Perfil dos atendimentos por violência contra idosos em serviços de urgência e emergência: análise do VIVA Inquérito 2017

Fabiana Martins Dias de Andrade Adalgisa Peixoto Ribeiro Regina Tomie Ivata Bernal Ísis Eloah Machado Deborah Carvalho Malta Sobre os autores

RESUMO:

Objetivos:

Caracterizar o perfil das ocorrências de violência contra os idosos e investigar a associação entre fatores demográficos das vítimas e características da ocorrência.

Métodos:

Estudo transversal, utilizando dados do inquérito Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), realizado em serviços de emergência em 2017. Foi realizada análise descritiva das características de violência, segundo fatores demográficos, seguida da análise de correspondência, visando identificar as principais características associadas nesse grupo.

Resultados:

Entre as vítimas estudadas, a maioria eram homens, a violência mais comum foi a física, a parte do corpo mais atingida foi a cabeça, os principais locais de ocorrência foram residência e via pública, por agressor desconhecido. Foi associado à violência entre idosas, o agressor ser o companheiro e a ameaça. Já entre os idosos foi sofrer violências em via pública, agressor desconhecido, lesões no tórax e uso de objeto perfurocortante. Idosos mais jovens sofreram mais violências físicas por meio de força, provocadas por amigos e atingindo membros superiores. Entre os mais idosos, estiveram relacionados à negligência residência como local de ocorrência, familiar como agressores membros inferiores e múltiplos órgãos afetados.

Conclusão:

O estudo permitiu obter uma visão sobre a violência sofrida por idosos atendidos em serviços de emergência no Brasil. O conhecimento do perfil das vítimas é importante para o direcionamento das políticas e ações que visem prevenir e enfrentar o problema da violência contra idosos.

Palavras-chave:
Violência; Idoso; Envelhecimento; Maus-tratos ao idoso; Inquéritos Epidemiológicos; Epidemiologia

INTRODUÇÃO

O rápido envelhecimento da população brasileira tem se configurado como um fenômeno complexo e desafiador para as famílias, sociedade e os governos11. Brasil. Brasil: manual de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. É possível prevenir. É necessário superar. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; 2014.. As estimativas mostram que 12,7% da população brasileira tem 60 anos ou mais de idade e que, em 2050, esse percentual pode atingir 29,6%22. United Nations. World Population Ageing 2017. Department of Economic and Social Affairs, Population Division; 2017.. O envelhecimento acarreta diversos riscos aos idosos, como dependência para as atividades de vida diária e instrumentais, a necessidade de assistência periódica, a limitação dos recursos financeiros, do apoio social, psicológico e jurídico, o que os tornam vulneráveis às violências, especialmente por familiares e cuidadores formais33. Inelmen EM, Sergi G, Manzato E. Intern Emerg Med 2019; 14: 503-5. https://doi.org/10.1007/s11739-019-02063-x
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A violência contra idosos é definida pela Rede Internacional de Prevenção de Maus-Tratos às pessoas idosas como: “um ato (único ou repetido), ou omissão que lhe cause danos ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança”44. World Health Organization. World report on violence and health. Genebra: World Health Organization; 2002., atinge proporções elevadas e é causa importante de lesões e mortes nesse grupo etário55. Bolsoni CC, Coelho EBS, Giehl MWC, D’Orsi E. Prevalência de violência contra idosos e fatores associados, estudo de base populacional em Florianópolis, SC. Rev Bras Geriatr Gerontol 2016; 19(4): 671-82. http://dx.doi.org/10.1590/1809-98232016019.150184
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. As violências mais comuns registradas contra os idosos são as de natureza física, psicológica, sexual, financeira e negligência66. Bond MC, Butler KH. Elder abuse and neglect: definitions, epidemiology, and approaches to emergency department screening. Clin Geriatr Med 2013; 29(1): 257-73. http://dx.doi.org/ 10.1016/j.cger.2012.09.004
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. Entretanto, apesar dos diversos estudos que apontam para a relevância do problema, ainda existe subnotificação dos casos55. Bolsoni CC, Coelho EBS, Giehl MWC, D’Orsi E. Prevalência de violência contra idosos e fatores associados, estudo de base populacional em Florianópolis, SC. Rev Bras Geriatr Gerontol 2016; 19(4): 671-82. http://dx.doi.org/10.1590/1809-98232016019.150184
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Esse problema tem crescido entre os idosos nos últimos anos, estudo utilizando dados de várias regiões do mundo, incluindo países de baixa e média renda, estimou que em 2016 cerca de 16% das pessoas idosas sofreram algum tipo de violência77. Paiva MM, Tavares DM. Physical and psychological violence against the elderly: prevalence and associated factors. Rev Bras Enferm 2015; 68(6): 1035-41. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680606i
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. Estudo realizado no Brasil utilizando dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), mostrou que estão associados à violência física entre idosos do sexo masculino, ter idade entre 60 e 69 anos, ocorrência no domicílio, agressores que não eram os filhos e suspeita de uso de bebida alcoólica. Em relação à violência psicológica, mostraram associação ao sexo feminino, ocorrências no domicílio, agressor ser o próprio filho e suspeita de uso de bebida alcoólica pelos agressores. A negligência predominou no sexo feminino a partir de 70 anos, ocorrido no domicílio e praticada pelos filhos. Para a violência sexual foram o sexo feminino, agressores desconhecidos e suspeita de uso de bebida alcoólica88. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2331-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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As consequências das violências contra idosos podem ser particularmente graves em função da fragilidade e vulnerabilidade desse grupo etário99. World Health Organization. Global status report on violence prevention 2014. Genebra: WHO Press; 2014.. Depressão, isolamento social, tentativa de suicídio, dificuldades na comunicação e tomada de decisão, dependência de álcool, drogas e doenças físicas são algumas das consequências encontradas1010. Barcelos EM, Madureira MDS. Violência contra o idoso. In: Chaimowicz F, editor. Saúde do idoso. 2ª ed. Belo Horizonte: UFMG; 2013. p. 138-49.. Além desses prejuízos, a violência traz consequências aos sistemas de saúde, serviços sociais e de justiça criminal, bem como à estrutura econômica da sociedade99. World Health Organization. Global status report on violence prevention 2014. Genebra: WHO Press; 2014..

