Acidentes de trânsito com condutores de veículos: incidência e diferenciais entre motociclistas e motoristas em estudo de base populacional

Polianna Alves Andrade Rios Eduardo Luiz Andrade Mota Luciano Nery Ferreira Jefferson Paixão Cardoso Gustavo Jaccoud Santos Tailane Borges Rodrigues Sobre os autores

RESUMO:

Objetivos:

Estimar incidências de acidentes de trânsito entre condutores de veículos a motor e verificar diferenciais do evento entre as vítimas motociclistas e motoristas de automóvel.

Métodos:

Foi conduzido um inquérito domiciliar no município de Jequié, Bahia, em 2013, com 1.406 condutores selecionados por amostragem por conglomerado. As estimativas de incidência cumulativa de acidentes de trânsito foram ponderadas pelo desenho amostral e, para comparação entre categorias de condutores, foram estimadas razões de incidência (RI) e intervalos de confiança de 95% (IC95%) com regressão de Poisson. Diferenciais do evento entre vítimas motociclistas e motoristas foram avaliados com teste do χ2 de Rao-Scott (p ≤ 0,05).

Resultados:

O envolvimento em acidentes de trânsito nos 12 meses anteriores à entrevista foi referido por 10,6% dos condutores. Para acidentes que causaram lesão física, a incidência foi de 4,3%. Motociclistas apresentaram o dobro do risco de envolvimento em acidentes (RI = 2,03; IC95% 1,40 - 2,94) e maiores proporções de lesões (p < 0,001), de interrupção de atividades habituais de vida (p = 0,003) e de atendimento em serviços de emergência (p = 0,008). Fatores relacionados ao tempo e local de ocorrência não se diferenciaram entre grupos.

Conclusão:

Maior incidência de acidentes e proporções mais elevadas de lesões e de outras repercussões desses eventos recaíram sobre motociclistas. Tais achados reafirmam a condição de vulnerabilidade desse grupo e explicitam diferentes impactos que uma causa prevenível de morbimortalidade apresenta em cada grupo de condutores.

Palavras-chave:
Acidentes de trânsito; Incidência; Inquéritos epidemiológicos; Condução de veículo

INTRODUÇÃO

Os acidentes de trânsito (AT) incluem-se no conjunto de causas externas de morbimortalidade e constituem um dos mais importantes problemas de saúde pública mundial11. World Health Organization. Global status report on road safety: time for action. Genebra: World Health Organization; 2009.. Como eventos que não ocorrem ao acaso, os AT atingem grupos populacionais de maneira distinta, com distribuição que varia segundo aspectos relacionados às pessoas, aos espaços e ao tempo. Apesar da complexidade do fenômeno e da multiplicidade de determinantes, os acidentes de trânsito são passíveis de prevenção22. World Health Organization. Global status report on road safety 2013: supporting a decade of action. Genebra: World Health Organization; 2013.,33. Bonilla-Escobar FJ, Gutiérrez MI. Injuries are not accidents: towards a culture of prevention. Colomb Méd (Cali) 2014; 45(3): 132-5..

Sua transcendência se expressa pelo elevado número de mortes e lesões que incidem, predominantemente, na população jovem, no auge da produtividade e que reside em áreas de maior desvantagem socioeconômica11. World Health Organization. Global status report on road safety: time for action. Genebra: World Health Organization; 2009.. Além do enorme impacto humano, esses eventos também afetam negativamente o desenvolvimento socioeconômico de qualquer sociedade, em virtude dos gastos em saúde, previdência, danos materiais e perda produtiva decorrentes44. Vasconcellos EA. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. Barueri: Manole; 2013..

