Pesquisa Nacional de Saúde 2013: relação entre uso de álcool e características sociodemográficas segundo o sexo no Brasil

Ísis Eloah Machado Maristela Goldnadel Monteiro Deborah Carvalho Malta Francisco Carlos Félix Lana Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Analisar fatores sociodemográficos associados ao uso de álcool segundo o sexo no Brasil.

Métodos:

Estudo transversal com dados provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde, de 2013, sobre 60.202 adultos. Analisou-se o uso recente e o uso episódico excessivo de álcool nos 30 dias anteriores à pesquisa segundo sexo. As covariáveis foram: idade, escolaridade, cor da pele, estado civil e local de residência.

Resultados:

A prevalência de uso recente de álcool foi de 26,5%, sendo 14,4% em mulheres e 38,1% em homens. O uso recente de álcool entre as mulheres foi associado às variáveis idade jovem, maior escolaridade, estar solteira ou separada/divorciada e viver em área urbana. Em homens, além dos fatores supracitados, houve associação com a cor da pele branca. Dos indivíduos que usaram álcool, 51,5% relataram uso episódico excessivo - entre as mulheres, a proporção foi 43,4%; entre os homens, 55,0%. Nas mulheres, o uso episódico excessivo de álcool esteve associado à idade jovem, estar solteira ou separada/divorciada e viver em área urbana; cor branca e ter ensino superior tiveram associação inversa com esse padrão. Em homens, o uso episódico excessivo de álcool esteve diretamente associado à idade jovem e a estar solteiro ou separado/divorciado, e inversamente à cor branca; não houve relação significativa com escolaridade e local de residência.

Conclusão:

Observou-se que os homens consomem mais álcool. Porém, constatou-se uma convergência do consumo de álcool, incluindo o uso episódico excessivo, entre homens e mulheres mais jovens, solteiros(as) e divorciados(as) e residentes de área urbana. Cor de pele, escolaridade e local de residência mostraram variações nos modelos entre sexos.

Palavras-chave:
Epidemiologia; Consumo de bebidas alcoólicas; Bebedeira; Fatores socioeconômicos

INTRODUÇÃO

O uso excessivo de bebidas alcoólicas é um relevante problema de saúde pública, sendo um dos cinco principais fatores de risco de morte prematura e incapacidade no mundo11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 5,9% de todos os óbitos globais ocorridos anualmente sejam devidos ao álcool, sendo que seu uso nocivo causa morte e incapacidade a pessoas relativamente jovens, resultando na perda de muitos anos de vida11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58..

Dentre as mortes atribuídas ao álcool, cerca da metade é decorrente de doenças não transmissíveis devidas ao seu uso crônico, como câncer, doenças cardiovasculares, doenças mentais e cirrose hepática11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.,22. Rehm J, Baliunas D, Borges GL, Graham K, Irving H, Kehoe T, et al. The relation between different dimensions of alcohol consumption and burden of disease: an overview. Addiction. 2010 May;105(5):817-43.. Já o uso episódico e agudo de álcool constitui fator de risco para causas externas, como acidentes de transporte e trabalho, violência, dentre outras, especialmente entre homens jovens11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.,22. Rehm J, Baliunas D, Borges GL, Graham K, Irving H, Kehoe T, et al. The relation between different dimensions of alcohol consumption and burden of disease: an overview. Addiction. 2010 May;105(5):817-43.,33. Monteiro MG. Alcohol y salud pública en las Américas: un caso para la acción. Washington, D.C.: Organizacion Pan Americana de Salud; 2007..

Países da região das Américas apresentam um problema de maior magnitude do que a média global em relação à quantidade total de álcool consumida per capita e à prevalência de uso pesado episódico e de transtornos induzidos pelo uso de álcool, ficando somente atrás da região europeia11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.,44. Gawryszewski VP, Monteiro MG. Mortality from diseases, conditions and injuries where alcohol is a necessary cause in the Americas, 2007-09. Addiction. 2014 Apr;109(4):570-7.. O Brasil supera a média das Américas em relação ao consumo anual de álcool puro por habitante com idade superior a 15 anos11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58., e o uso de álcool no país é o quarto fator de risco à carga global de doença55. Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease. Country Profiles. Brazil ENT#091;InternetENT#093;. Seattle: IHME; 2013 ENT#091;cited on 2016 June 28ENT#093;. Available from: http://www.healthdata.org/brazil
http://www.healthdata.org/brazil...
. O país ainda está entre os que apresentam maior taxa de mortalidade atribuível ao álcool nas Américas44. Gawryszewski VP, Monteiro MG. Mortality from diseases, conditions and injuries where alcohol is a necessary cause in the Americas, 2007-09. Addiction. 2014 Apr;109(4):570-7., e enfrenta o crescimento na taxa padronizada nacional de mortalidade por causas básicas ou associadas ao uso de álcool, que passou de 12,3 óbitos por 100.000 habitantes em 2000 para 15,9 óbitos por 100.000 habitantes em 201366. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Mortalidade por uso de álcool. In: Brasil. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 267-88., número que ainda pode estar subestimado, em função do sub-registro44. Gawryszewski VP, Monteiro MG. Mortality from diseases, conditions and injuries where alcohol is a necessary cause in the Americas, 2007-09. Addiction. 2014 Apr;109(4):570-7.,66. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Mortalidade por uso de álcool. In: Brasil. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 267-88..

