Adolescências feridas: retrato das violências com arma de fogo notificadas no Brasil

Isabella Vitral Pinto Adalgisa Peixoto Ribeiro Ana Pereira dos Santos Paula Bevilacqua Sheila Aparecida Ferreira Lachtim Vinícius Oliveira de Moura Pereira Deborah Carvalho Malta Sobre os autores

RESUMO:

Objetivos:

Descrever as notificações de violências interpessoais e autoprovocadas com arma de fogo em adolescentes e identificar os fatores associados à notificação desses eventos.

Metodologia:

Estudo transversal com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) de 2011 a 2017, em adolescentes de 10 a 19 anos feridos por arma de fogo. Utilizou-se o teste χ2 para verificar a diferença de proporção entre os sexos. Realizaram-se análise de correlação e regressão linear múltipla entre o logaritmo da taxa de notificação por arma de fogo e cada variável independente, em amostra de municípios de grande porte. Aplicaram-se teste de normalidade e homocedasticidade ao modelo final.

Resultados:

Registraram-se 30.103 notificações de violências com armas de fogo em adolescentes, sendo 74,7% no sexo masculino de 15 a 19 anos (83,8%). Entre as meninas, a violência é mais comum na residência, com agressor conhecido e violência física e sexual combinadas. A taxa de óbito por arma de fogo foi maior em Fortaleza, Maceió, João Pessoa, Salvador e Natal, variando de 105,88 a 71,73 por 100 mil. A maior taxa de notificação de violência por arma de fogo teve associação com maiores taxas de óbito por esse tipo de arma e maior cobertura das unidades de saúde.

Conclusão:

A violência perpetrada por arma de fogo é um importante problema de saúde pública em adolescentes. Os ataques ao estatuto do desarmamento e a flexibilização do porte e da posse de armas afrontam diretamente o presente e o futuro das crianças e adolescentes.

Palavras-chave:
Adolescente; Sistemas de informação em saúde; Vigilância; Ferimentos por arma de fogo

INTRODUÇÃO

A adolescência é considerada uma fase de moratória11. Calligaris C. A Adolescência. São Paulo: Publifolha; 2000., na qual ocorre a transição da vida infantil e suas proteções para a chegada da vida adulta, com suas responsabilidades. Para garantir os direitos dos adolescentes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê formas protetivas e de responsabilização que preservem a adolescência como fase peculiar do desenvolvimento, garantindo atenção especial no âmbito jurídico e nas políticas públicas de proteção social22. Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente, Câmara dos Deputados, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 [Internet]. 1990 [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
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.

No entanto, parte considerável dos adolescentes brasileiros vivencia situações de violências que colocam em risco seu desenvolvimento saudável. Segundo o estudo Carga Global de Doenças, ocorrem 251 mil mortes por armas de fogo a cada ano no mundo, e o Brasil liderou o ranking com 43.200 mortes em 2016, seguido dos Estados Unidos da América33. The Global Burden of Disease 2016 Injury Collaborators. Global mortality from firearms, 1990-2016. JAMA 2018; 320(8): 792-814. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2018.10060
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. No país, as taxas de mortalidade por arma de fogo predominam na faixa etária de 20 a 24 anos, seguida da faixa de 15 a 19 anos33. The Global Burden of Disease 2016 Injury Collaborators. Global mortality from firearms, 1990-2016. JAMA 2018; 320(8): 792-814. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2018.10060
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. Desse modo, mesmo representando apenas 24,6% da população total do país, a faixa etária de 15 a 29 anos concentrou 54,5% do total de vítimas de homicídio em 201744. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA; FBSP; 2019..

Do ponto de vista da saúde, os ferimentos por arma de fogo produzem diversas consequências psíquicas e físicas, incluindo lesões, incapacidades e óbito. Também implicam gastos consideráveis para todos os níveis de complexidade do setor saúde, ocasionando aumentos relevantes nos gastos de outros setores, como economia e previdência social55. Ribeiro AP, Souza ER, Sousa CAM. Lesões provocadas por armas de fogo atendidas em serviços de urgência e emergência brasileiros. Ciênc Saúde Colet 2017; 22(9): 2851-60. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.16492017
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. As comunidades também são afetadas, já que a presença de situações de violência com armas de fogo altera as relações sociais66. World Health Organization (WHO). Small Arms and Global Health. Genebra: World Health Organization; 2001., podendo provocar medo, impedimento do exercício da liberdade e submissão ao grupo armado ou Estado, aprofundando as iniquidades sociais.

