Desigualdades sociais na autoavaliação de saúde dos idosos da cidade de São Paulo

José Leopoldo Ferreira Antunes Alexandre Dias Porto Chiavegatto Filho Yeda Aparecida Oliveira Duarte Maria Lúcia Lebrão Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Descrever a prevalência da autoavaliação de saúde ruim e muito ruim em idosos não asilados vivendo na cidade de São Paulo em 2010 e identificar se persistem as desigualdades sociais anteriormente relatadas para esta condição.

Métodos:

Foi realizado um estudo transversal, com amostra representativa de 1.344 pessoas com 60 anos ou mais vivendo na cidade, participantes do Estudo SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento). Foi aplicado questionário sobre características sociodemográficas, incluindo três questões de autoavaliação de saúde: uma pergunta direta sobre a condição atual, uma comparação com a condição das demais pessoas da mesma idade, e uma comparação consigo mesmo há um ano. A análise comparativa utilizou modelos de regressão de Poisson, relatando a razão de prevalências como medida de associação entre variáveis.

Resultados:

Apenas 7,8% dos idosos relataram autoavaliação negativa de saúde em 2010, proporção análoga à dos que se consideraram em pior condição de saúde que as demais pessoas de mesma idade (8,7%). No entanto, foi mais elevada a prevalência de idosos que relataram piora em relação ao ano anterior: 29,2%. Independentemente da questão utilizada, a prevalência de autoavaliação negativa de saúde associou-se diretamente com piores indicadores de renda, escolaridade e classes de consumo. Também foram observadas diferenças significativas entre os sexos, grupos etários e categorias de cor da pele.

Conclusão:

Diferenças na prevalência de autoavaliação negativa de saúde persistem afetando os grupos sociodemográficos. O conhecimento já disponível sobre desigualdades sociais de saúde não propiciou suprimir ou atenuar a injustiça social neste desfecho.

Palavras-chave:
Autoavaliação; Idoso; Fatores socioeconômicos; Renda; Escolaridade; Dados demográficos

INTRODUÇÃO

A autoavaliação de saúde é um indicador de saúde geral bastante utilizado no Brasil e no contexto internacional. A pergunta direta sobre o estado de saúde é uma estratégia de simples aplicação em inquéritos populacionais. Além da facilidade operacional para a obtenção de dados, sua ampla utilização tem sido justificada pela expectativa de que esta informação reflita de modo eficaz a presença de limitações funcionais, além de antecipar a possível demanda por atendimento médico e a mortalidade no período subsequente11. Burström B, Fredlund P. Self rated health: is it as good a predictor of subsequent mortality among adults in lower as well as in higher social classes? J Epidemiol Community Health 2001; 55(11): 836-40.,22. Idler EL, Russell LB, Davis D. Survival, functional limitations, and self-rated health in the NHANES I Epidemiologic Follow-up Study, 1992. First National Health and Nutrition Examination Survey. Am J Epidemiol 2000; 152(9): 874-83.,33. Zajacova A, Dowd JB. Reliability of self-rated health in US adults. Am J Epidemiol 2011; 174(8): 977-83.. No Brasil, a autoavaliação de saúde foi validada como indicador da saúde geral do idoso, apesar de ser reconhecida sua falta de especificidade quanto aos problemas de saúde que estariam sendo medidos44. Lima-Costa MF, Cesar CC, Chor D, Proietti FA. Self-rated health compared with objectively measured health status as a tool for mortality risk screening in older adults: 10-year follow-up of the Bambuí Cohort Study of Aging. Am J Epidemiol 2012; 175(3): 228-35..