Considerando a relevância das violências e acidentes para a saúde pública, em 2006 foi implantado pelo Ministério da Saúde (MS) no Brasil, o VIVA. O sistema é composto pelo inquérito epidemiológico, realizado a cada três anos nos serviços sentinelas de urgência e emergência, e as notificações contínuas realizadas por meio do Sinan. A principal finalidade desse sistema é conhecer a magnitude e a gravidade desses problemas, permitindo o enfrentamento efetivo contra violência no país e a promoção de uma cultura de paz.

Sendo assim, o presente artigo teve os objetivos de caracterizar o perfil e investigar a associação entre as variáveis demográficas e as características da violência cometida contra idosos atendidos em serviços de urgência e emergência das capitais brasileiras.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, de caráter exploratório, feito por meio da análise dos dados do VIVA Inquérito, que compõe o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes, referente aos atendimentos às pessoas idosas por violências, realizados em 90 serviços de urgência e emergência, localizados em 23 capitais brasileiras e no Distrito Federal, e em 13 municípios selecionados no ano de 2017. As capitais Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC) e Macapá (AP) não participaram da pesquisa.

A coleta de dados foi realizada durante 30 dias consecutivos entre os meses de setembro e dezembro, em turnos de 12 horas, selecionados mediante sorteio probabilístico. As unidades primárias de amostragem (UPA) foram os serviços de urgência e emergência vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), usados como estratos do plano amostral. Os pesquisadores selecionados em cada cidade eram profissionais ou estudantes de cursos de graduação da área da saúde e foram treinados pela equipe da Área Técnica de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes/CGDANT, do MS para a correta abordagem dos pacientes e coleta de dados, que utilizou um questionário padronizado, a Ficha VIVA Inquérito 2017. Os dados foram coletados por meio de entrevistas e de análise de prontuários médicos. As entrevistas foram conduzidas com os pacientes ou, quando sua condição clínica não permitia, com o acompanhante. Os municípios receberam incentivos financeiros para a execução do inquérito.