No cenário global, o Brasil compõe o conjunto dos dez países que concentram quase metade das mortes provocadas por AT e, por isso, participa da iniciativa mundial denominada Road Safety in 10 Countries, para redução da morbimortalidade entre 2011 e 202055. Peden M. Road safety in 10 countries. Inj Prev 2010; 16(6): 433. https://doi.org/10.1136/ip.2010.030155
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. A inclusão do país nesse programa deveu-se à sustentação de elevada magnitude de óbitos e lesões não fatais em decorrência da violência no trânsito. Com efeito, em 2015, o Ministério da Saúde registrou 38.651 mortes devido aos acidentes de transporte terrestre66. Brasil. Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. Brasília: CGIAE/Secretaria de Vigilância em Saúde-SVS [acessado em 3 mar. 2017]. Disponível em: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205
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e mais de 158 mil internações hospitalares na rede do Sistema Único de Saúde77. Brasil. Sistema de Informação Hospitalar [Internet]. Brasília: CGIAE/Secretaria de Vigilância em Saúde-SVS [acessado em 20 mar. 2017]. Disponível em: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0203
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. A maior parte desses registros referiu-se aos usuários de veículos motorizados, grupo que apresentou incremento das taxas de mortalidade e internação entre os anos 2002 e 2011, devido, principalmente, à contribuição dos motociclistas88. Bahia CA, Malta DC, Mascarenhas MDM, Montenegro MMS, Silva MMA, Monteiro RA. Acidentes de transporte terrestre no Brasil: mortalidade, internação hospitalar e fatores de risco no período 2002-2012. In: Brasil, editor. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Saúde Brasil 2012: uma análise da situação de saúde e dos 40 anos do Programa Nacional de Imunizações. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. p. 299-326.. Ainda com referência ao tipo de vítima de AT, dados do sistema de vigilância de violências e acidentes (VIVA) evidenciam que os condutores de veículo constituíram, aproximadamente, 65% dos atendimentos por acidente de transporte nos serviços de urgência e emergência em 201199. Brasil. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes [Internet]. Brasília: CGIAE/Secretaria de Vigilância em Saúde-SVS ; 2011 [acessado em 25 set. 2015]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?viva/2011/viva11p.def
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No país, o conhecimento do impacto dos AT na situação de saúde populacional deriva, tradicionalmente, dos sistemas de informação do Ministério da Saúde, como os sistemas sobre mortalidade, internação hospitalar e do projeto VIVA. Além disso, tem-se os registros das ocorrências feitos pelos órgãos de trânsito e polícias rodoviárias. Essa variedade de fontes de dados, porém não revela a real magnitude do envolvimento de pessoas nesses eventos, pois tais sistemas tendem a notificar casos mais graves, que produzem vítimas fatais ou com lesões que geram procura por atendimento em serviços de saúde. Com o intuito de ampliar as informações sobre a incidência de AT no âmbito do país, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) incluiu o tema dos AT no Suplemento Saúde do referido inquérito em 20081010. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RTI, Silva MMA, Pereira CA, Minayo MCS, et al. Análise das ocorrências das lesões no trânsito e fatores relacionados segundo resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - Brasil, 2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(9): 3679-87. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001000005
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. Em 2013, esses eventos voltaram a ser estudados pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)1111. Malta DC, Andrade SSCA, Gomes N, Silva MMA, Morais Neto OL, Reis AAC, et al. Lesões no trânsito e uso de equipamento de proteção na população brasileira, segundo estudo de base populacional. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21(2): 399-410. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.23742015
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Dessa maneira, observam-se poucos estudos1010. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RTI, Silva MMA, Pereira CA, Minayo MCS, et al. Análise das ocorrências das lesões no trânsito e fatores relacionados segundo resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - Brasil, 2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(9): 3679-87. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001000005
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,1111. Malta DC, Andrade SSCA, Gomes N, Silva MMA, Morais Neto OL, Reis AAC, et al. Lesões no trânsito e uso de equipamento de proteção na população brasileira, segundo estudo de base populacional. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21(2): 399-410. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.23742015
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,1212. Magalhães AF, Lopes CM, Koifman RJ, Muniz PT. Prevalência de acidentes de trânsito auto-referidos em Rio Branco, Acre. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 738-44. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102011005000031
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sobre AT desenvolvidos com fontes primárias e a partir de base populacional, sobretudo em municípios de médio e pequeno porte; locais onde várias formas de violência, incluindo os acidentes de transporte, se intensificaram nos últimos anos1313. Morais Neto OL, Montenegro MMS, Monteiro RA, Siqueira Júnior JB, Silva MMA, Lima CM, et al. Mortalidade por Acidentes de Transporte Terrestre no Brasil na última década: tendência e aglomerados de risco. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2223-36. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000900002
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. Por esse motivo, torna-se oportuna a realização de inquéritos populacionais com o intuito de contribuir para o dimensionamento do problema dos AT, ao dar visibilidade aos casos de menor gravidade, e possibilitar a descrição desses eventos e seus efeitos sobre distintos grupos de usuários da via pública. Sendo assim, realizou-se este estudo objetivando estimar a incidência cumulativa de acidentes de trânsito entre condutores de veículos, em Jequié, Bahia, e verificar diferenciais do evento entre as vítimas motociclistas e motoristas.

