Fatores associados à depressão em homens e mulheres presos

Maíra Mendes dos Santos Claudia Renata dos Santos Barros Sérgio Baxter Andreoli Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

As prevalências de depressão em presídios são altas, porém não há clareza sobre os fatores de risco entre os sexos. Analisamos os fatores associados à depressão entre homens e mulheres presos no estado de São Paulo.

Metodologia:

Estudo transversal, de 2006 a 2007, com amostra probabilística estratificada e em múltiplos estágios. Aplicaram-se o Composite International Diagnostic Interview (CIDI) para diagnóstico psiquiátrico e questionário sobre histórico criminal em 1.192 homens e 617 mulheres. As prevalências foram calculadas para vida e fatores associados, para cada sexo, analisadas por meio da regressão logística multinomial. A variável dependente foi categorizada em: depressão, outro transtorno e sem transtorno mental.

Resultados:

A prevalência de depressão em mulheres foi de 33,3% (30,3 - 36,5) e em homens de 12,9% (11,1 - 15,0). Entre homens, foram associados à depressão falta disciplinar no presídio, histórico infracional na adolescência, ter companheira e problemas de saúde. Associados a outros transtornos: histórico infracional na adolescência e reincidência. Entre mulheres, as associações com depressão foram: problemas de saúde, crime de drogas e violência, estar presa em penitenciária e reincidência. Outros transtornos foram com problemas de saúde, reincidência, histórico infracional e crime violento.

Discussão:

Resultados confirmam estudos sobre diferenças entre os sexos para fatores associados à depressão.

Conclusão:

Há diferenças no perfil de homens e mulheres, que demandam distintas estratégias de enfrentamento, como coping e reabilitação em saúde para as mulheres com depressão.

Palavras-chave:
Prisioneiros; Depressão; Saúde

INTRODUÇÃO

O adoecimento mental em instituições prisionais de regime fechado, caracterizadas pela privação de liberdade11. Brasil. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984: Lei de Execução Penal. In: BRASIL, ed. Código Penal, Código de Processo Penal, Constituição Federal. São Paulo: Saraiva; 2005., é uma questão de saúde pública reconhecida mundialmente, até mesmo pela alta prevalência de depressão22. Fazel S, Seewald K. Severe mental illness in 33 588 prisoners worldwide: systematic review and meta-regression analysis. Br J Psychiatry 2012; 200(5): 364-73. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.111.096370
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,33. Andreoli SB, dos Santos MM, Quintana MI, Ribeiro WS, Blay SL, Taborda JGV, et al. Prevalence of mental disorders among prisoners in the state of Sao Paulo, Brazil. PLoS One 2014; 9(2): e88836. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0088836
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. Esta, por sua vez, direciona-nos a pensar sobre a forte associação com comportamento suicida44. Kinner SA, Forsyth S, Williams G. Systematic review of record linkage studies of mortality in ex‐prisoners: why (good) methods matter. Addiction 2013; 108(1): 38-49. https://doi.org/10.1111/add.12010
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,55. Baier A, Fritsch R, Ignatyev Y, Priebe S, Mundt AP. The course of major depression during imprisonment-A one year cohort study. J Affect Disord 2016; 189: 207-13. https://doi.org/10.1016/j.jad.2015.09.003
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, piora na condição de saúde e por dificultar a ressocialização dos presos após a liberdade. A dificuldade de ressocialização pode apresentar um ciclo vicioso de risco ao adoecimento, por aumentar as chances de envolvimento com drogas, reincidência criminal66. Sirotich F. Correlates of crime and violence among persons with mental disorder: an evidence-based review. Brief Treat Crisis Interv 2008; 8(2): 171-94. e de (re)vitimização por violência interpessoal, especialmente entre as mulheres77. Lynch S, Heath N. Predictors of incarcerated women’s postrelease PTSD, depression, and substance-use problems. J Offender Rehabil 2017; 56(3): 157-72. https://doi.org/10.1080/10509674.2017.1290007
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.

As condições de encarceramento expõem o indivíduo a uma série de fatores de risco, tanto para o desenvolvimento como para a manutenção de quadros depressivos88. Yi Y, Turney K, Wildeman C. Mental Health Among Jail and Prison Inmates. Am J Mens Health 2017: 11(4): 900-9. https://dx.doi.org/10.1177%2F1557988316681339
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. Entre eles, destacam-se a quebra de relacionamentos afetivos, o isolamento, a ruptura abrupta das atividades cotidianas e a ociosidade99. Cassau JS, Goodwin DE. The phenomenology and course of depressive syndromes in pre-trial detention. Int J Law Psychiatry 2012; 35(3): 231-5. https://psycnet.apa.org/doi/10.1016/j.ijlp.2012.02.013
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. Estudos mostram que a quebra abrupta dos vínculos sociais que ocorre na entrada do sistema prisional, ou seja, nos centros de detenção provisória, leva a taxas de depressão mais altas que as de penitenciárias, quando os presos já foram sentenciados1010. Colmenares Bermúdez E, Romero Mendoza MP, Rodríguez Ruiz EM, Durand-Smith AL, Saldívar Hernández GJ. Female depression and substance dependence in the mexico city penitentiary system. Salud Mental 2007; 30(6): 53-61.,1111. Essau CA, Lewinsohn PM, Seeley JR, Sasagawa S. Gender differences in the developmental course of depression. J Affect Disord 2010; 127(1-3): 185-90. https://doi.org/10.1016/j.jad.2010.05.016
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.

