Concordância e associação entre diferentes indicadores de imagem corporal e índice de massa corporal em adolescentes

Carla Fernandez dos Santos Inês Rugani Ribeiro de Castro Letícia de Oliveira Cardoso Letícia Ferreira Tavares Sobre os autores

Resumo

O objetivo do estudo foi examinar a concordância entre diferentes indicadores de imagem corporal e de cada um desses com o estado nutricional e a associação dos mesmos com o índice de massa corporal (IMC) entre adolescentes. Foi estudada uma amostra aleatória de 152 estudantes de escolas públicas e privadas do município do Rio de Janeiro. Em quatro ocasiões, foram aplicadas duas escalas de silhuetas e duas questões referentes à opinião do estudante sobre seu corpo e seu peso e realizada aferição de peso e estatura. O IMC foi examinado como variável categórica e contínua. Para a análise de concordância entre as variáveis, foi aplicada estatística Kappa com ponderação quadrática. Para exame da associação entre variáveis de imagem corporal e o IMC, foram calculados mediana, média, desvio padrão e intervalo de confiança de 95% de IMC para cada categoria das variáveis de imagem corporal. Em geral, a concordância entre as variáveis de imagem corporal foi de razoável a boa e, entre essas e a variável estado nutricional, foi de regular a razoável. Melhores resultados foram observados entre meninos e entre alunos de escolas privadas. Todas as variáveis de imagem corporal apresentaram bom poder discriminatório para o IMC, quando analisado como variável contínua, mesmo quando controlados potenciais fatores de confusão. A pergunta sobre corpo parece ser melhor do que aquela sobre peso para compor o questionário de um sistema de vigilância de fatores de risco e proteção à saúde para adolescentes.

Adolescente; Imagem corporal; Escalas; Estado nutricional; Associação; Vigilância


INTRODUÇÃO

A imagem corporal pode ser definida como uma reprodução intelectual que o indivíduo faz do próprio físico, não sendo relacionada a uma percepção do próprio corpo somente, mas como um processo que vai sendo construído pelo indivíduo ao longo da vida pelo conjunto de aspectos sociais, libidinais e fisiológicos11. Schilder P. The Image and Appearance of the Human Body. London: Routledge; 1999.. Nessa perspectiva, o conceito de imagem corporal abrange três diferentes dimensões: uma dimensão perceptiva, que se refere à observação do próprio corpo, incluindo aspectos como dimensão e peso corporal; uma dimensão subjetiva, que diz respeito à satisfação (ou não) com o próprio corpo; e uma dimensão comportamental, caracterizada pelas ações que o sujeito realiza ou deixa de realizar em função de como percebe sua aparência física22. Thompson JK. Body image, eating disorders and obesity. Washington D.C.: American Psychological Association; 1996..

A percepção do indivíduo em relação ao próprio físico é um aspecto que pode ser avaliado em todos os momentos do curso da vida. Por ser um período de intensas transformações, a adolescência merece uma atenção especial, pois, nessa fase, é de se esperar que os aspectos presentes nas três dimensões da imagem corporal (perceptiva, subjetiva e comportamental) sejam constantemente revisitados e reformulados. Esse é um tema relevante para a saúde pública porque, entre outros motivos, a imagem corporal tem sido associada a diferentes práticas para alteração do corpo (perda ou ganho de peso, ganho de massa muscular). Entre elas estão o comportamento alimentar e a prática de atividade física (que podem ser ou não adequados à saúde) e práticas extremas, como o uso de fórmulas, de laxantes e a indução de vômito33. Wang Y, Liang H, Chen X. Measured body mass index, body weight perception, dissatisfaction and control practices in urban, low-income African American adolescents. BMC Public Health 2009; 9: 183.

4. Castro IRR, Levy RB, Cardoso LO, Passos MD, Sardinha LMV, Tavares LF, et al. Imagem corporal, estado nutricional e comportamento com relação ao peso entre adolescentes brasileiros. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(Suppl 2): 3099-3108.

5. Cubrelati BS, Rigoni PAG, Vieira LF, Belem IC. Relação entre distorção de imagem corporal e risco de desenvolvimento de transtornos alimentares em adolescentes. Conexões (Online) 2014; 12(1): 1-15.
- 66. Kubota LC. Discriminação contra os estudantes obesos e os muito magros nas escolas brasileiras. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 2014. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=21310. (Acessado em 21 de abril de 2014).
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?...
.

Por esse motivo, nos sistemas de vigilância de fatores de fatores de risco à saúde de adolescentes existentes em todo mundo, inclusive no Brasil, a imagem corporal tem sido um dos temas contemplados, sendo avaliada por meio de perguntas relacionadas à opinião do adolescente sobre seu peso e sobre seu corpo77. World Health Organization (WHO). Inequalities in young people's health: key findings from the Health Behavior in School-aged Children (HBSC) 2005/2006 survey. Copenhagen: WHO; 2008. Disponível em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0004/83695/fs_hbsc_17june2008_e.pdf. (Acessado em 8 de junho de 2011).
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8. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Youth Risk Behavior Surveillance System (YRBSS). Atlanta: Centers for Disease Control and Prevention, 2011. Disponível em: http://www.cdc.gov/HealthyYouth/yrbs/index.htm. (Acessado em 08 de junho de 2011). .
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9. Pan American Health Organization (PAHO). Global School-Based Student Health Survey (GSHS). Washington: PAHO; 2011. Disponível em: http://new.paho.org/hq/index.php?option=com_content&task=view&id=2721&Itemid=2199. (Acessado em 19 de agosto de 2011).
http://new.paho.org/hq/index.php?option=...

10. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2009. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/default.shtm. (Acessado em 8 de junho de 2011).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
- 1111. Malta DC, Sardinha LMV, Mendes I, Barreto SM, Giatti L, Castro IRR, et al. Prevalência de fatores de risco e proteção de doenças crônicas não transmissíveis em adolescentes: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), Brasil, 2009. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(Suppl 2): 3009-19.. Até o momento, não foram realizados estudos comparativos sobre essas perguntas, o que coloca em questão a comparabilidade dos indicadores de imagem corporal produzidos nos diferentes sistemas.

Além das perguntas sobre imagem corporal utilizadas em sistemas de vigilância, outro instrumento que tem sido adotado em estudos epidemiológicos sobre imagem corporal entre adolescentes são as escalas de silhuetas33. Wang Y, Liang H, Chen X. Measured body mass index, body weight perception, dissatisfaction and control practices in urban, low-income African American adolescents. BMC Public Health 2009; 9: 183. , 55. Cubrelati BS, Rigoni PAG, Vieira LF, Belem IC. Relação entre distorção de imagem corporal e risco de desenvolvimento de transtornos alimentares em adolescentes. Conexões (Online) 2014; 12(1): 1-15. , 1212. Côrtes MG, Meireles AL, Friche AAL, Caiaffa WT, Xavier CC. O uso de escalas de silhuetas na avaliação da satisfação corporal de adolescentes: revisão sistemática da literatura. Cad Saúde Pública 2013; 29(3): 427-44., dirigidas para esse grupo populacional. Inicialmente concebidos para conhecer a percepção de imagem corporal e a insatisfação com o corpo entre adultos1313. Thompson MA, Gray JJ. Development and validation of a new body-image assessment scale. J Pers Assess 1995; 64(2): 258-69. , 1414. Stunkard AJ, Sorensen T, Schulsinger F. Use of theDanish Adoption Register for the study of obesity and thinness. In: Kety SS, Rowland LP, Sidman RL, Matthysse SW. The genetics of neurological and psychiatric disorders. New York: Raven Press; 1983. p.115-20., alguns desses instrumentos vêm sendo adaptados e validados para crianças e adolescentes1212. Côrtes MG, Meireles AL, Friche AAL, Caiaffa WT, Xavier CC. O uso de escalas de silhuetas na avaliação da satisfação corporal de adolescentes: revisão sistemática da literatura. Cad Saúde Pública 2013; 29(3): 427-44. , 1515. Kakeshita IS, Silva AIP, Zanatta DP, Almeida SS. Construção e fidedignidade teste-reteste de escalas de silhuetas brasileiras para adultos e crianças. Psic Teor e Pesq 2009; 25(2): 263-70.

16. Conti MA, Latorre MRDO. Estudo de validação e reprodutibilidade de uma escala de silhueta para adolescentes. Psicol Estud 2009; 14(4): 699-706.

17. Galindo EMC. Tradução, adaptação e validação do Eating Behaviours and Body Image Test (EBBIT) em crianças do sexo feminino na cidade de Ribeirão Preto- SP [dissertação de mestrado]. São Paulo: Escola de Enfermagem da USP; 2005.
- 1818. Laus MF, Almeida SS, Murarole MB, Braga-Costa TM. Estudo de validação e fidedignidade de escalas de silhuetas brasileiras em adolescentes. Psic Teor Pesq 2013; 29(4): 403-9.. São ainda necessários mais estudos que informem sobre as características psicométricas dessas escalas para esse grupo populacional1212. Côrtes MG, Meireles AL, Friche AAL, Caiaffa WT, Xavier CC. O uso de escalas de silhuetas na avaliação da satisfação corporal de adolescentes: revisão sistemática da literatura. Cad Saúde Pública 2013; 29(3): 427-44..

