Avaliação da Atenção Primária à Saúde na ótica dos usuários: reflexões sobre o uso do Primary Care Assessment Tool-Brasil versão reduzida nos inquéritos telefônicos

Rosângela Durso Perillo Regina Tomie Ivata Bernal Kátia Crestine Poças Elisabeth Carmen Duarte Deborah Carvalho Malta Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Avaliar os atributos da atenção primária à saúde (APS) na ótica dos usuários entrevistados em inquérito telefônico, em Belo Horizonte.

Métodos:

Estudo transversal de base populacional, com dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2015, que incluiu um módulo adicional sobre a avaliação da APS. Utilizou-se o Primary Care Assessment Tool (PCATool-Brasil) em versão reduzida, com adaptações.

Resultados:

Entrevistaram-se 872 usuários, com o predomínio de mulheres, adultos de maior idade, com baixa escolaridade, sem companheiro, que se autodeclaram de cor parda e não possuem plano de saúde. O escore geral do Vigitel avaliação foi 5,48 (intervalo de confiança - IC95% 5,35 - 5,61) e do PCATool reduzido 5,01 (IC95% 4,86 - 5,15). Em ambos os instrumentos, os escores dos atributos primeiro contato (utilização), longitudinalidade e coordenação (cuidado) se apresentaram superiores ao escore geral de maior valor (5,48). O escore médio do atributo primeiro contato (utilização) foi o mais bem avaliado pelos usuários, considerando o instrumento Vigitel avaliação (7,09; IC95% 6,93 - 7,26). De modo geral, as avaliações dos instrumentos são coincidentes, porém os atributos primeiro contato (utilização), integralidade (serviços disponíveis) e coordenação (sistema de informação) apresentaram melhores escores médios no instrumento Vigitel avaliação, quando comparado ao PCATool reduzido. Não houve diferença na avaliação segundo regional de saúde.

Conclusão:

A utilização do PCATool na versão reduzida em inquérito telefônico e com pequenas adaptações à realidade local mostrou-se nova possibilidade de avaliação dos serviços da APS e pode se tornar útil na gestão dos serviços de saúde.

Palavras-chave:
Atenção primária à saúde; Avaliação de serviços de saúde; Serviços de saúde; Inquéritos epidemiológicos; Entrevista por telefone

INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) proposta na Conferência de Alma-Ata foi definida como parte integral do sistema de saúde e representa o primeiro contato do indivíduo com esse sistema. Deve funcionar como porta de entrada preferencial e articular-se aos demais níveis de atenção, compondo assim a Rede de Atenção à Saúde (RAS) de forma hierarquizada, integrada, resolutiva e sob base geográfica definida11. Starfield B. Atenção primária - Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. 2ª ed. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002. 726 p..

No Brasil, a Estratégia Saúde da Família (ESF) é prioritária para o fortalecimento da APS, de forma a reafirmar a universalização e a equidade na assistência. Uma APS robusta é importante para o enfrentamento da crise pela qual passa o Sistema Único de Saúde (SUS) em decorrência das políticas liberais, de um modelo que privilegia tecnologias de alta intensidade e de um contexto de restrição de direitos22. Melo EA, Mendonça MHM, Oliveira JR, Andrade GCL. Mudanças na Política Nacional de Atenção Básica: entre retrocessos e desafios. Saúde Debate [Internet]. 2018 [acessado em 15 out. 2019]; 42( Esp. 1): 38-51. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018s103
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.

Segundo Starfield11. Starfield B. Atenção primária - Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. 2ª ed. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002. 726 p., uma APS forte deve apresentar elementos estruturais como o primeiro contato, a longitudinalidade, a integralidade e a coordenação do cuidado, bem como elementos derivados, como a orientação familiar e a comunitária.