Em geral, o consumo e a presença de transtornos relacionados ao uso de álcool são superiores entre homens do que entre mulheres, tanto no âmbito global como no nacional11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.,66. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Mortalidade por uso de álcool. In: Brasil. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 267-88.,77. Pan American Health Organization. Regional Status Report on Alcohol and Health in the Americas. Washington, D.C.: PAHO; 2015. 70p.,88. Silveira CM, Silveira CC, Silva JG, Silveira LM, Andrade AG, Andrade LHSG. Epidemiologia do beber pesado e beber pesado episódico no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Rev Psiquiatr Clín. 2008;35(Suppl. 1):31-8.,99. Moura EC, Malta DC. Consumo de bebidas alcoólicas na população adulta Brasileira: características sociodemográficas e tendência. Rev Bras Epidemiol. 2011 Sep;14(Suppl. 1):61-70.. No ano de 2012, 7,6% das mortes entre homens foram atribuídas ao álcool, comparadas aos 4,0% das mortes entre mulheres no mundo11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.. Além disso, os homens apresentaram maior proporção da carga total de doença, expressa anos de vida perdidos por morte prematura e incapacidade atribuíveis ao álcool do que as mulheres - 7,4% comparado a 2,3% no sexo feminino11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.. No Brasil, dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) mostram que a proporção de óbitos devidos ao uso de álcool para os homens foi em média 5,4 vezes maior do que para as mulheres no período de 2000 a 201366. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Mortalidade por uso de álcool. In: Brasil. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 267-88..

Embora as diferenças ainda sejam marcantes entre os gêneros, o uso de álcool, em especial o episódico excessivo, tem aumentado entre as mulheres1010. Berridge V, Herring R, Thom B. Binge drinking: a confused concept and its contemporary history. Soc Hist Med. 2009;22:597-607.. Um levantamento realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que, entre a população não abstêmia, o consumo de cinco ou mais doses de bebida alcoólica para os homens ou quatro ou mais doses para as mulheres, durante período de 12 meses, cresceu 31,1% de 2006 a 2012, sendo que entre as mulheres o crescimento foi de 36,0%1111. Laranjeira R, Madruga CS, Pinsky I, Caetano R, Ribeiro M, Mitsuhiro S. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas - Consumo de Álcool no Brasil: Tendências entre 2006/2012 ENT#091;InternetENT#093;. São Paulo: INPAD; 2013 ENT#091;cited on 2013 May 31ENT#093;. Available from: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2013/04/LENAD_ALCOOL_Resultados-Preliminares.pdf. Assim, pesquisas que avaliam as diferenças entre o uso de álcool por homens e por mulheres são de grande relevância por apoiarem a identificação de grupos de risco na população, e são úteis na formulação de políticas de prevenção e de redução de danos.

Estudos têm mostrado que a quantidade e o padrão de consumo de álcool variam na população brasileira de acordo com fatores como idade, etnia/cor da pele, condição socioeconômica e/ou educação, trabalho, estado conjugal e características da vizinhança - sendo que esses fatores podem atuar de maneira diferente entre homens e mulheres99. Moura EC, Malta DC. Consumo de bebidas alcoólicas na população adulta Brasileira: características sociodemográficas e tendência. Rev Bras Epidemiol. 2011 Sep;14(Suppl. 1):61-70.,1212. Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Aquino E, Kawachi I, et al. Alcohol drinking patterns by gender, ethnicity, and social class in Bahia, Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38(1):45-54.,1313. Kerr-Corrêa F, Tucci AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42.,1414. Silveira CM, Wang YP, Andrade AG, Andrade LH. Heavy episodic drinking in the Sao Paulo epidemiologic Catchment Area Study in Brazil: gender and sociodemographic correlates. J Stud Alcohol Drugs. 2007;68(1):18-27.,1515. Silveira CM, Siu ER, Anthony JC, Saito LP, de Andrade AG, Kutschenko A, et al. Drinking patterns and alcohol use disorders in São Paulo, Brazil: the role of neighborhood social deprivation and socioeconomic status. PLoS One. 2014 Oct 1;9(10):e108355.. Entretanto, os estudos que trazem análise estratificada por sexo publicados no país99. Moura EC, Malta DC. Consumo de bebidas alcoólicas na população adulta Brasileira: características sociodemográficas e tendência. Rev Bras Epidemiol. 2011 Sep;14(Suppl. 1):61-70.,1212. Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Aquino E, Kawachi I, et al. Alcohol drinking patterns by gender, ethnicity, and social class in Bahia, Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38(1):45-54.,1313. Kerr-Corrêa F, Tucci AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42.,1414. Silveira CM, Wang YP, Andrade AG, Andrade LH. Heavy episodic drinking in the Sao Paulo epidemiologic Catchment Area Study in Brazil: gender and sociodemographic correlates. J Stud Alcohol Drugs. 2007;68(1):18-27.,1515. Silveira CM, Siu ER, Anthony JC, Saito LP, de Andrade AG, Kutschenko A, et al. Drinking patterns and alcohol use disorders in São Paulo, Brazil: the role of neighborhood social deprivation and socioeconomic status. PLoS One. 2014 Oct 1;9(10):e108355. apresentam resultados divergentes, e nenhum tem abrangência nacional.

Assim, o presente trabalho teve como objetivo analisar os fatores sociodemográficos associados ao uso recente e episódico excessivo de álcool segundo o sexo no Brasil utilizando uma ampla amostra.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal tendo como base os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013. A PNS é uma pesquisa domiciliar, de âmbito nacional, com objetivo de produzir dados sobre a situação de saúde, os estilos de vida e a atenção à saúde da população, realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1616. Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, et al. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Ciênc Saúde Coletiva. 2014 Feb;19(2):333-42..

A amostragem foi por conglomerados em três estágios. No primeiro, foram selecionados os setores censitários; no segundo, os domicílios particulares; e no terceiro, um morador com 18 anos ou mais de idade. O tamanho total da amostra da PNS 2013 foi de 64.348 domicílios1616. Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, et al. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Ciênc Saúde Coletiva. 2014 Feb;19(2):333-42..