Apesar de ser consistentes na literatura a alta prevalência de depressão entre presos e os riscos relacionados a essa morbidade, não se tem clareza ainda das diferenças de gênero em relação aos fatores de risco associados. Isso porque os estudos existentes costumam analisar ora a população de um dos sexos, ora apenas um tipo de fator de risco (clínico ou criminal)1010. Colmenares Bermúdez E, Romero Mendoza MP, Rodríguez Ruiz EM, Durand-Smith AL, Saldívar Hernández GJ. Female depression and substance dependence in the mexico city penitentiary system. Salud Mental 2007; 30(6): 53-61..

O período de encarceramento pode ser uma grande oportunidade de implementação de serviços sociais e de saúde para uma população normalmente marginalizada pelas políticas públicas1212. Nowotny KM, Belknap J, Lynch S, DeHart D. Risk profile and treatment needs of women in jail with co-occurring serious mental illness and substance use disorders. Women Health 2014; 54(8): 781-95. https://doi.org/10.1080/03630242.2014.932892
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. Entretanto, para a efetividade dessas políticas, é inexorável conhecer as demandas dessa população, respeitando as especificidades de gênero que podem incorrer em diferentes fatores relacionados ao desenvolvimento de depressão.

De acordo com o levantamento realizado pelo Ministério da Justiça em 20141212. Nowotny KM, Belknap J, Lynch S, DeHart D. Risk profile and treatment needs of women in jail with co-occurring serious mental illness and substance use disorders. Women Health 2014; 54(8): 781-95. https://doi.org/10.1080/03630242.2014.932892
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, o Brasil abriga 622.202 pessoas no sistema prisional, o que é equivalente à quarta maior população do mundo1313. Brasil. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias [Internet]. Brasil: Ministério da Justiça; 2014 [acessado em 1º jul. 2017]. Disponível em: Disponível em: http://dados.mj.gov.br/dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias
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. Apesar dessa magnitude, o país carece de estudos sobre fatores associados à depressão entre homens e mulheres em amostra de larga escala. Nosso objetivo foi estudar os fatores clínicos e criminais associados à depressão entre homens e mulheres no estado de São Paulo.

METODOLOGIA

Foi realizado estudo de corte transversal, entre maio de 2006 e janeiro de 2007, sendo a coleta de dados iniciada em outubro de 2006. Foram incluídas no estudo 105 unidades prisionais de regime fechado, sendo cinco penitenciárias femininas (PF0, quatro centros de ressocialização femininos (CRF), 32 centros de detenção provisória masculinos (CDP) e 64 penitenciárias masculinas (PM).

A amostra foi probabilística e em multiestágios, estratificada pelas cinco coordenadorias regionais do Estado, responsáveis pelas unidades prisionais. Para os homens, foram sorteadas duas unidades para cada coordenadoria regional, totalizando 20 presídios, sendo 10 penitenciárias e 10 CDP. Para as mulheres, foram incluídas todas as nove unidades prisionais (cinco penitenciárias e quatro centros de ressocialização), e apenas as presas foram sorteadas. A amostra foi aleatória, sendo os presos sorteados com base em uma lista fornecida pela direção de cada unidade prisional. O critério de inclusão no estudo foi estar sob custódia em unidades de regime fechado. Já os de exclusão foram estar em unidades de segurança máxima, pela dificuldade de acesso, e em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, pois essas instituições reúnem presos sabidamente com transtorno mental.

Para o cálculo amostral, foram considerados:

  • tamanho da população em cada estrato;

  • prevalência estimada de transtorno mental de 2% - frequência mínima aceitável de 1%;

  • nível de confiança de 95%;

  • perda estimada de 10%33. Andreoli SB, dos Santos MM, Quintana MI, Ribeiro WS, Blay SL, Taborda JGV, et al. Prevalence of mental disorders among prisoners in the state of Sao Paulo, Brazil. PLoS One 2014; 9(2): e88836. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0088836
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    .

Com base nesses parâmetros, o total de entrevistas previstas foi de 2.320, distribuídas, proporcionalmente, como segue:

  • 690 em unidades prisionais femininas;

  • 820 em penitenciárias;

  • 810 em CDP.