Identificar a presença de diferenças socioeconômicas em saúde tem sido uma prioridade crescente em saúde pública55. Marmot M. Fair society, healthy lives: strategic review of health inequalities in England post-2010. London: The Marmot Review; 2010.. Para a população idosa, o estudo das desigualdades em saúde tem sua importância acrescida pela percepção de que o acúmulo de diferentes problemas crônicos de saúde leva a um crescimento quase exponencial nos gastos em serviços de saúde66. Lehnert T, Heider D, Leicht H, Heinrich S, Corrieri S, Luppa M, et al. Review: health care utilization and costs of elderly persons with multiple chronic conditions. Med Care Res Rev 2011; 68(4): 387-420.. DeSalvo et al.77. DeSalvo KB, Jones TM, Peabody J, McDonald J, Fihn S, Fan V, et al. Health care expenditure prediction with a single item, self-rated health measure. Med Care 2009; 47(4): 440-7. constataram que modelos simples baseados na autoavaliação de saúde e na idade propiciam estimativas robustas sobre o gasto futuro com medicamentos, internações e gastos totais de saúde.

No Brasil, estudos recentes têm examinado a autoavaliação de saúde de idosos, com foco em seus determinantes socioeconômicos. Uma análise dos dados de idosos (60 anos ou mais) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) documentou a associação entre renda e autoavaliação da saúde, mostrando que ela se manteve inalterada ao longo dos dez anos da pesquisa (1998-2008)88. Lima-Costa MF, Facchini LA, Matos DL, Macinko J. Mudanças em dez anos das desigualdades sociais em saúde dos idosos brasileiros (1998-2008). Rev Saúde Pública 2012; 46(1): 100-7.. De fato, dois estudos posteriores também constataram que persiste a associação entre baixa renda e pior percepção de saúde por parte dos idosos99. Borim FS, Barros MB, Neri AL. Autoavaliação da saúde em idosos: pesquisa de base populacional no Município de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28(4): 769-80.,1010. Loyola Filho AI, Firmo Jde O, Uchôa E, Lima-Costa MF. Fatores associados à autoavaliação negativa da saúde entre idosos hipertensos e/ou diabéticos: resultados do projeto Bambuí. Rev Bras Epidemiol 2013; 16(3): 559-71.. O conhecimento já obtido sobre essa associação parece não ter sido aproveitado para atenuar o impacto negativo da má condição socioeconômica sobre a autoavaliação de saúde.

Na cidade de São Paulo, a associação entre renda e autoavaliação de saúde em idosos já havia sido constatada em estudo de base populacional, cuja amostra era relativa ao ano 20001111. Chiavegatto Filho AD, Lebrão ML, Kawachi I. Income inequality and elderly self-rated health in São Paulo, Brazil. Ann Epidemiol 2012; 22(12): 863-7.. Nesse estudo, os autores identificaram o receio de violência e a inatividade física como os fatores que mediam essa associação. Essas evidências poderiam instruir o planejamento de programas específicos para a promoção de saúde dos idosos, seja reduzindo a prevalência da autoavaliação negativa, seja modificando sua associação com variáveis de ordem socioeconômica, como renda e escolaridade.

Nesse sentido, procurou-se descrever a percepção de saúde dos idosos em São Paulo em período mais recente, com o intuito de avaliar se o conhecimento prévio já disponível pôde atenuar a desigualdade social na percepção de saúde dos idosos. O presente estudo teve como objetivo descrever a prevalência da autoavaliação de saúde ruim e muito ruim por parte de idosos não asilados vivendo na cidade de São Paulo, em 2010, e identificar se persistem as desigualdades sociais anteriormente relatadas para esta condição.

MÉTODOS

O presente estudo utilizou dados provenientes do SABE (Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento), estudo longitudinal que começou em 2000 sob os auspícios da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). A amostra desse estudo foi composta de idosos (60 anos de idade ou mais) não asilados que vivem na cidade de São Paulo, Brasil. Foram seguidas as diretrizes éticas nacionais e internacionais para a pesquisa envolvendo seres humanos; o protocolo de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

A amostra inicial foi obtida em 2000 por meio de delineamento complexo, de múltiplos estágios, e foi planejada para permitir inferência estatística para a população urbana de 60 anos ou mais. As unidades amostrais primárias foram os setores censitários da cidade, e os domicílios foram as unidades amostrais secundárias. Foram selecionados aleatoriamente 72de um total de 263 setores censitários incluídos na PNAD realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 1995. Os domicílios também foram selecionados aleatoriamente, com todos os indivíduos com 60 anos de idade ou mais residentes nesses domicílios sendo considerados elegíveis para o estudo, totalizando 2.143 participantes.