A APS no Brasil, na última década, sofreu grande expansão, passando da cobertura de 50,9% (2008) à de 74,65% (outubro de 2019)33. Malta DC, Santos MAS, Stopa SR, Vieira JEB, Melo EA, Reis AAC. A Cobertura da Estratégia de Saúde da Família (ESF) no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [acessado em 6 out. 2019]; 21(2): 327-38. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015212.23602015
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,44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cobertura da atenção básica [Internet]. 2019 [acessado em 15 dez. 2019]. Disponível em: Disponível em: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml
https://egestorab.saude.gov.br/paginas/a...
. Não obstante, o grande desafio continua sendo garantir a melhoria da qualidade dos serviços e aumentar a satisfação de usuários e dos profissionais.

Com vistas no estabelecimento de uma cultura de avaliação e intervenção, o Ministério da Saúde, em 2011, instituiu o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) para incentivar gestores e equipes na qualificação dos serviços, com a adequação dos processos de trabalho55. Chaves LA, Jorge AO, Cherchiglia ML, Reis IA, Santos MAC, Santos AF, et al. Integração da atenção básica à rede assistencial: análise de componentes da avaliação externa do PMAQ-AB. Cad Saúde Pública [Internet]. 2018 [acessado em 22 set. 2019]; 34(2): e00201515. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00201515
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. Apesar da descontinuidade do programa em 2019, os resultados apresentados foram importantes para a melhoria dos serviços da APS.

Outro instrumento avaliativo utilizado no Brasil consiste no Primary Care Assessment Tool (PCATool), conforme apresentam Fracolli et al.66. Fracolli LA, Gomes MFP, Nabão FRZ, Santos MS, Cappellini VK, Almeida ACC. Instrumentos de avaliação da Atenção Primária à Saúde: revisão de literatura e metassíntese. Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19(12): 4851-60. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320141912.00572014
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em revisão de literatura sobre os principais instrumentos de avaliação da APS. O PCATool-Brasil versão adulto77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment tool PCATtool. Brasília: MS; 2010. é um instrumento composto por grupos de perguntas referentes aos atributos da APS (primeiro contato, longitudinalidade, integralidade, coordenação, orientação familiar e comunitária). O instrumento foi traduzido e validado no Brasil na versão completa (88 itens)88. Harzheim E, Oliveira MMC, Agostinho MR, Hauser L, Stein AT, Gonçalves MR, et al. Validação do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: PCATool-Brasil adultos. Rev Bras Med Fam Comunidade 2013; 8(29): 274-84. http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc8(29)829
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e em versão reduzida (23 itens)99. Oliveira MMC de, Harzheim E, Riboldi J, Duncan BB. PCATool-ADULTO-BRASIL: uma versão reduzida. Rev Bras Med Fam Comunidade 2013; 8(29): 256-63. https://doi.org/10.5712/rbmfc8(29)823
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.

Diante da importância da avaliação dos serviços para o fortalecimento da APS, o Ministério da Saúde, com o intuito de buscar nova possibilidade de avaliação dos serviços, em 2015 agregou ao Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) um módulo piloto de avaliação da APS para duas capitais brasileiras (Belo Horizonte e Brasília)1010. Poças KC, Perillo RD, Bernal RTI, Malta DC, Duarte EC. Primeira escolha para utilização de serviços de saúde pela população adulta do Distrito Federal, 2015: um inquérito de base populacional. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2019 [acessado em 13 out. 2019] 28(2): e2018124. http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742019000200017
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. Contou com a parceria de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UnB) no desenvolvimento desse módulo.

Sabe-se que os inquéritos populacionais de saúde vêm sendo utilizados de forma crescente, não só para obter informações sobre a morbidade referida e os estilos de vida da população, como também para avaliar o funcionamento dos serviços do ponto de vista do usuário, consistindo em boa oportunidade para a realização da avaliação da APS1111. Malta DC, Leal MC, Lima-Costa MF, Morais-Neto OL. Inquéritos Nacionais de Saúde: experiência acumulada e proposta para o inquérito de saúde brasileiro. Rev Bras Epidemiol 2008; 11(Supl. 1): 159-67. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-790X2008000500017
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.