A amostra utilizada no presente estudo foi composta de 60.202 indivíduos com idade acima de 18 anos distribuídos nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal no ano de 2013. O número médio de observações por estado foi 2.229,7, variando de 1.332 no estado do Amapá a 5.305 no estado de São Paulo.

Utilizou-se dois desfechos relacionados ao uso de álcool e características sociodemográficas obtidas do questionário individual, conforme o seguinte:

Desfechos

  1. Uso recente de álcool: consumo de bebidas alcoólicas nos 30 dias anteriores à pesquisa, independentemente da quantidade.

  2. Uso episódico excessivo de álcool: consumo de 5 ou mais doses (homem) ou 4 ou mais doses (mulher) em uma única ocasião pelo menos uma vez nos 30 dias anteriores à pesquisa.

Características sociodemográficas

  1. Sexo: feminino, masculino.

  2. Cor da pele: branca - que compreende os indivíduos que se autodeclararam brancos e orientais; não branca - indivíduos que se autodeclararam pretos, pardos e indígenas.

  3. Faixa etária: 18 a 24 anos; 25 a 34 anos; 35 a 44 anos; 45 a 54 anos; 55 a 64 anos; e 65 anos e mais.

  4. Escolaridade: sem instrução e fundamental incompleto; fundamental completo e médio incompleto; médio completo e superior incompleto; superior completo.

  5. Estado conjugal: solteiro(a); casado(a); separado(a)/divorciado(a); viúvo(a).

  6. Área de residência: rural; urbana.

Realizou-se análise descritiva das variáveis individuais por meio do cálculo de frequências absolutas e relativas e, em seguida, análises bivariadas para avaliar a associação entre os desfechos e as características sociodemográficas, utilizando o teste χ2 de Pearson. As análises do uso episódico excessivo de álcool foram realizadas entre os que relataram uso de álcool nos 30 dias anteriores à pesquisa.

Razões de prevalência (RPs) do uso recente de álcool ajustadas por todas as outras variáveis foram calculadas por meio do modelo multivariado de regressão de Poisson com estimador de variância robusta, considerando como referência o não uso de álcool nos 30 dias anteriores à pesquisa. Para o uso episódico excessivo de álcool, a mesma técnica foi utilizada, porém o modelo incluiu somente indivíduos que relataram consumir álcool nesse período, e não relatar uso episódico excessivo de álcool foi considerado referência.

As análises foram realizadas separadamente para homens e mulheres no módulo Survey do software Stata 12 para incorporar a ponderação dos dados utilizada pela PNS.

A pesquisa atende às determinações da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece diretrizes e normas em pesquisas com seres humanos, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG) sob o CAAE 40656515.9.0000.5149. A PNS também foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) sob o CAAE 10853812.7.0000.0008.

RESULTADOS

A prevalência de uso recente de álcool no Brasil em 2013 foi 26,5%, sendo 39,2% no sexo masculino e 15,2% no feminino. Na população total, foram observadas maiores proporções de uso recente de álcool entre pessoas que se declararam de pele branca, na faixa etária de 25 a 34 anos, com escolaridade de nível superior completo ou pós-graduação, solteiros e moradores de áreas urbanas (Tabela 1).

Tabela 1:
Prevalência de uso recente e excessivo episódico de álcool entre adultos segundo características sociodemográficas, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

A prevalência de uso episódico excessivo de álcool na população foi 13,7%: 21,6% no sexo masculino e 6,6% no feminino. Os grupos que apresentaram maior frequência de uso episódico excessivo de álcool foram de cor de pele não branca, idade entre 25 e 34 anos, ensino fundamental completo a médio incompleto, solteiros e residentes de áreas urbanas (Tabela 1).

Entre homens, o uso de álcool nos 30 dias anteriores à pesquisa foi mais frequente em indivíduos de pele branca, com idade entre 25 e 34 anos, com ensino superior, separados ou divorciados e residentes na área rural. Entre mulheres, observou-se o mesmo padrão, porém uma maior frequência de uso de álcool foi observada no grupo de 18 a 24 anos, e a frequência entre solteiras e separadas foi muito similar (Tabela 2).

Tabela 2:
Prevalência do uso recente de álcool nos entre adultos segundo sexo e características sociodemográficas, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

A diferença entre as prevalências de uso recente de álcool entre homens e mulheres foi menor nas faixas etárias mais jovens: enquanto na faixa de 65 anos e mais a prevalência entre homens foi 4,4 vezes maior que entre mulheres, na faixa de 18 a 25 anos a prevalência entre homens foi apenas 1,9 vezes maior. As diferenças também diminuíram com o aumento da escolaridade, e foram menores entre os solteiros, separados e residentes de áreas urbanas (Tabela 2).

Considerando somente os que consumiram álcool nos 30 dias anteriores à pesquisa, o uso episódico excessivo foi observado em 51,5% da população: 55,0% dos homens e 43,4% das mulheres. Nos homens, a proporção de uso episódico excessivo de álcool foi maior na cor da pele não branca, na faixa etária entre 25 e 34 anos, seguida da faixa etária entre 18 e 24 anos, com ensino médio completo ou maior grau de escolaridade, em solteiros e em residentes de áreas urbanas. Entre as mulheres, observou-se o mesmo padrão, exceto com relação à escolaridade, pois a faixa com maior frequência de uso episódico excessivo foi a com ensino fundamental completo e médio incompleto (Tabela 3).