Estudos nacionais e internacionais apontam que a maior disponibilidade de armas de fogo nas comunidades e nas residências está intrinsecamente relacionada ao aumento das taxas de mortalidade por acidentes, suicídios, homicídios e assassinatos em massa33. The Global Burden of Disease 2016 Injury Collaborators. Global mortality from firearms, 1990-2016. JAMA 2018; 320(8): 792-814. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2018.10060
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,44. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA; FBSP; 2019.,66. World Health Organization (WHO). Small Arms and Global Health. Genebra: World Health Organization; 2001.,77. Cerqueira D, Mello JMP. de Evaluating a national anti-firearm law and estimating the causal effect of guns on crime [Internet]. 2013 [acessado em 17 out. 2019]. (Texto para Discussão, n. 607). Disponível em: Disponível em: http://twixar.me/JBpn
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,88. Cerqueira D. Menos armas, menos crimes [Internet]. 2013 [acessado em 17 out. 2019]. (Texto para Discussão, n. 1.721). Disponível em: Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=15101
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?...
,99 World Health Organization (WHO). Adolescents: health risks and solutions. Fact sheets [Internet]. Genebra: WHO; 2018 [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/adolescents-health-risks-and-solutions
https://www.who.int/en/news-room/fact-sh...
,1010. American Academy of Pediatrics. Committee on Injury and Poison Prevention. Firearm-Related Injuries Affecting the Pediatric Population. Pediatrics 2012; 130(5): 888-895. https://doi.org/10.1542/peds.2012-2481,1111. Donohue JJ, Aneja A, Weber KD. Right-to-carry laws and violent crime: a comprehensive assessment using panel data and a state-level synthetic control analysis. JELS 2019; 16(2): 198-247. https://doi.org/10.3386/w23510
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,1212. Lee LK, Fleegler EW, Farrell C, Avakame E, Srinivasan S, Hemenway D, et al. Firearm laws and firearm homicides: a systematic review. JAMA Intern Med 2017; 177(1): 106-19. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2016.7051
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,1313. Tseng J, Nuño M, Lewis AV, Srour M, Margulies DR, Alban RF. Firearm legislation, gun violence, and mortality in children and young adults: a retrospective cohort study of 27,566 children in the USA. Int J Surg 2018; 57: 30-4. https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2018.07.010
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. O Brasil apresentava importante trajetória rumo ao controle da posse de armas de fogo e ao incentivo ao recolhimento delas com base no Estatuto do Desarmamento (ED) de 2003. Há consenso entre pesquisadores brasileiros de que o ED foi responsável por frear a violência armada no país, promovendo certa estabilização das taxas de homicídio por armas de fogo no período de 2003 a 201733. The Global Burden of Disease 2016 Injury Collaborators. Global mortality from firearms, 1990-2016. JAMA 2018; 320(8): 792-814. http://dx.doi.org/10.1001/jama.2018.10060
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,1414. Fundação Getúlio Vargas. Diretoria de Análise de Políticas Públicas. Balas e Vidas perdidas. O paradoxo das armas como instrumento de segurança. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 2017.. Na contramão das evidências, o governo brasileiro publicou sete decretos presidenciais nos primeiros seis meses de 2019 que versam sobre a flexibilização do porte e da posse de armas, com destaque para a ampliação de categorias profissionais passíveis de autorização de porte, para moradores de áreas rurais e liberação de armas mais potentes para civis.

Os casos de lesão por arma de fogo são atendidos pelo setor saúde desde a oferta dos primeiros socorros até o registro do óbito no caso de eventos fatais. Assim, o Sistema Único de Saúde tem produzido importantes dados sobre óbitos por armas de fogo e violências não fatais com base nos Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), respectivamente. Desde 2011, a notificação dos casos de violências interpessoais e autoprovocadas é compulsória para todos os estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, por meio do SINAN. Portanto, as notificações oferecem diagnósticos dos agravos não fatais e contribuem para melhor compreensão dos fenômenos com base nos atendimentos nos estabelecimentos de saúde.