Dos 2.143 participantes reunidos em 2000, 748 sobreviventes foram localizados e concordaram em continuar a participar do estudo em 2010. Em 2006, foram incluídos 298 novos participantes de 60 a 64 anos de idade, para reconstituir a amplitude etária da amostra. Desses novos participantes, 241 sobreviventes foram localizados e concordaram em participar em 2010. Finalmente, em 2010, foram incluídos 355 novos participantes de 60 a 64 anos de idade, para novamente reconstituir a amplitude etária da amostra. Com isso, a amostra total contabilizou 2.143 indivíduos em 2000, 1.413 em 2006 e 1.344 em 2010. Os pesos amostrais aplicados em 2000 foram reestimados em 2006 e em 2010, de modo a permitir inferências estatísticas para a população de 60 anos de idade ou mais no município. Pesos amostrais foram estimados como o inverso da fração de amostragem com ajuste para a distribuição correspondente da população por sexo e faixa etária.

Todos os participantes foram entrevistados em seus próprios domicílios. Profissionaisde saúde especificamente treinados para essa finalidade aplicaram um questionário detalhado sobre as características sociodemográficas, comportamentais, qualidade de vida, uso de serviços de saúde e informações clínicas, além de alguns testes físicos. O estudo SABE, sua metodologia, plano amostral e questionário foram descritos com mais detalhes em outras publicações1212. Lebrão ML, Duarte YA. SABE - Saúde, bem-estar e envelhecimento - O Projeto SABE no município de São Paulo: uma abordagem inicial. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2003.,1313. Albala C, Lebrão ML, León Díaz EM, Ham-Chande R, Hennis AJ, Palloni A, et al. Encuesta Salud, Bienestar y Envejecimiento (SABE): metodología de la encuesta y perfil de la población estudiada. Rev Panam Salud Publica 2005; 17(5-6): 307-22..

O presente estudo considerou três desfechos relacionados à qualidade de vida e percepção de saúde dos idosos. O primeiro deles foi a resposta à pergunta direta sobre como a pessoa avalia sua própria saúde atual: “O(a) senhor(a) diria que sua saúde é muito boa, boa, regular, ruim ou muito ruim?” O segundo desfecho envolveu a comparação entre o estado de saúde atual e a opinião do participante quanto à saúde das demais pessoas da mesma idade: “Em comparação com outras pessoas de sua idade, o(a) senhor(a) diria que sua saúde é melhor, igual ou pior?” E o terceiro desfecho foi obtido pela comparação do estado atual de saúde com a condição vivenciada doze meses antes da entrevista: “Comparando sua saúde de hoje com a de 12 meses atrás, o(a) senhor(a) diria que agora sua saúde é melhor, igual ou pior do que estava então?”

O estudo de fatores associados a esses resultados foi realizado apenas para a amostra de 2010, e considerou características demográficas (sexo, idade, cor da pele e estado conjugal atual) e condições socioeconômicas (escolaridade, renda, nível de consumo e ocupação). A idade foi estratificada em 60 a 64 anos, 65 a 74, 75 a 84 e 85 ou mais. Cor da pele envolveu as categorias utilizadas pelo IBGE: branca, parda, preta e amarela; a categoria para outras respostas inclui “indígenas”, “não sabe” e “não respondeu”. Estado conjugal atual foi avaliada de modo dicotômico: com cônjuge (casados e amasiados) e sem cônjuge (solteiros, viúvos e separados).

