apresentada na Figura 2 nos oferece vários pontos de reflexão e abordagem caracterizando as proporções de óbitos em menores de 1 dia, menores de 7 dias, menores de 28 dias e menores de 365 dias. O primeiro a ser destacado é que em 2008 os óbitos (n = 275) concentraram-se pouco mais no primeiro mês de vida (62,54%).

Figura 2
Proporção dos óbitos infantis ocorridos no Hospital Provincial de Cabinda nos anos de 2007 e 2008, segundo análise de sobrevida.

Em 2007, dos 366 óbitos, evidencia-se que 200 óbitos (54,64%) ocorreram em menores de 28 dias de idade, sendo que no primeiro dia de vida morreram 113 recém-nascidos (30,90%). Os valores mostram que em 2008 morreram mais crianças no primeiro dia de vida (n = 109) que nos 27 dias restantes (n = 69) e mais que nos 11 meses seguintes (n = 97).

Cabe ainda realçar que o cálculo do CMI só é possível para os dados disponíveis do município de Cabinda. Nesse sentido, temos para 2007 366 óbitos para 11.734 NV (31,2 por mil NV) e em 2008 257 óbitos para 13.441 NV (20,4 por mil NV). Como o número de nascimentos aumentou, a redução do CMI (33%) é mais intensa que a redução absoluta do número de óbitos (24%).

Pode-se também aproveitar estes números registrados de mortes para estimar o sub-registro de óbitos e nascimentos ocorridos nos finais de semana e feriados. Ao considerar os dados coletados de 2008 e 2007, pode-se admitir que nesse período ocorreram aproximadamente 257 e 366 óbitos (média de 311,5), uma média de 0,85 óbitos por dia. Considerando-se 54 finais de semana, pode-se calcular o número de mortes em 91,8 crianças, potencialmente não registradas, valor que poderia ser acrescentado aos dados analisados sem que se afaste muito da realidade da região. Além disso, o número de feriados nacionais oficiais acrescentaria 10 dias em que as conservatórias se encontram fechadas, impossibilitando o registro dos óbitos das crianças, dada a probabilidade de serem óbitos não notificados em vista da sua não obrigatoriedade. Dessa maneira, além de toda a complexidade do sistema de registro de óbitos apresentada, há ainda possivelmente uma subnotificação de óbitos infantis ao redor de 100 (91,8 + 8,5) crianças, ao longo do ano que ocorrem nos finais de semana e feriados.

No tocante à estimativa dos nascimentos não parece adequado considerá-la neste artigo, visto que o registro de nascimento poderá ser realizado, mediante pena pecuniária, se além dos primeiros dias de vida, em qualquer momento da vida da criança.

Discussão

Uma das questões centrais deste estudo é a pouca confiabilidade dos dados oficiais dos países da África Subsaariana como estimadores da mortalidade infantil da região1111. Kazembe L, Clarke A, Kandala N-B. Childhood mortality in sub-Saharan Africa: cross-sectional insight into small-scale geographical inequalities from Census data. BMJ Open 2012; 2(5): e00144. ,12. Nesse sentido, é preciso recorrer às estimativas epidemiológicas das Nações Unidas44. UN Inter-agency Group for Child Mortality Estimation (UNICEF, WHO, WB, UN). Report 2012. Disponível em http://www.childmortality.org/files_v9/download/Levels%20and%20Trends%20in%20Child%20Mortality%20Report%202012.pdf . (Acessado em 16 de outubro de 2012).
Disponível em http://www.childmortality....
, 1313. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Situação Mundial da Infância. Estatísticas. Disponível em http://www.unicef.org/infobycountry/angola_statistics.html. (Acessado em 26 de janeiro de 2012).
Disponível em http://www.unicef.org/info...
.