MÉTODOS

Estudo epidemiológico de base populacional, que deriva de uma pesquisa longitudinal sobre envolvimento em AT e suas repercussões em diversos aspectos da vida das pessoas, realizada no município de Jequié, Bahia, entre os anos 2013 e 2015. O presente artigo utilizou dados da linha de base dessa pesquisa, obtidos no inquérito domiciliar em 2013, quando a coorte foi constituída.

O município de Jequié localiza-se na região sudoeste da Bahia, distante 365 km da capital do estado1414. Bahia. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia. Regiões Econômicas do Estado da Bahia. Bahia: Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia; 2015 [acessado em 20 nov. 2015]. Disponível em: Disponível em: http://www.sei.ba.gov.br/site/geoambientais/mapas/pdf/regioes_economicas_2015.pdf
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, e está entre as 10 cidades baianas com maior porte populacional1515. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas populacionais [Internet]. Brasil: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [acessado em 29 jul. 2014]. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2013/estimativa_dou.shtm
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. Para 2013, sua população estimada era de 161.391 habitantes e exibia índice de motorização de 30,8 veículos para cada 100 habitantes1515. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas populacionais [Internet]. Brasil: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [acessado em 29 jul. 2014]. Disponível em: Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2013/estimativa_dou.shtm
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,1616. Brasil. Departamento Nacional de Trânsito. Frota de veículos [Internet]. Brasil: Departamento Nacional de Trânsito [acessado em 1º jun. 2014]. Disponível em: Disponível em: http://www.denatran.gov.br/frota.htm
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.

A população do estudo foi composta por condutores que referissem dirigir qualquer tipo de veículo motorizado (motocicletas, motonetas, ciclomotores, automóveis, van, caminhonetes e veículos de mais de quatro rodas). O tamanho da amostra foi estimado para conhecer a incidência de AT entre condutores. Para isso, utilizou-se o programa EPI-Info (versão 6.0), considerando os seguintes parâmetros: proporção esperada de AT = 9,0%; α = 5,0%; precisão = 2,0% e efeito de desenho = 2. Para definição da proporção esperada do desfecho, adotaram-se os achados de um inquérito de saúde e nutrição realizado em Rio Branco, Acre, no qual 7,8% dos adultos referiram ter sofrido AT nos últimos 12 meses, na condição de qualquer usuário da via pública1717. Magalhães AF, Lopes CM, Koifman RJ, Muniz PT. Caracterização dos acidentes de trânsito auto-referidos, em inquérito de base populacional, Rio Branco, Acre, 2008. In: Magalhães AF. Prevalência dos acidentes de trânsito auto-referidos em Rio Branco-Acre [dissertação]. Rio Branco: Universidade Federal do Acre; 2009. p. 54-79.. A escolha dos dados do referido inquérito para cálculo do tamanho da amostra deveu-se ao fato dele ter incluído acidentes independentemente da geração de lesão física; semelhante à abordagem do desfecho na presente pesquisa. Como a presente pesquisa enfocou a população de condutores, considerou-se pertinente a projeção da frequência esperada para 9,0%. Com base nesses dados, o tamanho da amostra resultou em 1.572 condutores.

Os participantes foram selecionados por amostragem por conglomerado em único estágio, tendo sido sorteados 35 setores censitários (SC) urbanos para contemplar a amostra. Esse quantitativo foi estabelecido com base em alguns critérios atribuídos pelos pesquisadores: após a realização de estudo piloto, verificou-se que a fração de acesso à população de pesquisa representou um terço dos domicílios do SC. Dessa maneira, considerando tal fração no número médio de domicílios por setor (241 domicílios/SC)1818. Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Resultados do Censo 2010 [Internet]. Brasil: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [acessado em 9 jan. 2013]. Disponível em: Disponível em: http://www.censo2010.ibge.gov.br/
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; a densidade média de dois adultos por domicílio, sendo um deles um provável condutor; e possibilidade de encontrar residências sem condutores, devido à condição socioeconômica de algumas regiões do município, levantou-se que, em média, 60 domicílios por SC poderiam ser incluídos no estudo. Assim, seriam necessários 26 SC para a amostra, entretanto alguns setores sorteados possuíam número de domicílios menor do que a média municipal, o que fez com que o quantitativo fosse ampliado para 35 setores. Todas as quadras dos SC foram percorridas e todos os domicílios incluídos. Foram convidados a participar da pesquisa todos os moradores que referissem ser condutores de motocicleta ou de veículo de quatro ou mais rodas. Para as residências onde não foi possível realizar a entrevista na primeira abordagem, agendaram-se visitas em horário conveniente ao participante. Estabeleceu-se o número máximo de três tentativas de agendamento em horários distintos para, em caso de insucesso, considerar o condutor como “não resposta”.

