Vacinação universal contra hepatite A no Brasil: análise da cobertura vacinal e da incidência cinco anos após a implantação do programa

Wagner Izidoro de Brito Francisco José Dutra Souto Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

Em 2014, o Brasil introduziu programa de imunização universal contra o vírus da hepatite A (HAV) para crianças no segundo ano de vida, por meio de dose única da vacina de vírus inativado. Este estudo teve como objetivo avaliar a cobertura vacinal (CV) contra o HAV no Brasil, diante da incidência de casos notificados cinco anos após a implantação do programa.

Metodologia:

Dados secundários foram obtidos pesquisando-se sítios eletrônicos de acesso livre do Ministério da Saúde, Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), para análise de incidência e CV.

Resultados:

A CV variou entre 60,13 e 97,07%. A homogeneidade da CV contra hepatite A nos estados ficou aquém da meta estabelecida. Após 2015, houve queda da CV em todas as regiões do país. Apesar da cobertura insuficiente, houve redução concomitante da incidência da hepatite A em todo o Brasil. A taxa de incidência caiu de 3,29 para 0,80/100 mil entre 2014 e 2018. No entanto, ocorreu diminuição da velocidade de queda da incidência entre 2017 e 2018, o que pode ser consequência dos percentuais insuficientes de CV. Esse fenômeno parece acompanhar tendência geral de enfraquecimento do esforço vacinal no país, verificado também para outras vacinas, como poliomielite e tríplice viral.

Conclusão:

Esses números sugerem a necessidade de esforços para melhorar as taxas de CV da hepatite A no país.

Palavras-chave:
Hepatite A; Incidência; Vacina contra hepatite A; Cobertura vacinal

INTRODUÇÃO

A hepatite A é uma infecção viral aguda de transmissão fecal-oral prevalente em todo o mundo, especialmente em países com condições econômicas e sanitárias precárias11. Jacobsen KH, Koopman JS. The effects of socioeconomic development on worldwide hepatitis A virus seroprevalence patterns. Int J Epidemiol 2005; 34(3): 600-9. https://doi.org/10.1093/ije/dyi062
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. A infecção costuma ser assintomática ou branda na infância, raramente alguns casos podem evoluir para falência hepática aguda e morte22. Ciocca M. Clinical course and consequences of hepatitis A infection. Vaccine 2000; 18(Supl. 1): S71-4. https://doi.org/10.1016/s0264-410x(99)00470-3
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.