Com o intuito de ampliar o conhecimento sobre a consistência entre diferentes métodos de aferição da imagem corporal e subsidiar o processo de construção dos instrumentos utilizados em sistemas de vigilância que embasam políticas públicas voltadas para a promoção da saúde de adolescentes, o presente estudo objetiva examinar a concordância entre quatro diferentes indicadores de imagem corporal (construídos com base em perguntas referentes à opinião do aluno sobre seu corpo e seu peso, utilizadas em sistemas de vigilância ou em escalas de silhuetas), a concordância desses indicadores de imagem corporal com um indicador antropométrico de estado nutricional (EN) e a associação dos indicadores de imagem corporal com o índice de massa corporal (IMC) (como variável contínua) em adolescentes estudantes de escolas públicas e privadas no município do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

Desenho, população de estudo e amostragem

O presente estudo foi aninhado à pesquisa "Validação do questionário da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE): atividade física, consumo e comportamento alimentar". Trata-se de estudo seccional com alunos que, em 2011, cursavam o 9º ano do ensino fundamental de escolas públicas e privadas do município do Rio de Janeiro. O 9º ano foi escolhido por ser a série índice para a PeNSE1919. Castro IRR, Cardoso LO, Engstrom EM, Levy RB, Monteiro CA. Vigilância de fatores de risco para doenças não transmissíveis entre adolescentes: a experiência da cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24(10): 2279-88., pesquisa que integra o sistema brasileiro de vigilância de fatores de risco e proteção à saúde de adolescentes.

Para definição do tamanho amostral para a pesquisa em que o presente estudo foi aninhado foram adotados como parâmetros os resultados obtidos no estudo de reprodutibilidade do questionário utilizado pelo sistema de vigilância do município do Rio de Janeiro em 20072020. Cardoso LO. Fatores associados ao excesso de peso e perfis de consumo e comportamento alimentar de adolescentes [tese de doutorado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2010., no qual constavam estimativas de confiabilidade para os indicadores estimados com base nesse questionário, tendo sido adotados os parâmetros mais baixos referentes aos indicadores de alimentação e atividade física. Foi estimada inicialmente uma amostra de 126 alunos. Supondo-se que poderiam ocorrer até 50% de perdas na segunda etapa do estudo (entrevistas telefônicas), foi adotada como meta uma amostra de 250 alunos.

Dados do Censo Escolar 2010, conduzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira do Ministério da Educação (INEP/MEC) foram utilizados como base para sorteio e seleção das turmas. De acordo com o Censo Escolar 2010, as turmas de escolas públicas e privadas possuíam em média 36,2 e 25,7 alunos, respectivamente, sendo necessário, portanto, a seleção de aproximadamente 9 turmas para atingir o tamanho amostral. A distribuição do número de turmas por tipo de escola (pública ou privada) tomou por base a proporção de alunos matriculados em escolas públicas (75%) e privadas (25%) do município do Rio de Janeiro. A seleção das turmas se deu por meio de amostragem sistemática e o intervalo de seleção foi calculado de acordo com o número total de turmas do 9º ano das escolas públicas e privadas. Foram sorteadas nove turmas distribuídas em nove escolas (seis públicas e três privadas) espalhadas por toda a cidade do Rio de Janeiro.

Com o intuito de examinar em que medida esse tamanho amostral, calculado para o estudo de validação, seria suficiente para o propósito da presente pesquisa, novos cálculos foram feitos combinando diferentes parâmetros: (a) Kappa observado na questão referente à imagem corporal no estudo de reprodutibilidade supracitado (0,74)2020. Cardoso LO. Fatores associados ao excesso de peso e perfis de consumo e comportamento alimentar de adolescentes [tese de doutorado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2010.; (b) Kappa calculado para concordância entre imagem corporal e EN com base nos dados da PeNSE-2009 (0,33); (c) proporções das categorias de EN dos adolescentes observadas na PeNSE-2009; e (d) proporções das categorias de imagem corporal dos adolescentes observadas na PeNSE-2009: magro (22,1%), normal (60,2%), gordo (17,7%)44. Castro IRR, Levy RB, Cardoso LO, Passos MD, Sardinha LMV, Tavares LF, et al. Imagem corporal, estado nutricional e comportamento com relação ao peso entre adolescentes brasileiros. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(Suppl 2): 3099-3108.. Os tamanhos amostrais calculados com base nesses parâmetros variaram de 73 a 127, indicando que o tamanho da amostra do estudo de validação em que a presente pesquisa está aninhada é suficiente para ela. A seleção aleatória das turmas se deu de forma sistemática e o intervalo de seleção foi calculado de acordo com o número total de turmas do 9º ano das escolas públicas e privadas.

Coleta de dados

Essa etapa foi realizada em quatro dias diferentes, com o objetivo de evitar uma possível influência entre as respostas dadas pelo estudante a cada um dos instrumentos utilizados (duas perguntas e duas escalas de silhuetas, conforme descrito a seguir). A avaliação antropométrica foi realizada no último dia para que esse dado objetivo não influenciasse o estudante nas respostas aos instrumentos que enfocavam sua opinião sobre seu corpo.

No primeiro dia, na escola, foi realizada a aplicação de questionário autopreenchido pelos adolescentes em um microcomputador de mão, o Personal Digital Assistant (PDA). Nesse questionário, o aluno informou seus dados básicos (sexo, cor, idade, mês e ano de nascimento), assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de participação e informou seu contato telefônico. Em seguida, o aluno foi apresentado à escala de silhuetas construída para adultos por Kakeshita et al.1515. Kakeshita IS, Silva AIP, Zanatta DP, Almeida SS. Construção e fidedignidade teste-reteste de escalas de silhuetas brasileiras para adultos e crianças. Psic Teor e Pesq 2009; 25(2): 263-70.. Conforme preconizado por seus autores, ela foi apresentada na forma de cartões de 12,5 cm por 6,5 cm e, diante dela, o aluno respondeu, no PDA, a pergunta: "Qual a figura que melhor representa seu corpo hoje?".