INSTRUMENTOS

Para diagnóstico psiquiátrico, foi utilizada a versão brasileira do Composite International Diagnostic Interview (CIDI) versão 2.11414. Quintana MI, Gastal FL, Jorge MR, Miranda CT, Andreoli SB. Validity and limitations of the Brazilian version of the Composite International Diagnostic Interview (CIDI 2.1). Rev Bras Psiquiatr 2007; 29(1): 18-22. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462006005000024
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, e a 10ª edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) foi a referência usada neste estudo.

As seguintes seções do CIDI 2.1 foram empregadas na investigação: transtornos fóbicos e ansiosos, com exceção do diagnóstico de fobia específica; depressão (episódio depressivo e depressão recorrente); mania; transtornos psicóticos; transtornos por uso de drogas; transtorno obsessivo-compulsivo; e transtorno de estresse pós-traumático.

Foram incluídas no questionário autorreferido as seguintes seções:

  • dados sociodemográficos (estado civil: com companheiro / sem companheiro; idade: 18 a 24 anos / 25 a 29 anos / 30 a 36 anos / acima de 37 anos; religião: sim/não; e escolaridade: analfabeto / de 1 a 11 anos de escolaridade / 12 ou mais anos de escolaridade);

  • histórico de qualquer tipo de doença (sim / não);

  • condições de cumprimento de pena (tipo de unidade prisional: centro de detenção provisória / penitenciária; número de presos por cela; visitas íntimas: sim / não; visitas familiares: sim / não; falta disciplinar: sim / não);

  • perfil criminal (tempo de pena: até um ano / mais de um ano; histórico infracional durante a adolescência: sim / não; reincidência criminal: sim / não; e tipo de crime: contra o patrimônio, crime relacionado a drogas e crime violento).

A variável “histórico infracional durante a adolescência” foi avaliada pela entrada no sistema socioeducativo para adolescentes infratores. Para a variável “tipo de crime”, foram considerados crimes violentos aqueles que representam ameaça à integridade física ou à vida da vítima (por exemplo: roubo, estupro, homicídio, lesão corporal e sequestro)1515. Santos MM, Quintana MI, Moreira FG, Taborda JGV, de Jesus Mari J, Andreoli SB. Drug-related disorders and the criminal and clinical background of the prison population of São Paulo State, Brazil. PloS One 2014; 9(11): e113066. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0113066
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.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

As variáveis foram descritas em frequências absolutas e relativas, bem como a estimativa da prevalência de depressão (variável dependente). Todas as análises foram ajustadas para o desenho da amostra por meio da análise de amostras complexas1616. Levy PS, Lemeshow S. Sampling of populations: methods and applications. Nova York: John Wiley & Sons; 2013..

Para a análise dos fatores associados, foi realizado modelo de regressão logística multinomial por sexo. Os indivíduos considerados com depressão neste estudo foram aqueles que preencheram critérios para episódio depressivo ou depressão recorrente, moderada ou grave. A variável dependente foi categorizada em:

  • ter depressão;

  • ter qualquer outro transtorno mental;

  • não ter transtorno mental.

A variável de referência foi “não ter transtorno mental” para os dois modelos.

As variáveis independentes selecionadas para a modelagem da regressão foram as que apresentaram p < 0,20 em relação à depressão, analisada pelo teste χ2. No modelo final, foram mantidas as variáveis com associação significante ou que se ajustaram em pelo menos 10% às demais variáveis. O ajuste dos modelos foi analisado pelos critérios de informação de Akaike (AIC) e Bayesiano (BIC), gerados pela análise da regressão1717. Marôco J. Análise estatística com o SPSS Statistics. Portugal: ReportNumber; 2011.. A inclusão das variáveis no modelo múltiplo foi por Stepwise, para facilitar a identificação de variáveis mediadoras e de confusão e suas respectivas interações. A ordem de inclusão das variáveis independentes seguiu a ordem crescente do valor de p.

ASPECTOS ÉTICOS E LEGAIS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (processo nº 1.051/05) e conduzida em conformidade com as diretrizes e normas para a realização de pesquisas envolvendo seres humanos do Conselho Nacional de Saúde (Resolução nº 19.692).

RESULTADOS

Foram entrevistados 1.809 presos (1.192 homens e 617 mulheres), representando o índice de perda amostral de 26,2% para a população masculina e 10,5% para a população feminina. Quando considerado o tipo de unidade prisional, as perdas variaram entre 4% em CR femininos, 23,7% em CDP e 17% em PM. O poder da amostra manteve-se em 80%, após a análise das perdas, valor aceitável estatisticamente. As causas principais das perdas amostrais foram:

  • dificuldade de acesso aos presos sorteados (n = 336);

  • recusas (n = 135);

  • transferência de unidade prisional (n = 16).

