Reações adversas aos produtos cosméticos e o Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária: um inquérito

Gisele Huf Priscila da Nobrega Rito Rosaura de Farias Presgrave Maria Helena Simões Villas Bôas Sobre os autores

Resumo

INTRODUÇÃO:

Este trabalho integra um estudo que investiga a qualidade dos produtos cosméticos e avalia o sistema de cosmetovigilância.

OBJETIVO:

Ele apresenta os resultados de um inquérito cujo objetivo foi descrever o ponto de vista populacional em termos da prevalência de Reações Adversas (RA) e informações sobre o sistema de vigilância.

MÉTODOS:

Um questionário estruturado foi aplicado a uma amostra aleatória de 200 funcionários administrativos da Guarda Municipal do Rio de Janeiro.

RESULTADOS:

38% dos participantes declararam RA a algum produto cosmético utilizado nos últimos dois anos.

CONCLUSÃO:

Pelo nosso conhecimento, este é um estudo inédito no Brasil que apresenta resultados em relação à prevalência de RA estimados de forma semelhante aos das pesquisas internacionais.

Coleta de dados; Cosméticos; Notificação; Agência nacional de vigilância sanitária; Vigilância sanitária; Controle de qualidade


Introdução

O termo "cosméticos e produtos de higiene" se refere a produtos destinados à proteção ou embelezamento que compreendem quatro categorias: produtos de higiene, cosméticos propriamente ditos, perfumes e produtos de uso infantil11. Brasil. Ministério da Saúde. Resolução nº 79 de 28 de agosto de 2000. Estabelece a definição e Classificação de produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes e outros com abrangência neste contexto. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília (DF); 31 de agosto de 2000.. Pode-se dizer que seu uso é universal e acredita-se que esses produtos possuam um grau razoável de segurança e tolerabilidade. Embora a maioria das RA a cosméticos não seja severa e esteja geralmente relacionada à pele, existem alguns episódios graves relatados na literatura, relacionados a perfumes, fragrâncias e tinturas capilares. Vários compostos têm sido indicados como responsáveis, entre eles, o ácido p-aminobenzoico, cinamatos, óleos essenciais, p-fenilenodiamina e conservantes, que são as causas mais frequentes de reações alérgicas a cosméticos22. Sautebin L. A cosmetovigilance survey in Europe. Pharmacol Res 2007; 55(5): 455-60..

Na maioria dos países europeus inexiste um sistema formal de cosmetovigilância e, segundo alguns autores, esse é o principal fator para a ausência de notificação de RA a cosméticos22. Sautebin L. A cosmetovigilance survey in Europe. Pharmacol Res 2007; 55(5): 455-60.. Em 2005, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a investir no fortalecimento da vigilância pós-uso/comercialização de produtos sob Vigilância Sanitária, incluindo nesse processo a cosmetovigilância33. Anvisa. Relatório Anual de 2008: Ouvidoria. Brasília; 2009. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/wps/. (Acessado em: 04 de julho de 2012).
Disponível em http://portal.anvisa.gov.b...
. Foi então criado o Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (NOTIVISA) para a notificação de Eventos Adversos (EA), queixas técnicas e intoxicações relativas ao uso desses produtos33. Anvisa. Relatório Anual de 2008: Ouvidoria. Brasília; 2009. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/wps/. (Acessado em: 04 de julho de 2012).
Disponível em http://portal.anvisa.gov.b...
. Este trabalho descreve o ponto de vista do usuário: prevalência informada de RA e informação sobre o sistema NOTIVISA, fazendo parte de um estudo mais amplo que investiga a qualidade dos produtos cosméticos e avalia o Sistema de Cosmetovigilância.

Métodos

Desenho e local do estudo

Um estudo de corte transversal foi realizado em uma amostra aleatória de 200 funcionários administrativos da Guarda Municipal do Rio de Janeiro. Na ocasião do estudo, novembro de 2011 a dezembro de 2012, a Guarda Municipal contava com 578 funcionários administrativos.

Critérios de elegibilidade

Os participantes foram selecionados através de sorteio de uma listagem fornecida pela diretoria de Recursos Humanos. Os critérios de inclusão foram: idade maior que 18 anos e concordância em participar, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos os portadores de deficiência auditiva e visual. Em caso de recusa, foi selecionado o próximo nome da lista.

Instrumento

Um questionário estruturado, anteriormente validado com os funcionários do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde, que foram sorteados de uma lista fornecida pela coordenação de Recursos Humanos desta instituição, foi aplicado por profissional treinado. O questionário tinha dez perguntas fechadas, abrangendo os seguintes campos: nome, sexo, idade, escolaridade, evidência de alguma RA nos últimos dois anos, classificação da gravidade da reação, qual o tipo de reação, se ocorreu comunicação da mesma a alguma instância, se o produto havia sido utilizado conforme as instruções do fabricante e se o entrevistado conhecia o NOTIVISA.