Adotou-se a seguinte definição para AT: “todo acidente com veículo ocorrido na via pública, o que inclui qualquer atropelamento, batida entre veículos, acidentes com bicicleta, moto e quedas dentro de ônibus (ou para fora dele), quedas de caminhão que ocorrem em ruas ou estradas, podendo ou não causar ferimentos nas pessoas” (adaptação dos conceitos da Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão1919. Organização Mundial da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde [Internet]. 10ª revisão. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2008 [acessado em 6 out. 2012]. Disponível em: Disponível em: http://www.datasus.gov.br/cid10/V2008/cid10.htm
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, e do estudo de Magalhães et al.1212. Magalhães AF, Lopes CM, Koifman RJ, Muniz PT. Prevalência de acidentes de trânsito auto-referidos em Rio Branco, Acre. Rev Saúde Pública 2011; 45(4): 738-44. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102011005000031
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).

As variáveis utilizadas neste estudo foram:

  • AT autorreferido nos últimos 12 meses, na condição de condutor no momento do AT. A variável foi mensurada com a pergunta: “O senhor sofreu algum acidente de trânsito nos últimos 12 meses enquanto dirigia veículo?”. A partir daí, apresentava-se o conceito de AT;

  • Sociodemográficas: sexo; idade; cor da pele; situação marital; nível de instrução; renda; ocupação;

  • Relacionadas ao trânsito: carteira nacional de habilitação (CNH) e tipo de condutor. Essa última variável derivou do questionamento sobre o tipo de veículo que o participante referiu conduzir mais frequentemente e foi categorizada em: “motorista”, para os que referiram automóvel ou outros veículos de quatro ou mais rodas, e “motociclista”, para os que referiram motocicleta, motoneta ou ciclomotor;

  • Relacionadas aos AT: tipo; número de veículos envolvidos; local da ocorrência e período do dia; uso de equipamento de segurança; ingestão de bebida alcoólica (até seis horas antes); acidente relacionado ao trabalho; lesão física; região do corpo atingida; atendimento pré-hospitalar e em serviço de emergência; internação hospitalar; interrupção de atividades habituais de vida (trabalho, estudos, lazer, afazeres domésticos).

A análise dos dados foi feita com o programa Stata 10.0. Foram estimadas incidências cumulativas de AT, que foram ponderadas pelo procedimento svy, o qual considera o tipo de amostragem utilizada. O peso foi considerado como o inverso do produto entre a probabilidade de inclusão do conglomerado (SC) e a taxa de resposta em cada conglomerado. Para comparação das incidências entre os tipos de condutores, o modelo de regressão simples de Poisson, ponderado, foi empregado. Utilizou-se o teste do χ2 de Rao-Scott (p ≤ 0,05) para comparar proporções do AT segundo variáveis sociodemográficas, estratificadas segundo tipo de condutor, e comparar as características dos acidentes e suas consequências entre motoristas e motociclistas acidentados.

Optou-se por utilizar a denominação de incidência cumulativa como medida de frequência devido à natureza incidente do evento analisado2020. Santana VS, Cunha S. Estudos Transversais. In: Almeida Filho N, Barreto ML, editores. Epidemiologia e Saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 186-93..

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva, da Universidade Federal da Bahia (CAAE 13691013.5.0000.5030, parecer nº 249.611).

RESULTADOS

Da amostra de 1.572 condutores, 1.407 foram entrevistados e 165 pessoas não foram encontradas no domicílio em nenhuma das tentativas estipuladas para realização da entrevista. Um participante foi excluído da análise devido ao número de dados faltantes. Assim, o percentual de perda amostral situou-se em 10,6% e o grupo final do estudo foi constituído por 1.406 pessoas. Dentre essas, 39,0% eram motociclistas.