O perfil dos homens foi: branco; natural do estado de São Paulo; de 18 a 27 anos de idade; ter companheira; ter emprego antes do encarceramento; estar preso em penitenciária; não ter histórico de delinquência na adolescência; não ser reincidente; estar preso por mais de um ano; ter cometido crime violento; não ter cometido falta disciplinar no presídio e não ter problema de saúde física. A diferença em relação ao perfil das mulheres foi apenas no estado civil - a maioria das mulheres não possuía companheiro (Tabela 1).

Tabela 1.
Características demográficas e criminais de presos do estado de São Paulo (n = 1.809).

No que se refere à análise de regressão entre homens (Tabela 2), na análise bivariada foram associados à depressão: histórico infracional durante a adolescência, ter companheiro(a), ser reincidente, estar preso por um período de até um ano, cumprir pena em penitenciária e ter problemas de saúde física. Na análise múltipla, as variáveis que se mantiveram associadas foram histórico infracional durante a adolescência, ter companheiro(a) e problemas de saúde física. A variável que passou a ter associação foi ter cometido falta disciplinar. No tocante a outros transtornos mentais, as variáveis associadas na análise bivariada foram histórico infracional na adolescência e ser reincidente, as quais se mantiveram associadas na análise múltipla.

Tabela 2.
Fatores associados à depressão e outros transtornos mentais em homens presos no estado de São Paulo (n = 1.192).

Entre as mulheres (Tabela 3), as variáveis ligadas à depressão, na análise bivariada, foram: problemas de saúde física, crime de drogas, ser reincidente e falta disciplinar. A variável “falta disciplinar” perdeu a significância no modelo múltiplo, enquanto as variáveis “estar preso em penitenciária” e “crime violento” apresentaram associação positiva. Aos outros transtornos mentais, na análise bivariada, foram associados problemas de saúde física, ser reincidente e histórico infracional durante a adolescência. Na análise múltipla, as mesmas variáveis mantiveram associação, e crime violento passou a ter associação positiva.

Tabela 3
Fatores associados com depressão e outros transtornos mentais em mulheres presas no estado de São Paulo (n = 617).

DISCUSSÃO

A população prisional apresentou prevalências preocupantes para a saúde pública de depressão e confirmou os dados da literatura no tocante à maior morbidade entre as mulheres em comparação aos homens22. Fazel S, Seewald K. Severe mental illness in 33 588 prisoners worldwide: systematic review and meta-regression analysis. Br J Psychiatry 2012; 200(5): 364-73. https://doi.org/10.1192/bjp.bp.111.096370
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,1818. Van den Bergh BJ, Gatherer A, Fraser A, Moller L. Imprisonment and women’s health: concerns about gender sensitivity, human rights and public health. Bull World Health Organ 2011; 89(9): 689-94. https://dx.doi.org/10.2471%2FBLT.10.082842
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,1919. Baillargeon J, Penn JV, Knight K, Harzke AJ, Baillargeon G, Becker EA. Risk of reincarceration among prisoners with co-occurring severe mental illness and substance use disorders. Adm Policy in Ment Health 2010; 37(4): 367-74. https://doi.org/10.1007/s10488-009-0252-9
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. A depressão em homens esteve associada mais a fatores relacionados à falta disciplinar no presídio, ter histórico infracional durante a adolescência e ser reincidente. As mulheres com depressão, por sua vez, apresentaram mais chances de ter problemas de saúde física, ter cometido crime contra o patrimônio ou crime violento e estar presas em penitenciária.

As prevalências encontradas nas populações masculina e feminina foram semelhantes às identificadas em penitenciárias americanas (17,4% em homens e 35,5% em mulheres)2020. Binswanger IA, Merrill JO, Krueger PM, White MC, Booth RE, Elmore JG. Gender differences in chronic medical, psychiatric, and substance-dependence disorders among jail inmates. Am J Public Health 2010; 100(3): 476-82. https://doi.org/10.2105/AJPH.2008.149591
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. As prevalências entre as mulheres parecem ser mais divergentes entre os estudos. A nossa investigação encontrou prevalência maior do que a faixa de 13 a 24% reportada por Binswanger et al.2020. Binswanger IA, Merrill JO, Krueger PM, White MC, Booth RE, Elmore JG. Gender differences in chronic medical, psychiatric, and substance-dependence disorders among jail inmates. Am J Public Health 2010; 100(3): 476-82. https://doi.org/10.2105/AJPH.2008.149591
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e um pouco maior do que o estudo realizado em penitenciárias dos Estados Unidos (28%)2121. Lynch SM, DeHart DD, Belknap JE, Green BL, Dass-Brailsford P, Johnson KA, et al. A multisite study of the prevalence of serious mental illness, PTSD, and substance use disorders of women in jail. Psychiatr Serv 2014; 65(5): 670-4. https://doi.org/10.1176/appi.ps.201300172
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. Por outro lado, foi menor do que a de 62%, encontrada em uma pesquisa no México1010. Colmenares Bermúdez E, Romero Mendoza MP, Rodríguez Ruiz EM, Durand-Smith AL, Saldívar Hernández GJ. Female depression and substance dependence in the mexico city penitentiary system. Salud Mental 2007; 30(6): 53-61.. Não está claro o motivo dessa divergência, mas supõe-se que possa estar relacionada às diferenças na metodologia dos estudos, tais como a escolha de instrumento diagnóstico e dos procedimentos de seleção dos participantes2222. Hewitt CE, Perry AE, Adams B, Gilbody SM. Screening and case finding for depression in offender populations: A systematic review of diagnostic properties. J Affect Disord 2011; 128(1-2): 72-82. https://doi.org/10.1016/j.jad.2010.06.029
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.