A escolaridade foi classificada pelo número de anos de estudo formal: até 3 anos de estudo, correspondendo a escolaridade insuficiente, de 4 a 7, ensino fundamental incompleto, de 8 a 10, ensino fundamental completo e/ou secundário incompleto e 11 ou mais, ensino secundário completo. A ocupação foi avaliada de modo dicotômico pela resposta à pergunta se trabalha ou não no momento da coleta de dados. A renda foi analisada de modo dicotômico (recebe ou não) e categórico, em número de salários mínimos, uma referência nacional para avaliação de renda, que correspondia a 510 reais (ou 300 dólares americanos) no período em que as entrevistas foram realizadas. A classe de consumo foi avaliada pela posse de itens (automóvel, televisão, computador e outros) quantificados segundo critério originalmente proposto pela Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) e pela Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercado (ABIPEME)1414. Almeida PM, Wickerhauser H. O critério ABA/ABIPEME - em busca de uma atualização. São Paulo: LPM/Burke; 1991., com posterior estratificação por quartis.

A associação entre os desfechos de autoavaliação de saúde e os fatores de ordem demográfica e socioeconômica foi estudada por meio da razão de prevalências, estimada por análise de regressão de Poisson1515. Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3: 21.. Para a construção de modelos com múltiplas variáveis, empregou-se técnica proposta por Victora et al.1616. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1): 224-7. para integrar a estrutura conceitual aos ajustes de regressão. Segundo essa estrutura conceitual, as características demográficas foram consideradas distais em relação às condições socioeconômicas, e a escolaridade foi considerada distal em relação às demais variáveis socioeconômicas. De modo geral, a escolaridade é obtida em períodos pregressos da vida dos idosos e influencia sua condição atual de renda, ocupação e consumo1717. Grzywacz JG. Socioeconomic status and health behaviors among Californians. In: Kronenfeld JJ. Health, illness, and use of care: the impact of social factors. New York: Elsevier Science; 2000. p. 121-49.. Desse modo, na análise de regressão de Poisson com múltiplas variáveis, as razões de prevalências envolvendo características demográficas foram ajustadas entre si, mas não por condições socioeconômicas, enquanto as razões de prevalências envolvendo condições socioeconômicas foram ajustadas pelas características demográficas incluídas nos modelos e por escolaridade.

A análise estatística utilizou o software Stata 13.0 2013 (Stata Corporation, College Station, TX, EUA). Especificamente, a análise estatística empregou o módulo survey do Stata, que permite incorporar na análise as características relativas ao delineamento complexo da amostra: estratificação desproporcional das unidades amostrais primárias e secundárias, e atribuição dos pesos de amostragem.

RESULTADOS

É relativamente pouco elevada a proporção de idosos com autoavaliação de saúde ruim ou muito ruim: 7,8% (6,1 a 9,4%, intervalo de confiança 95%) da amostra de 2010. Essa proporção manteve-se praticamente inalterada em relação às avaliações anteriores: 8,8% em 2006 e 8,2% em 2000. Dados análogos foram observados quando a pergunta sobre a avaliação de saúde envolveu a comparação com outras pessoas da mesma idade. Quando perguntados sobre sua percepção, apenas 8,7% (6,8 a 10,7%, intervalo de confiança 95%) dos participantes em 2010 informaram que sua saúde era pior que a dos demais; uma proporção próxima ao que foi observado em 2006 (10,0%) e 2000 (11,2%) (Tabela 1).

Tabela 1.
Autoavaliação de saúde de idosos vivendo na comunidade: Estudo SABE. São Paulo, SP, 2000, 2006 e 2010.

No entanto, a percepção negativa de saúde foi cerca de três vezes mais elevada quando a pergunta sobre autoavaliação de saúde referiu-se à comparação consigo mesmo no período de um ano. Em 2010, 29,2% (25,9 a 32,4%, intervalo de confiança 95%) dos idosos relataram estar piores que no ano anterior; a proporção foi equivalente em 2006 (28,5%) e 2000 (27,4%) (Tabela 1).

A Tabela 2 descreve a distribuição da amostra obtida em 2010, segundo características sociodemográficas. Mais de um terço dos idosos tinha escolaridade insuficiente; dois terços não trabalhavam, menos de 10% não auferiam rendimentos. Mais da metade relatou cor da pele branca (58,3%), e 54% informaram que viviam com seus cônjuges.