No entanto, sabe-se que existe subnotificação das violências, de modo que se torna importante avaliar as taxas de notificação pelos municípios. Trabalha-se com a hipótese de que notificam mais os municípios nos quais os eventos de violência são mais numerosos e aqueles em que a vigilância em saúde está mais organizada e os profissionais de saúde mais sensibilizados para o registro desses agravos. No entanto, perguntamos se outros fatores sociais ou referentes à rede assistencial influenciam esse procedimento.

Os objetivos do estudo foram descrever as notificações de violências por arma de fogo em adolescentes registradas no SINAN e identificar os fatores demográficos, socioeconômicos e de saúde associados à notificação desses eventos.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo transversal que analisou as notificações de violências interpessoais e autoprovocadas registradas no SINAN em indivíduos de 10 a 19 anos, cujo meio de agressão foi arma de fogo, no período 2011-2017. Essa faixa corresponde aos adolescentes, segundo classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS)1515. World Health Organization. Coming of age: adolescent health [Internet]. [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://www.who.int/health-topics/adolescents/coming-of-age-adolescent-health
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, e, para esse grupo, a notificação de violência é obrigatória para ambos os sexos1616. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília: Ministério da Saúde; 2016..

Para a caracterização das notificações, utilizaram-se as seguintes variáveis, apresentadas segundo sexo e faixa etária (10 a 14 anos e 15 a 19 anos): raça/cor, local de ocorrência, lesão autoprovocada, tipo de violência e tipo de vínculo com o provável autor de violência. Para verificar a diferença de proporção entre os sexos, foi realizado o teste χ2 com significância a 0,05.

Classificaram-se os municípios de notificação segundo o porte populacional: pequenos (menos de 100 mil habitantes); médios (de 100 mil a 500 mil habitantes); e grandes (mais de 500 mil habitantes), considerando-se estimativa da população residente dos municípios em 2015 elaborada pelo Ministério da Saúde (MS)1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Coordenação Geral de Informação e Análise Estratégica. Brasília: Ministério da Saúde ; 2015..

A variável tipo de violência no SINAN corresponde à natureza da violência, segundo classificação da OMS1818. Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health. [Internet]. 2002 [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42495/9241545615_eng.pdf;jsessionid=A8EF6ADB687250DDB1DD05416E0A96AC?sequence=1
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. O MS orienta que, para fins de registro no SINAN, deverá se assinalar somente o principal tipo de violência na ficha de notificação1616. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.. No entanto, no período analisado, observou-se a presença de diversos tipos de violência para o mesmo caso, o que exigiu a organização das categorias segundo combinações e a identificação daquelas com maior frequência segundo a casuística do estudo.

A variável vínculo/grau de parentesco com a pessoa atendida permite a escolha de diferentes autores para o mesmo caso de violência. Diante disso, categorizaram-se as respostas da seguinte forma: familiar (pai, mãe, padrasto, madrasta e irmão); parceiro íntimo (cônjuge, ex-cônjuge, namorado(a), ex-namorado(a)); conhecido (amigo/conhecido, cuidador, patrão/chefe); desconhecido; policial/agente da lei; e outros vínculos (pessoa com relação institucional, entre outros). Na apresentação dessa variável, excluíram-se os casos identificados como lesão autoprovocada, tentativa de suicídio e vínculo própria pessoa.

Realizou-se, ainda, estudo ecológico, tendo como unidade de análise os municípios notificantes com mais de 500 mil habitantes. A seleção dos municípios de grande porte se deve à hipótese de que eles possuam gestão de vigilância em saúde mais robusta, e que as notificações das violências contra adolescentes tenham se expandido de forma contínua a partir de 2011, ano em que passaram a ser obrigatórias para todos os profissionais e unidades de saúde do território nacional1616. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. Brasília: Ministério da Saúde; 2016..