Apesar dessas diferenças, de modo geral, os estudos mostram que as mulheres apresentam prevalências maiores2323. Winkler D, Pjrek E, Heiden A, Wiesegger G, Klein N, Konstantinidis A, et al. Gender differences in the psychopathology of depressed inpatients. Eur Arch Psychiatry Clin Neurosci 2004; 254(4): 209-14. https://doi.org/10.1007/s00406-004-0471-8
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, sendo pelo menos o dobro da apresentada pelos homens55. Baier A, Fritsch R, Ignatyev Y, Priebe S, Mundt AP. The course of major depression during imprisonment-A one year cohort study. J Affect Disord 2016; 189: 207-13. https://doi.org/10.1016/j.jad.2015.09.003
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,2020. Binswanger IA, Merrill JO, Krueger PM, White MC, Booth RE, Elmore JG. Gender differences in chronic medical, psychiatric, and substance-dependence disorders among jail inmates. Am J Public Health 2010; 100(3): 476-82. https://doi.org/10.2105/AJPH.2008.149591
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. A exceção foi uma metanálise de 81 estudos (33.588 presos de 24 países) que não encontrou diferença significante entre os sexos (mulheres 14.1% - intervalo de confiança - IC 10.2 - 18.1; homens 10.2% IC 8.8 - 11.7)2424. Fazel S, Danesh J. Serious mental disorder in 23 000 prisoners: a systematic review of 62 surveys. Lancet 2002; 359(9306): 545-50. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(02)07740-1
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. Esse estudo, entretanto, considerou como um dos critérios metodológicos da revisão sistemática seis meses como referência de tempo para o desfecho, enquanto os demais estudos, assim como o nosso, levaram em conta diagnóstico calculado para a vida. Tal diferença pode ter influenciado na divergência entre os resultados.

No tocante ao perfil clínico e criminal de homens e mulheres com depressão, os resultados levam à discussão baseada na teoria denominada de sex roles (papéis do sexo), que afirma que homens e mulheres vivenciam diferentemente a depressão. Enquanto as mulheres, em geral, tendem a enfatizar o lado expressivo, voltando-se para a intrapessoalidade, os homens costumam ser instrumentais e apresentar problemas comportamentais. Tais particularidades parecem estar relacionadas a fatores culturais, uma vez que das mulheres é esperado mais sensibilidade e emoção e dos homens racionalidade e atitude1111. Essau CA, Lewinsohn PM, Seeley JR, Sasagawa S. Gender differences in the developmental course of depression. J Affect Disord 2010; 127(1-3): 185-90. https://doi.org/10.1016/j.jad.2010.05.016
https://doi.org/10.1016/j.jad.2010.05.01...
.

A depressão entre homens mostrou-se associada à falta disciplinar no presídio, fator ligado a um perfil comportamental. Os homens com depressão costumam ser mais irritados, agressivos, envolver-se em conflitos interpessoais e em atividades de risco, além de apresentar altas prevalências de comorbidade com transtorno por uso de álcool, o que concorre também para problemas comportamentais2525. Addis ME. Gender and depression in men. Clin Psychol 2008; 15(3): 153-68. https://doi.org/10.1111/j.1468-2850.2008.00125.x
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. Essas alterações comportamentais tendem a dificultar a adequação ao sistema disciplinar do presídio e costumam levar à revitimização diante de medidas repressoras e punitivas, podendo agravar o quadro psiquiátrico e dificultar o processo de reabilitação social após a liberdade1111. Essau CA, Lewinsohn PM, Seeley JR, Sasagawa S. Gender differences in the developmental course of depression. J Affect Disord 2010; 127(1-3): 185-90. https://doi.org/10.1016/j.jad.2010.05.016
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. Chama-se a atenção para a falta de associação entre falta disciplinar no presídio e outros transtornos mentais no nosso estudo, o que reforça ainda mais a compreensão do potencial de desadaptação que a depressão tende a gerar em homens presos.