Em países com melhores condições sanitárias, a exposição ao vírus da hepatite A (HAV) é menos frequente, acometendo as pessoas mais tardiamente na vida11. Jacobsen KH, Koopman JS. The effects of socioeconomic development on worldwide hepatitis A virus seroprevalence patterns. Int J Epidemiol 2005; 34(3): 600-9. https://doi.org/10.1093/ije/dyi062
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. No Brasil, como em outros países emergentes, foi demonstrada queda nos níveis endêmicos da infecção pelo HAV, atribuíveis à urbanização crescente da população e a melhorias do saneamento básico nos maiores centros urbanos, desde o fim do século passado, sobretudo no sul-sudeste do país33. Vitral CL, Gaspar AM, Souto FJ. Epidemiological pattern and mortality rates for hepatitis A in Brazil, 1980 - 2002: a review. Mem Inst Oswaldo Cruz 2006; 101(2): 119-27. https://doi.org/10.1590/S0074-02762006000200001
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. Inquérito de base populacional de soroprevalência de infecção pelo HAV, realizado entre 2004 e 2009, envolvendo indivíduos de 5 a 19 anos, residentes das 27 capitais brasileiras, demonstrou que o país apresentava áreas de endemicidade intermediária (norte, nordeste, centro-oeste e Distrito Federal) e de baixa endemicidade (sudeste e sul)44. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim epidemiológico: hepatites virais [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [acessado em 11 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/periodicos/boletim_hepatites_2011.pdf
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Além da melhoria das condições sanitárias, a vacinação universal de crianças é importante ferramenta para controlar a circulação do HAV e diminuir a incidência da doença. Imunógenos contra o HAV estão disponíveis desde os anos 1990, sendo a vacina monovalente de vírus inativado a mais utilizada. Duas doses são recomendadas, com a segunda aplicação entre 6 e 18 meses depois da primeira, no entanto a vacina é muito cara, limitando sua implementação em larga escala a países com melhores condições econômicas55. Stuurman AL, Marano C, Bunge EM, Moerlooze L, Shouval D. Impact of universal mass vaccination with monovalent inactivated hepatitis A vaccines - A systematic review. Hum Vaccin Immunother 2017; 13(3): 724-36. https://doi.org/10.1080/21645515.2016.1242539
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,66. Brasil. Ministério da Saúde. Informe técnico da introdução da vacina adsorvida hepatite A (inativada) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2014 [acessado em 29 mar. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/junho/26/Informe-t--cnico-vacina-hepatite-A-junho-2014.pdf
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Países que instituíram vacinação em massa contra o HAV (Argentina, Bélgica, China, Grécia, Israel, Panamá, Estados Unidos e Uruguai) observaram diminuição acentuada na incidência da doença. Os declínios ocorreram independentemente da marca da vacina usada nos programas, do número de doses administradas, da idade alvo na primeira vacinação, que variou de 12 a 24 meses, ou da cobertura vacinal atingida (faixa de 25 a 96,8%). Após a introdução, a redução percentual na incidência foi de 88% na Argentina, > 95% em Israel, 93% no Panamá e 96% no Uruguai55. Stuurman AL, Marano C, Bunge EM, Moerlooze L, Shouval D. Impact of universal mass vaccination with monovalent inactivated hepatitis A vaccines - A systematic review. Hum Vaccin Immunother 2017; 13(3): 724-36. https://doi.org/10.1080/21645515.2016.1242539
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Em 2005, a Argentina foi o primeiro país a introduzir a vacina monovalente de vírus inativado contra o HAV no calendário infantil, com esquema de dose única, para crianças de 12 meses de idade. A opção pela dose única foi um modo de diminuir os custos. Essa decisão foi baseada em estudos mostrando elevados títulos de resposta humoral após a primeira dose da vacina77. Gentile Á, Ramonet MD, Ciocca M. La introducción de la vacuna contra la hepatitis A en el Calendario Nacional de Vacunación: unanuevarealidade: Hepatitis A immunisation in the argentinean mandatory schedule. Arch Argent Pediatr 2013; 111(2): 155-61.,88. Parada L. Vacinação contra Hepatite A (Experiência da Argentina) [Internet]. Rio Grande do Sul; 2015 [acessado em 8 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: https://slideplayer.com.br/slide/1654124/
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. A Organização Mundial da Saúde (OMS), baseando-se em experiências como essa, recomenda que países com menos recursos financeiros considerem adotar o esquema alternativo de dose única99. WHO position paper on hepatitis A vaccine - June 2012-recommendations. Vaccine 2013; 31(2): 285-6. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2012.10.102
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Em 2014, o Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde (MS) do Brasil, implantou programa de vacinação contra hepatite A semelhante ao argentino, disponibilizando única dose da vacina monovalente de vírus inativado. A vacinação foi iniciada no segundo semestre de 2014. Nessa época, o alvo eram crianças entre 15 e 24 meses de vida. Em 2017, o PNI ampliou a vacinação para crianças com menos de cinco anos de idade, para atingir as crianças que não foram vacinadas no início do programa66. Brasil. Ministério da Saúde. Informe técnico da introdução da vacina adsorvida hepatite A (inativada) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2014 [acessado em 29 mar. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/junho/26/Informe-t--cnico-vacina-hepatite-A-junho-2014.pdf