Observou-se que 147 condutores sofreram AT nos últimos 12 meses como condutores de veículo, o que representou incidência de 10,6% (para eventos com ou sem lesão), enquanto 4,3% dos participantes relataram ter sofrido AT que produziu ferimentos. Ao estratificar essas estimativas segundo o tipo de condutor, foram observadas diferenças estatisticamente significantes, com maior incidência de AT entre motociclistas, conforme pode ser visto na Tabela 1.

Tabela 1.
Incidências cumulativasa de acidentes de trânsito nos últimos 12 mesesb entre condutores de veículosc, razões de incidência e intervalos de confiança de 95%. Jequié, Bahia, 2013 (n = 1.406).

As proporções de envolvimento em AT apresentaram diferenças segundo categorias de faixa etária em ambos os grupos. Para outras características, foram encontradas diferenças nas proporções de acidentes de acordo com o tipo de condutor. Entre motociclistas, a incidência do evento foi maior para aqueles que não convivem com cônjuge (p < 0,001). Já entre motoristas, o envolvimento em AT se associou ao nível de instrução (p = 0,034), ocupação laboral (p = 0,026) e renda (p = 0,002), com maiores proporções para os que apresentavam nível superior completo (11,4%), que trabalhavam (9,5%) e tinham maior renda bruta mensal (12,1%) (Tabela 2).

Tabela 2.
Frequências absolutas e proporções de acidentes de trânsito entre condutores de veículosa segundo variáveis sociodemográficas. Jequié, Bahia, 2013 (n = 1.406).

Sobre as características dos AT, de modo geral, o tipo mais frequente foi a colisão entre automóvel e motocicleta, evento que respondeu por 32,6% dos 147 acidentes relatados. O segundo lugar foi ocupado por queda de moto (21,8%), veículo que esteve presente em 66,7% das ocorrências (dados não apresentados). Na Tabela 3 são exibidas outras características e condições dos condutores no momento do acidente. Dentre os motociclistas, 11,1% referiram ter ingerido bebida alcoólica antes do AT, proporção que não apresentou diferença estatística da observada para motoristas. Ocorrências relacionadas ao trabalho também não estiveram associadas ao tipo de condutor, diferentemente do que se observou para a interrupção de atividades habituais de vida (p = 0,003), referida por 33,3% dos condutores de moto (Tabela 3).

Tabela 3.
Frequências absolutas e relativas das características dos acidentes de trânsito e condições dos condutores de veículosa que foram vítimas de acidentes (com ou sem lesão física). Jequié, Bahia, 2013 (n = 147).

A proporção de acidentados que sofreram lesão física foi de 40,1%. Dentre esses, 88,1% eram motociclistas. Os tipos de lesões mais frequentes foram corte, laceração e contusão (47,7%), e as extremidades do corpo foram as partes mais atingidas (81,4%) (dados não apresentados). A Tabela 4 apresenta as frequências de lesões e utilização de serviços de saúde pelas vítimas, onde se verificam diferenças entre os tipos de condutores. A frequência de lesões foi maior entre motociclistas (p < 0,001), assim como o atendimento em serviços de emergência (p = 0,008).

Tabela 4.
Frequências absolutas e relativas de lesões e utilização de serviços de saúde pelos condutores de veículosa que foram vítimas de acidentes de trânsito (com ou sem lesão física). Jequié, Bahia, 2013 (n = 147).

DISCUSSÃO

Os AT foram abordados neste estudo por meio de inquérito de base populacional, o qual constitui estratégia ainda pouco adotada nas pesquisas epidemiológicas sobre o tema no Brasil. Os resultados encontrados reafirmam o potencial dos inquéritos na produção de informações complementares às bases de dados secundárias, pois possibilitou a captação de ocorrências de menor gravidade, contribuindo, dessa maneira, para o conhecimento da extensão desse grave problema de saúde pública.

Embora sejam escassos estudos nacionais com metodologia semelhante à desta pesquisa, foram observadas similaridades com achados obtidos pelos sistemas de informação em saúde e por outras investigações. As incidências cumulativas de AT mostraram magnitude elevada do evento na população de condutores, reafirmando a crescente vitimização desse grupo no país, pois corresponderam à maioria das vítimas atendidas por acidentes de transporte nas emergências desde 201199. Brasil. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes [Internet]. Brasília: CGIAE/Secretaria de Vigilância em Saúde-SVS ; 2011 [acessado em 25 set. 2015]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?viva/2011/viva11p.def
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, assim como nos resultados dos inquéritos nacionais realizados em 20081010. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RTI, Silva MMA, Pereira CA, Minayo MCS, et al. Análise das ocorrências das lesões no trânsito e fatores relacionados segundo resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - Brasil, 2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(9): 3679-87. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001000005
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e 20132121. Brasil. Sistema de Informações em Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Módulo de acidentes e violências - trânsito e trabalho [Internet]. Brasília: CGIAE/Secretaria de Vigilância em Saúde-SVS [acessado em 25 jan. 2016]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?pns/pnsoa.def
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.