Cálculo do tamanho amostral

Para o cálculo do tamanho amostral foi utilizada uma estimativa da prevalência de RA em 25% com nível de confiança de 95%, e uma margem de erro amostral de 5 pontos percentuais, sendo então necessário aplicar o questionário a 195 indivíduos.

Análise dos dados

Para as variáveis categóricas foram calculadas as devidas proporções e intervalos de confiança de 95%. Para as variáveis contínuas, média e desvio-padrão. Uma análise bivariada buscou identificar possíveis fatores associados à ocorrência de RA a cosméticos. O banco de dados criado para o gerenciamento das informações foi construído utilizando-se o programa Epi Infov.3.3.2 e para a análise de dados foi utilizado o programa SPSS 20.0. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), Protocolo nº 583/11.

Resultados e Discussão

Sete indivíduos recusaram-se a participar, sendo devidamente substituídos pelos nomes seguintes na listagem. No total, 200 indivíduos participaram do estudo. A amostra foi constituída por indivíduos com idade mínima de 18 anos, porém a amostra variou entre indivíduos com idades de 21-60 anos, média de 37,8 anos (DP = 8,2). Apenas 1,5% dos entrevistados afirmaram conhecer o sistema NOTIVISA. Setenta e seis indivíduos, correspondendo a 38% da amostra (IC95% 35,6 - 44,9), declararam RA a algum produto cosmético utilizado nos últimos dois anos. A distribuição percentual de indivíduos conforme a ocorrência de RA e variáveis sociodemográficas é apresentada na Tabela 1. As diferenças observadas não foram estatisticamente significativas. As principais categorias dos produtos que causaram RA apontadas neste estudo são sabonete, xampu e desodorante, sendo que: o produto sabonete apresentou 19 reações leves e 3 moderadas; o xampu: 11 reações leves, 6 moderadas e 1 grave; e o desodorante: 3 leves, 10 moderadas e 2 graves. Apenas três indivíduos afirmaram não ter utilizado o produto de acordo com as recomendações fornecidas pelo fabricante na rotulagem, e nenhum produto foi indicado por profissionais. Não foi perguntado a respeito da data de vencimento dos produtos. Todos apresentaram reações dermatológicas, a principal RA relatada foi vermelhidão na pele (eritema) e a maior parte das reações apresentadas foi descrita como leve (56,6%) e 9,2% consideradas graves pelos entrevistados. É importante ressaltar que as reações consideradas como graves, neste estudo, foram aquelas em que os entrevistados procuraram atendimento médico, fizeram uso do medicamento e tiveram uma demora na remissão dos sintomas. Apenas duas pessoas notificaram a reação ao Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) do fabricante e 22 pessoas consultaram um médico a respeito. Ninguém utilizou o NOTIVISA.

Tabela 1
Percentual de indivíduos que apresentaram eventos adversos a cosméticos nos últimos dois anos de acordo com variáveis sociodemográficas.

Conclusão

A prevalência de RA a cosméticos estimada neste estudo encontrou resultados semelhantes aos das pesquisas internacionais44. Di Giovanni AC, ArcoraciVD, Gambardella LBC, Sautebin L. Cosmetovigilance survey: Are cosmetics considered safe by consumers? Pharmacol Res 2006; 53(1): 16-21. , 55. Willis CM, Shaw S, De Lacharrière O, Baverel M, Reiche L, Jourdain R, et al. Sensitive skin: an epidemiological study. Br J Dermatol 2001; 145(2): 258-63.. A utilização de produtos cosméticos é universal e a prevalência de RA torna o problema merecedor de um foco determinado nas ações de saúde pública.

Referências bibliográficas

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Resolução nº 79 de 28 de agosto de 2000. Estabelece a definição e Classificação de produtos de Higiene Pessoal, Cosméticos e Perfumes e outros com abrangência neste contexto. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília (DF); 31 de agosto de 2000.
  • 2
    Sautebin L. A cosmetovigilance survey in Europe. Pharmacol Res 2007; 55(5): 455-60.
  • 3
    Anvisa. Relatório Anual de 2008: Ouvidoria. Brasília; 2009. Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/wps/. (Acessado em: 04 de julho de 2012).
    » Disponível em http://portal.anvisa.gov.br/wps/
  • 4
    Di Giovanni AC, ArcoraciVD, Gambardella LBC, Sautebin L. Cosmetovigilance survey: Are cosmetics considered safe by consumers? Pharmacol Res 2006; 53(1): 16-21.
  • 5
    Willis CM, Shaw S, De Lacharrière O, Baverel M, Reiche L, Jourdain R, et al. Sensitive skin: an epidemiological study. Br J Dermatol 2001; 145(2): 258-63.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    10 Dez 2012
  • Revisado
    08 Maio 2013
  • Aceito
    19 Jul 2013
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