Tabela 2.
Idosos vivendo na comunidade: distribuição por características demográficas e socioeconômicas: Estudo SABE. São Paulo, SP, 2010.

As Tabelas 3, 4 e 5 sintetizam o estudo de associação entre as três medidas de autoavaliação de saúde e os fatores sociodemográficos de interesse. A variável “sexo” foi selecionada para os três modelos ajustados, indicando que a proporção de mulheres com queixas de saúde foi mais elevada que a de homens, independentemente da forma como a percepção de saúde foi avaliada. Diferenças de queixas de saúde entre os grupos etários foram significantes apenas para a primeira variável; com maior prevalência de relato de saúde ruim ou muito ruim para idosos com mais de 75 anos de idade (Tabela 3). Quanto à cor da pele, houve registro de pior condição de idosos com pele preta para o relato de piora em relação ao ano anterior (Tabela 5). Viver com cônjuge foi indicado como proteção para apenas uma das medidas de avaliação de saúde, mas a associação perdeu significância no modelo ajustado pelas demais variáveis sociodemográficas (Tabela 5).

Tabela 3.
Autoavaliação de saúde ruim ou muito ruim e fatores associados de ordem demográfica e socioeconômica. Análise de regressão de Poisson. Idosos vivendo na comunidade: Estudo SABE. São Paulo, SP, 2010.
Tabela 4.
Percepção de que a saúde é pior que a das outras pessoas e fatores associados de ordem demográfica e socioeconômica. Análise de regressão de Poisson. Idosos vivendo na comunidade: Estudo SABE. São Paulo, SP, 2010.
Tabela 5.
Percepção de que a saúde piorou em relação há um ano e fatores associados de ordem demográfica e socioeconômica. Análise de regressão de Poisson. Idosos vivendo na comunidade: Estudo SABE. São Paulo, SP, 2010.

Os três indicadores de autoavaliação se associaram com escolaridade, indicando melhor percepção de saúde para os idosos com mais anos de estudo (Tabelas 3, 4 e 5). Os idosos que ainda trabalham e recebem renda tiveram prevalência significativamente menos elevada de autoavaliação de saúde ruim ou muito ruim; associação análoga foi observada na comparação com as demais pessoas de mesma idade.

O nível de renda foi inversamente associado com os indicadores da autoavaliação, indicando melhor percepção para os idosos com renda mais elevada (Tabelas 3 e 4). Os indicadores de renda e trabalho atual não se associaram com a queixa de pior condição de saúde em relação ao ano anterior (Tabela 5).

Por fim, a distribuição dos participantes segundo classe de consumo se associou inversamente com as medidas de comparação entre o estado de saúde atual e o do ano anterior e com a condição das demais pessoas de mesma idade. Em ambas as situações, a percepção de saúde foi progressivamente melhor para as classes com maior capacidade de consumo (Tabelas 4 e 5).

DISCUSSÃO

Este estudo documentou a prevalência de idosos com autoavaliação negativa de saúde na cidade de São Paulo. Além disso, constatou que tal condição persiste afetando de modo desigual os diferentes estratos sociodemográficos. Esses são os principais resultados deste estudo.

Ao explorar diferentes formas de avaliar a percepção de saúde dos idosos, este estudo identificou uma medida com proporção expressivamente mais elevada de resultados negativos. Acreditamos que o aumento de sensibilidade da autoavaliação de saúde pode representar vantagens operacionais para a pesquisa populacional em saúde.