O total de participantes entrevistados no inquérito foi de 48.532 pessoas, incluindo vítimas de acidentes e violências em todas as faixas de idade. Entretanto, para o presente artigo, foram analisados os atendimentos de pessoas com 60 ou mais anos, vítimas de violência, totalizando 133 idosos. Inicialmente, foi realizada análise descritiva dos casos, considerando as características da violência (tipo, meio, local da ocorrência, vínculo do agressor e parte do corpo atingida), segundo variáveis demográficas: sexo (masculino e feminino) e faixa etária (60 a 65 anos e 66 anos ou mais), sendo utilizado o teste χ2 de Pearson para comparação entre os grupos. A categorização nessas duas faixas etárias ocorreu por causa do número reduzido de atendimentos de idosos mais velhos durante a coleta de dados do VIVA Inquérito 2017. Para verificar a associação entre as variáveis demográficas e as características da violência, foi utilizada a análise de correspondência simples (ACS). Essa técnica é adequada para análise de variáveis categóricas1111. Souza AMR. Análise de Correspondência [dissertação]. São Paulo: Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo; 1982.,1212. Mingoti SA. Análise de Dados Através de Métodos Estatísticos Multivariados. Uma Abordagem Aplicada. Belo Horizonte: UFMG , 2005., aplicada nas tabelas de contingência, em que se verifica a dependência entre as linhas e colunas da tabela. Além disso, trata-se de uma técnica exploratória que sintetiza a estrutura de variabilidade dos dados em termos de dimensões, no qual o número de dimensões é menor que o número de variáveis. A ACS é equivalente à análise fatorial, porém os resultados são apresentados de forma gráfica, na qual as menores distâncias entre as categorias linha e coluna representam as mais fortes associações entre elas, enquanto as maiores distâncias representam suas dissociações1313. Ramos EMLS, Almeida SS, Araújo AR. Segurança pública: uma abordagem estatística e computacional. Belém: EDUFPA; 2008..

O algoritmo da técnica de ACS disponível nos softwares estatísticos supõe que os dados são provenientes do plano de amostragem aleatória simples. No entanto, pesquisadores1414. Souza AC, Bastos RR, Vieira MT. Análise de Correspondência Simples e Múltipla para Dados Amostrais Complexos [Internet]. São Paulo; 2010 [acessado em 14 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.ime.unicamp.br/sinape/19sinape/node/819
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discutem o uso dessa técnica em dados provenientes de planos complexos de amostragem (PCA), como é o caso do Viva Inquérito, e alertam aos pesquisadores que ao desconsiderar o plano de amostragem, a qualidade dos resultados pode ser questionável. Dessa forma, no presente trabalho foram considerados os pesos amostrais no cálculo das proporções de cada célula da tabela, mediante expansão da amostra, para que o gráfico resultante mantivesse a mesma proporção da população. Além disso, estudos prévios apontaram que no gráfico de correspondência, a melhor estimativa da localização dos pontos é obtida quando a tabela é expandida1414. Souza AC, Bastos RR, Vieira MT. Análise de Correspondência Simples e Múltipla para Dados Amostrais Complexos [Internet]. São Paulo; 2010 [acessado em 14 set. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://www.ime.unicamp.br/sinape/19sinape/node/819
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As variáveis selecionadas para esta análise foram as mesmas da análise descritiva, consideradas como variáveis colunas as demográficas: sexo e faixa etária, e variáveis linhas as características da violência. A análise dos dados foi feita nos softwares Stata versão14 e SPSS versão 25.

O projeto do Viva Inquérito foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Ministério da Saúde. Por se tratar de uma ação da vigilância epidemiológica no âmbito nacional, o termo de consentimento livre esclarecido (TCLE) foi substituído pela concordância verbal das vítimas ou de seus responsáveis, registrado em campo específico do formulário.

RESULTADOS

Os resultados mostraram que o tipo mais comum de violência praticada contra os idosos foi a física (85%), seguida da negligência (9,1%) e outros (5,6%). O local de ocorrência mais frequente foi a própria residência (48%), seguida pela via pública (36,3%). Os agressores mais frequentes foram desconhecidos e do sexo masculino, a parte do corpo atingida mais frequentemente foi a cabeça, seguida pelos membros superiores. Ocorreram diferenças entre os sexos: as idosas do sexo feminino sofreram mais violência física, com uso somente da força física, em sua residência e cometida por familiares, seguidos por amigos. Entre os idosos do sexo masculino, observam-se maior frequência de violência física, com uso de força física, mas também com percentual expressivo de uso de objeto perfurocortante, principalmente na via pública, cometida por pessoas desconhecidas. Foram estatisticamente significativas as diferenças encontradas entre os sexos para as variáveis meio da violência, vínculo do agressor e tipo de lesão, considerando o valor de p < 0,05 no teste χ2 de Pearson (Tabela 1).