Tabela 3:
Proporção de uso episódico excessivo entre adultos que fizeram uso de álcoola segundo sexo e características sociodemográficas, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

As diferenças entre homens e mulheres na proporção de uso episódico excessivo de álcool foram reduzidas nas faixas etárias mais jovens, entre solteiros e separados e residentes de áreas urbanas, sendo ainda menor entre a população de pele não branca e com escolaridade entre ensino fundamental completo e médio incompleto, em que a prevalência entre homens foi 6% maior que entre mulheres (Tabela 3).

Entre homens, observou-se associação do uso recente de álcool com a cor de pele branca; a faixa de 25 a 64 anos, sendo que a faixa de 25 a 34 apresentou maior RP; ter ensino fundamental completo a médio incompleto ou superior completo; estar solteiro ou separado; e residir em área urbana.

Entre mulheres, a faixa etária entre 18 e 64 anos apresentou associação com o uso de álcool em relação à faixa de 65 anos e mais (p < 0,05), sendo as faixas de 18 a 25 anos e de 25 a 34 anos as de maior RP. O aumento da escolaridade, ser solteira ou separada e residir em área urbana foram fatores associados ao uso recente de álcool. A cor da pele não mostrou associação significativa nesse grupo (p = 0,55) (Tabela 4).

Tabela 4:
Razões de prevalência ajustadas* do uso recente de álcool, segundo características sociodemográficas, entre homens e mulheres, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013.

Entre homens que consumiram álcool nos 30 dias anteriores à pesquisa, indivíduos de pele branca apresentaram menos uso episódico excessivo e todas as faixas etárias apresentaram associação significante em relação à faixa de 65 anos e mais (p < 0,001), sendo a faixa etária de 25 a 34 anos a de maior RP. Estado civil solteiro ou separado apresentou fraca associação, porém significativa entre homens. A área de residência não mostrou associação com esse padrão de uso nesse grupo (Tabela 5).

Tabela 5:
Razões de prevalência ajustadas* do uso episódico excessivo entre homens e mulheres que relataram consumo de álcool, segundo características sociodemográficas, Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013

As mulheres de cor de pele branca e ensino superior de educação tiveram menor RP de uso episódico excessivo de álcool. Todas as faixas etárias mostraram associação significante em relação à faixa de 65 anos, sendo a faixa etária de 25 a 34 anos a de maior RP. Estar solteira ou separada e residir em área urbana - em oposição a ser casada e viver em área rural - também foram fatores associados ao uso episódico excessivo de álcool (Tabela 5).

DISCUSSÃO

O presente estudo examinou os padrões de uso de álcool entre homens e mulheres com uma ampla amostra da população brasileira. Observou-se que um pouco mais de um terço da população masculina relatou uso recente de álcool, sendo que cerca da metade também apresentou uso episódico excessivo, e a prevalência entre homens foi mais que o dobro da observada entre as mulheres.

A análise estratificada por sexo também permitiu a identificação de diferentes relações entre as características sociodemográficas e o uso de álcool. Em relação ao uso recente, somente a associação com a cor da pele foi diferente entre os sexos, e, em relação ao uso espisódico excessivo, escolaridade e área de residência mostraram relações diferentes para homens e mulheres.Também foi possível identificar convergência do uso de álcool entre os mais jovens, solteiros e divorciados e residentes da área urbana para ambos os padrões de consumo.

Estudos anteriores também encontraram que homens bebem mais que as mulheres1717. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.,1818. Macinko J, Mullachery P, Silver D, Jimenez G, Morais-Neto OL. Patterns of Alcohol Consumption and Related Behaviors in Brazil: Evidence from the 2013 National Health Survey (PNS 2013). PLoSOne. 2015;10(7):e0134153., sendo que as diferenças no consumo referem-se à quantidade e ao modo como bebem, além das consequências sociais e de saúde a que estão sujeitos22. Rehm J, Baliunas D, Borges GL, Graham K, Irving H, Kehoe T, et al. The relation between different dimensions of alcohol consumption and burden of disease: an overview. Addiction. 2010 May;105(5):817-43..

Devido a fatores biológicos, a ingestão da mesma quantidade de álcool produz maior concentração alcoólica no sangue das mulheres1919. Baraona E, Abittan CS, Dohmen K, Moretti M, Pozzato G, Chayes ZW, et al. Gender differences in pharmacokinetics of alcohol. Alcohol Clin Exp Res. 2001 Apr;25(4):502-7. - o que pode justificar a tendência de os homens beberem em maior quantidade e com maior frequência que elas. Entretanto, a grande variação da magnitude da razão homem/mulher observada em diferentes contextos sugerem que as influências culturais, o contexto socioeconômico, o trabalho e o fato de o álcool ser considerado um símbolo de masculinidade expõem mais o gênero masculino ao seu uso2020. Wilsnack RW, Wilsnack SC, Kristjanson AF, Vogeltanz-Holm ND, Gmel G. Gender and alcohol consumption: patterns from the multinational GENACIS project. Addiction. 2009 Sep;104(9):1487-500.,2121. Holmila M, Raitasalo K. Gender differences in drinking: why do they still exist? Addiction. 2005 Dec;100(12):1763-9.. Portanto, entre homens é observada maior frequência de consequências danosas associadas ao uso de álcool11. World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.,22. Rehm J, Baliunas D, Borges GL, Graham K, Irving H, Kehoe T, et al. The relation between different dimensions of alcohol consumption and burden of disease: an overview. Addiction. 2010 May;105(5):817-43.,77. Pan American Health Organization. Regional Status Report on Alcohol and Health in the Americas. Washington, D.C.: PAHO; 2015. 70p..

