Tendência temporal, distribuição e autocorrelação espacial da hanseníase no Brasil: estudo ecológico, 2011 a 2021

Lucas Vinícius de Lima Gabriel Pavinati Isadora Gabriella Pascholotto Silva Débora Regina de Oliveira Moura Nelly Lopes de Moraes Gil Gabriela Tavares Magnabosco Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Caracterizar a tendência temporal e o comportamento espacial da hanseníase no Brasil, de 2011 a 2021.

Métodos:

Estudo ecológico, com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, obtidos em junho de 2022. Calculou-se a taxa de detecção anual de casos novos de hanseníase por 100 mil habitantes. Para estimar a tendência das séries 2011–2019 e 2011–2021, empregou-se o modelo de regressão polinomial, testando polinômios de primeira, segunda e terceira ordem. Para a espacialidade, utilizaram-se as quebras naturais e, posteriormente, as estatísticas univariadas de Moran global e local. Adotou-se o nível de significância de 5% e as análises foram realizadas no Statistical Package for the Social Sciences — SPSS®, GeoDa® e QGIS®.

Resultados:

Os achados apontaram para a tendência crescente da incidência de hanseníase no Brasil, nas regiões e em 20 unidades da federação entre 2011 e 2019; contudo, houve decréscimo em grande parte do país ao se considerarem os anos pandêmicos. A espacialidade revelou que as maiores taxas de detecção, em todo o período, foram observadas nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, com clusters de alto risco, e as menores nas Regiões Sul e Sudeste, com aglomerados de baixo risco.

Conclusão:

A taxa de detecção da hanseníase apresentou tendência crescente no Brasil entre 2011 e 2019, com maior concentração espacial nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Entretanto, o estudo traz um alerta para a sustentabilidade programática do controle da hanseníase no Brasil, dada a queda evidenciada na pandemia, presumivelmente por influência da reorganização da oferta de ações e serviços anteposta àCOVID-19.

Palavras-chave:
Estudos ecológicos; Hanseníase; Análise espaço temporal; Saúde pública

INTRODUÇÃO

A hanseníase é uma condição infectocontagiosa crônica, ocasionada pelo Mycobacterium leprae, que acomete principalmente a pele e os nervos periféricos, com potencial para causar incapacidades11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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. Seu registro é milenar, contudo diversos avanços foram alcançados nas últimas décadas11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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, sobretudo pelas “Estratégias Globais para Enfrentamento da Hanseníase (2016–2020 e 2021–2030)” propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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.

Em 2020, foram descobertos 127.396 novos casos de hanseníase em todo o mundo, representando queda de 37,1% em comparação a 2019 como possível consequência da pandemia da COVID-1922 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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. Brasil, Índia e Indonésia juntamente corresponderam a 74,0% do total de casos da doença registrados em 202022 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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. Para mais, o Estado brasileiro figura entre os 22 países com cargas mais altas da doença, ocupando a 2ᵃ posição de maior incidência de casos11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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.

Nesse cenário, compreende-se que a hanseníase persiste como problema de saúde pública no Brasil, mesmo com a existência de diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da doença11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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,33 Laurino CR, Vidal SL, Gama BMBM, Loures LF, Fernandes GAB, Coelho ACO. Trajetória de casos de hanseníase e fatores relacionados. Cienc Cuid Saúde 2018; 17(3). http://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v17i3.42275
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. A complexidade da hanseníase agrava-se pela inerência de determinantes sociais e econômicos associados à doença, a qual, além de ocasionar deformidades físicas e invalidez, traz consigo o peso social de estigma e discriminação das pessoas acometidas11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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,44 Pinheiro MGC, Simpson CA, Mendes FRP, Miranda FAN. Perfil de pacientes que concluíram o tratamento poliquimioterápico da hanseníase: um estudo transversal. Cienc Cuid Saúde 2021; 20: e58386. http://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v20i0.58386
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.

No Brasil, o enfrentamento da hanseníase vem sendo implementado desde a publicação das “Diretrizes Nacionais para Vigilância, Atenção e Eliminação da Hanseníase como Problema de Saúde Pública” em 201655 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública: manual técnico-operacional [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [cited on June 24, 2022]. Available at: http://portal.saude.pe.gov.br/sites/portal.saude.pe.gov.br/files/diretrizes_para_._eliminacao_hanseniase_-_manual_-_3fev16_isbn_nucom_final_2.pdf
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, e, mais recentemente, pela “Estratégia Nacional para Enfrentamento da Hanseníase (2019–2022)”, de 2020, que visa fortalecer a gestão, enfrentar a doença e suas complicações e promover a inclusão social da pessoa acometida11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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.

Entretanto, sabe-se que a hanseníase apresenta comportamento heterogêneo, tendo em vista que sua ocorrência é influenciável por fatores sociais, ambientais, econômicos e demográficos11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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,66 Batista JVF, Freitas EL, Rodrigues EL, Borba JA, Rosa H, Marinheiro JC. Características epidemiológicas da hanseníase no Brasil entre os anos de 2015 e 2020. Braz J Infect Dis 2022; 26(S1): 101996. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.102089
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. Dito isso, urge assumir a investigação do comportamento espaçotemporal da hanseníase considerando-se os diferentes cenários territoriais de uma localidade, principalmente pelo fato de que sua prevalência é maior em camadas sociais desfavorecidas77 Fujishima MA, Lemos LXO, Matos HJ. Distribuição espacial da hanseníase em menores de 15 anos de idade, no município de Belém, estado do Pará, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude 2020; 11: e202000229. http://dx.doi.org/10.5123/s2176-6223202000229
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.