Assim, este estudo apresenta algumas reflexões sobre a avaliação do desempenho da APS, utilizando a versão reduzida do PCATool-Brasil para usuários, em inquéritos telefônicos. Assim, seu objetivo é avaliar os atributos da APS na perspectiva dos usuários adultos entrevistados por telefone em Belo Horizonte.

MÉTODOS

Estudo transversal de base populacional com caráter descritivo, realizado em 2015 com dados do Vigitel1212. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2015: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2015. Brasília: Ministério da Saúde; 2016. 160 p..

Realizou-se o estudo no município de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, que possui 2.375.151 habitantes. O município é dividido em nove regionais de saúde que correspondem à organização administrativo-assistencial da Secretaria Municipal de Saúde. Implantou-se a ESF no município no ano de 2002, e, em 2017, a cidade possuía cobertura de 80,38% da população.

O Vigitel realiza anualmente entrevistas com a população adulta das capitais brasileiras e do Distrito Federal, utilizando linhas telefônicas fixas sorteadas. As entrevistas por telefone foram realizadas por empresa especializada1212. Brasil. Ministério da Saúde. Vigitel Brasil 2015: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2015. Brasília: Ministério da Saúde; 2016. 160 p.. O treinamento da equipe responsável pelas entrevistas foi realizado por pesquisadores da UFMG e da UnB e técnicos da Secretaria de Vigilância em Saúde/Ministério da Saúde.

Da amostra Vigitel BH, selecionaram-se os entrevistados que seriam elegíveis para responder ao instrumento utilizado no módulo avaliação da APS, que avalia a presença e a extensão dos atributos da APS sob a perspectiva do usuário. Assim, inicialmente os entrevistados responderam aos itens relacionados aos fatores de risco e proteção para as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) referentes ao inquérito Vigitel. Em seguida, responderam a perguntas relacionadas à utilização dos serviços de saúde e da APS nos últimos 12 meses. Os entrevistados que se declararam usuários da APS foram então convidados a participar deste estudo, respondendo ao módulo avaliação da APS.

Esse módulo, específico sobre a utilização de serviços de saúde e avaliação dos atributos da APS dos municípios de Belo Horizonte, utilizou como base a versão reduzida do PCATool-Brasil.

Desenvolveu-se o instrumento utilizado nesta pesquisa com vistas a complementar o PCATool reduzido com questões de interesse para a análise diante de particularidades relacionadas à cobertura e a diferentes arranjos dos serviços da APS das duas cidades selecionadas. Para isso, efetuou-se acréscimo de 11 itens, oito deles extraídos do PCATool-BRASIL (versão Adulto completa) e três retirados do instrumento utilizado na etapa da avaliação externa do PMAQ-AB1313. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ). Instrumento de Avaliação Externa para as Equipes de Atenção Básica (Saúde da Família e Equipe Parametrizada) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde ; 2013 [acessado em 10 out. 2019]. Disponível em: Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/instrumento_ae_sfp.pdf
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. Os itens que foram acrescentados à versão reduzida do PCATool-Brasil contemplam praticamente todos os atributos da APS, com exceção de longitudinalidade, coordenação (cuidado) e integralidade (serviços prestados), que mantiveram os componentes da versão reduzida original (Tabela 1).

Tabela 1.
Descrição dos itens acrescentados no módulo avaliação do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), Belo Horizonte, 2015θ.

Analisaram-se os dados das entrevistas fazendo uma comparação entre os resultados dos escores obtidos com o uso do instrumento deste estudo (escore Vigitel avaliação) e aqueles obtidos com o uso da versão reduzida do PCATool (escore PCATool reduzido).

Sortearam-se inicialmente cinco mil linhas telefônicas fixas, realizando-se o contato com 3.800, das quais 1.695 foram consideradas não elegíveis (linhas comerciais ou linhas que não responderam a seis tentativas de chamadas). Assim, conduziram-se 2.125 entrevistas, nas quais 2.006 entrevistados relataram ter procurado algum serviço de saúde quando precisaram de atendimento. Quando indagados se haviam utilizado a APS nos últimos 12 meses, 957 usuários responderam positivamente, dos quais 162 não aceitaram responder ao módulo avaliação da APS.