No presente trabalho, observou-se que a prevalência do uso recente e de uso episódico excessivo de álcool foi mais elevada em populações mais jovens, sobretudo entre mulheres. As diferenças entre as prevalências de uso e de uso episódico excessivo de álcool, quando comparamos homens e mulheres, aumentaram com a idade, mostrando maior proximidade no consumo na faixa etária de 18 a 24 anos, corroborando, assim, a teoria da redução do hiato entre os gêneros nas coortes mais jovens2121. Holmila M, Raitasalo K. Gender differences in drinking: why do they still exist? Addiction. 2005 Dec;100(12):1763-9.. Em estudo realizado nos Estados Unidos também foi descrita a redução das diferenças entre os sexos quanto ao uso de álcool, especialmente nas coortes mais jovens2222. Keyes KM, Grant BF, Hasin DS. Evidence for a closing gender gap in alcohol use, abuse, and dependence in the United States population. Drug Alcohol Depend. 2008 Jan 11;93(1-2):21-9.. Também no Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), inquérito em escolares de 13 a 15 anos, apontou que o álcool nessa faixa de idade vem sendo mais consumido pelas meninas2323. Malta DC, Machado IE, Porto DL, Silva MMA, Freitas PC, Costa AWN, et al. Consumo de álcool entre adolescentes brasileiros segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014;17(Suppl. 1):203-14..

A faixa etária de 18 a 34 anos foi a de maior risco para uso e uso episódico excessivo de álcool em homens e mulheres, corroborando outros estudos99. Moura EC, Malta DC. Consumo de bebidas alcoólicas na população adulta Brasileira: características sociodemográficas e tendência. Rev Bras Epidemiol. 2011 Sep;14(Suppl. 1):61-70.,1212. Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Aquino E, Kawachi I, et al. Alcohol drinking patterns by gender, ethnicity, and social class in Bahia, Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38(1):45-54.,1313. Kerr-Corrêa F, Tucci AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42.,1414. Silveira CM, Wang YP, Andrade AG, Andrade LH. Heavy episodic drinking in the Sao Paulo epidemiologic Catchment Area Study in Brazil: gender and sociodemographic correlates. J Stud Alcohol Drugs. 2007;68(1):18-27.,1515. Silveira CM, Siu ER, Anthony JC, Saito LP, de Andrade AG, Kutschenko A, et al. Drinking patterns and alcohol use disorders in São Paulo, Brazil: the role of neighborhood social deprivation and socioeconomic status. PLoS One. 2014 Oct 1;9(10):e108355., o que pode ser explicado pela maior permissividade e incentivo da sociedade ao uso de álcool entre jovens somados ao investimento por parte da indústria em estratégias de marketing dirigidas a esse público2424. Anderson P, Bruijn A, Angus K, Gordon R, Hastings G. Impact of alcohol advertising and media exposure on adolescent alcohol use: a systematic review of longitudinal studies. Alcohol Alcohol. 2009;44(3):229-43..

A escolaridade elevada foi positivamente associada ao uso de álcool entre homens e mulheres, o que pode ser justificado pelo maior poder aquisitivo nessa população, pelo acesso facilitado e pelas menores restrições sociais1212. Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Aquino E, Kawachi I, et al. Alcohol drinking patterns by gender, ethnicity, and social class in Bahia, Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38(1):45-54.,2525. Trotta-Borges MT, Simões-Barbosa RH. Cigarro "companheiro": o tabagismo feminino em uma abordagem crítica de gênero. Cad Saúde Pública. 2008:24(12):2834-42.. Entretanto, a escolaridade não esteve associada ao uso episódico excessivo de álcool, sendo inclusive um fator negativamente relacionado ao padrão de maior risco entre as mulheres.

Estudos epidemiológicos também apresentam divergências na relação da escolaridade e do nível socioeconômico com o uso de álcool. Alguns encontraram elevada escolaridade e/ou renda associada(s) ao consumo de risco1212. Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Aquino E, Kawachi I, et al. Alcohol drinking patterns by gender, ethnicity, and social class in Bahia, Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38(1):45-54.,1515. Silveira CM, Siu ER, Anthony JC, Saito LP, de Andrade AG, Kutschenko A, et al. Drinking patterns and alcohol use disorders in São Paulo, Brazil: the role of neighborhood social deprivation and socioeconomic status. PLoS One. 2014 Oct 1;9(10):e108355.,2626. Machado EL, Lana FCF, Felisbino-Mendes MS, Malta DC. Factors associated with alcohol intake and alcohol abuse among women in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013 July;29(7):1449-59., enquanto outros encontraram maior proporção de bebedores entre indivíduos com menor escolaridade1313. Kerr-Corrêa F, Tucci AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42.,2727. Barros MBA, Botega NJ, Dalgalarrondo P, Marín-León L, Oliveira HB. Prevalence of alcohol abuse and associated factors in a population-based study. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):502-9.,2828. Laranjeira R, Pinsky I, Sanches M, Zaleski M, Caetano R. Alcohol use patterns among Brazilian adults. Rev Bras Psiquiatr. 2010 Sep;32(3):231-41. ou não encontraram nenhuma relação99. Moura EC, Malta DC. Consumo de bebidas alcoólicas na população adulta Brasileira: características sociodemográficas e tendência. Rev Bras Epidemiol. 2011 Sep;14(Suppl. 1):61-70.,1414. Silveira CM, Wang YP, Andrade AG, Andrade LH. Heavy episodic drinking in the Sao Paulo epidemiologic Catchment Area Study in Brazil: gender and sociodemographic correlates. J Stud Alcohol Drugs. 2007;68(1):18-27.. Entretanto, há forte evidência de que pessoas com menor nível socioconômico são mais suceptíveis a sofrer consequências relacionadas ao uso do álcool2929. Probst C, Roerecke M, Behrendt S, Rehm J. Socioeconomic differences in alcohol-attributable mortality compared with all-cause mortality: a systematic review and meta-analysis. Int J Epidemiol. 2014 Aug;43(4):1314-27.. Assim, com vistas a reduzir as desigualdades em saúde, estratégias para controlar e prevenir o uso excessivo de álcool nesse grupo são de extrema importância, uma vez que esses indivíduos apresentam maior concentração de outros fatores de risco à saúde.