A incidência geral estimada para ocorrências com lesão física mostrou-se superior à frequência nacional levantada pela PNAD 2008 (2,5%)1010. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RTI, Silva MMA, Pereira CA, Minayo MCS, et al. Análise das ocorrências das lesões no trânsito e fatores relacionados segundo resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) - Brasil, 2008. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16(9): 3679-87. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011001000005
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e pela PNS (3,1%)1111. Malta DC, Andrade SSCA, Gomes N, Silva MMA, Morais Neto OL, Reis AAC, et al. Lesões no trânsito e uso de equipamento de proteção na população brasileira, segundo estudo de base populacional. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21(2): 399-410. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.23742015
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, cujos resultados abrangem todos os usuários da via. Vale ressaltar que o envolvimento em AT independentemente da produção de lesões corporais não foi objeto dos inquéritos acima mencionados, o que sugere persistência de lacuna no conhecimento a respeito de eventos mais leves, os quais, apesar de não causarem ferimentos graves, podem levar a repercussões de outra natureza.

As incidências estratificadas por tipo de condutor realçam a situação de maior vitimização dos motociclistas, corroborando diferenças observadas em âmbito nacional2121. Brasil. Sistema de Informações em Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Módulo de acidentes e violências - trânsito e trabalho [Internet]. Brasília: CGIAE/Secretaria de Vigilância em Saúde-SVS [acessado em 25 jan. 2016]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?pns/pnsoa.def
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, onde as motos têm sido protagonistas da epidemia de acidentes. Tal quadro parece ser um problema contemporâneo compartilhado por outros países de média renda2222. Dandona R, Kumar GA, Raj TS, Dandona L. Patterns of road traffic injuries in a vulnerable population in Hyderabad, India. Inj Prev 2006; 12(3): 183-8. https://dx.doi.org/10.1136%2Fip.2005.010728
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,2323. Saadat S, Soori H. Epidemiology of traffic injuries and motor vehicles utilization in the Capital of Iran: A population based study. BMC Public Health 2011; 11: 488. https://doi.org/10.1186/1471-2458-11-488
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, que demonstram riscos mais elevados de acidentes para motociclistas. Em pesquisa realizada na Índia foi encontrada alta incidência (26,4%) de AT, com ou sem lesão, entre condutores de moto2222. Dandona R, Kumar GA, Raj TS, Dandona L. Patterns of road traffic injuries in a vulnerable population in Hyderabad, India. Inj Prev 2006; 12(3): 183-8. https://dx.doi.org/10.1136%2Fip.2005.010728
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. Esse país compõe, junto ao Brasil, o grupo das dez nações envolvidas na iniciativa global de redução das lesões relacionadas ao trânsito55. Peden M. Road safety in 10 countries. Inj Prev 2010; 16(6): 433. https://doi.org/10.1136/ip.2010.030155
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. No Irã, a incidência cumulativa de AT com lesão para motociclistas foi de 9,5%, contrastando com 1,0% entre condutores de carro2323. Saadat S, Soori H. Epidemiology of traffic injuries and motor vehicles utilization in the Capital of Iran: A population based study. BMC Public Health 2011; 11: 488. https://doi.org/10.1186/1471-2458-11-488
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.

Os maiores riscos de AT sustentados pelos condutores de motocicleta decorrem de um conjunto de fatores, dentre os quais se podem destacar as condutas arriscadas assumidas no trânsito por esse grupo, o qual é constituído, em grande parte, por pessoas jovens, com menos experiência na condução de veículos2323. Saadat S, Soori H. Epidemiology of traffic injuries and motor vehicles utilization in the Capital of Iran: A population based study. BMC Public Health 2011; 11: 488. https://doi.org/10.1186/1471-2458-11-488
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. Tão determinante quanto isso é a falta de investimento em infraestrutura viária capaz de proteger os usuários mais vulneráveis da via, já que, historicamente, o trânsito tem sido um espaço de circulação que privilegia o automóvel em detrimento dos demais usuários, colocados na condição de cidadãos inferiores nesse ambiente44. Vasconcellos EA. Políticas de Transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. Barueri: Manole; 2013., contribuindo, então, para o aumento das tensões entre esses grupos.