Independentemente da magnitude do problema, o presente estudo registra uma redução do número de mortes de crianças menores de um ano em Cabinda no biênio. O fenômeno da redução das taxas de mortalidade infantil também é observado em regiões geograficamente próximas nos anos de 1990 e 2011, como pode-se observar pelo CMI de: Angola (114 em 1990 e 96 em 2011); Congo (75 - 64); Namíbia (49 - 30); e RD Congo (117 - 11)1111. Kazembe L, Clarke A, Kandala N-B. Childhood mortality in sub-Saharan Africa: cross-sectional insight into small-scale geographical inequalities from Census data. BMJ Open 2012; 2(5): e00144..

A morte de crianças é um importante indicador de saúde, de condições e de valores sociais11. Wagstaff A, Bustreo F, Bryce J, Clawson M, WHO-World Bank Child Health and Poverty Working Group. Child health: reaching the poor. Am J Public Health 2004; 94(5): 726-36.

2. Wise PH. Confronting racial disparities in infant mortality: reconciling science and politics. Am J Prev Med 1993; 9(6): 7-16.
- 33. Telarolli JR. Mortalidade infantil: uma questão de saúde pública. São Paulo: Moderna; 1997.. Para análise dos números do município de Cabinda é necessário que se contextualize sua interpretação dentro da dinâmica populacional a que a província está sujeita. Assim, é preciso, antes de avançar na interpretação, considerar que o crescimento explosivo da população das sedes municipais de Cabinda tem contribuído para a deterioração acentuada das condições de vida, uma vez que este crescimento não tem sido acompanhado, pelo poder público, de serviços básicos de saúde e sociais essenciais.

A dinâmica apresentada também se reflete na organização do espaço urbano e periurbano, que em sua maioria é desprovido dos benefícios advindos do saneamento básico, como regular abastecimento de água potável e coleta de lixo e esgotamento sanitário. Tal política predispõe ao aumento do número de criadouros, à proliferação de mosquitos e à contaminação do ambiente como um todo, e com isso maior possibilidade de ocorrência de casos de malária e de doenças diarreicas em crianças. Segundo Laurenti et al.88. Simão R. Relatório técnico Annual, 2007. Departamento de Saúde Pública de Cabinda-Angola. Ministério da Saúde; 2008 (Mimeo)., são as condições de vida das pessoas e do ambiente ao qual estão inseridos, denominados como determinantes sociais da saúde, os principais determinantes da mortalidade infantil.

É necessário enfatizar que houve muitas dificuldades para acessar os dados deste trabalho: poucas pessoas qualificadas para encontrar e separar as folhas para anotações correspondentes aos registros e pouco interesse dos hospitais em manter atualizadas e precisas as informações sobre óbitos e nascimentos. Além disso, foi difícil verificar a consistência dos dados junto às famílias (autópsia verbal1414. Campos D, França E, Loschi RH, Souza MFM. Uso da autópsia verbal na investigação de óbitos por causa mal definida em Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2010; 26(6): 1221-33.) ora por problemas de acesso físico, ora pela falta de recursos ou pelo tempo decorrido entre o evento do óbito para sua certificação. Dessa maneira, ao longo desta discussão, resvala-se o tempo inteiro em dúvidas sobre a possibilidade real de compreensão da dimensão da mortalidade de crianças em Cabinda. Segundo o pesquisador, mesmo no Hospital Provincial de Cabinda, os muitos partos registrados sem assistência de um profissional qualificado, somados ao acesso ainda restrito à assistência pré-natal, são parte dos fatores que podem contribuir para a excessiva mortalidade no primeiro ano de vida.

O Hospital Municipal de Cacongo apresentou registro do valor total de dados de nascimento e óbitos de 2007, mas havia indisponibilidade de dados de 01 de janeiro a 20 de setembro de 2007. Nesse período não havia qualquer registro de nascimento ou óbito nos livros. Em 2008, não houve registro de dados dos nascimentos, mas foi apresentado registro de dados de óbitos.