Em dias posteriores à primeira visita à escola, duas entrevistas telefônicas foram realizadas com os estudantes por entrevistadores treinados, nas quais foram incluídas, respectivamente, as seguintes questões sobre imagem corporal: "Quanto ao seu corpo, você se considera: muito magro(a), magro(a), normal, gordo(a), muito gordo(a)?" e "Quanto ao peso, você se considera: bem abaixo do peso, um pouco abaixo do peso, no peso certo, um pouco acima do peso, bem acima do peso?". Nas duas entrevistas, as opções de respostas foram lidas para o adolescente. Para cada entrevista foram realizadas três tentativas de contato.

No quarto dia, nova visita à escola foi realizada para avaliação antropométrica dos estudantes por aferidores treinados. O peso foi aferido utilizando balança eletrônica digital portátil Caumaq® com capacidade máxima de 150 kg e precisão de 0,1 kg. A altura foi medida com auxílio do estadiômetro portátil AlturExata® com altura máxima de 2 metros e precisão de 0,1 cm. Nesse momento também foi aplicada uma segunda escala de silhuetas, construída por Thompson e Gray1313. Thompson MA, Gray JJ. Development and validation of a new body-image assessment scale. J Pers Assess 1995; 64(2): 258-69. e validada para adolescentes brasileiros por Conti e Latorre1616. Conti MA, Latorre MRDO. Estudo de validação e reprodutibilidade de uma escala de silhueta para adolescentes. Psicol Estud 2009; 14(4): 699-706.. Conforme preconizado pelos autores da escala, ela foi apresentada em folha de papel de 21,6 cm por 27,9 cm. Diante da escala, o aluno respondeu à seguinte pergunta: "Qual a figura que melhor representa seu corpo hoje?".

O tempo transcorrido entre a primeira e a segunda visita a cada escola variou de 12 a 30 dias (média ponderada = 21). O trabalho de campo durou 58 dias.

Variáveis de interesse

As variáveis analisadas no presente estudo foram sexo, idade (em anos completos) e IMC [peso (kg)/altura (m22. Thompson JK. Body image, eating disorders and obesity. Washington D.C.: American Psychological Association; 1996.)] dos alunos estudados, tipo de escola (pública ou privada) em que estudavam, opinião dos alunos sobre seu corpo e seu peso e percepção dos alunos sobre sua posição em relação a duas escalas de silhuetas.

Imagem corporal: examinada segundo quatro variáveis, a saber: (a) Opinião sobre o corpo (variável denominada "OpC"): as cinco opções de resposta à pergunta "Quanto ao seu corpo, você se considera?" foram agrupadas em três diferentes categorias: [muito magro + magro]; [normal] e [gordo + muito gordo], conforme adotado em outros estudos2121. El Ansari W, Clausen SV, Mabhala A, Stock C. How do I look? Body image perceptions among university students from England and Denmark. Int J Environ Res Public Health 2010; 7(2): 583-95. , 2222. Araújo CL, Dumith SC, Menezes AMB, Hallal PC. Peso medido, peso percebido e fatores associados em adolescentes. Rev Panam Salud Publica 2010; 27(5): 360-7.; (b) Opinião sobre o peso (variável denominada "OpP"): as cinco opções de resposta à pergunta "Quanto ao peso, você se considera?" também foram agrupadas em três categorias: [bem abaixo do peso + um pouco abaixo do peso]; [no peso certo] e [um pouco acima do peso + acima do peso]. (c) Percepção da imagem corporal segundo a escala de silhuetas proposta por Kakeshita et al. 1515. Kakeshita IS, Silva AIP, Zanatta DP, Almeida SS. Construção e fidedignidade teste-reteste de escalas de silhuetas brasileiras para adultos e crianças. Psic Teor e Pesq 2009; 25(2): 263-70. para adultos e validada por Laus et al.1818. Laus MF, Almeida SS, Murarole MB, Braga-Costa TM. Estudo de validação e fidedignidade de escalas de silhuetas brasileiras em adolescentes. Psic Teor Pesq 2013; 29(4): 403-9. para adolescentes (variável denominada "Escala de silhuetas A", "ES_A"): as 15 imagens que compõem a escala para cada sexo representam faixas de IMC cujas médias variam de 11,25 kg/m22. Thompson JK. Body image, eating disorders and obesity. Washington D.C.: American Psychological Association; 1996. (primeira figura) a 48,75 kg/m22. Thompson JK. Body image, eating disorders and obesity. Washington D.C.: American Psychological Association; 1996. (última figura) para o sexo feminino e masculino. Assim como nas variáveis citadas anteriormente, as 15 figuras de silhuetas também foram agrupadas em três categorias (denominadas faixas), de acordo com as médias de IMC obtidas em cada uma delas, a saber: Faixa 1A: silhuetas 1 a 3; Faixa 2A: 4 a 6 e Faixa 3A, silhuetas 7 a 15. Dado que a escala de Kakeshita et al.1515. Kakeshita IS, Silva AIP, Zanatta DP, Almeida SS. Construção e fidedignidade teste-reteste de escalas de silhuetas brasileiras para adultos e crianças. Psic Teor e Pesq 2009; 25(2): 263-70. aqui adotada foi a proposta para adultos, esse agrupamento buscou respeitar, com base nos IMC médios de cada figura, a classificação nutricional proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para adultos2323. World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Report on WHO Consulation (WHO Technical Report Series 894). Geneva: WHO; 1997.; e (d) Percepção da imagem corporal segundo escala de silhuetas de Thompson e Gray 1313. Thompson MA, Gray JJ. Development and validation of a new body-image assessment scale. J Pers Assess 1995; 64(2): 258-69. (doravante denominada "Escala de silhuetas B"; "ES_B"): essa escala é composta por nove imagens para cada sexo desenhadas por profissional especializado. Ainda que não tenha sido construída com uma base empírica, ou seja, ainda que cada figura não represente uma faixa de IMC previamente conhecida, Conti e Latorre1616. Conti MA, Latorre MRDO. Estudo de validação e reprodutibilidade de uma escala de silhueta para adolescentes. Psicol Estud 2009; 14(4): 699-706. validaram essa escala para adolescentes brasileiros. Dada a ausência de base empírica para a construção dessa escala, o agrupamento das nove imagens de cada sexo em três categorias foi baseado na média de IMC (em escore Z) dos adolescentes que foi observada em nosso estudo em cada uma dessas categorias: a Faixa 1B é constituída pelas silhuetas de números 1, 2, 3 e 4 (média de IMC de -0,97 a -0,36); a Faixa 2B abarca as silhuetas 5 e 6 (média de IMC de 0,34 a 0,73); e a Faixa 3B que agrupa as silhuetas 7, 8 e 9 (média de IMC de 1,79 a 3,59).