Com o intuito de ampliar a amostra, para este estudo, sortearam-se novas linhas telefônicas e entrevistaram-se mais 118 adultos, que responderam a questionário reduzido do Vigitel. Esse instrumento continha itens selecionados sobre as condições sociodemográficas, condições de saúde autorreferida e fatores de risco comportamentais para DCNT, além do módulo de avaliação da APS. Totalizaram-se, assim, 913 entrevistas de adultos, que referiram utilizar os serviços de APS. Excluíram-se 41 entrevistas em virtude da impossibilidade de localização do endereço da Unidade Básica de Saúde (UBS) a qual o entrevistado disse ter utilizado. Desse modo, a população deste estudo foi de 872 entrevistados.

Os dados coletados das entrevistas do Vigitel utilizam amostras probabilísticas da população adulta, com base no cadastro das linhas de telefone fixo residenciais. Para igualar as distribuições sociodemográficas da amostra à distribuição estimada para a população total de 2015, após a coleta, os dados foram ponderados e passaram por procedimentos de pesos pós-estratificação calculados pelo método rake. Na ponderação, consideram-se o inverso do número de linhas telefônicas no domicílio, o número de indivíduos no domicílio e o peso pós-estratificação, constituído segundo as características de sexo, idade e escolaridade da amostra e da população total do município. Bernal et al.1414. Bernal RTI, Iser BPM, Malta DC, Claro RM. Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel): mudança na metodologia de ponderação. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2017 [acessado em 29 ago. 2019]; 26(4): 701-12. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000400003
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descrevem em detalhes o delineamento amostral do Vigitel.

A amostra empregada neste estudo também passou por outros procedimentos de pós-estratificação. Utilizaram-se as variáveis idade, sexo e escolaridade no seu cálculo, de forma que a distribuição sociodemográfica do Vigitel se igualasse à distribuição da população adulta de Belo Horizonte.

As variáveis do estudo podem ser divididas em três grupos:

  • escore (extraída do módulo avaliação da APS): O cálculo do escore se refere às respostas de cada item (componente) que forma os respectivos atributos.

  • características sociodemográficas (extraídas do questionário do Vigitel):

    • sexo (masculino; feminino);

    • faixa etária (em anos: 18-29; 30-39; 40-59; 60 ou mais);

    • escolaridade (anos de estudo: 0 a 8; 9 a 11; 12 ou mais);

    • raça/cor (branca; preta, amarela; parda; indígena);

    • situação conjugal (com ou sem companheiro);

    • ter plano de saúde (sim ou não).

  • localização da UBS utilizada nos últimos 12 meses segundo regional de saúde à qual pertence (extraída do módulo avaliação da APS).

Antes de responder aos itens relacionados à avaliação da APS, fizeram-se duas perguntas abertas com o objetivo de identificar a UBS a que o usuário se referia no momento da avaliação. São elas: O(a) senhor(a) respondeu que procurou atendimento nos últimos 12 meses, em uma UBS (seja num Posto de saúde ou no Centro de Saúde ou na unidade saúde da família) para cuidar da própria saúde. O senhor confirma essa informação?; e Se sim, qual é a UBS que o senhor procurou nos últimos 12 meses?

Inicialmente, realizou-se a análise descritiva das variáveis sociodemográficas por meio das frequências absolutas e relativas. Em um segundo momento, calcularam-se as médias dos escores por atributo com intervalos de confiança de 95%. Descreveram-se os escores obtidos considerando-se os itens do PCATool reduzido e comparando-os aos escores obtidos por meio dos itens do instrumento utilizado no módulo avaliação da APS. E, no terceiro momento, descreveram-se os escores obtidos considerando-se as regionais de Belo Horizonte.