O Hospital Municipal de Buco-Zau apresentou registros de dados de nascimentos de 2007 e de óbitos e de nascimentos de 2008. Não houve registro de óbitos de 2007.

O Hospital Municipal de Belize apresentou registros de dados de nascimentos e óbitos de 2007 e 2008.

De qualquer maneira, os números apresentados pelo hospital provincial não parecem refletir a real magnitude da mortalidade infantil da região, já que contrastam intensamente com as estimativas apresentadas e reconhecidas internacionalmente pela OMS, Banco Mundial e UNICEF, que estimam valores no intervalo entre 144 por mil nascimentos (em 1990) e 96 por mil nascimentos (em 2011)1313. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Situação Mundial da Infância. Estatísticas. Disponível em http://www.unicef.org/infobycountry/angola_statistics.html. (Acessado em 26 de janeiro de 2012).
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Parte das explicações para as taxas do CMI muito menores encontradas neste estudo reside na precariedade do registro civil (subnotificação dos nascimentos e óbitos da região), situação que preocupa os gestores dos programas de saúde do município de Cabinda e ativistas dos Direitos Humanos1515. Frias PG, Lira PIC, Vidal SA, Vanderlei LC. Vigilância de óbitos infantis como indicador da efetividade do sistema de saúde: estudo em um município do interior do Nordeste brasileiro. J Pediatr 2002; 78(6): 509-16. , 1616. Dodds JM, Ellis M. Birth registration is a priority for child survival. J Trop Pediatr 2010; 56(2): 73-4..

Desse modo, quando o número de óbitos infantis é analisado tem-se conhecimento da precariedade do Sistema de Registro, dos valores e das causas prevalentes, porque se tornam parâmetros, ainda que grosseiros, de uma realidade difícil de aceitar ou interpretar1717. Victora CG.Measuring progress towards equitable child survival: where are the epidemiologists? Epidemiology 2007; 18(6): 669-72..

É preciso considerar que todos os investimentos públicos são decisões políticas que refletem o compromisso das lideranças políticas e científicas com o entendimento das condições de vida. Nesse sentido, os investimentos são autorizados para assegurar prioridades e estratégias de gestão, quer sejam na assistência direta à saúde ou na organização dos subsistemas que lhe constituem. As estatísticas vitais e demais informações epidemiológicas são exemplos disso, particularmente quando as informações são consistentes. No entanto, a inconsistência das informações e o descaso na compilação dos dados também mostram valor, pois devem ser igualmente entendidos como indicadores do grau de compromisso/descompromisso dos gestores públicos com a saúde da população.

No caso da morte precoce de crianças enterradas em cemitérios clandestinos, ou por vezes no quintal da própria casa, situações que não foram contabilizadas, pode-se levantar a hipótese de omissão do Estado e ainda oferecer oportunidade singular para reflexão quanto às políticas públicas que buscam o desenvolvimento social da população.

É de se supor que a ampliação dos direitos sociais voltados a melhorar o grau de desenvolvimento da província de Cabinda, Angola, devem se fundamentar na consciência das carências e desafios a serem enfrentados pela população e seus governantes. No cenário apresentado, percebe-se a importância de conceber uma nova plataforma de direitos humanos e sociais em Cabinda em que haja lugar para a alteridade, para o reconhecimento e respeito à cidadania. Enfim, que a vida destas crianças seja valorizada e respeitada como valor inegociável nesta nova e desejável plataforma.