Se os homens externalizam a depressão, as mulheres costumam manifestá-la com alterações psicológicas e cognitivas. Elas costumam apresentar perfil de ruminação dos problemas. Tendem a exacerbar os fatores estressores, considerando-os como grandes obstáculos, e assumem postura negativa sobre as situações e o futuro1010. Colmenares Bermúdez E, Romero Mendoza MP, Rodríguez Ruiz EM, Durand-Smith AL, Saldívar Hernández GJ. Female depression and substance dependence in the mexico city penitentiary system. Salud Mental 2007; 30(6): 53-61.,1111. Essau CA, Lewinsohn PM, Seeley JR, Sasagawa S. Gender differences in the developmental course of depression. J Affect Disord 2010; 127(1-3): 185-90. https://doi.org/10.1016/j.jad.2010.05.016
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. Tal padrão cognitivo tende a afetar a saúde das mulheres, pelo maior risco a doenças psicossomáticas2626. Alves J, Dutra A, Maia Â. História de adversidade, saúde e psicopatologia em reclusos: comparação entre homens e mulheres. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18(3): 701-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013000300016
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. Estudos mostram mais vulnerabilidade de problemas de saúde entre mulheres presas com transtornos mentais em comparação às presidiáriaspresas sem transtorno mental2020. Binswanger IA, Merrill JO, Krueger PM, White MC, Booth RE, Elmore JG. Gender differences in chronic medical, psychiatric, and substance-dependence disorders among jail inmates. Am J Public Health 2010; 100(3): 476-82. https://doi.org/10.2105/AJPH.2008.149591
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.

Nosso estudo mostrou associação de problemas de saúde física com depressão e com outros transtornos mentais entre as mulheres. Essa associação foi duas vezes maior entre as mulheres com depressão do que entre os homens com a mesma condição psiquiatra. Entre os homens com outros transtornos mentais, a associação não foi significante, o que sugere maior comorbidade entre problemas de saúde física e mental entre as mulheres quando comparada com os homens.

A população prisional feminina tende a apresentar também maior comprometimento psicológico que os homens, decorrente de histórico de (re)vitimização2727. Ormeño GIR. Histórico familiar de mulheres encarceradas: fatores de risco e proteção para os filhos: tese. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2013.,2828. Cerneka HA. Homens que Menstruam: Considerações a Acerca do Sistema Prisional as Especificidades da Mulher. Veredas do Direito. 2009; 6(11): 61-78.. A vitimização tende a ocorrer seja na infância, por parte dos pais ou responsáveis, ouseja na vida adulta, por parte dos maridos2929. Makki SH, dos Santos ML. Gênero e criminalidade: Um olhar sobre a mulher encarcerada no Brasil. Âmbito Jurídico [Internet]; 2010 [acessado em 30 de outubro de 2017]. Disponível em: Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8080
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,3030. Reed E, Raj A, Falbo G, Caminha F, Decker MR, Kaliel DC, et al. The prevalence of violence and relation to depression and illicit drug use among incarcerated women in Recife, Brazil. Int J Law Psychiatry 2009; 32(5): 323-8. https://doi.org/10.1016/j.ijlp.2009.06.006
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.

Seguindo a perspectiva de maior fragilização do estado psicológico e emocional das presas com transtornos mentais, é possível compreender a associação de crime violento com depressão e com outros transtornos mentais em mulheres no nosso estudo. Apesar de mulheres em geral não apresentarem perfil violento, a periculosidade torna-se mais expressiva quando existe morbidade psiquiátrica3131. Hollin CR, Palmer EJ. Criminogenic need and women offenders: A critique of the literature. Legal Criminol Psych 2006; 11(2): 179-95. https://doi.org/10.1348/135532505X57991
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. Nesse sentido, a população feminina do nosso estudo apresentou alta morbidade psiquiátrica, sobretudo com comorbidades, como pode ser visto em publicação anterior33. Andreoli SB, dos Santos MM, Quintana MI, Ribeiro WS, Blay SL, Taborda JGV, et al. Prevalence of mental disorders among prisoners in the state of Sao Paulo, Brazil. PLoS One 2014; 9(2): e88836. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0088836
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Quanto à associação entre crime de drogas e depressão, não é possível chegar a uma conclusão definitiva, entretanto nossos resultados levam à hipótese de que as mulheres com depressão são pessoas mais vulneráveis à persuasão e manipulação dos parceiros, e com menos recursos psicológicos para se adequarem a outros tipos de atividade laboral3232. Berto P, D’Ilario D, Ruffo P, Virgilio RD, Rizzo F. Depression: cost-of-illness studies in the international literature, a review. J Ment Health Policy Econ 2000; 3(1): 3-10.. Assim, os crimes são uma alternativa para a necessidade de prover o sustento dos filhos2828. Cerneka HA. Homens que Menstruam: Considerações a Acerca do Sistema Prisional as Especificidades da Mulher. Veredas do Direito. 2009; 6(11): 61-78.. A associação entre depressão e reincidência apenas entre as mulheres não está clara, porém sugere-se que possa ser compreendida no contexto da vulnerabilidade e da inadaptação social ddaquelas que se envolvem na criminalidade, sobretudo daquelas com depressão2828. Cerneka HA. Homens que Menstruam: Considerações a Acerca do Sistema Prisional as Especificidades da Mulher. Veredas do Direito. 2009; 6(11): 61-78.,3232. Berto P, D’Ilario D, Ruffo P, Virgilio RD, Rizzo F. Depression: cost-of-illness studies in the international literature, a review. J Ment Health Policy Econ 2000; 3(1): 3-10..