Estado nutricional (doravante denominado "EN"): Foi avaliado com base no IMC segundo idade e sexo. Para as análises de concordância, a classificação nutricional adotada foi a preconizada pela OMS2424. World Health Organization (WHO). Growth reference data for 5-19 years. WHO Reference 2007. Geneva: WHO; 2007. Disponível em: http://www.who.int/growthref/en/. (Acessado em 8 de junho de 2011).
http://www.who.int/growthref/en/...
. As faixas de estado nutricional foram agrupadas nas seguintes categorias: [magreza severa + magreza], [eutrofia] e [sobrepeso + obesidade], sendo esta última denominada "excesso de peso". Em caráter complementar, para algumas análises, o IMC foi examinado como variável contínua, tanto na sua forma bruta quanto em escores Z (unidades de desvio padrão) da população de referência.

Análise dos dados

Com o intuito de averiguar a ocorrência de um eventual viés de seleção dos indivíduos inseridos no estudo, o grupo estudado e o não estudado foram comparados segundo as seguintes variáveis sociodemográficas: tipo de escola, idade e sexo. Para a verificação da concordância entre as categorias propostas para cada variável de interesse (OpC, OpP, ES_A, ES_B e EN), foi calculado o Kappa com ponderação quadrática para variáveis ordinais, proposto por Fleiss e Cohen2525. Fleiss JL, Cohen J. The equivalence of weighted kappa and the intraclass correlation coefficient as measures of reliability. Educ Psychol Meas 1973; 33: 613-19.. Na interpretação dos valores de Kappa ponderado obtidos, foi adotada classificação proposta por Byrt2626. Byrt T. How good is that agreement? Epidemiology 1996; 7(5): 561. e a denominação aqui adotada para cada faixa de Kappa proposta nessa classificação foi adaptada daquela apresentada por Luiz2727. Luiz RR. Métodos estatísticos em estudos de concordância. In: Medronho RA, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL. Epidemiologia. 2 ed. São Paulo: Editora Atheneu; 2009.. Para a análise da associação entre as categorias das variáveis de imagem corporal e o IMC dos estudantes, utilizou-se o IMC em unidades de escore Z por idade e sexo das curvas de referência propostas pela OMS2828. De Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ 2007; 85(9): 660-7.. Para o conjunto de casos classificados em cada categoria de cada variável, foram estimados a mediana, a média, o desvio padrão e o intervalo de confiança de 95% (IC95%) do erro padrão da estimativa de média dos valores de escore Z de IMC. Em caráter complementar, regressões lineares foram realizadas controlando para possíveis fatores de confusão (idade, sexo e tipo de escola de cada aluno), sendo de 5% o nível crítico para identificar as diferenças estatisticamente significativas.