É relativamente pouco elevada a prevalência de idosos com percepção de saúde ruim ou muito ruim (8,2% em 2010). Diferenças na forma de medida, nas escalas utilizadas e na composição etária dos participantes reduzem o interesse na comparação desse resultado com outras bases de dados. No entanto, é importante notar que magnitudes relativamente pouco elevadas também foram registradas por importantes levantamentos no Brasil e no exterior. Em sua edição de 2006-2007, o National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) apontou apenas 3,2% de adultos norte-americanos avaliando sua saúde como ruim. Essa taxa sobe para 16,9% se acrescida à dos adultos que avaliam sua saúde como regular33. Zajacova A, Dowd JB. Reliability of self-rated health in US adults. Am J Epidemiol 2011; 174(8): 977-83.. No European Social Survey (ESS) realizado em 2006, a autoavaliação negativa, isto é, saúde ruim ou muito ruim, teve prevalência de 7,5% em adultos europeus1818. Huijts T, Perkins JM, Subramanian SV. Political regimes, political ideology, and self-rated health in Europe: a multilevel analysis. PLoS ONE 2010; 5(7): e11711.. Na PNAD realizada em 2008, a prevalência de idosos (65 anos ou mais) brasileiros com percepção de saúde ruim ou muito ruim foi de 13,6%1919. Oliveira BL, Thomaz EB, Silva RA. Associação da cor/raça aos indicadores de saúde para idosos no Brasil: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2008). Cad Saúde Pública 2014; 30(7): 1438-52..

Não obstante ter sido reduzida a proporção de idosos com autoavaliação negativa de saúde, foi elevada a prevalência de doenças crônicas autorrelatadas nessa população. Quase sete de cada dez participantes da pesquisa informaram tomar remédio para baixar a pressão. Cerca de um em cada quatro foi informado por médicos ou enfermeiros que era portador de diabetes. Mais de um terço recebeu diagnóstico de doenças articulares (artrite, artrose, reumatismo), e quase a mesma proporção relatou ter sofrido queda no ano anterior2020. Ferreira SR, Chiavegatto Filho AD, Lebrão ML, Duarte YA, Laurenti R. Doenças cardiometabólicas. Rev Bras Epidemiol. 2018; 21 Suppl 2: e180008.sup2. http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720180008.supl.2
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720180...
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Levando em consideração a elevada prevalência de doenças crônicas em idosos, e lembrando a utilidade da pergunta direta sobre o estado de saúde em antecipar a futura demanda por serviços de saúde, poderia ser interessante uma estratégia para aferir com mais sensibilidade a autoavaliação de saúde negativa. Desse modo, seria possível antever uma proporção mais elevada de idosos sujeitos à procura por atendimento em saúde. Ao incluir diferentes perguntas para captar a autoavaliação de saúde, este estudo pode ter propiciado uma importante aquisição para a pesquisa em saúde, pois a obtenção de um padrão mais elevado de respostas negativas pode representar aumento de sensibilidade da estratégia de autoavaliação da saúde.

Independentemente da questão utilizada para aferir a autoavaliação, a percepção negativa de saúde foi mais prevalente para os grupos de pior condição socioeconômica, e esse achado foi ajustado estatisticamente para o fato já conhecido da maior propensão à autoavaliação negativa de saúde por parte de mulheres e idosos com idade mais avançada2121. Peres MA, Masiero AV, Longo GZ, Rocha GC, Matos IB, Najnie K, et al. Self-rated health among adults in Southern Brazil. Rev Saúde Pública 2010; 44(5): 901-11.,2222. Garcia LP, Höfelmann DA, Facchini LA. Self-rated health and working conditions among workers from primary health care centers in Brazil. Cad Saúde Pública 2010; 26(5): 971-80.. A associação entre más condições socioeconômicas e autoavaliação negativa de saúde é amplamente reconhecida na literatura e influenciada por fatores individuais e pelo contexto social em que se está inserido, incluindo aspectos culturais, psicossociais, características de moradia e do ambiente físico em que se vive2323. Santos SM, Chor D, Werneck GL, Coutinho ES. Associação entre fatores contextuais e auto-avaliação de saúde: uma revisão sistemática de estudos multinível. Cad Saúde Pública 2007; 23(11): 2533-54.,2424. Jylhä M. What is self-rated health and why does it predict mortality? Towards a unified conceptual model. Soc Sci Med 2009; 69(3): 307-16..