Apesar de raros, os estudos sobre mortalidade infantil em Angola reforçam insistentemente a malária como importante causa de óbito. Para Pinto e Alves1818. e Pinto EA, Alves JG. The causes of death of hospitalized children in Angola. Trop Doct 2008; 38(1): 66-7., em estudo transversal em um hospital de Luanda, a malária responde por 22,4% das mortes infantis. Segundo o painel digital da UNICEF1818. e Pinto EA, Alves JG. The causes of death of hospitalized children in Angola. Trop Doct 2008; 38(1): 66-7., a malária faz uma vítima direta a cada 30 segundos no mundo. Desta estatística, 90% das mortes estariam na África1818. e Pinto EA, Alves JG. The causes of death of hospitalized children in Angola. Trop Doct 2008; 38(1): 66-7. , 1919. Fundo das nações Unidas para a Infância (UNICEF).Situação mundial da saúde da infância em 2011. Disponível em http://www.unicef.org/health/index_malaria.html. (Acessado em 26 de janeiro de 2012).
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Como principal causa de óbito, a malária faz grande flagelo entre as crianças de Cabinda1212. Liu L, Johnson HL, Cousens S, Perin J, Scott S, Lawn JE, et al. Global, regional, and national causes of child mortality: an updated systematic analysis for 2010 with time trends since 2000. Lancet 2012; 379(9832): 2151-61., onde o controle da doença poderia reduzir diretamente o CMI em 29,0% (mortes diretas por malária), sem serem consideradas as mortes decorrentes das infecções adquiridas pelas mães no período gestacional e que contribuem para aumentar as taxas de prematuridade e baixo peso dos recém-nascidos, e também o risco de mortalidade materna e as consequências da orfandade dos recém-nascidos sobreviventes.

Quanto aos óbitos por tétano no primeiro ano de vida, é importante destacar que a vacinação das gestantes foi incluída no programa expandido em imunizações da OMS pouco depois de 1974. Em 1989, a OMS adotou a resolução de eliminar o tétano neonatal e o materno até 1995 por meio de vacinação das gestantes e do parto limpo2020. Murahovschi J. Proteção do recém-nascido contra o tétano pela imunização ativa da gestante com antitoxina tetânica. Rev Paul Pediatr 2008; 26(4): 315-20.. Com base nessa proposta internacional, recomenda-se introduzir na rotina dos serviços pré-natais de Cabinda a vacinação com três doses de anatoxina tetânica e praticar a dose de reforço nas gestantes.

Uma informação que é preciso avaliar diz respeito às taxas de malformação congênita registradas: em ambos os anos, mostram-se baixas. É possível que tenha ocorrido subnotificação dos óbitos por malformação, falta de diagnóstico ou dificuldades de caracterizá-los pelas equipes técnicas.

Para Lansky, França e Leal2121. Lansky S, França E, Leal MC. Mortes perinatais evitáveis em Belo Horizonte-Minas Gerais-Brasil, 1999. Cad Saúde Pública 2002; 18(5): 1389-400., a caracterização da incidência da malformação congênita estaria relacionada dos problemas específicos no registro, dificuldades de rastreamento no pré-natal, assistência e diagnóstico da malformação nos períodos peri, neonatal e pós natal imediato. Fatos indiretamente modulados pelas condições socioeconômicas das gestantes e que apontam para a necessidade de investimentos no campo da assistência pré-natal.

Nos casos investigados neste trabalho a maior parte das crianças morreu nos primeiros 28 dias de vida, com ênfase nas primeiras 24 horas, indicando a necessidade de implantação e implementação em Cabinda de ações de saúde destinadas à redução da mortalidade neonatal, situação que impõe políticas de promoção e proteção da assistência pré-natal, com acompanhamento adequado da gestação, incluindo a melhoria da assistência ao parto e ao recém-nascido1111. Kazembe L, Clarke A, Kandala N-B. Childhood mortality in sub-Saharan Africa: cross-sectional insight into small-scale geographical inequalities from Census data. BMJ Open 2012; 2(5): e00144.

12. Liu L, Johnson HL, Cousens S, Perin J, Scott S, Lawn JE, et al. Global, regional, and national causes of child mortality: an updated systematic analysis for 2010 with time trends since 2000. Lancet 2012; 379(9832): 2151-61.

13. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Situação Mundial da Infância. Estatísticas. Disponível em http://www.unicef.org/infobycountry/angola_statistics.html. (Acessado em 26 de janeiro de 2012).
Disponível em http://www.unicef.org/info...