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,1010. Brasil. Ministério da Saúde. Nota informativa sobre mudanças no calendário nacional de vacinação para o ano de 2017 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2017 [acessado em 29 mar. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/28/Nota-Informativa-384-Calendario-Nacional-de-Vacinacao-2017.pdf
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O esquema com única dose da vacina monovalente de vírus inativado contra o HAV pode ser a solução para muitos países em desenvolvimento55. Stuurman AL, Marano C, Bunge EM, Moerlooze L, Shouval D. Impact of universal mass vaccination with monovalent inactivated hepatitis A vaccines - A systematic review. Hum Vaccin Immunother 2017; 13(3): 724-36. https://doi.org/10.1080/21645515.2016.1242539
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,99. WHO position paper on hepatitis A vaccine - June 2012-recommendations. Vaccine 2013; 31(2): 285-6. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2012.10.102
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. Já existem evidências de que crianças vacinadas pelo programa nacional atingem alta taxa de soroconversão com apenas uma dose1111. Brito WI, Alves-Junior ER, Oliveira RM, Souto FJD. Initial evaluation of universal immunization with a single dose against hepatitis A virus in Central Brazil. Braz J Infect Dis 2018; 22(3): 166-70., contudo é de extrema relevância avaliar os programas que adotaram esse esquema vacinal55. Stuurman AL, Marano C, Bunge EM, Moerlooze L, Shouval D. Impact of universal mass vaccination with monovalent inactivated hepatitis A vaccines - A systematic review. Hum Vaccin Immunother 2017; 13(3): 724-36. https://doi.org/10.1080/21645515.2016.1242539
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,66. Brasil. Ministério da Saúde. Informe técnico da introdução da vacina adsorvida hepatite A (inativada) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2014 [acessado em 29 mar. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2015/junho/26/Informe-t--cnico-vacina-hepatite-A-junho-2014.pdf
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Além das análises epidemiológicas na incidência, a avaliação dos programas de imunização também é realizada pelo monitoramento da cobertura vacinal (CV). Esses indicadores representam importante instrumento para a avaliação operacional e de impacto sobre os programas de imunização1212. Brasil. Ministério da Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2008 [acessado em 22 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/livroidb/2ed/indicadores.pdf
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,1313. Brasil. Ministério da Saúde. Coberturas vacinais no Brasil: Período: 2010-2014 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015 [acessado em 18 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/agosto/17/AACOBERTURAS-VACINAIS-NO-BRASIL---2010-2014.pdf
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O conhecimento da extensão da CV em crianças é de suma importância para as ações de vigilância epidemiológica, pois permite identificar a parcela de indivíduos suscetíveis a doenças imunopreveníveis, além de aprimorar as estratégias de imunidade em massa como barreira efetiva para a interrupção da transmissão dessas doenças.1212. Brasil. Ministério da Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2008 [acessado em 22 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/livroidb/2ed/indicadores.pdf
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A CV é mensurada por meio do percentual de indivíduos vacinados e calculada para cada tipo de vacina, de acordo com determinado espaço geográfico, população-alvo e ano considerado. Em grande parte, a população-alvo utilizada para cálculo das coberturas vacinais infantis leva em consideração o número de nascidos vivos, obtidos do Sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos (SINASC). As metas da CV são estabelecidas de acordo com a população alvo e esquema de cada vacina. Para a vacina hepatite A inativada é considerada adequada a vacinação de > 95% da população-alvo (crianças com um ano de idade)1212. Brasil. Ministério da Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2008 [acessado em 22 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/livroidb/2ed/indicadores.pdf
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,1313. Brasil. Ministério da Saúde. Coberturas vacinais no Brasil: Período: 2010-2014 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015 [acessado em 18 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/agosto/17/AACOBERTURAS-VACINAIS-NO-BRASIL---2010-2014.pdf
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As CV, além de adequadas, precisam ser homogêneas. A homogeneidade é indicador de eficiência e desempenho do PNI e caracteriza-se pela obtenção dos índices de 70% ou mais dos municípios de um estado, que conseguiu atingir a meta de CV para determinada vacina1212. Brasil. Ministério da Saúde. Indicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2008 [acessado em 22 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/livroidb/2ed/indicadores.pdf
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,1313. Brasil. Ministério da Saúde. Coberturas vacinais no Brasil: Período: 2010-2014 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015 [acessado em 18 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/agosto/17/AACOBERTURAS-VACINAIS-NO-BRASIL---2010-2014.pdf
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Dessa forma, com o objetivo de avaliar a cobertura vacinal da hepatite A no Brasil e sua relação com a incidência dos casos novos notificados, realizou-se análise retrospectiva desses indicadores cinco anos após a implantação do programa (2014 a 2018).