Fez-se o cálculo dos escores com base nas respostas aos itens que utilizaram a escala do tipo Likert, em que o entrevistado especifica seu nível de concordância com o item apresentado e as respostas são dispostas de 1 a 4 (1 = com certeza não; 2 = provavelmente não; 3 = provavelmente sim; 4 = com certeza sim). Após a consolidação dos dados de cada atributo, os valores são transformados em escala contínua, variando entre zero e dez, conforme mostra a Equação 1:

[escore obtido - 1 (valor mínimo)] × 10 / 4 (valor máximo) - 1 (valor mínimo)(1)

Além do cálculo do escore por atributo, calculou-se também o escore essencial, que é a soma da média entre os componentes dos atributos primeiro contato, longitudinalidade, coordenação e integralidade, somados ao grau de afiliação. Obteve-se o escore derivado por meio da média dos atributos orientação familiar e orientação comunitária. Por fim, o escore geral foi obtido pelo valor médio dos escores essenciais, derivados e do grau de afiliação. Vale ressaltar que o grau de afiliação visa identificar o profissional ou o serviço que serve como referência para o entrevistado e, portanto, não é considerado atributo da APS, mas é incluído no cálculo dos escores essencial e geral77. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: Primary Care Assessment tool PCATtool. Brasília: MS; 2010.. Um escore geral ≥ 6,6 indica que há forte orientação à APS.

Todas as análises foram realizadas com o módulo Survey disponível no Data Analysis and Statistical Softwares (STATA) versão 14.0, para que fosse possível incorporar a ponderação dos dados do Vigitel e do módulo avaliação da APS.

A realização do Vigitel foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), parecer nº 355.590, de 26 de junho de 2013, e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UnB (CEP/FM/UnB), sob parecer nº 089/12, de 5 de maio de 2013. Dada a natureza das entrevistas, substituiu-se o consentimento livre e esclarecido pelo consentimento verbal obtido por ocasião dos contatos telefônicos com os entrevistados.

RESULTADOS

Entre os 2.125 entrevistados em 2015 em Belo Horizonte, a frequência do uso de serviços da APS nos últimos 12 meses, com endereço localizado, foi de 41,04% (n = 872).

A Tabela 2 apresenta as características sociodemográficas dos entrevistados, dos quais 63,14% (intervalo de confiança - IC95% 58,94 - 67,2) eram do sexo feminino.

Tabela 2.
Caracterização dos adultos que utilizaram os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) nos últimos 12 meses. Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), Belo Horizonte, 2015**.

Em relação à faixa etária, os que mais procuram os serviços são os adultos de maior idade, isto é, 32,92% estão na faixa de 40 a 59 anos (IC95% 29,26 - 36,79), seguidos de 28,79% com 60 anos e mais (IC95% 25,61 - 32,18).

Também utilizaram mais os serviços da APS adultos com baixa escolaridade, isto é, ≤ 8 anos de estudo (39,97%; IC95% 36,00 - 44,07), além dos que se autodeclararam pardos (45,52%; IC95% 41,35 - 49,75), os que viviam sem companheiro(a) (50,38%; IC95% 46,23 - 54,51) e os que não possuíam plano de saúde (53,23%; IC95% 49,12 - 57,30) (Tabela 2).

A Tabela 3 apresenta o escore geral obtido segundo a localização da UBS a que o usuário recorreu nos últimos 12 meses. Considerando-se a média dos escores obtidos do PCATool reduzido das unidades de cada regional de saúde, observa-se que apenas as unidades da Regional Nordeste (5,77; IC95% 5,06 - 6,48) apresentaram escore maior que o escore geral do módulo avaliação do Vigitel (5,48). Entretanto, ao analisar o escore geral das regionais com os dados do módulo avaliação da APS do Vigitel, na Regional Nordeste (6,17; IC95% 5,55 - 6,78), Regional Norte (5,70; IC95% 5,33 - 6,07), Regional Oeste (5,57; IC95% 5,10 - 6,05) e Regional Pampulha (5,60; IC95% 5,40 - 6,80) os escores foram superiores ao geral de Belo Horizonte (5,48).

Tabela 3.
Escore geral obtido na avaliação da Atenção Primária à Saúde (APS), segundo localização da unidade utilizada pelo do usuário. Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), Belo Horizonte, 2015*.