Estar presa em penitenciária mostrou-se associado à depressão em mulheres, diferentemente de outros estudos cujo transtorno está associado aos CDP pela quebra abrupta de contato social e do exercício dos papéis sociais88. Yi Y, Turney K, Wildeman C. Mental Health Among Jail and Prison Inmates. Am J Mens Health 2017: 11(4): 900-9. https://dx.doi.org/10.1177%2F1557988316681339
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,1010. Colmenares Bermúdez E, Romero Mendoza MP, Rodríguez Ruiz EM, Durand-Smith AL, Saldívar Hernández GJ. Female depression and substance dependence in the mexico city penitentiary system. Salud Mental 2007; 30(6): 53-61.,1111. Essau CA, Lewinsohn PM, Seeley JR, Sasagawa S. Gender differences in the developmental course of depression. J Affect Disord 2010; 127(1-3): 185-90. https://doi.org/10.1016/j.jad.2010.05.016
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. Seria necessário um estudo mais aprofundado para compreender essa diferença, entretanto uma hipótese seria dada por uma característica de quebra acentuada de vínculos familiares durante o cumprimento da pena no sistema prisional. Estudos demonstram que o isolamento de presas, representado pela falta de visitas familiares e íntimas, é fator diretamente relacionado à depressão3333. Pulido-Criollo F, Rodríguez-Landa JF, Colorado-Martínez MP. Factores sociodemográficos asociados con los síntomas depresivos en una muestra de mujeres recluidas en dos prisiones de México. Rev Panam Salud Publica 2009; 26(3): 209-15.,3434. Pinese CS, Furegato AR, Santos JL. Demographic and clinical predictors of depressive symptoms among incarcerated women. Ann Gen Psychiatry 2010; 9(1): 34. https://dx.doi.org/10.1186%2F1744-859X-9-34
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. O encarceramento em penitenciária de mulheres que são mães pode levar ao agravamento de quadros clínicos, com o surgimento de emoções como culpa, desespero e frustração3131. Hollin CR, Palmer EJ. Criminogenic need and women offenders: A critique of the literature. Legal Criminol Psych 2006; 11(2): 179-95. https://doi.org/10.1348/135532505X57991
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A despeito das associações encontradas com depressão, sabe-se que essa relação é complexa e não pode ser compreendida de forma linear3535. Busko V, Kulenović A. Depressive reactions as an outcome of stress processes: The study on imprisonment. J Soc Issues 2001; 10(1-2): 231-52.. É a combinação de fatores de vulnerabilidade juntamente com a exposição do indivíduo a fatores estressores que permite entender o desenvolvimento ou agravamento de uma condição psiquiátrica3636. Hyde JS, Mezulis AH, Abramson LY. The ABCs of depression: integrating affective, biological, and cognitive models to explain the emergence of the gender difference in depression. Psychol Rev 2008; 115(2): 291-313. https://doi.org/10.1037/0033-295X.115.2.291
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, e isso envolve outros aspectos que não foram contemplados neste estudo.

De qualquer forma, compreender o perfil de homens e mulheres com depressão no sistema prisional contribui para a identificação de demandas em termos de tratamento (penal e clínico) e reabilitação (clínica e social). As especificidades de gênero apresentam demandas específicas em termos de tratamento da depressão e reabilitação social que devem ser consideradas em políticas de saúde do sistema prisional1818. Van den Bergh BJ, Gatherer A, Fraser A, Moller L. Imprisonment and women’s health: concerns about gender sensitivity, human rights and public health. Bull World Health Organ 2011; 89(9): 689-94. https://dx.doi.org/10.2471%2FBLT.10.082842
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Levando em conta a alta prevalência de depressão entre as mulheres, especialmente entre aquelas que estão em penitenciárias, surgem algumas alternativas ao regime de privação de liberdade1818. Van den Bergh BJ, Gatherer A, Fraser A, Moller L. Imprisonment and women’s health: concerns about gender sensitivity, human rights and public health. Bull World Health Organ 2011; 89(9): 689-94. https://dx.doi.org/10.2471%2FBLT.10.082842
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. A justiça restaurativa e penas alternativas são opções que possibilitam melhor ressocialização com manutenção dos laços familiares, que é crucial tanto para as mulheres quanto para os filhos3737. Machado VG. Análise sobre a crise do sistema penitenciário e os reflexos do fracasso da pena de prisão. Derecho y Cambio Social 2013: 1-25.. Em um programa de ressocialização, deve-se pensar ainda acerca da existência de apoio social e de tratamento psicológico para lidar com os traumas de vitimização. Para casos mais graves de delito, em que a privação de liberdade se faz necessária, a manutenção dos vínculos familiares, sobretudo com os filhos, mediante visitas familiares, é essencial para a ressocialização e saúde mental3131. Hollin CR, Palmer EJ. Criminogenic need and women offenders: A critique of the literature. Legal Criminol Psych 2006; 11(2): 179-95. https://doi.org/10.1348/135532505X57991
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,3838. Johnson JE, Schonbrun YC, Nargiso JE, Kuo CC, Shefner RT, Williams CA, et al. “I know if I drink I won’t feel anything”: Substance use relapse among depressed women leaving prison. Int J Prisoner Health 2013; 9(4): 169-86. https://doi.org/10.1108/IJPH-02-2013-0009
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.