Tabela 1.
Proporção das características de violência contra idosos atendidos nos serviços sentinelas, segundo sexo e faixa etária. VIVA Inquérito, 2017.

A análise segundo faixa etária mostra que a violência física por meio do espancamento foi o tipo de violência mais cometido nos dois grupos. Entre os mais jovens (60 a 65 anos), a via pública foi o principal local de ocorrência das violências, cometidas por pessoas desconhecidas do sexo masculino, enquanto entre os mais idosos (66 anos e mais) a residência foi onde ocorreram a maior parte das violências e os familiares foram os principais agressores. Foi significativa a diferença entre as faixas etárias somente em relação ao local de ocorrência (Tabela 1).

Os resultados da ACS mostraram que duas dimensões foram necessárias para explicar a totalidade da variância conjunta das colunas (demográficas) e linhas (características da violência, do agressor e da lesão). A primeira dimensão contribiu com 85,3% e a segunda 14,7% (Tabela 2). O teste de independência da tabela mostrou que a hipótese de que há independência entre as linhas e colunas foi rejeitada e que nesta amostra houve associação entre as variáveis analisadas.

Tabela 2.
Dimensões e proporção da variância explicada na análise de correspondência. VIVA Inquérito, 2017.

Na Tabela 3, observam-se as contribuições de cada variável para as duas dimensões. A dimensão 1 pode ser explicada pelas variáveis vínculo do agressor (familiar e desconhecido), que contribuiu com 29,4% da explicação, seguida por meio da violência (perfurocortante e ameaça) com 25,5% e local de ocorrência (residência e via pública) com 23,2%. Entre as variáveis demográficas, o sexo da vítima contribuiu para a dimensão 1 com 70,6%. A dimensão 2 apresenta o vínculo do agressor (familiar e amigo) como as variáveis que mais contribuíram com a explicação (45,5%), seguida pelo tipo de violência (negligência) com 16,0%, e da parte do corpo atingida (múltiplos órgãos) com 9,2%. A variável demográfica idade da vítima contribuiu na dimensão 2, com 70,6%.

Tabela 3.
Coordenadas e contribuições das características de violência entre idosos. VIVA Inquérito, 2017.

A associação entre as variáveis, mostrada no Gráfico 1, pode ser observada pela proximidade dos pontos que representam as categorias de cada variável. As características que estiveram associadas às idosas do sexo feminino foram o agressor ser o companheiro e ameaça o principal meio usado para violência. Em relação aos idosos do sexo masculino, os fatores relacionados foram sofrer violência em via pública, o uso de objeto perfurocortante ou contundente, provável agressor ter sido um desconhecido e lesões no tórax/dorso. No grupo dos idosos mais jovens (60 a 65 anos), estiveram associadas à violência física, ao uso de força física ou espancamento; ato provocado por amigos, ter os membros superiores (quadril/dorso e outra região da cabeça) atingidos. No grupo dos idosos mais velhos (66 anos ou mais), estiveram associados à negligência, à residência como local de ocorrência, ter lesões principalmente nos membros inferiores e múltiplos órgãos e serem pessoas da família os prováveis agressores.

Grafico 1.
Apresentação gráfica Bi-plot das associações entre variáveis demográficas e características de violência entre idosos. VIVA Inquérito 2017.

DISCUSSÃO

As análises dos atendimentos aos idosos vítimas de violência, registrados no VIVA Inquérito 2017, apontou que a violência física foi o que mais acometeu os idosos, por meio da força física ou espancamento, atingindo principalmente a cabeça. Na análise de correspondência, mostraram associação entre ser do sexo feminino e sofrer ameaças pelos companheiros. No sexo masculino, destaca-se a associação entre violência física, em via pública, por desconhecido e as lesões causadas por objetos perfurocortantes. Entre os idosos de 60 e 65 anos, esteve associado à violência física e entre os idosos com 66 anos ou mais, esteve relacionado à negligência como principal tipo de violência sofrida, vivenciada na residência e perpetrada por familiar.