Assim, novas demandas de segurança viária se impõem quando outros meios de mobilidade individual, tais como a motocicleta, se consolidam como alternativas de transporte acessíveis para grande parte da população, especialmente em cidades de menor porte. Com efeito, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicle­tas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares enfatiza que o avanço do consumo desse tipo de veículo em regiões do interior se deu pela versatilidade do seu uso, suprindo necessidades diversas em regiões menos favorecidas2424. Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares. Anuário da Indústria Brasileira de Duas Rodas [Internet]. Brasil: Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares; 2016 [acessado em 23 jan. 2017]. Disponível em: Disponível em: http://www.abraciclo.com.br
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.

A maior vitimização de ocupantes de moto em Jequié tem em sua gênese determinantes relacionados a questões da mobilidade urbana, como aumento exorbitante da frota de motocicletas que, desde 2007, supera o número de automóveis e demais veículos juntos, chegando a representar 50,3% da frota total em 20131616. Brasil. Departamento Nacional de Trânsito. Frota de veículos [Internet]. Brasil: Departamento Nacional de Trânsito [acessado em 1º jun. 2014]. Disponível em: Disponível em: http://www.denatran.gov.br/frota.htm
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. Dessa maneira, o veículo atende às demandas de transporte da população e como instrumento de trabalho. Acredita-se que tais determinantes também são compartilhados por outros municípios de médio porte no país, o que coloca em pauta a preocupante situação dos usuários de moto nesses locais e a possível negligência das questões de segurança nos deslocamentos viários fora dos grandes centros urbanos.

Notou-se que o evento ocorreu sem distinção entre homens e mulheres, resultado que surpreendeu os autores. A ausência de associação entre ocorrência de AT e sexo diverge de grande parte da literatura da área, que aponta os homens como os que apresentam riscos mais elevados de acidentes11. World Health Organization. Global status report on road safety: time for action. Genebra: World Health Organization; 2009.,1111. Malta DC, Andrade SSCA, Gomes N, Silva MMA, Morais Neto OL, Reis AAC, et al. Lesões no trânsito e uso de equipamento de proteção na população brasileira, segundo estudo de base populacional. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21(2): 399-410. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.23742015
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,2525. Seerig LM, Bacchieri G, Nascimento GG, Barros AJD, Demarco FF. Use of motorcycle em Brazil: users profile, prevalence of use and traffic accidents occurrence - a population-based study. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21(12): 3703-10. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.28212015
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. Entretanto, com a intensa motorização ao longo dos anos, observa-se participação crescente das mulheres como condutoras de veículos e, mais recentemente, na condução de motocicletas. Em 2005, 19% das vendas desse veículo eram destinadas às pessoas do sexo feminino, participação que atingiu 25% em 2015. Nesse mesmo ano, do total de mulheres habilitadas no país, 28,2% possuíam categoria da CNH que permitia a condução desse veículo2424. Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares. Anuário da Indústria Brasileira de Duas Rodas [Internet]. Brasil: Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares; 2016 [acessado em 23 jan. 2017]. Disponível em: Disponível em: http://www.abraciclo.com.br
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. Tal fato coloca as mulheres em maior exposição ao trânsito e pode contribuir para a redução das diferenças na frequência de AT entre os sexos. Já a respeito da idade, verificou-se consistência dos achados com a literatura científica2121. Brasil. Sistema de Informações em Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Módulo de acidentes e violências - trânsito e trabalho [Internet]. Brasília: CGIAE/Secretaria de Vigilância em Saúde-SVS [acessado em 25 jan. 2016]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?pns/pnsoa.def
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,2525. Seerig LM, Bacchieri G, Nascimento GG, Barros AJD, Demarco FF. Use of motorcycle em Brazil: users profile, prevalence of use and traffic accidents occurrence - a population-based study. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21(12): 3703-10. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.28212015
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Para outras características sociodemográficas, verificou-se que o evento variou de acordo com o tipo de condutor, o que sugere um padrão diferenciado de envolvimento segundo a categoria de usuário da via. No que tange aos motoristas, o AT apresentou-se mais frequente entre pessoas de maior escolaridade e maior renda mensal. Para essa última variável, embora não se tenha encontrado associação com AT entre condutores de moto, observou-se que as proporções de envolvimento em acidentes aumentavam à medida que reduziam os níveis de renda. Essa relação inversa também foi notada para o nível de instrução. Desse modo, há indicativos de que, mesmo já fazendo parte de um grupo vulnerável no trânsito, a vitimização pode ser ainda maior entre os que possuem pior condição socioeconômica.