METODOLOGIA

Os dados da CV, já calculadas e disponíveis em percentuais, foram obtidos do site oficial do MS em 20 de abril de 20191414. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunização. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2019. [acessado em: 20 abril 2019]. Disponível em: Disponível em: http://sipni.datasus.gov.br/si-pni-web/faces/inicio.jsf
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A tabulação abrangeu o âmbito nacional, filtrando-se os dados por região, unidade da federação (UF) e municípios1414. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunização. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2019. [acessado em: 20 abril 2019]. Disponível em: Disponível em: http://sipni.datasus.gov.br/si-pni-web/faces/inicio.jsf
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. As informações extraídas foram exportadas para arquivo Excel (versão 2013) para serem analisadas. A atualização dos dados no site remonta a 10 de abril de 2019.

Seguindo-se os parâmetros de análise do PNI, os resultados da CV em regiões e UF foram agrupados em: até < 49,99%; entre 49,99 e 94,99% e > 94,99%1515. Brasil. Ministério da Saúde. Queda nos índices das coberturas vacinais no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2018 [acessado em 9 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/2018_encm_magdarodrigues.pdf
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Quanto à homogeneidade, os resultados foram descritos conforme o parâmetro de 70% ou mais dos municípios de unidade federada com CV adequada1313. Brasil. Ministério da Saúde. Coberturas vacinais no Brasil: Período: 2010-2014 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015 [acessado em 18 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/agosto/17/AACOBERTURAS-VACINAIS-NO-BRASIL---2010-2014.pdf
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O número de casos novos confirmados de hepatite A foi extraído do Sistema de Informação de Agravos de Notificações (SINAN), disponibilizado no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)1616. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Informações de Saúde (TABNET). Epidemiológicas e Morbidade. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2019. [acessado em: 20 abril 2019]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/hepabr.def
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. A tabulação abrangeu informações entre 2014 e 2018 por região e UF. Após as tabulações, os números foram exportados para arquivo em Excel (versão 2013) para a realização dos cálculos das taxas de incidência. A taxa foi calculada pelo número de casos novos confirmados de hepatite A, segundo critério laboratorial (Anti-HAV IgM reagente) ou clínico epidemiológico, por ano de notificação e local de residência dividido pela população total do mesmo ano e do mesmo local, sendo o resultado multiplicado por 100 mil.

O número utilizado no denominador para o cálculo da taxa de incidência teve como fonte as estimativas de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponibilizado no site do DATASUS1717. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Informações de Saúde (TABNET). Demográficas e Socioeconômicas. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2019. [acessado em: 20 abril 2019]. Disponível em: Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?ibge/cnv/poptuf.def
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RESULTADOS

No Brasil, no período de agosto de 2014 a dezembro de 2018, o total de 11.397.607 crianças com menos de 2 anos de idade foi vacinado com dose única da vacina de vírus inativado contra o HAV monovalente (Vaqta™ Ped/Adol, Merck Sharp & Dohme - aproximadamente 25 U do antígeno do HAV).

A CV da vacina de hepatite A inativada no Brasil variou entre 60,13 e 97,07%, no período observado. Em 2014, houve maior CV na Região Sul (70,72%), seguida da Região Sudeste (66,90%). A menor cobertura foi na Região Norte (36,25%). No ano de 2015, a CV esteve entre 86,67 e 101,63%. De 2016 a 2018, a média da CV nas regiões não ultrapassou 87% (Figura 1).

Figura 1.
Cobertura vacinal* contra hepatite A segundo regiões do Brasil, 2014-2018.

Quando consideradas as UF, no ano de 2014, sete estados tiveram CV de até 49,99% (Acre, Amazonas, Pará, Amapá, Maranhão, Rio Grande do Norte e Paraíba). Os outros 19 estados, bem como o Distrito Federal, tiveram CV entre 49,99 e 94,99%. No ano de 2015, Distrito Federal e 11 estados apresentaram CV entre 49,99 e 94,99%, e os outros 15 estados apresentaram CV acima de 94,99% (Rondônia, Amazonas, Roraima, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso). Em 2016, os 26 estados brasileiros registraram CV entre 49,99 e 94,99%. Apenas o Distrito Federal registrou CV acima de 94,99%. Em 2017, todas as UF apresentaram CV entre 49,99 e 94,99%, com exceção do Ceará, que teve CV acima de 94,99%. Já em 2018, todas as unidades federadas registraram CV entre 49,99 e 94,99% (Tabela 1).