14. Campos D, França E, Loschi RH, Souza MFM. Uso da autópsia verbal na investigação de óbitos por causa mal definida em Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2010; 26(6): 1221-33.

15. Frias PG, Lira PIC, Vidal SA, Vanderlei LC. Vigilância de óbitos infantis como indicador da efetividade do sistema de saúde: estudo em um município do interior do Nordeste brasileiro. J Pediatr 2002; 78(6): 509-16.

16. Dodds JM, Ellis M. Birth registration is a priority for child survival. J Trop Pediatr 2010; 56(2): 73-4.

17. Victora CG.Measuring progress towards equitable child survival: where are the epidemiologists? Epidemiology 2007; 18(6): 669-72.

18. e Pinto EA, Alves JG. The causes of death of hospitalized children in Angola. Trop Doct 2008; 38(1): 66-7.

19. Fundo das nações Unidas para a Infância (UNICEF).Situação mundial da saúde da infância em 2011. Disponível em http://www.unicef.org/health/index_malaria.html. (Acessado em 26 de janeiro de 2012).
Disponível em http://www.unicef.org/heal...

20. Murahovschi J. Proteção do recém-nascido contra o tétano pela imunização ativa da gestante com antitoxina tetânica. Rev Paul Pediatr 2008; 26(4): 315-20.
- 2121. Lansky S, França E, Leal MC. Mortes perinatais evitáveis em Belo Horizonte-Minas Gerais-Brasil, 1999. Cad Saúde Pública 2002; 18(5): 1389-400..

Conclusão

Finalmente, foram observadas lacunas, inconsistências e deficiências, tanto de ordem qualitativa quanto quantitativa, apontando necessidades de investimento e vontade política para corrigi-las. Em localidades com perfis epidemiológicos semelhantes há evidências de que é grande o percentual de subnotificação dos nascimentos e dos óbitos nos anos analisados, fato que reforça a magnitude e o drama associado à má qualidade de assistência à saúde1212. Liu L, Johnson HL, Cousens S, Perin J, Scott S, Lawn JE, et al. Global, regional, and national causes of child mortality: an updated systematic analysis for 2010 with time trends since 2000. Lancet 2012; 379(9832): 2151-61. , 1717. Victora CG.Measuring progress towards equitable child survival: where are the epidemiologists? Epidemiology 2007; 18(6): 669-72. , 2222. Monteiro CA, Benício MHD'Aquino, Baldijão MFA. Mortalidade no primeiro ano de vida e a distribuição de renda e de recursos públicos de saúde, São Paulo (Brasil). Rev Saúde Pública 1980; 14(4): 515-39..

Nesse sentido, é importante considerar que, apesar de ser atraente priorizar investimentos de recursos em ações curativas, de alta tecnologia e valor econômico agregado, este trabalho reforça a perspectiva de revisitar as políticas locais de saúde e de priorizar as atividades preventivas nos municípios da grande Cabinda. Os resultados também indicam como provável a tendência de redução do CMI em Cabinda. Diante do exposto, sugere-se a implantação de uma rede primária de assistência à saúde materno-infantil e um investimento permanente na melhoria da qualidade das informações de saúde2020. Murahovschi J. Proteção do recém-nascido contra o tétano pela imunização ativa da gestante com antitoxina tetânica. Rev Paul Pediatr 2008; 26(4): 315-20. , 2121. Lansky S, França E, Leal MC. Mortes perinatais evitáveis em Belo Horizonte-Minas Gerais-Brasil, 1999. Cad Saúde Pública 2002; 18(5): 1389-400..

Para finalizar, cabe ressaltar a necessidade de se rever as políticas de premiação por redução de óbitos infantis no âmbito hospitalar, uma vez que contribui para a não notificação dos mesmos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    12 Jul 2012
  • Revisado
    26 Abr 2013
  • Aceito
    05 Jun 2013
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br