No presente estudo, a cor de pele branca apresentou divergências em relação aos gêneros e ao uso recente de álcool: entre homens, ela foi associada ao uso recente de álcool, e entre mulheres, não. Entretanto, notou-se que indivíduos dessa cor apresentaram menor probabilidade de realizar uso episódico excessivo de álcool, o que coincide com a menor mortalidade devido a transtornos relacionados ao álcool nesse grupo66. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Mortalidade por uso de álcool. In: Brasil. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 267-88.. Tal fato pode ser explicado pelo sinergismo das desigualdades observado no Brasil, onde a população negra é a que apresenta menor escolaridade e menor condição socioeconômica3030. Andrade CY, Dachs JNW. Acesso à educação por faixas etárias segundo renda e raça/cor. CadPesqui. 2007;37(131):399-422., o que chama a atenção para a necessidade de intervenções focadas neste grupo, especialmente entre mulheres, em que a diferença entre as etnias foi mais marcante.

Com relação ao estado civil, solteiros(as) e separados(as)/divorciados(as) apresentaram maior proporção de uso recente e uso episódico excessivo de álcool, sendo que a associação foi maior entre mulheres. Estudos também têm identificado a união estável como fator protetor para o uso habitual de álcool entre mulheres88. Silveira CM, Silveira CC, Silva JG, Silveira LM, Andrade AG, Andrade LHSG. Epidemiologia do beber pesado e beber pesado episódico no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Rev Psiquiatr Clín. 2008;35(Suppl. 1):31-8.,99. Moura EC, Malta DC. Consumo de bebidas alcoólicas na população adulta Brasileira: características sociodemográficas e tendência. Rev Bras Epidemiol. 2011 Sep;14(Suppl. 1):61-70.,1414. Silveira CM, Wang YP, Andrade AG, Andrade LH. Heavy episodic drinking in the Sao Paulo epidemiologic Catchment Area Study in Brazil: gender and sociodemographic correlates. J Stud Alcohol Drugs. 2007;68(1):18-27.,2626. Machado EL, Lana FCF, Felisbino-Mendes MS, Malta DC. Factors associated with alcohol intake and alcohol abuse among women in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013 July;29(7):1449-59.,3131. Leonard KE, Eiden RD. Marital and family processes in the context of alcohol use and alcohol disorders. Annu Rev Clin Psychol. 2007;3:285-310..

Residir em área urbana foi associado ao uso de álcool entre homens e mulheres. Não foi encontrado outro estudo semelhante no país com amostra representativa das populações urbana e rural. No entanto, os resultados estão de acordo com estudo prévio que comparou dois municípios com diferentes níveis de urbanização1313. Kerr-Corrêa F, Tucci AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42.. A hipótese levantada para tal observação é que a urbanização aumenta: o acesso às bebidas alcoólicas (locais de venda, tipos de bebidas, tipos de eventos, horários etc.); a exposição ao marketing, às promoções e a outros estímulos ao consumo; e o acesso ao trabalho pago, que possibilita a compra1313. Kerr-Corrêa F, Tucci AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42..

Em relação às diferenças encontradas entre os sexos, pode-se dizer que homens e mulheres que vivem nas zonas rurais do país apresentam, em geral, papéis de gênero tradicionais, em que a mulher permanece em casa e é responsável pelos afazeres domésticos e pelo cuidado com os filhos, enquanto os homens têm trabalhos remunerados fora da residência1313. Kerr-Corrêa F, Tucci AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42.. Esse quadro difere do que se vê em áreas urbanas, nas quais a mulher exerce outros papéis: trabalha, tem diferentes atividades sociais e de lazer e está mais exposta ao uso do álcool. Assim, os resultados obtidos na zona rural tendem a ser próximos dos observados em países com menor nível de desenvolvimento - elevado uso de álcool entre homens, especialmente o uso episódico excessivo -; e na zona urbana ocorre convergência da proporção de bebedores entre os gêneros, resultado que se assemelha a países com maior nível de desenvolvimento3232. Rahav G, Wilsnack R, Bloomfield K, Gmel G, Kuntsche S. The influence of societal level factors on men&apos;s and women&apos;s alcohol consumption and alcohol problems. Alcohol Alcohol Suppl. 2006;41:i47-55..

O Brasil é um dos signatários da Estratégia Global para Reduzir o Uso Nocivo do Álcool3333. Organización Mundial de la Salud. Estrategia mundial para reducir el uso nocivo del alcohol. Ginebra: Organización Mundial de la Salud; 2010. 40p., aprovada pela Assembleia Mundial da Saúde. O documento traz recomendações sobre como estruturar serviços de saúde de aconselhamento e tratamento; como envolver a comunidade na identificação das necessidades e soluções; políticas de controle da alcoolemia permitida para dirigir; redução da disponibilidade física do álcool; controle da publicidade; e aumento dos impostos e preços3333. Organización Mundial de la Salud. Estrategia mundial para reducir el uso nocivo del alcohol. Ginebra: Organización Mundial de la Salud; 2010. 40p..