Essas características demonstram que a gravidade das vivências de violência entre idosos, com destaque para a participação de familiares nas ocorrências em domicilio, e as violências praticadas nas vias públicas por desconhecidos, em especial contra os idosos do sexo masculino, diferenciaram-se do inquérito realizado em 2014 que mostrou predominância de ocorrências no domicílio1515. Avanci JQ, Pinto LW, Assis SG. Atendimento dos casos de violência em serviços de urgência e emergência brasileiros com foco nas relações intrafamiliares e nos ciclos de vida. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(9): 2825-40. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.13352017
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. O tipo de violência também variou nos dois inquéritos em 2014, entre idosas sobressaiu a negligência (54,1%), em sua residência (92,1%) com lesões do tipo trauma (51,6%), que atingiu os membros superiores (47,7%); para os idosos, identificou-se com maior frequência a violência física (60,9%) que, em sua quase totalidade ocorreu na residência da vítima (97,9%), provocando cortes e lacerações (41,9%) em múltiplos órgãos (42,6%)1515. Avanci JQ, Pinto LW, Assis SG. Atendimento dos casos de violência em serviços de urgência e emergência brasileiros com foco nas relações intrafamiliares e nos ciclos de vida. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(9): 2825-40. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017229.13352017
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Ser vítima de violência em via pública é incomum para os homens idosos em muitos trabalhos já publicados. Entre os casos notificados nos serviços de saúde brasileiros no ano de 2010 o percentual de idosos agredidos na residência chegou a 69%88. Mascarenhas MDM, Andrade SSCA, Neves ACM, Pedrosa AAG, Silva MMA, Malta DC. Violência contra a pessoa idosa: análise das notificações realizadas no setor saúde - Brasil, 2010. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(9): 2331-41. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000900014
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, no período de 2011 a 2016, o percentual chegou a 88,5% das notificações1616. Brasil. Saúde Brasil 2017: uma análise da situação de saúde e os desafios para o alcance dos objetivos de desenvolvimento sustentável. Brasília: Ministério da Saúde; 2018. 426 p.. Em Minas Gerais, as notificações realizadas entre 2011 a 2012 também mostram que os homens idosos sofreram principalmente violência física (87,9%) na residência (70,5%)1717. Rocha RC, Côrtes MCJW, Dias EC, Gontijo ED. Violência velada e revelada contra idosos em Minas Gerais-Brasil: análise de denúncias e notificações. Saúde Debate 2018; 42( Esp. 4): 81-94. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s406
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Algumas hipóteses podem ser levantadas pelas mudanças identificadas. Entre elas a de que os idosos brasileiros estejam vivendo por mais tempo com sua funcionalidade e autonomia preservadas, o que possibilita sua maior inserção em atividades externas ao ambiente da residência e assim, expondo-se aos conflitos interpessoais em locais públicos. Isso é particularmente verdadeiro em relação aos idosos de 60 a 65 anos, como observado nos dados aqui analisados. Outra hipótese pode ser relacionada à diferença nos papéis de gênero tradicionais que são esperados para homens e mulheres, sendo, portanto, mais marcantes entre os idosos. Para os homens é reservado o espaço público e social enquanto para as mulheres o cuidado com a casa e com a família1818. Fernandes MGM. Papéis sociais de gênero na velhice: o olhar de si e do outro. Rev Bras Enferm [Internet] 2009 [acessado em 17 out. 2019]; 62(5); 705-10. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0034-71672009000500009
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As análises dos casos de idosos vítimas de violência atendidos em urgências e emergências brasileiras mostram que, por estarem mais presentes em ambientes privados, no espaço do lar, mulheres têm sido mais vitimizadas por pessoas próximas como companheiro, outros familiares e amigos, com pouco envolvimento do uso de álcool, tanto para a vítima como para o(a) suposto(a) agressor(a). Ao contrário, para os homens idosos, os autores da violência são pessoas desconhecidas e com frequência há envolvimento com o uso de álcool. Essa observação foi confirmada na análise de correspondência que mostrou associação entre ser do sexo feminino e sofrer ameaças do companheiro e ser do sexo masculino e sofrer violência física por pessoa desconhecida em via pública.

A violência contra a mulher idosa que ocorre no âmbito doméstico difere da que se observa contra os homens, pois1919. Motta AB. Violência contra as mulheres idosas: questão de gênero ou de gerações? In: XI Encontro de Ciências Sociais Norte e Nordeste [anais]. Sergipe: Universidade Federal de Sergipe; 2003., envolve conflitos intergeracionais que parecem ser visíveis pelas relações de gênero, que para a autora são questões indissociáveis e parecem atingir principalmente as mais frágeis.