Tabela 1.
Cobertura vacinal* da hepatite A segundo Unidade da Federação (UF) do Brasil, 2014 a 2018.

A homogeneidade da CV da hepatite A no Brasil variou entre 14,04 e 62,30%. Nos anos de 2014, 2016 e 2018 nenhum estado alcançou o percentual de ≥ 70%. Em 2015, seis estados atingiram ≥ 70%: Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Rondônia e São Paulo. Em 2017, somente o Ceará atingiu a meta de ≥ 70%.

A taxa de incidência da hepatite A no Brasil, durante o período avaliado, variou entre 3,29 e 0,47 casos por 100 mil habitantes. No mesmo período, essa taxa esteve entre 17,18 e 0,20/100 mil habitantes, quando consideradas as cinco macrorregiões brasileiras. Em 2014 houve maior incidência na Região Norte (17,18/100 mil) e menor na Região Sul (0,64/100 mil). No ano de 2015, novamente o norte apresentou maior incidência (8,58/100 mil) e a Região Sul a menor (0,52/100 mil). Em 2016, houve maior incidência na Região Norte (2,17/100.000) e menor no sudeste (0,22/100 mil). Já em 2017, a Região Sudeste registrou a maior incidência (1,58/100 mil) e o nordeste a menor (0,28/100.000). Quanto a 2018, a situação repetiu-se, com o sudeste apresentando a maior incidência (1,30/100 mil) e o nordeste a menor (0,20/100 mil) (Figura 2).

Figura 2.
Taxa de incidência por 100 mil habitantes dos casos confirmados de hepatite A*, segundo região de residência por ano de notificação, Brasil, 2014-2018.

Em relação à incidência, quando observada por UF, percebe-se variação no decorrer dos anos analisados (Tabela 2). Constatou em 2014 maior incidência nos estados do Amapá (52,74/100 mil), seguido de Acre (27,46/100 mil), Amazonas (26,74), Roraima (25,96/100 mil) e Tocantins (18,24/100 mil). No ano de 2015 Amapá apresentou incidência de 26,22/100 mil, Tocantins de 18,68/100 mil, Acre de 12,07/100 mil, Amazonas de 8,61/100 mil e Roraima de 8,50/100 mil. Em 2016 apenas três estados apresentaram incidência acima de 3,00/100 mil habitantes: Acre (8,82/100 mil), Amapá (4,86/100 mil) e Roraima (3,50/100 mil). Já em 2017, os estados Acre, Amapá, São Paulo e Roraima registraram as maiores incidências: 4,46/100 mil, 4,39/100 mil, 2,35/100 mil e 1,72/100 mil, respectivamente. No ano de 2018, incidências elevadas foram observadas em Roraima (3,82/100 mil), Rio de Janeiro (2,53/100 mil), Acre (1,61/100 mil), Amapá (1,45/100 mil) e São Paulo (1,31/100 mil).

Tabela 2.
Casos confirmados e taxa de incidência de hepatite A* segundo Unidade da Federação (UF) de residência e ano de notificação, Brasil, 2014-2018.