Foi utilizado o aplicativo WinPepi v.11.18 para o cálculo do Kappa ponderado. O IMC (bruto e escore Z) foi calculado de acordo com a idade do adolescente no dia da antropometria pelo aplicativo WHO AnthroPlus v.1.0.4. As demais análises foram realizadas com o auxílio do pacote estatístico SPSS v.17. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde da Cidade do Rio de Janeiro.

RESULTADOS

Dos 251 alunos que iniciaram o estudo, 152 foram estudados efetivamente. Do total de alunos estudados, 63,8% frequentavam escolas públicas, cerca de metade (48,7%) tinha 15 anos de idade e pouco mais da metade (53,9%) era de meninas. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre o grupo estudado e o não estudado em relação à distribuição da amostra segundo sexo, idade e tipo de escola. A distribuição das variáveis de interesse para o total de alunos estudados e segundo sexo e tipo de escola está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Distribuição das respostas de cada categoria das variáveis de interesse para o total da amostra segundo sexo e tipo de escola. Rio de Janeiro, Brasil, 2011.

Em geral, a concordância entre as variáveis de imagem corporal foi de razoável (Kappa entre 0,41 e 0,60) a boa (Kappa entre 0,61 e 0,80) e, entre essas e a variável EN, ela foi de regular (Kappa entre 0,21 e 0,40) a razoável. Melhores resultados foram observados entre meninos e entre alunos de escolas privadas (Tabela 2).

Tabela 2
Estimativas de Kappa ponderado para as variáveis de interesse com respectivos intervalos de confiança de 95% para o total de alunos estudados e segundo sexo e tipo de escola. Rio de Janeiro, Brasil, 2011.

O índice de concordância entre as variáveis OpC e OpP foi bom para o total da amostra, para meninos e meninas e para alunos de escolas privadas; e foi razoável para os alunos de escolas públicas (Tabela 2). Já a análise de concordância dessas duas variáveis com as escalas de silhuetas apontou, para o total da amostra, que a variável OpC possui melhores índices de concordância que OpP tanto para a ES_A quanto para ES_B (Tabela 2). Em geral, esse resultado se manteve quando os dados foram analisados por sexo e tipo de escola.

Examinando as quatro variáveis de imagem corporal em relação à variável EN, observou-se que, para o total da amostra e para os estratos em que a estimativa de Kappa ponderado pode ser gerada, OpP apresentou melhores resultados que OpC e ES_B apresentou melhores resultados que ES_A (Tabela 2).

O exame da associação entre indicadores de imagem corporal e IMC indicou claro gradiente dos valores de mediana e média de IMC (em escore Z) entre as três categorias de cada variável estudada tanto para o total de alunos, quanto para meninos e meninas separadamente e para cada um dos tipos de escola (Tabela 3). Em geral, para o total estudado e para os estratos analisados (de sexo e tipo de escola), os valores médios e medianos de escore Z de IMC (bem como os limites do IC95%) obtidos em cada categoria foram condizentes com a respectiva situação nutricional dos estudantes em termos de posição na distribuição de IMC. Isto é, em todas as primeiras categorias de todas as variáveis que expressam magreza (ou peso abaixo da maioria dos indivíduos com mesmo sexo e idade), os valores obtidos estão abaixo da mediana da distribuição da curva normal reduzida (valores abaixo de zero). Já nas categorias intermediárias, a maioria dos valores médios de escore Z obtidos não ultrapassaram 0,5 e o valor superior do IC95% dessas estimativas não ultrapassou o escore Z = 1, considerado ponto de corte para excesso de peso24. Na terceira categoria de todas as variáveis, a maioria dos valores médios e medianos obtidos, bem como dos valores inferiores dos intervalos de confiança dessas estimativas, foram superiores a um escore Z (Tabela 3).

Tabela 3
Mediana, média, desvio padrão e intervalo de confiança de 95% de índice de massa corporal em escore Z do total estudado segundo variáveis de imagem corporal por sexo e tipo de escola. Rio de Janeiro, Brasil, 2011.

Cabe ressaltar ainda que, de forma geral, os IC95% das médias de escore Z de IMC obtidos para cada categoria de cada variável estudada não se sobrepuseram, sugerindo diferença estatisticamente significativa entre os valores de IMC dos grupos de alunos que escolheram cada uma das categorias em cada variável (Tabela 3).

Por fim, cabe dizer que, quando realizados modelos de regressão linear nos quais foram controlados idade e sexo dos alunos e tipo de escola onde estudavam, se manteve a associação estatisticamente significativa entre as categorias de cada variável de imagem corporal estudada e o gradiente de IMC observado.

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo sugerem que OpC e OpP têm sentidos relativamente diferentes para os adolescentes. Sugerem também que, em geral, OpC apresenta valores de Kappa ponderado mais altos que OpP nas análises de concordância com as variáveis de escalas de silhuetas e que OpP apresenta melhores resultados que OpC na análise de concordância com EN. Mas ambas as variáveis, da forma em que estão categorizadas, apresentam bom poder discriminatório para IMC quando examinado como variável contínua. Dessa forma, com base nesse conjunto de resultados, OpC parece ser melhor que OpP para compor o elenco de variáveis de um sistema de vigilância de fatores de risco e proteção dirigido a adolescentes.