Para a identificação de fatores associados à notificação de violências por arma de fogo em adolescentes, considerou-se como variável dependente a taxa de notificação de violências por arma de fogo em adolescentes no período. Como variáveis independentes, adotaram-se os seguintes indicadores:

  • demográficos e socioeconômicos: taxa de analfabetismo1919. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. Brasil: Departamento de Informática do SUS [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/tabnet/demograficas-e-socioeconomicas
    http://datasus.saude.gov.br/informacoes-...
    ; razão raça/cor2020. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sistema IBGE de Recuperação Automática [Internet]. [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/3175
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    (razão da população de 10 a 19 anos da raça/cor preta em comparação à branca, amarela e indígena); taxa de desemprego1919. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. Brasil: Departamento de Informática do SUS [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/tabnet/demograficas-e-socioeconomicas
    http://datasus.saude.gov.br/informacoes-...
    ; taxa de trabalho infantil1919. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. Brasil: Departamento de Informática do SUS [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/tabnet/demograficas-e-socioeconomicas
    http://datasus.saude.gov.br/informacoes-...
    ; índice de Gini1919. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. Brasil: Departamento de Informática do SUS [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/tabnet/demograficas-e-socioeconomicas
    http://datasus.saude.gov.br/informacoes-...
    ; e proporção de população pobre1919. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. Brasil: Departamento de Informática do SUS [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude/tabnet/demograficas-e-socioeconomicas
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    ;

  • de saúde: taxa de óbito por arma de fogo em adolescentes; taxa de unidades de saúde2121. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0204&id=6906
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    ; taxa de equipes de saúde2121. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0204&id=6906
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    , cobertura das equipes de atenção básica2121. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de saúde [Internet]. [acessado em 17 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0204&id=6906
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    .

Para a construção da taxa de óbito por arma de fogo, considerou-se no numerador a média dos óbitos no período 2011-2017 na população de 10 a 19 anos, com os seguintes códigos da Classificação Internacional de Doenças (CID-10): exposição a forças mecânicas inanimadas (W32: projétil de revólver; W33: rifle de espingarda, armas de fogo de maior tamanho; e W34: projéteis de outras armas de fogo); lesões autoprovocadas intencionalmente (X72: disparo de arma de fogo de mão; X73: disparo de arma de fogo de maior calibre; e X74: disparo de outra arma de fogo e não especificada); agressões (X93: disparo de arma de fogo de mão; X94: disparo de arma de fogo de maior calibre; e X95: disparo de outra arma de fogo e não especificada); eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada (Y22: disparo de pistola, intenção não determinada; Y23: disparo de arma fogo, maior calibre, intenção não determinada; e Y24: disparo de outra arma fogo e não especificada, de intenção não determinada); e intervenções legais e operações de guerra (Y35: intervenção legal, e Y36: operações de guerra). Esse último grupo foi incluído pelo fato de esses eventos acontecerem, em sua grande maioria, com o uso de armas de fogo55. Ribeiro AP, Souza ER, Sousa CAM. Lesões provocadas por armas de fogo atendidas em serviços de urgência e emergência brasileiros. Ciênc Saúde Colet 2017; 22(9): 2851-60. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.16492017
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A taxa de unidades de saúde correspondeu ao número de unidades de saúde pela população residente em 2015 por grupo de 10 mil habitantes. Consideraram-se as seguintes unidades de saúde na competência de dezembro de 2015: Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), centro de saúde/unidade básica de saúde, clínica especializada/ambulatório especializado, hospital especializado, hospital geral, hospital dia, policlínica, posto de saúde, pronto atendimento, pronto-socorro especializado, pronto-socorro geral, unidade de saúde da família, unidade mista, unidade móvel de nível pré-hospitalar-urgência/emergência. A taxa de equipes de saúde correspondeu ao número de equipes de saúde pela população residente em 2015 por grupo de 10 mil habitantes. Consideraram-se todos os tipos possíveis de equipes do Cadastro Nacional dos de Estabelecimentos de Saúde na competência de dezembro/2015. A cobertura das equipes de atenção básica correspondeu ao número de Estratégias de Saúde da Família (ESF) e de ESF equivalentes em 2015, dividido pela população no mesmo período por grupo de 3 mil habitantes.