A fragilidade em idosos é considerada como um estado clínico no qual eles apresentam declínios na força, resistência e função fisiológica, tornando-se mais vulneráveis e em risco de evoluir desfavoravelmente ante agentes estressores, como violências e doenças agudas2020. Lana LD, Schneider RH. The frailty syndrome in elderly: a narrative review. Rev Bras Geriatr Gerontol 2014; 17(3): 673-80. http://dx.doi.org/10.1590/1809-9823.2014.12162
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. A prevalência de fragilidade aumenta com a idade, podendo chegar a 59% entre os idosos que vivem na comunidade2121. Collard RM, Boter H, Schoevers RA, Oude Voshaar RC. Prevalence of frailty in community-dwelling older persons: a systematic review. J Am Geriatr Soc 2012; 60(8): 1487-92. http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-5415.2012.04054.x
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Neste sentido, ao analisar os atendimentos de idosos vítimas de violências, segundo faixa etária, os percentuais foram mais elevados entre os idosos de 66 anos ou mais se comparados aos mais jovens (60 a 65 anos), sofrendo violações como negligência no ambiente do lar, provocadas por pessoas da família que atingiram a cabeça e múltiplos órgãos. Todas essas indicações expõem à possibilidade de maior gravidade nas lesões apresentadas, o que foi constatado pela necessidade de internações desde o primeiro atendimento no serviço de urgência e emergência.

Entre os limites do estudo, destaca-se o viés de seleção, uma vez que o público é composto apenas por idosos atendidos em serviços de urgência e emergência do SUS localizados nas capitais do país, em especial os casos mais graves, além de não permitir estimar riscos para os eventos de interesse, uma vez que, compreensivelmente, não se trata de amostra de base populacional e sim por conveniência2222. Luz TCB, Malta DC, Sá NNB, Silva MMA, Lima-Costa MF. Violências e acidentes entre adultos mais velhos em comparação aos mais jovens: evidências do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), Brasil. Cad Saúde Pública 2011; 27(11): 2135-42. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011001100007
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. Outra questão importante, são relacionadas à coleta, nas quais as informações são referidas pelos participantes, acompanhantes, ou são provenientes de registros dos prontuários, estando sujeitas aos erros de mensuração, podendo resultar em subnotificação.

CONCLUSÃO

Estiveram associadas à violência entre as idosas o agressor ser o companheiro e a ameaça o meio de violência. Já os idosos sofreram violência em via pública, por desconhecido e as lesões no tórax/dorso causada por objeto perfurocortante ou contundente. Em relação à idade, nos idosos mais jovens houve predomínio de violência física por meio de força/espancamento, provocado por amigos e atingindo, principalmente, os membros superiores, quadril/dorso e a cabeça. Entre os mais idosos estiveram relacionados à negligência vivenciada na residência, afetando principalmente os membros inferiores e múltiplos órgãos, sendo pessoas da família como prováveis agressores.

O estudo aponta a importância de monitorar o perfil dos idosos vítimas de violência por causa das mudanças significativas apresentadas, bem como a necessidade de estudos que mostrem a violência perpetrada contra os idosos pela sua vulnerabilidade e, muitas vezes, incapacidade de externalizar o sofrimento. Os registros do VIVA Inquérito complementam as notificações realizadas continuamente no Sinan, especialmente por apresentar as violências mais graves, além de promover a articulação entre o setor saúde e toda a rede de proteção às vítimas de violência, integrando ações de promoção à saúde, prevenção e controle de violência e lesões por causas externas. Essa mobilização visa assegurar o cumprimento de princípios legalmente estabelecidos na Política Nacional do Idoso, que assegura os direitos sociais de proteção e amparo. Torna-se necessário avançar nessa compreensão e na efetivação desses direitos.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de mestrado recebida pela autora Fabiana Martins Dias de Andrade, e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de pós-doutorado júnior recebida pela autora Ísis Eloah Machado e a de Produtividade em Pesquisa, recebida pela autora Deborah Carvalho Malta.

REFERÊNCIAS

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  • Fonte de financiamento: Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. TED 66 (2018)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2019
  • Revisado
    03 Dez 2019
  • Aceito
    13 Dez 2019
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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