No que se refere às circunstâncias dos AT, destaca-se o referimento de condutas ilegais no trânsito, como o comportamento de dirigir após ingestão de bebidas alcoólicas. Chamou atenção a proporção dessa conduta entre condutores de moto, pois revela uma relação demasiadamente arriscada no trânsito, devido à natureza vulnerável desse veículo. Com efeito, dados do VIVA 20142626. Mascarenhas MDM, Souto RMCV, Malta DC, Silva MMA, Lima CM, Montenegro MMS. Características de motociclistas envolvidos em acidentes de transporte atendidos em serviços públicos de urgência e emergência. Ciênc Saúde Coletiva 2016; 21(12): 3661-71. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.24332016
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mostram que 13,3% dos motociclistas vítimas de AT haviam consumido bebida alcóolica.

Quanto às consequências dos AT, observaram-se diferenças que revelam maior impacto dos acidentes sobre motociclistas, ocasionando nesse grupo mais interrupção de atividades habituais, mais lesões corporais e utilização de serviços de saúde. Tal quadro condiz com a condição de vulnerabilidade dos ocupantes de motocicleta que, devido à maior exposição do corpo, apresentam maiores riscos de lesões graves e óbitos comparados aos ocupantes de automóveis, mais protegidos por dispositivos e barreiras disponíveis nesse tipo de veículo2727. Keall MD, Newstead S. Analysis of factors that increase motorcycle rider risk compared to car driver risk. Accid Anal Prev 2012; 49: 23-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.aap.2011.07.001
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. Consequentemente, motociclistas acabam por gerar considerável demanda por serviços de saúde, desde pré-hospitalares até de reabilitação, acarretando perda produtiva e elevados custos socioeconômicos22. World Health Organization. Global status report on road safety 2013: supporting a decade of action. Genebra: World Health Organization; 2013..

Sobre limitações da pesquisa, citam-se os vieses de sobrevivência, decorrentes do estudo transversal, e de autorrelato, para questões sobre condutas ilegais. Além disso, não foi possível alcançar o tamanho amostral, pois alguns condutores não foram encontrados após todas as tentativas estipuladas para entrevista, e não foi previsto cálculo de valor adicional para amostra. Contudo, acredita-se que as perdas não tenham impactado negativamente o poder das análises, uma vez que grande parte dos resultados foi consistente com dados dos sistemas de informação do país e da literatura citada.

CONCLUSÃO

O estudo permitiu estimar incidências de um grave problema de saúde pública no país e revelou diferenças no evento entre grupos de condutores. Em conclusão, veem-se jovens motociclistas, sob relativa vulnerabilidade social, apresentando elevados riscos de AT em centro urbano de médio porte do interior da Bahia, com lesões físicas e demandas por serviços de saúde. Políticas públicas de prevenção de AT podem conter o que se tornou uma verdadeira epidemia de lesões e mortes no trânsito no Brasil, sobretudo nos municípios de médio e pequeno porte, com pouco ou nenhum investimento no sistema viário. Especial atenção deve ser direcionada para a proteção dos mais vulneráveis nesse sistema, com infraestrutura viária planejada com base nas suas características e necessidades para, assim, permitir deslocamentos seguros; além do fortalecimento das medidas educativas e fiscalizadoras no trânsito.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Conselho de Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o apoio financeiro (Chamada Universal MCTI/CNPq nº 14/2013); à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), o edital que permitiu a participação de bolsistas de iniciação científica no projeto (nº BOL2817/2015); ao Instituto de Saúde Coletiva, da Universidade Federal da Bahia, e à Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, o apoio institucional.

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  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Chamada Universal MCTI/CNPq nº 14/2013 - processo nº 484992/2013-9) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), edital nº 068/2012 - Convênio UESB-FAPESB.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2018
  • Revisado
    28 Ago 2018
  • Aceito
    27 Set 2018
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br