O gradiente socioeconômico em saúde existe tanto em países de alta renda como nos de baixa renda, e tem persistido mesmo quando há uma melhor distribuição de renda2525. Marmot MG. Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe; 2013.. Para idosos, em especial, as desigualdades sociais em saúde refletem diferenças em condições experimentadas em toda a vida. Alguns idosos podem obter aumento de renda, podem até conseguir modificar sua escolaridade formal, mas o gradiente socioeconômico em saúde não reflete apenas condições atuais, e sim o acúmulo de vantagens e desvantagens ocorridas ao longo da vida. Nesse sentido, a redução das desigualdades sociais em saúde demandaria mais do que mudanças socioeconômicas; demandaria programas e ações de saúde especificamente direcionadas para suprir maior provisão de recursos para os grupos com maiores necessidades.

O efeito moderador da atenção em saúde sobre o gradiente socioeconômico nas condições de saúde dos idosos tem sido relatado em estudos abordando diferentes desfechos2626. Antunes JL, Waldman EA, Borrell C, Paiva TM. Effectiveness of influenza vaccination and its impact on health inequalities. Int J Epidemiol 2007; 36(6): 1319-26., inclusive a autoavaliação em saúde2727. Aas E, Alstadsæter A, Feiring E. Does healthcare moderate the impact of socioeconomic status on self-rated health? J Clin Res Bioeth 2013; 5: 169.. Nesse sentido, esperar-se-ia que o amplo reconhecimento das desigualdades sociais em saúde, no contexto nacional e internacional, pudesse ter motivado ações e programas de saúde dirigidos para a promoção de justiça social. O gradiente socioeconômico do mesmo desfecho (autoavaliação negativa de saúde) já havia sido documentado para a mesma população (idosos da cidade de São Paulo) em período anterior (2000)1111. Chiavegatto Filho AD, Lebrão ML, Kawachi I. Income inequality and elderly self-rated health in São Paulo, Brazil. Ann Epidemiol 2012; 22(12): 863-7.. Não obstante, o presente estudo constatou que essa condição desfavorável persistiu inalterada em 2010. Essa observação deveria ser considerada como um eloquente sinal da necessidade de iniciativas do sistema de saúde para suprir os grupos sociais com maiores demandas.

A principal limitação do presente estudo é ter avaliado exclusivamente informação autorreferida. Os participantes foram perguntados sobre como avaliavam sua própria condição de saúde; essa informação não foi conferida por meio de comparações com prontuários médicos ou registros administrativos de atendimentos de saúde. Essa estratégia não é isenta de viés de memória; no entanto, um estudo prévio avaliou favoravelmente a validade da aferição do autorrelato de saúde em idosos como fator de predição da mortalidade subsequente no contexto brasileiro44. Lima-Costa MF, Cesar CC, Chor D, Proietti FA. Self-rated health compared with objectively measured health status as a tool for mortality risk screening in older adults: 10-year follow-up of the Bambuí Cohort Study of Aging. Am J Epidemiol 2012; 175(3): 228-35..

CONCLUSÃO

A presente análise apontou para a persistência da desigualdade em saúde entre os idosos brasileiros. Este estudo sublinhou a observação de que o registro anterior de desigualdades sociodemográficas na prevalência de autoavaliação negativa de saúde não foi suficiente para evitar que um pior resultado continuasse afetando, em 2010, os idosos menos escolarizados, os que não trabalham ou não auferem rendimentos, e os que foram estratificados nas classes de menor capacidade de consumo. O reconhecimento prévio de que os idosos menos escolarizados e com menor renda apresentam pior percepção de saúde1111. Chiavegatto Filho AD, Lebrão ML, Kawachi I. Income inequality and elderly self-rated health in São Paulo, Brazil. Ann Epidemiol 2012; 22(12): 863-7. não teve consequências favoráveis, no que diz respeito à modificação do perfil de desigualdades em saúde. Nesse sentido, reitera-se a importância de ações programáticas de promoção da saúde para os estratos socioeconômicos mais carentes, com o intuito de propiciar a modificação de sua pior autoavaliação de saúde.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2014
  • Aceito
    20 Mar 2015
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