Procedeu-se à análise de correlação e regressão linear entre o logaritmo da variável dependente e cada variável independente. Incluíram-se no modelo múltiplo as variáveis com p < 0,25. O modelo múltiplo foi construído com base na inserção da variável mais significativa em cada etapa (modelo stepwise), considerando-se o nível de significância a 0,05. No modelo final, realizaram-se testes para verificar a interação entre as variáveis, quais sejam, testes de normalidade (Shapiro-Wilk) e homocedasticidade (Faraway).

RESULTADOS

No período 2011-2017, a base nacional do SINAN reuniu 1.429.931 notificações de violências, sendo 374.673 (26,2%) em adolescentes.

Nesse mesmo período, identificaram-se 59.095 notificações cujo meio de agressão foi arma de fogo, sendo 30.103 (50,9%) em adolescentes; em média, foram 11 notificações de adolescentes alvejados a cada dia no Brasil. No período analisado, a maior parte das notificações de violência por arma de fogo ocorreu no grupo dos adolescentes de 15 a 19 anos (83,8%) e entre os do sexo masculino (74,7%).

Em ambas as faixas etárias analisadas, observaram-se similaridades entre os sexos, com diferenças estatisticamente significativas: maioria de raça/cor negra; via pública como principal local de ocorrência da violência; municípios de grande porte como local de residência prevalente dos adolescentes (no grupo de 15 a 19 anos a diferença entre os sexos não foi significativa); maior proporção de violência física; agressões cometidas principalmente por pessoas desconhecidas.

As principais diferenças observadas segundo o sexo foram:

  • para as adolescentes do sexo feminino, a residência como local de ocorrência da violência foi cerca de duas vezes mais frequente que para os do sexo masculino;

  • a violência sexual, tanto isolada quanto combinada com violência física, foi mais frequente entre as meninas (47,7% no grupo de 10 a 14 anos e 41,5% no de 15 a 19 anos) que entre os meninos (1,4% no grupo de 10 a 14 anos e 0,4% no de 14 a 19 anos);

  • a agressão por parceiro íntimo foi mais frequente entre as meninas de 15 a 19 (8,9%) que entre as de 10 a 14 anos (3,9%);

  • entre os adolescentes do sexo masculino, esse tipo de vínculo com o agressor não ultrapassou 0,5% nos dois grupos de idade (Tabela 1).

Tabela 1.
Características das notificações de violência interpessoal ou autoprovocada em adolescentes (10 a 19 anos) cujo meio de agressão foi arma de fogo, segundo sexo e faixa etária. Brasil, 2011 a 2017.

O total de 41 municípios com mais de 500 mil habitantes realizou notificações de violência por arma de fogo entre adolescentes. Esse grupo de municípios era composto de 20 capitais, o Distrito Federal e 20 municípios, distribuídos pelas cinco regiões do Brasil (Tabela 2).

Tabela 2.
Taxa média de óbito por arma de fogo em adolescentes e taxa média de notificação de violência interpessoal ou autoprovocada cujo meio de agressão foi arma de fogo, em adolescentes. Municípios com mais de 500 mil habitantes no Brasil, 2011 a 2017.

As taxas de óbito por arma de fogo em adolescentes foram maiores em cinco capitais do Nordeste: Fortaleza, Maceió, João Pessoa, Salvador e Natal, variando de 105,88 a 71,73 por 100 mil (Tabela 2).

Conforme a taxa de notificação de violências por armas de fogo em adolescentes, os municípios que mais notificaram entre 2011-2017 foram João Pessoa, Maceió, Goiânia, Natal e Recife, com taxas que variaram de 151,9 a 81,84 por 100 mil. Em 11 municípios, a taxa de notificação foi maior que a taxa de óbito e, nos demais, essa relação foi inversa (Tabela 2).

No estudo ecológico, identificaram-se correlações significativas (p < 0,25) entre a variável dependente e as variáveis taxa de óbito por arma de fogo, taxa de unidades de saúde, taxa de analfabetismo, índice de Gini, taxa de equipes de saúde, proporção da população pobre e razão raça/cor. O modelo final atendeu aos pressupostos da normalidade (p = 0,11) e homocedasticidade (p = 0,13) e permaneceu com as variáveis taxa de óbito (β = 0,02; p < 0,01) e taxa de unidades de saúde (β = 0,35; p < 0,01), as quais não apresentaram interação entre si e resultaram em R2 ajustado = 0,56.