O tratamento de presos com depressão apresenta barreiras, principalmente para os homens, uma vez que eles não costumam buscar serviços de saúde. Isso porque os tendem a esconder questões emocionais pelo estigma de fragilidade e feminilidade a isso associado1010. Colmenares Bermúdez E, Romero Mendoza MP, Rodríguez Ruiz EM, Durand-Smith AL, Saldívar Hernández GJ. Female depression and substance dependence in the mexico city penitentiary system. Salud Mental 2007; 30(6): 53-61.. Uma estratégia possível para aumentar o acesso a tratamento é o treinamento de agentes para melhor identificação de sinais clínicos de depressão. Ademais, o treinamento de profissionais do sistema, principalmente os de segurança, é essencial para que eles adquiram habilidades comportamentais para melhor lidar com tais presos e, assim, evitar a revitimização dos presos com dificuldade de adaptação por falta disciplinar. Em termos de tratamento de problemas comportamentais, intervenções de abordagem cognitiva comportamental parecem ser uma alternativa eficaz para aumentar a capacidade de coping diante de situações estressoras3939. Byrne MK, Howells K. The psychological needs of women prisoners: Implications for rehabilitation and management. Psychiatr Psychol Law 2002; 9(1): 34-43. https://doi.org/10.1375/pplt.2002.9.1.34
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Este é o primeiro estudo epidemiológico com ênfase em depressão em larga escala no estado de São Paulo, que possui população prisional correspondente a cerca de 40% dos presos do país1313. Brasil. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias [Internet]. Brasil: Ministério da Justiça; 2014 [acessado em 1º jul. 2017]. Disponível em: Disponível em: http://dados.mj.gov.br/dataset/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias
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. Além da metodologia apropriada à complexidade da amostra, o estudo destaca-se pela avaliação do perfil clínico e criminal de homens e mulheres com depressão.

Apesar de sua relevância, o estudo apresentou limitações:

  • ocorrência de rebeliões, poucos meses antes do início das entrevistas, em todo o sistema penitenciário, o que dificultou o acesso a alguns indivíduos selecionados;

  • a participação voluntária dos presos, após terem aleatoriamente sido selecionados, pode ter gerado certo viés de seleção, uma vez que os presos mal-adaptados e agressivos tendem a recusar a participação;

  • possível viés de informação no tocante aos sintomas de depressão relatados por homens e mulheres, porque os homens costumam ocultar suas emoções, enquanto as mulheres as supervalorizam1111. Essau CA, Lewinsohn PM, Seeley JR, Sasagawa S. Gender differences in the developmental course of depression. J Affect Disord 2010; 127(1-3): 185-90. https://doi.org/10.1016/j.jad.2010.05.016
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CONCLUSÃO

Este estudo mostrou que homens e mulheres do sistema prisional com depressão apresentam perfil clínico e criminal específicos para cada gênero, o que deve ser considerado na implementação de programas de saúde e segurança públicos. Homens com depressão apresentam alterações comportamentais que refletem em reincidência, histórico infracional durante a adolescência e falta disciplinar no presídio. A depressão nas mulheres, por outro lado, parece estar associada a maior comprometimento cognitivo e psicológico associado ao envolvimento em crimes de drogas e em crimes de maior gravidade. Além disso, a depressão em mulheres configurou-se como fator de risco para problemas de saúde física.

A presente pesquisa não tem a pretensão de esgotar a compreensão dos fatores associados ao encarceramento nem à depressão em homens e mulheres, e sabemos da complexidade dos fenômenos envolvidos. Para entendimento mais profundo sobre o assunto, recomendamos o desenvolvimento de estudos longitudinais com presos durante e após a liberdade, bem como pesquisas sobre efetividade de programas voltados para depressão e ressocialização.

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  • Fonte de financiamento: Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 554553/200X-8, e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    18 Set 2017
  • Revisado
    30 Maio 2018
  • Aceito
    11 Jun 2018
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