Alguns desses aspectos estão presentes no Plano Nacional sobre Álcool3434. Brasil. Decreto nº 6.117, de 22 de maio de 2007 ENT#091;InternetENT#093;. Brasília, Diário Oficial da União; 23 maio 2007 ENT#091;cited on 2016 July 1ENT#093;. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6117.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, no Plano de Enfrentamento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)3535. Brasil. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.l. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011., e na proibição de beber e dirigir3636. Brasil. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008 ENT#091;InternetENT#093;. Brasília, Diário Oficial da União; 20 junho 2008 ENT#091;cited on 2016 July 1ENT#093;. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
,3737. Brasil. Lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012 ENT#091;InternetENT#093;. Brasília, Diário Oficial da União; 21 dez 2012 ENT#091;cited on 2016 July 1ENT#093;. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12760.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
. Entretanto, ao analisar as políticas públicas adotadas no país, no que concerne à redução do uso nocivo de álcool, observa-se que as principais medidas que poderiam evitar a convergência nos padrões de consumo e diminuir o uso excessivo de álcool por homens e mulheres - restrição do marketing, do patrocínio e das promoções e aumento de preços e limites de vendas77. Pan American Health Organization. Regional Status Report on Alcohol and Health in the Americas. Washington, D.C.: PAHO; 2015. 70p. - não estão sendo adotadas no país. Além disso, as leis existentes são pouco fiscalizadas, resultando em ganhos temporários na saúde pública, tal como se tem observado com a Lei Seca3838. Toledo ACV. Estratégia mundial para reduzir o uso nocivo de álcool e as políticas públicas nacionais. Leopoldianum. 2012;(104/105/106):119-34..

O estudo apresenta algumas limitações. Como os indicadores são autorreferidos, há possibilidade de subestimação e, em virtude do delineamento transversal, as associações podem não indicar causalidade. Utilizou-se a RP como medida de associação nos modelos propostos. Outras medidas poderiam ser usadas, como o Risco Relativo; no entanto, optou-se por essa medida por tratar-se de um estudo transversal.

CONCLUSÃO

O presente trabalho traz avanços no estudo sobre uso de álcool pela população brasileira. Além de constatar que o uso de álcool (inclusive o episódico excessivo) é muito mais elevado em homens que em mulheres, a análise por sexo permitiu a identificação de diferentes relações entre esse uso e as características analisadas. Em relação ao uso recente de álcool, somente a cor da pele mostrou associação diferente entre os sexos: positiva entre homens brancos, o que não ocorreu entre mulheres. Já o uso episódico excessivo de álcool foi associado a morar em área urbana e inversamente associado à escolaridade somente entre mulheres. O estudo evidenciou, ainda, a convergência do consumo de álcool, inclusive do uso episódico excessivo, por homens e mulheres mais jovens, solteiros e divorciados e residentes em área urbana.

Este estudo documenta a necessidade imediata de implementar políticas públicas efetivas para evitar a iniciação ao uso de álcool e prevenir episódios de uso excessivo; essas ações devem ser voltadas especialmente para jovens, negros, mulheres residentes em áreas urbanas e para a população com baixa condição socioeconômica do país.