Outros estudos compararam OpP ou OpC com EN33. Wang Y, Liang H, Chen X. Measured body mass index, body weight perception, dissatisfaction and control practices in urban, low-income African American adolescents. BMC Public Health 2009; 9: 183. , 44. Castro IRR, Levy RB, Cardoso LO, Passos MD, Sardinha LMV, Tavares LF, et al. Imagem corporal, estado nutricional e comportamento com relação ao peso entre adolescentes brasileiros. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(Suppl 2): 3099-3108. , 2222. Araújo CL, Dumith SC, Menezes AMB, Hallal PC. Peso medido, peso percebido e fatores associados em adolescentes. Rev Panam Salud Publica 2010; 27(5): 360-7. , 2929. Khor GL, Zalilah MS, Phan YY, Ang M, Maznah B, Norimah AK. Perceptions of body image among Malaysian male and female adolescents. Singapore Med J 2009; 50(3): 303-11.

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31. Fonseca H, Matos MG, Guerra A, Gomes-Pedro J. How much does overweight impact the adolescent developmental process? Child Care Health Dev 2010, 37(1): 135-42.
- 3232. Ferreira AA, Nogueira JAD, Wiggers I, Fontana KE. Composição e percepção corporal de adolescentes de escolas públicas. Motricidade 2013; 9(3): 19-29.. Entretanto, somente dois deles, que estudaram OpC e EN, adotaram a estatística Kappa como parâmetro para análise de concordância. No primeiro, que utilizou dados de alunos estudados na PeNSE 2009, a estimativa de Kappa encontrada foi de 0,334.No segundo, que estudou membros da coorte de nascimentos de 1993 na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, foi observado Kappa de 0,3622. Esses resultados convergem com os nossos resultados, que estimaram Kappa de 0,36 para o total do grupo estudado.

Nos estudos que comparam indicadores de imagem corporal com os de EN entre adolescentes, são recorrentes, por um lado, os achados de que meninos tendem a subestimar seu peso33. Wang Y, Liang H, Chen X. Measured body mass index, body weight perception, dissatisfaction and control practices in urban, low-income African American adolescents. BMC Public Health 2009; 9: 183. , 2222. Araújo CL, Dumith SC, Menezes AMB, Hallal PC. Peso medido, peso percebido e fatores associados em adolescentes. Rev Panam Salud Publica 2010; 27(5): 360-7. , 3333. Branco LM, Hilário MOE, Cintra IP. Percepção e satisfação corporal em adolescentes e a relação com seu estado nutricional. Rev Psiquiatr Clína 2006; 33(6): 56-60. e a se autoclassificarem como estando com uma silhueta adequada quando já apresentam excesso de peso3434. PrzysÅ‚awski J, Stelmach M, Grygiel-Górniak B, Mardas M, Walkowiak J. Nutritional status, dietary habits and body image perception in male adolescents. Acta Sci Pol Technol Aliment 2010; 9(3): 383-91. e, por outro, os achados de que meninas tendem a sobrestimar seu peso e se autoclassificarem como apresentando excesso de peso quando estão eutróficas2222. Araújo CL, Dumith SC, Menezes AMB, Hallal PC. Peso medido, peso percebido e fatores associados em adolescentes. Rev Panam Salud Publica 2010; 27(5): 360-7. , 3333. Branco LM, Hilário MOE, Cintra IP. Percepção e satisfação corporal em adolescentes e a relação com seu estado nutricional. Rev Psiquiatr Clína 2006; 33(6): 56-60..

No entanto, Castro et al.44. Castro IRR, Levy RB, Cardoso LO, Passos MD, Sardinha LMV, Tavares LF, et al. Imagem corporal, estado nutricional e comportamento com relação ao peso entre adolescentes brasileiros. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(Suppl 2): 3099-3108. problematizaram essa interpretação, recorrente na literatura, de que, no cotejamento entre dados referentes ao EN e à imagem corporal, aquele é tomado como expressão da realidade e essa, como evento passível de distorção. Esses autores afirmam que, para adolescentes, essa abordagem deve ser relativizada e embasam seu questionamento nas limitações do diagnóstico nutricional antropométrico em nível individual para adolescentes, a saber: (a) as classificações nutricionais disponíveis não levam em conta a maturação sexual do adolescente, fenômeno que influencia enormemente as dimensões e proporções corporais e que apresenta grande variabilidade entre indivíduos, particularmente até a faixa etária estudada aqui; e (b) recorrentemente, os pontos de corte adotados para diagnóstico de baixo peso e excesso de peso apresentam sensibilidade e especificidade distintas, acarretando diferentes proporções de falso-positivos e falso-negativos para o diagnóstico de agravo.