DISCUSSÃO

Até 2014, a vacinação contra hepatite A no Brasil, pelo SUS, estava disponível apenas para indivíduos com maior risco de desenvolver formas graves da doença, como por exemplo: pessoas com hepatopatia crônica, portadores de vírus de hepatite B ou C, indivíduos com coagulopatias, crianças menores de 13 anos com HIV/AIDS, pessoas com imunossupressão, entre outras1818. Brasil. Ministério da Saúde. Relatório de Recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS - CONITEC 22: Hepatite A [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2013 [acessado em 17 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Incorporados/VacinaHepatite-final.pdf
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No ano de implantação da vacinação universal em crianças, a CV demonstrou-se baixa em todo o país (60,13%). Nenhuma UF apresentou CV acima do preconizado pelo MS, possivelmente porque a vacinação começou no segundo semestre de 2014 e visava atingir crianças nascidas entre 2012 e 2013, conforme calendário vacinal da época. Logo, a baixa cobertura pode ser explicada pela falta de tempo em vacinar a população-alvo. Para sanar essa falha de cobertura em 2014, decidiu-se estender a vacinação em 2017 para os menores de cinco anos, na tentativa de recuperar (catch-up) os não vacinados das coortes a partir de 20131010. Brasil. Ministério da Saúde. Nota informativa sobre mudanças no calendário nacional de vacinação para o ano de 2017 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2017 [acessado em 29 mar. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/dezembro/28/Nota-Informativa-384-Calendario-Nacional-de-Vacinacao-2017.pdf
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Em 2015, o Brasil apresentou CV expressiva, ultrapassando a meta estabelecida de ≥ 95%. A vacinação de parte dos elegíveis não alcançados no ano anterior deve explicar esse bom desempenho. Nos anos subsequentes, houve queda da CV em todas as regiões e em grande parte dos estados. A queda na CV não foi fenômeno exclusivo da vacina hepatite A inativada, estendendo-se praticamente para todas as vacinas do calendário de vacinação infantil (tríplice viral, poliomielite, hepatite B, rotavírus e outras)1515. Brasil. Ministério da Saúde. Queda nos índices das coberturas vacinais no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2018 [acessado em 9 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/2018_encm_magdarodrigues.pdf
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,1919. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A queda da imunização no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2018 [acessado em 24 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.conass.org.br/queda-da-imunizacao-no-brasil/
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, fato que reforça a necessidade de intensificar estratégias de educação em saúde, levando informações adequadas à população, sobretudo, quanto aos benefícios da vacinação.

Segundo o MS, o sucesso das ações de imunização causou falsa sensação de que não há mais necessidade de vacinação1515. Brasil. Ministério da Saúde. Queda nos índices das coberturas vacinais no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2018 [acessado em 9 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/2018_encm_magdarodrigues.pdf
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. Além disso, a queda da vacinação pode estar relacionada aos horários de funcionamento das unidades de saúde, incompatíveis com as rotinas de mães ou responsáveis por levar as crianças para vacinar, dificultando assim o acesso ao serviço de imunização1515. Brasil. Ministério da Saúde. Queda nos índices das coberturas vacinais no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2018 [acessado em 9 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/2018_encm_magdarodrigues.pdf
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.

Estudos explicam ainda que a queda da CV infantil pode estar relacionada à hesitação vacinal. Indivíduos hesitantes situam-se entre dois extremos e constituem grupos heterogêneos: alguns aceitam apenas algumas vacinas e outros as atrasam propositalmente, não aceitando o esquema vacinal recomendado. Em proporção menor, há aqueles que recusam apenas algumas vacinas e aqueles que ainda têm dúvidas sobre benefícios e riscos da vacina. A hesitação vacinal vem consolidando-se como uma das principais preocupações de gestores e sanitaristas brasileiros2020. Sato APS. Qual a importância da hesitação vacinal na queda das coberturas vacinais no Brasil? Rev Saúde Pública 2018; 52: 96. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052001199
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,2121. Brown AL, Sperandio M, Turssi CP, Leite RMA, Berton VF, Succi RM, et al. Vaccine confidence and hesitancy in Brazil. Cad Saúde Pública 2018; 34(9). https://doi.org/10.1590/0102-311x00011618
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.

Outro aspecto importante que pode ter influenciado a redução da CV no Brasil foi a mudança do sistema de informação do PNI em 2014. O sistema que antes era alimentado de acordo com as doses aplicadas, passou para o registro nominal, sendo alimentado nas salas de vacinas dos municípios. O novo sistema, denominado de SI-PNI, além de equipamentos e logística, depende de pessoal treinado para realizar a alimentação. São necessárias informações como nome completo, endereço, telefone, tipo de vacina aplicada etc., o que torna o processo mais complexo e exige mais organização1919. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A queda da imunização no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2018 [acessado em 24 abr. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.conass.org.br/queda-da-imunizacao-no-brasil/
https://www.conass.org.br/queda-da-imuni...
. É possível que dificuldades na implementação do novo sistema tenham resultado em menor registro das doses aplicadas, tornando imprecisos os dados de CV.