Identificou-se associação entre a taxa de notificação de violências com arma de fogo e as variáveis taxa média de óbito por arma de fogo e taxa de unidades de saúde. Examinando-se o modelo final, estima-se que o aumento de 10 unidades na taxa de óbito por arma de fogo em adolescentes acarretou aumento em 22,1% na taxa de notificação de violências interpessoais e autoprovocadas com arma de fogo nessa população. Já o aumento de uma unidade na taxa de unidades de saúde ocasiona aumento na taxa de notificação em 41,9%.

DISCUSSÃO

O estudo analisou as 30.103 notificações de violências interpessoais e autoprovocadas em adolescentes de 10 a 19 anos cujo meio de agressão foi arma de fogo, entre 2011 e 2017, no Brasil. O cenário apresentado é alarmante, especialmente quando se consideram a letalidade das lesões por arma de fogo, suas consequências sociais e na saúde e a subnotificação dos casos no SINAN.

O Brasil é líder mundial em mortes por arma de fogo em números absolutos, das quais mais da metade é de jovens e adolescentes. As recentes decisões de ampliar posse e porte de armas, na contramão das evidências nacionais e internacionais, poderão implicar mais mortes violentas e mais insegurança, especialmente do público adolescente, jovem, pobre e negro44. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA; FBSP; 2019.,2222. Malta DC. Crianças e adolescentes, políticas de austeridade e os compromissos da Agenda 2030. Ciênc. Saúde Colet 2019; 24(2): 348. https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018242.32412018
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.15...
. Portanto, SINAN e SIM podem contribuir com dados para monitorar e avaliar o efeito dessas políticas, principalmente em adolescentes e jovens, população que apresenta as taxas mais elevadas de mortalidade e de anos de vidas perdidos em razão de mortes prematuras e incapacidades44. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA; FBSP; 2019.,2323. Malta DC, Bernal RTI, Pugedo FSF, Lima CM, Mascarenhas MDM, Jorge A de O, et al. Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciên Saúde Colet 2017; 22(9): 2899-908. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
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Quando relacionamos o maior percentual de notificações de violência por arma de fogo em adolescentes com as propostas de governo atuais de flexibilização da posse e do porte de armas e de esvaziamento do ECA enquanto regulação protetiva e responsabilizadora, tememos um cenário no qual os adolescentes periféricos estarão ainda mais vulneráveis do que os dados atuais indicam. O percurso biográfico das adolescências é único e os riscos de vivenciar situações de violência devem ser analisados de forma interseccional2424. Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Letramento; 2018., com base no encontro das categorias classe, gênero e raça.