A Tabela 4 apresenta o escores médios obtidos dos atributos da APS com intervalo de confiança de 95%. Calculou-se o escore geral de duas formas: com base nas médias dos escores dos atributos do PCATool reduzido (5,01; IC95% 4,86 - 5,15); e o escore geral do instrumento adotado neste estudo (escore Vigitel avaliação) com base no Vigitel 2015 (5,48; IC95% 5,35 - 5,61).

Tabela 4.
Escore médio obtido por atributo da Atenção Primária à Saúde (APS) na ótica dos usuários. Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), Belo Horizonte, 2015.

Em ambos os instrumentos, os atributos primeiro contato (utilização), longitudinalidade e coordenação (cuidado) apresentaram médias superiores ao escore geral de maior valor (5,48). O atributo primeiro contato (utilização) foi o mais bem avaliado pelos usuários, considerando o instrumento Vigitel avaliação (7,09; IC95% 6,93 - 7,26). Sendo assim, o primeiro contato foi o único atributo que se considerou ter forte grau de orientação do serviço em relação aos atributos da APS (≥ 6,6). Em contrapartida, o atributo orientação familiar foi o que apresentou menor escore: no PCATool reduzido obteve 4,39 (IC95% 4,13 - 4,65) e no Vigitel avaliação 4,58 (IC95% 4,33 - 4,82) (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Este estudo analisou dados do módulo avaliação da APS do Vigitel 2015. Apresenta a potencialidade do uso do inquérito telefônico na avaliação da APS, com a utilização do PCATool reduzido.

A análise mostrou que os usuários da APS são na maioria mulheres, adultos de maior faixa etária, com baixa escolaridade, sem companheiro, que se autodeclaram de cor parda e não possuem plano de saúde. Vários autores afirmam que o uso de serviços de saúde está relacionado a diversos fatores, tais como a percepção da doença, a necessidade dos usuários, a disponibilidade dos serviços ofertados, ou mesmo características sociodemográficas1515. Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CLG. Acesso e uso de serviços de saúde pela população brasileira, Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Rev Saúde Pública [Internet]. 2017 [acessado em 29 ago. 2019]; 51(Supl. 1): 3s. http://dx.doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000074
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,1616. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Doenças crônicas não transmissíveis e a utilização de serviços de saúde: análise da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil. Rev Saúde Pública [Internet]. 2017 [acessado em 29 ago. 2019]; 51(Supl. 1): 4s. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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,1717. Cesar CLG, Goldbaum M. Usos de serviços de saúde. In: Cesar CLG, Carandina L, Alves MCGP, Azevedo MB, Goldbaum M, editores. Saúde e condição de vida em São Paulo: inquérito multicêntrico de saúde no Estado de São Paulo: ISA-SP. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da USP; 2005. p. 185-98.,1818. Poças KC, Freitas LRS, Duarte EC. Censo de estrutura da Atenção Primária à Saúde no Brasil (2012): estimativas de coberturas potenciais. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2017 [acessado em 12 ago. 2019]; 26(2): 275-84. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000200005
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.512...
. A maior utilização dos serviços da APS por mulheres pode estar relacionada à sua maior percepção da situação de saúde e, por conseguinte, à maior busca por ações de prevenção1414. Bernal RTI, Iser BPM, Malta DC, Claro RM. Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel): mudança na metodologia de ponderação. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2017 [acessado em 29 ago. 2019]; 26(4): 701-12. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000400003
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.512...
,1919. Travassos C, Martins M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúde. Cad Saúde Pública [Internet]. 2004 [acessado em 29 ago. 2019]; 20(Supl. 2): S190-8. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2004000800014
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,2020. Barros MBA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2006 [acessado em 29 ago. 2019]; 11(4): 911-26. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000400014
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.