A falta da vacina hepatite A inativada, que ocorreu do início de 2016 ao fim de 2017, também contribuiu para a redução da CV no país. É importante mencionar que a vacina da hepatite A aplicada no Brasil é importada. Consequentemente, a utilização dessa vacina depende da liberação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS)2222. Brasil. Ministério da Saúde. Nota informativa 181 de 2015/CGPNI/DEVIT/SVS/MS: Informa acerca da situação da distribuição de imunobiológicos na rotina do mês de dezembro/2015 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015 [acessado em 17 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.itapecerica.mg.gov.br/imagens/editor/files/Nota%20Informativa%20181%20DEZEMBRO.pdf
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,2323. Brasil. Ministério da Saúde. Nota informativa nº 134-SEI/2017-CGPNI/DEVIT/SVS/MS: Informa acerca da situação da distribuição de imunobiológicos na rotina do mês de janeiro/2018 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2018 [acessado em 17 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: https://sbim.org.br/images/files/nota-informatiuva-ms-134.pdf
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.

Quanto à homogeneidade, os dados para o Brasil e respectivos estados mostram que a CV está bem aquém da meta de estabelecida pelo MS. Campanhas de vacinação devem ser fomentadas pelos municípios com números inadequados aproveitando-se de vacinação para outras doenças, como influenza ou sarampo, que têm mais apelo à população, realizadas preferencialmente aos finais de semana, como estratégia para melhorar a CV de modo mais uniforme.

Apesar da CV aquém da meta estabelecida, a incidência de notificações de hepatite A apresentou queda significativa no país, após a adoção da vacinação universal em crianças. A taxa de incidência caiu de 3,29 para 0,80/100 mil entre 2014 e 2018. Houve redução de casos em todas as faixas etárias, sugerindo efeito de imunidade de rebanho2424. Chodick G, Heymann AD, Ashkenazi S, Kokia E, Shalev V. Long-term trends in hepatitis A incidence following the inclusion of Hepatitis A vaccine in the routine nationwide immunization program. J Viral Hepat 2008; 15 (Supl. 2): 62-5. https://doi.org/10.1111/j.1365-2893.2008.01032.x
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,2525. Souto FJD, Brito WI, Fontes CJF. Impact of the single-dose universal mass vaccination strategy against hepatitis A in Brazil. Vaccine 2019; 37(6): 771-5. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2018.12.054
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. Mas a queda foi particularmente expressiva entre crianças com menos de cinco anos, com diminuição da incidência de 96,8% entre 2014 (949 casos) e 2017 (31 casos)2525. Souto FJD, Brito WI, Fontes CJF. Impact of the single-dose universal mass vaccination strategy against hepatitis A in Brazil. Vaccine 2019; 37(6): 771-5. https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2018.12.054
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. O número bruto de casos voltou a crescer em 2017, em relação ao ano anterior, em consequência de surto ocorrido principalmente em adultos masculinos no estado de São Paulo. 2626. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico: Hepatites Virais 2018 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde; 2018 [acessado em 31 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/julho/05/Boletim-Hepatites-2018.pdf
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. Fenômeno já descrito em outras áreas metropolitanas do mundo2727. Rivas V, Barrera A, Pino K, Núñez R, Caceres CJ, Lopez-Lastra M, et al. Hepatitis A outbreak since November 2016 affecting men who have sex with men (MSM) in Chile connected to the current outbreak in MSM in Europe, situation up to October 2017. Euro Surveill 2018; 23(9): 18-00060. https://doi.org/10.2807/1560-7917.es.2018.23.9.18-00060
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,2828. Werber D, Michaelis K, Hausner M, Sissolak D, Wenzel J, Bitzegeio J, et al. Ongoing outbreaks of hepatitis A among men who have sex with men (MSM), Berlin, November 2016 to January 2017 - linked to other German cities and European countries. Euro Surveill 2017; 22(5): 30457. https://doi.org/10.2807/1560-7917.es.2017.22.5.30457
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.