Nessa perspectiva, a ocorrência da violência na população jovem terá duas variantes importantes: questões relacionadas ao desenvolvimento pessoal e condições socioeconômicas, que podem permitir ou não meios de acessar direitos que possam minimizar ou potencializar riscos de violência, bem como meios de acesso ou exposição a armas de fogo. Os diferentes contextos (familiar, comunitário, escolar) são indicadores fundamentais quando pretendemos refletir sobre as condições de surgimento das situações de violência na adolescência. Isso é exemplificado no estudo de Santos et al.2525. Santos LIC, Oliveira AM, Paiva IL, Yamamoto OH. Juventude e violência: trajetórias de vida e políticas públicas. Estud Pesqui Psicol 2012; 12(2): 521-38. https://doi.org/10.12957/epp.2012.8280
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, que, fundamentando-se na constatação de que os jovens têm sido os mais atingidos pela violência, analisaram os contextos em que estavam inseridas as trajetórias de vida de cinco jovens na faixa etária de 15 a 24 anos, vítimas de homicídio. Entre algumas conclusões, têm-se a prevalência das condições de pobreza, a evasão escolar e a ausência de políticas sociais de apoio à construção de projetos de vida para essa faixa etária ou daquelas com foco em ações comunitárias e territoriais2525. Santos LIC, Oliveira AM, Paiva IL, Yamamoto OH. Juventude e violência: trajetórias de vida e políticas públicas. Estud Pesqui Psicol 2012; 12(2): 521-38. https://doi.org/10.12957/epp.2012.8280
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No presente estudo, a maior parte das notificações realizadas entre 2001 e 2017 envolveu indivíduos do sexo masculino (74%), de cor da pele preta e parda (56%) e de 15 a 19 anos, confirmando perfil observado também entre as vítimas de homicídios44. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Atlas da Violência 2019. Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo: IPEA; FBSP; 2019.,2323. Malta DC, Bernal RTI, Pugedo FSF, Lima CM, Mascarenhas MDM, Jorge A de O, et al. Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciên Saúde Colet 2017; 22(9): 2899-908. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
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Estudo canadense que compara a mortalidade por arma de fogo em quatro países (Estados Unidos, México, Colômbia e Brasil) demonstra que, embora o Brasil e os Estados Unidos da América apresentem as maiores taxas de morte da população negra por arma de fogo, o efeito da raça foi maior nestes últimos, enquanto no Brasil o maior efeito foi ocasionado pelo baixo índice educacional2626. Dare AJ, Irving H, Guerrero-López CM, Watson LK, Kolpak P, Shigematsu LMR, et al. Geospatial, racial, and educational variation in firearm mortality in the USA, Mexico, Brazil, and Colombia, 1990-2015: a comparative analysis of vital statistics data. Lancet Public Health 2019; 4(6): E281-90. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(19)30018-0
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. Salienta-se que no Brasil, historicamente, se nega à população negra acesso a melhores condições de vida, como educação, trabalho e moradia, o que, portanto, implica menor escolaridade nessa população2727. Amaral AJ, Vargas MCS. Necropolítica, racismo e sistema penal brasileiro. Rev Direito 2019; 11(1):103-43. https://doi.org/10.32361/20191117194
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Uma especificidade das notificações com uso de arma de fogo é a prevalência da via pública como principal local de ocorrência e o fato de o agressor ser pessoa desconhecida, para ambos os sexos. Esse perfil diverge do encontrado em estudos que analisaram as notificações em geral, principalmente em adolescentes, nas quais predominaram as violências que ocorrem no ambiente familiar e com vínculos próximos com o agressor2323. Malta DC, Bernal RTI, Pugedo FSF, Lima CM, Mascarenhas MDM, Jorge A de O, et al. Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência. Ciên Saúde Colet 2017; 22(9): 2899-908. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.14212017
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,2828. Macedo DM, Foschiera LN, Bordini TCPM, Habigzang LF, Koller SH. Revisão sistemática de estudos sobre registros de violência contra crianças e adolescentes no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2019; 24(2): 487-96. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018242.34132016
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,2929. Sinimbu RB, Mascarenhas MDM, Silva MMA, Carvalho MGO, Santos MR, Freitas MG. Caracterização das vítimas de violência doméstica, sexual e/ou outras violências no Brasil -2014. Saúde em Foco 2016; 1(1): 1-14.,3030. Schraiber LB, D’Oliveira AFPL, Couto MT. Violência e saúde: estudos científicos recentes. Rev Saúde Pública. 2006; 40(Núm. Esp.): 112-20. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102006000400016
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No entanto, para as adolescentes do sexo feminino, a residência também se destacou como local importante onde ocorrem lesões com uso de armas de fogo, o que revela que, na violência doméstica, as relações desiguais de gênero são fator importante de vulnerabilidade nessa fase da vida.

Destacamos a alta proporção de violência sexual em adolescentes do sexo feminino. Esse é um indicador importante para a rede de serviços de proteção e para a política de segurança pública, especialmente quando se consideram os impactos desse somatório de violências. O estudo que cruzou os dados de óbito com as notificações de violência encontrou que, entre os óbitos por agressão em adolescentes de 10 a 19 anos, 8,6% tinham notificação prévia de estupro3131. Barufaldi LA, Souto RMCV, Correia RSB, Montenegro MMS, Pinto IV, Silva MMA, et al. Violência de gênero: comparação da mortalidade por agressão em mulheres com e sem notificação prévia de violência. Ciênc Saúde Colet. 2017; 22(9): 2929-38. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.12712017
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Em 11 municípios de grande porte, a taxa de notificação de violência por arma de fogo foi maior que a taxa de óbito por arma de fogo, revelando sensibilidade à notificação desse agravo. As vigilâncias epidemiológicas dos municípios, especialmente naqueles onde a taxa de notificação é menor que a taxa de óbito, devem ser fortalecidas com capacitações e recursos tripartites a fim de gerarem evidências e articulação do cuidado nos atendimentos relacionados às violências.