Não houve diferenças de avaliação da APS segundo as regionais de saúde. Entretanto, o escore geral foi 5,48 menor que o esperado, apontando assim a necessidade da busca de alternativas para adequação dos processos de trabalho. Esse resultado difere dos obtidos no estudo de Turci et al.2121. Turci MA, Lima-Costa MF, Macinko J. Influência de fatores estruturais e organizacionais no desempenho da atenção primária à saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, na avaliação de gestores e enfermeiros. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 [acessado em 6 out. 2019]; 31(9): 1941-52. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00132114
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, realizado em Belo Horizonte, que analisou a percepção dos profissionais e encontrou escore médio de 7,5. Entretanto, os estudos apontam que a avaliação realizada por usuários tende a ser mais rigorosa do que a de gestores e profissionais2121. Turci MA, Lima-Costa MF, Macinko J. Influência de fatores estruturais e organizacionais no desempenho da atenção primária à saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, na avaliação de gestores e enfermeiros. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 [acessado em 6 out. 2019]; 31(9): 1941-52. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00132114
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,2222. Ibañez N, Rocha JSY, Castro PC, Ribeiro MCSA, Forster AC, Novaes MHD, et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11(3): 683-703. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000300016
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.

Em relação aos atributos, o escore do atributo primeiro contato (utilização) foi o mais bem avaliado pelos usuários, com valor médio superior ao parâmetro (≥ 6,6). Os atributos longitudinalidade, coordenação e integralidade (serviços disponíveis) apresentaram médias superiores ao escore geral encontrado no estudo (> 5,48).

De acordo com Donabedian2323. Donabedian A. Evaluating the quality of medical care. Milbank Q 2005; 83(4): 691-729. https://dx.doi.org/10.1111%2Fj.1468-0009.2005.00397.x
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, na avaliação de serviço deve-se considerar o componente da qualidade da estrutura, que está relacionado às características do serviço, o componente do processo, relacionado às ações por parte dos profissionais de saúde e populações, e os resultados, que são o reflexo do estado de saúde alcançado.

O PCATool permite a avaliação dos componentes de estrutura e processo. Os atributos primeiro contato (utilização) e integralidade (serviços prestados) estão relacionados à avaliação dos processos. Nesse sentido, foi possível observar que também se chegou à boa avaliação do atributo primeiro contato (utilização) em outros estudos, bem como à boa avaliação dos atributos longitudinalidade, coordenação e integralidade2222. Ibañez N, Rocha JSY, Castro PC, Ribeiro MCSA, Forster AC, Novaes MHD, et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11(3): 683-703. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000300016
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.

Os atributos primeiro contato (acesso), orientação comunitária e familiar apresentaram escores médios abaixo do esperado, o que corrobora outros estudos2525. Elias PE, Ferreira CW, Alves MCG, Cohn A, Kishima V, Escrivão-Junior A, et al. Atenção Básica em Saúde: comparação entre PSF e UBS por estrato de exclusão social no município de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2006 [acessado em 12 abr. 2014]; 11(3): 633-41. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000300012
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e reforça a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas que busquem maior envolvimento da família e da comunidade na busca do direito à cidadania e da melhora da qualidade de vida. Em estudos realizados com profissionais, também se verificou menor escore nesses atributos2121. Turci MA, Lima-Costa MF, Macinko J. Influência de fatores estruturais e organizacionais no desempenho da atenção primária à saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, na avaliação de gestores e enfermeiros. Cad Saúde Pública [Internet]. 2015 [acessado em 6 out. 2019]; 31(9): 1941-52. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00132114
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Em relação ao baixo escore encontrado na orientação familiar, vale ressaltar que tal atributo envolve a avaliação das necessidades de saúde do indivíduo e a relação com o ambiente familiar, além do enfrentamento do desafio dos recursos familiares disponíveis, que muitas vezes são limitados. Não obstante, esse atributo está relacionado também ao alcance de bom resultado no âmbito da integralidade e da coordenação do cuidado, mostrando assim a complexidade da sua avaliação2222. Ibañez N, Rocha JSY, Castro PC, Ribeiro MCSA, Forster AC, Novaes MHD, et al. Avaliação do desempenho da atenção básica no Estado de São Paulo. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11(3): 683-703. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000300016
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Em relação ao escore geral encontrado no PCATool reduzido e no instrumento utilizado neste estudo, ambos apresentaram valor menor que o esperado. Entretanto, observa-se que o instrumento utilizado no módulo avaliação apresentou maior escore. Esse achado indica a importância da adaptação do instrumento PCATool reduzido às características locais dos serviços da APS. Sugere-se, por exemplo, a possibilidade de inclusão de itens que mensurem o uso de outras formas de comunicação da equipe de saúde com os usuários, com o uso de aplicativos em dispositivos móveis ou mesmo por e-mail, o que poderia contribuir para a ampliação do acesso e da vinculação.