Atualmente, observa-se estabilização das taxas de incidência no país, mas em números inferiores aos registrados antes do início do programa de vacinação. Essa diminuição da queda na taxa de incidência pode estar relacionada à epidemia em adultos ocorrida no ano de 2017, entre homens de 20 a 39 anos, principalmente na Região Sudeste e possivelmente relacionado à prática sexual2626. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico: Hepatites Virais 2018 [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde; 2018 [acessado em 31 maio 2019]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/julho/05/Boletim-Hepatites-2018.pdf
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, mas pode também ter ocorrido porque a estratégia vacinal alcançou o ápice de efeitos positivos, derrubando drasticamente a incidência de casos em jovens no país. No entanto, como a meta de CV de vacinação contra o HAV só atingiu a meta pretendida (95%) em um dos cinco anos do programa (2015), variando nos demais anos de 60 a 82%, é possível que essa seja a causa de a queda das taxas de incidência ter estacionado. Em populações em que se introduziu a vacinação universal na infância, foi observada redução significativa na incidência da doença, mesmo com CV moderada (50-70%). Países como Austrália, Israel, Itália (na região de Puglia), Espanha (na Catalunha) e Estados Unidos, após implantação da vacinação universal na infância em seus calendários vacinais, reduziram substancialmente a incidência, os surtos, as taxas de mortalidade e as hospitalizações acarretadas pelo HAV2929. Hendrickx G, Van Herck K, Vorsters A, Wiersma S, Shapiro C, Andrus JK, et al. Has the time come to control hepatitis A globally? Matching prevention to the changing epidemiology. J Viral Hepat 2008; 15(Supl. 2): 1-15. https://doi.org/10.1111/j.1365-2893.2008.01022.x
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.

Estimativas de tendências na incidência de hepatite A por meio de notificações de casos ao Sistema de Vigilância Epidemiológica é sujeito a subestimação por subnotificação e ao fato de a infecção ser muitas vezes assintomática, contudo a subnotificação tem sido fator constante, tendo diminuído ao longo da década passada no país com a criação de políticas que reforçaram a vigilância em saúde e a importância da notificação de agravos. Portanto, não há razão para supor que a queda verificada nas notificações deve-se ao aumento abrupto da proporção de subnotificações.

CONCLUSÃO

O programa público de vacinação universal infantil contra o HAV pode ser considerado bem-sucedido, por conta da importante queda verificada na incidência da doença, no entanto as metas traçadas de CV não têm sido atingidas. Mesmo desconsiderando os anos de 2014 (só um semestre de vacinação) e 2015 (índices elevados pela recuperação de elegíveis de 2014) e o desabastecimento ocorrido em 2016 e 2017, as inadequadas CV observadas e a baixa homogeneidade verificada comprovam a tendência atual de descuido das ações de imunização no país. Vale lembrar que, com apenas uma dose a CV contra HAV não é difícil de ser atingida. É importante ressaltar que os estados com piores taxas de cobertura são principalmente das regiões Norte e Nordeste, os que apresentam maiores taxas de incidência de hepatite A. Não por acaso, esses são os estados mais pobres e com piores condições de acesso a serviços de saúde para parte de suas populações. Estratégias para entender melhor essa situação devem ser postas em curso, como, por exemplo, por meio de inquéritos domiciliares de CV3030. Mota E. Inquérito domiciliar de cobertura vacinal: a perspectiva do estudo das desigualdades sociais no acesso à imunização básica infantil. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Supl. 1): 125-8. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2008000500012
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
. Nesse momento, esforço para melhorar os índices de CV parece justificado, com o intuito de diminuir ainda mais a incidência do agravo.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às professoras doutoras Renata Dezengrini Slhessarenko e Carmen Lucia Bassi Branco as contribuições e a melhoria do texto.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2019
  • Revisado
    04 Nov 2019
  • Aceito
    08 Nov 2019
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