As subnotificações no SINAN são relatadas para diferentes agravos e níveis de complexidade da assistência, e estão relacionadas à dificuldade de identificação dos casos, às dificuldades no processo de notificação, à sobrecarga dos profissionais e à sua baixa qualificação técnica, às dificuldades em reconhecer as violências como problemas de saúde e ao medo de retaliação dos agressores, nos casos de violência doméstica/intrafamiliar3232. Souza Melo MA, Coleta MFD, Coleta JAD, Bezerra JCB, Castro AM, Melo ALS, et al. Percepção dos profissionais de saúde sobre os fatores associados à subnotificação no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan). Rev Adm Saúde 2018; 18(71): 1-17. http://dx.doi.org/10.23973/ras.71.104
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,3333. Kind L, Orsini MLP, Nepomuceno V, Gonçalves L, Souza GA, Ferreira MFF. Subnotificação e (in) visibilidade da violência contra mulheres na atenção primária à saúde. Cad Saúde Pública 2013; 29(9): 1805-15. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00096312
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,3434. Souza EG, Tavares R, Lopes JG, Magalhães MAN, Melo EM. Atitudes e opiniões de profissionais envolvidos na atenção à mulher em situação de violência em 10 municípios brasileiros. Saúde Debate 2018; 42(Núm. Esp. 4): 13-29. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s401
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. Pesquisa realizada em municípios cearenses analisou os fatores associados à subnotificação de violências contra crianças e adolescentes na atenção básica e concluiu que variáveis relacionadas à menor experiência de trabalho, ao não conhecimento e não acesso à ficha de notificação, assim como ao desconhecimento sobre os encaminhamentos adequados, à desconfiança dos órgãos de proteção e ao medo de envolvimento legal contribuíram para a não notificação desses casos no SINAN3535. Rolim ACA, Moreira GAR, Corrêa CRS, Vieira LJES. Subnotificação de maus-tratos em crianças e adolescentes na Atenção Básica e análise de fatores associados. Saúde Debate 2014; 38(103): 794-804. http://dx.doi.org/10.5935/0103-1104.20140072
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.

Com relação à modelagem ecológica, foi necessário utilizar dados secundários de acesso público e que poderiam ter influência na sensibilidade do município para notificar violências por arma de fogo. Uma limitação em algumas variáveis independentes foi a defasagem de tempo dos indicadores baseados no censo de 2010. Apesar de considerarmos somente os municípios com mais de 500 mil habitantes, pode haver diferenças na qualidade das informações sobre óbito e nas informações referentes à estrutura de saúde. Outra limitação foi o uso dos códigos da CID relacionados a acidentes com armas de fogo, eventos que, atualmente, não são contemplados na definição de caso na notificação de violência no SINAN. Diante disso, sublinhamos que a realização de pesquisas de caráter qualitativo em âmbito local pode contribuir para identificar de forma mais precisa os problemas e desafios para a universalização da notificação das violências nos serviços de saúde.

Tendo em vista a magnitude e a transcendência do problema, recomenda-se ao Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) do MS a inclusão dos casos de lesões com armas de fogo (acidentais, intencionais ou com intenção indeterminada), em todas as idades e em ambos os sexos, na definição de caso para notificação de violências no SINAN.

O estudo assinala a elevada notificação de casos de violências com arma de fogo em adolescentes, o que se agrava pela subnotificação desses eventos. Esse cenário, somado aos ataques ao ED e à flexibilização do porte e da posse de armas, nos faz refletir sobre a necessidade de operacionalização mais contundente do ECA, em prol da garantia dos direitos dos adolescentes e da promoção de autonomia e desenvolvimento saudável.

Portanto, o presente e o futuro dos adolescentes devem ser defendidos com políticas de educação, saúde, acesso à justiça, à paz e à não violência, conforme os compromissos assumidos na Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

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  • Fonte de financiamento: Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2019
  • Revisado
    03 Dez 2019
  • Aceito
    20 Dez 2019
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br