Outro aspecto interessante a ser incluído na avaliação da APS seria um item relacionado à utilização de telemedicina pela equipe, o que poderia potencializar o atributo coordenação do cuidado. No que se refere ao atributo coordenação (sistema de informação), percebe-se ainda a necessidade de investimentos nessa área.

Os serviços da APS em Belo Horizonte utilizam o prontuário eletrônico, porém, infelizmente, essa não é a realidade de muitos municípios, fato que pode dificultar o acesso às informações dos usuários. É necessária também a integração das informações do usuário em toda a RAS, o que facilitaria muito a coordenação do cuidado.

Ademais, a transição epidemiológica com o aumento das DCNT1616. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Araújo SSC, Silva MMA, Freitas MIF, et al. Doenças crônicas não transmissíveis e a utilização de serviços de saúde: análise da Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil. Rev Saúde Pública [Internet]. 2017 [acessado em 29 ago. 2019]; 51(Supl. 1): 4s. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/s1518-8787.2017051000090
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e os agravos relacionados à violência sugere a necessidade de incluir novos itens no atributo integralidade.

Vale ressaltar que o componente sistema de informação é considerado de difícil avaliação pelos usuários. Assim, outras abordagens metodológicas podem complementar a avaliação dos serviços com a análise da compreensão, em profundidade, da percepção dos usuários sobre os serviços da APS.

Uma limitação deste estudo se refere a um possível viés de seleção originado no uso do cadastro de linhas telefônicas fixas, que se minimizou com o uso da ponderação e pesos pós-estratificação, ajustando a composição da amostra às características demográficas da população do município.

Em relação à utilização do instrumento da versão reduzida do PCATool para usuários, a limitação refere-se ao fato de ele não ter sido desenvolvido para a análise de escores por atributo, sendo capaz de medir a presença e a extensão dos atributos essenciais e derivados da APS por meio do escore geral. Entretanto, deve-se levar em consideração a viabilidade de utilização da versão completa ou mesmo da realização de adaptações na versão reduzida para uso em inquéritos telefônicos.

Outro aspecto a ser considerado é o tamanho da amostra quando se pretende calcular os escores por meio do PCATool, pois é necessário garantir a representatividade da população, especialmente para as análises de áreas menores, como as regionais de saúde.

Apesar das limitações levantadas, o estudo permitiu fazer a avaliação dos atributos da APS em Belo Horizonte por meio de inquérito telefônico, mostrando ser uma forma inovadora de avaliação e que pode ser replicada em todo país. O PCATool adotado em inquérito telefônico mostrou-se importante instrumento para verificação da presença dos atributos da APS, permitindo a avaliação de serviços de saúde na perspectiva do usuário, além de ser útil na gestão dos serviços. Como é um instrumento utilizado mundialmente, com diferentes versões validadas para contextos locais, permite a comparabilidade dos achados.

Apesar do uso do instrumento de avaliação validado nacionalmente, o estudo sugere ainda a necessidade de realizar adaptações à realidade local, podendo torná-lo, assim, mais sensível às diferentes realidades.

Existem ainda lacunas a ser exploradas, como a realização de estudos avaliativos em áreas menores, como as regionais de saúde, ou mesmo no contexto local da UBS, o que seria de grande valia para os gestores locais.

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  • Fonte de financiamento: Fundo Nacional de Saúde. TED 66 - 2018

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    24 Out 2019
  • Revisado
    16 Dez 2019
  • Aceito
    28 Dez 2019
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