Os achados do nosso estudo reiteram essa reflexão, uma vez que sugerem que, em nível coletivo, a percepção de imagem corporal dos adolescentes (expressa por qualquer uma das variáveis de imagem corporal utilizadas aqui) condiz com faixas de IMC equivalentes a situações nutricionais distintas. Portanto, na perspectiva de um sistema de vigilância, em contextos semelhantes ao da realização do estudo, indicadores de imagem corporal como os aqui adotados parecem ser uma boa proxy da situação nutricional dos grupos de adolescentes que se identificaram com cada categoria de cada variável de imagem corporal. Corrobora essa reflexão um estudo de validade de construto de escala de imagem corporal diferente da utilizada aqui junto a adolescentes de Santa Catarina, cujos resultados apontaram que adolescentes com valores mais altos de escore Z de IMC escolhiam silhuetas de maior dimensão3535. Adami F, Frainer DES, Almeida FS, Abreu LC, Valenti VE, Demarzo MMP, et al. Construct validity of a figure rating scale for Brazilian adolescents. Nutr J 2012; 11: 24..

Com relação às diferenças segundo tipo de escola, ainda que, em geral, melhores resultados de concordância tenham sido obtidos entre alunos de escolas privadas, nos dois extratos analisados foram observados os dois principais achados desse estudo: o melhor desempenho de OpC em relação a OpP na comparação com as duas escalas de silhuetas e a associação entre categorias de imagem corporal e gradiente de IMC. No tocante à validade externa dos achados e de sua aplicação ao cenário nacional, cabe mencionar que, na amostra estudada, houve maior participação de estudantes mais velhos (≥ 15 anos de idade; 63,2%) quando comparada aos dados da PeNSE 2009 para a cidade do Rio de Janeiro (37,2%) e para o conjunto de alunos estudados (28,5%). Também foi observado, na amostra estudada, proporção de alunos inseridos em escolas privadas (36,2%) superior ao observado para o Rio de Janeiro e para o conjunto de capitais brasileiras e Distrito Federal em 2009 (23,4 e 20,8%, respectivamente)44. Castro IRR, Levy RB, Cardoso LO, Passos MD, Sardinha LMV, Tavares LF, et al. Imagem corporal, estado nutricional e comportamento com relação ao peso entre adolescentes brasileiros. Ciênc Saúde Coletiva 2010; 15(Suppl 2): 3099-3108. , 1010. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2009. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pense/default.shtm. (Acessado em 8 de junho de 2011).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
. Como, para algumas análises, observou-se melhor desempenho da concordância entre os indicadores estudados para alunos de escolas privadas, essa diferença na proporção de alunos em cada tipo de escola pode ter acarretado sobre-estimação dos resultados em relação ao que seria observado para o conjunto da população. De qualquer forma, cabe ressaltar o fato de que os resultados de associação entre as variáveis de imagem corporal e gradiente de IMC se mantiveram mesmo quando controlados para idade, sexo dos alunos e tipo de escola em que estavam inseridos.

Um segundo aspecto a ser considerado é o fato de os alunos não terem respondido as questões sobre imagem corporal em um mesmo dia. Dada a natureza subjetiva desse tema, poder-se-ia supor que a opinião do aluno sobre seu corpo poderia não ser a mesma em cada dia, o que, potencialmente, introduziria um componente de variabilidade na análise de concordância. O intervalo de tempo decorrido entre a primeira e a última visita abrangeu quatro oportunidades de contato com o aluno e, em cada uma delas, ele respondeu uma das questões sobre imagem corporal. Acreditamos que, ainda que subjetivo, esse tema não apresentaria, nesse período de tempo, uma variabilidade que possa ter comprometido as análises aqui desenvolvidas.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados apresentados, pode-se afirmar que a concordância entre as diferentes variáveis de imagem corporal foi, em geral, de razoável a boa e que, entre essas e a variável de EN, a concordância foi, em geral, de regular a razoável. Pode-se também dizer que a pergunta referente à opinião sobre o corpo (OpC) parece ser melhor que a pergunta referente à opinião sobre o peso para expressar a dimensão perceptiva da imagem corporal. Pode-se, ainda, depreender, que todas as variáveis de imagem corporal (nelas incluída a OpC), categorizadas da forma que propusemos, apresentaram bom poder discriminatório para o índice de massa corporal, quando analisado como variável contínua. Diante desses achados, a pergunta sobre corpo parece ser a mais indicada para compor o questionário de um sistema de vigilância de fatores de risco e proteção para adolescentes dirigido a populações semelhantes à aqui estudada. Fala também a seu favor o fato de ela ser de mais simples aplicação quando comparada às escalas de silhuetas.

Esse estudo traz como inovações: (a) a possibilidade de examinar, em uma mesma amostra, diferentes parâmetros subjetivos (questões sobre imagem corporal e escalas de silhuetas) e cotejá-los com um parâmetro objetivo (índice de massa corporal) e (b) neste cotejamento, tratar o índice de massa corporal como variável contínua e examinar sua associação com as variáveis de imagem corporal em complementação à tradicional análise de concordância entre essas variáveis e as faixas de classificação nutricional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2013
  • Revisado
    30 Abr 2014
  • Aceito
    30 Maio 2014
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