REFERÊNCIAS

  • 1
    World Health Organization. Health consequences. In: WHO. Global Status Report on Alcohol and Health 2014. Geneva: WHO; 2014. p. 46-58.
  • 2
    Rehm J, Baliunas D, Borges GL, Graham K, Irving H, Kehoe T, et al. The relation between different dimensions of alcohol consumption and burden of disease: an overview. Addiction. 2010 May;105(5):817-43.
  • 3
    Monteiro MG. Alcohol y salud pública en las Américas: un caso para la acción. Washington, D.C.: Organizacion Pan Americana de Salud; 2007.
  • 4
    Gawryszewski VP, Monteiro MG. Mortality from diseases, conditions and injuries where alcohol is a necessary cause in the Americas, 2007-09. Addiction. 2014 Apr;109(4):570-7.
  • 5
    Institute for Health Metrics and Evaluation. Global Burden of Disease. Country Profiles. Brazil ENT#091;InternetENT#093;. Seattle: IHME; 2013 ENT#091;cited on 2016 June 28ENT#093;. Available from: http://www.healthdata.org/brazil
    » http://www.healthdata.org/brazil
  • 6
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Mortalidade por uso de álcool. In: Brasil. Saúde Brasil 2014: uma análise da situação de saúde e das causas externas. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. p. 267-88.
  • 7
    Pan American Health Organization. Regional Status Report on Alcohol and Health in the Americas. Washington, D.C.: PAHO; 2015. 70p.
  • 8
    Silveira CM, Silveira CC, Silva JG, Silveira LM, Andrade AG, Andrade LHSG. Epidemiologia do beber pesado e beber pesado episódico no Brasil: uma revisão sistemática da literatura. Rev Psiquiatr Clín. 2008;35(Suppl. 1):31-8.
  • 9
    Moura EC, Malta DC. Consumo de bebidas alcoólicas na população adulta Brasileira: características sociodemográficas e tendência. Rev Bras Epidemiol. 2011 Sep;14(Suppl. 1):61-70.
  • 10
    Berridge V, Herring R, Thom B. Binge drinking: a confused concept and its contemporary history. Soc Hist Med. 2009;22:597-607.
  • 11
    Laranjeira R, Madruga CS, Pinsky I, Caetano R, Ribeiro M, Mitsuhiro S. II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas - Consumo de Álcool no Brasil: Tendências entre 2006/2012 ENT#091;InternetENT#093;. São Paulo: INPAD; 2013 ENT#091;cited on 2013 May 31ENT#093;. Available from: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2013/04/LENAD_ALCOOL_Resultados-Preliminares.pdf
  • 12
    Almeida-Filho N, Lessa I, Magalhães L, Araújo MJ, Aquino E, Kawachi I, et al. Alcohol drinking patterns by gender, ethnicity, and social class in Bahia, Brazil. Rev Saúde Pública. 2004;38(1):45-54.
  • 13
    Kerr-Corrêa F, Tucci AM, Hegedus AM, Trinca LA, Oliveira JB, Floripes TMF, et al. Drinking patterns between men and women in two distinct Brazilian communities. Rev Bras Psiquiatr. 2008;30(3):235-42.
  • 14
    Silveira CM, Wang YP, Andrade AG, Andrade LH. Heavy episodic drinking in the Sao Paulo epidemiologic Catchment Area Study in Brazil: gender and sociodemographic correlates. J Stud Alcohol Drugs. 2007;68(1):18-27.
  • 15
    Silveira CM, Siu ER, Anthony JC, Saito LP, de Andrade AG, Kutschenko A, et al. Drinking patterns and alcohol use disorders in São Paulo, Brazil: the role of neighborhood social deprivation and socioeconomic status. PLoS One. 2014 Oct 1;9(10):e108355.
  • 16
    Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, et al. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Ciênc Saúde Coletiva. 2014 Feb;19(2):333-42.
  • 17
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças crônicas. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.
  • 18
    Macinko J, Mullachery P, Silver D, Jimenez G, Morais-Neto OL. Patterns of Alcohol Consumption and Related Behaviors in Brazil: Evidence from the 2013 National Health Survey (PNS 2013). PLoSOne. 2015;10(7):e0134153.
  • 19
    Baraona E, Abittan CS, Dohmen K, Moretti M, Pozzato G, Chayes ZW, et al. Gender differences in pharmacokinetics of alcohol. Alcohol Clin Exp Res. 2001 Apr;25(4):502-7.
  • 20
    Wilsnack RW, Wilsnack SC, Kristjanson AF, Vogeltanz-Holm ND, Gmel G. Gender and alcohol consumption: patterns from the multinational GENACIS project. Addiction. 2009 Sep;104(9):1487-500.
  • 21
    Holmila M, Raitasalo K. Gender differences in drinking: why do they still exist? Addiction. 2005 Dec;100(12):1763-9.
  • 22
    Keyes KM, Grant BF, Hasin DS. Evidence for a closing gender gap in alcohol use, abuse, and dependence in the United States population. Drug Alcohol Depend. 2008 Jan 11;93(1-2):21-9.
  • 23
    Malta DC, Machado IE, Porto DL, Silva MMA, Freitas PC, Costa AWN, et al. Consumo de álcool entre adolescentes brasileiros segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014;17(Suppl. 1):203-14.
  • 24
    Anderson P, Bruijn A, Angus K, Gordon R, Hastings G. Impact of alcohol advertising and media exposure on adolescent alcohol use: a systematic review of longitudinal studies. Alcohol Alcohol. 2009;44(3):229-43.
  • 25
    Trotta-Borges MT, Simões-Barbosa RH. Cigarro "companheiro": o tabagismo feminino em uma abordagem crítica de gênero. Cad Saúde Pública. 2008:24(12):2834-42.
  • 26
    Machado EL, Lana FCF, Felisbino-Mendes MS, Malta DC. Factors associated with alcohol intake and alcohol abuse among women in Belo Horizonte, Minas Gerais State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2013 July;29(7):1449-59.
  • 27
    Barros MBA, Botega NJ, Dalgalarrondo P, Marín-León L, Oliveira HB. Prevalence of alcohol abuse and associated factors in a population-based study. Rev Saúde Pública. 2007;41(4):502-9.
  • 28
    Laranjeira R, Pinsky I, Sanches M, Zaleski M, Caetano R. Alcohol use patterns among Brazilian adults. Rev Bras Psiquiatr. 2010 Sep;32(3):231-41.
  • 29
    Probst C, Roerecke M, Behrendt S, Rehm J. Socioeconomic differences in alcohol-attributable mortality compared with all-cause mortality: a systematic review and meta-analysis. Int J Epidemiol. 2014 Aug;43(4):1314-27.
  • 30
    Andrade CY, Dachs JNW. Acesso à educação por faixas etárias segundo renda e raça/cor. CadPesqui. 2007;37(131):399-422.
  • 31
    Leonard KE, Eiden RD. Marital and family processes in the context of alcohol use and alcohol disorders. Annu Rev Clin Psychol. 2007;3:285-310.
  • 32
    Rahav G, Wilsnack R, Bloomfield K, Gmel G, Kuntsche S. The influence of societal level factors on men&apos;s and women&apos;s alcohol consumption and alcohol problems. Alcohol Alcohol Suppl. 2006;41:i47-55.
  • 33
    Organización Mundial de la Salud. Estrategia mundial para reducir el uso nocivo del alcohol. Ginebra: Organización Mundial de la Salud; 2010. 40p.
  • 34
    Brasil. Decreto nº 6.117, de 22 de maio de 2007 ENT#091;InternetENT#093;. Brasília, Diário Oficial da União; 23 maio 2007 ENT#091;cited on 2016 July 1ENT#093;. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6117.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6117.htm
  • 35
    Brasil. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.l. Ministério da Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.
  • 36
    Brasil. Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008 ENT#091;InternetENT#093;. Brasília, Diário Oficial da União; 20 junho 2008 ENT#091;cited on 2016 July 1ENT#093;. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11705.htm
  • 37
    Brasil. Lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012 ENT#091;InternetENT#093;. Brasília, Diário Oficial da União; 21 dez 2012 ENT#091;cited on 2016 July 1ENT#093;. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12760.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12760.htm
  • 38
    Toledo ACV. Estratégia mundial para reduzir o uso nocivo de álcool e as políticas públicas nacionais. Leopoldianum. 2012;(104/105/106):119-34.

  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2016
  • Aceito
    20 Fev 2017
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br