Dada a alta carga da hanseníase no Brasil e reconhecendo-se a heterogeneidade da ocorrência da doença, sobretudo em contextos socioeconômicos de maior vulnerabilidade, faz-se necessário investigar o padrão temporal e espacial da hanseníase no país. Assim, este estudo objetivou caracterizar a tendência temporal e o comportamento espacial da hanseníase no Brasil, de 2011 a 2021.

MÉTODOS

Estudo epidemiológico, com delineamento observacional, de desenho ecológico, em que foram empregadas análises em função do tempo e do espaço. Os dados foram extraídos em 20 de junho de 2022 do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), no sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS).

O Brasil, cenário deste estudo, constitui-se em 26 estados e o Distrito Federal, denominados unidades federadas (UF), que se organizam em cinco regiões: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, as quais correspondem à população estimada de 213.317.639 habitantes e à extensão territorial de 8.510.345,540 km22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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(Figura 1)88 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Portal do IBGE [Internet]. Brasília: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2022 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.ibge.gov.br/.
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.

Figura 1
Mapa do Brasil, segundo regiões e unidades federadas.

A população do estudo foi definida como os casos de hanseníase registrados no SINAN entre 2011 e 2021, considerando-se os dados mais recentes disponíveis na data de realização do estudo. Foram selecionados os casos novos, segundo local de residência (UF, regiões e Brasil), diagnosticados nos respectivos anos em análise.

Calculou-se a taxa de detecção anual de casos novos de hanseníase por 100 mil habitantes, um indicador preconizado pelo Ministério da Saúde para medir força de morbidade, magnitude e tendência da endemia55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da hanseníase como problema de saúde pública: manual técnico-operacional [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [cited on June 24, 2022]. Available at: http://portal.saude.pe.gov.br/sites/portal.saude.pe.gov.br/files/diretrizes_para_._eliminacao_hanseniase_-_manual_-_3fev16_isbn_nucom_final_2.pdf
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. O cálculo deu-se pela razão dos casos novos residentes em determinado local e ano, pela projeção da população total residente, no mesmo local e período, e o resultado foi multiplicado por 100 mil.

Posteriormente, procedeu-se à análise de tendência empregando modelos de regressão polinomial, em que a taxa foi considerada a variável dependente (y) e os anos a independente (x)99 Latorre MRDO, Cardoso MRA. Análise de séries temporais em epidemiologia: uma introdução sobre os aspectos metodológicos. Rev Bras Epidemiol 2001; 4(3): 145-52. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2001000300002
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. Considerando-se a possibilidade de influência do período pandêmico na série histórica, foram estimadas a tendência temporal em dois períodos, 2011–2019 e 2011–2021, com o intuito de analisar e comparar o comportamento da incidência da hanseníase no contexto da COVID-19.

Para evitar a correlação serial, empregou-se o artifício de transformação da variável ano na variável ano-centralizada, e, para suavizar as taxas, utilizou-se o artefato de alisamento pela média móvel de três pontos. Foram testados modelos de primeira (y=β0+/-β1x), segunda (y=β0+/-β1x+/-β2x²) e terceira ordem (y=β0+/-β1x+/-β2x²+/-β3x33 Laurino CR, Vidal SL, Gama BMBM, Loures LF, Fernandes GAB, Coelho ACO. Trajetória de casos de hanseníase e fatores relacionados. Cienc Cuid Saúde 2018; 17(3). http://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v17i3.42275
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). Escolheu-se aquele com melhor significância estatística (p<0,05), coeficiente de determinação (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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) mais próximo de 1,00 e análise dos resíduos sem viés99 Latorre MRDO, Cardoso MRA. Análise de séries temporais em epidemiologia: uma introdução sobre os aspectos metodológicos. Rev Bras Epidemiol 2001; 4(3): 145-52. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2001000300002
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Nesse tipo de modelagem, de alto poder estatístico e fácil interpretação, β0 é caracterizado como a taxa média da série histórica (intercepto) e β1, β2 e β3 como os coeficientes da regressão (evolução), representando a variação/aceleração média anual da taxa. O sinal dos coeficientes determina a tendência crescente (+) ou decrescente (-). Quando os critérios foram semelhantes para os polinômios, optou-se pelo modelo mais simples (ou seja, o de menor ordem)99 Latorre MRDO, Cardoso MRA. Análise de séries temporais em epidemiologia: uma introdução sobre os aspectos metodológicos. Rev Bras Epidemiol 2001; 4(3): 145-52. https://doi.org/10.1590/S1415-790X2001000300002
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Para a distribuição espacial, os dados foram agrupados em três períodos: 2011–2014, 2015–2017 e 2018–2021. Levando-se em conta a possibilidade de flutuações aleatórias, a taxa de cada período deu-se pela razão da soma dos casos novos, pela soma da população de cada ano no mesmo local, e o resultado foi multiplicado por 100 mil. Osmapas foram construídos tendo como unidade as UF, com base no shapefile obtido no IBGE, por meio de intervalos de quebras naturais em que as cores escuras representam taxas mais altas e cores claras taxas mais baixas.

Ademais, analisou-se a dependência espacial da taxa de detecção pelo coeficiente de autocorrelação espacial de Moran, que se subdivide em índice de Moran global (I) e índice de Moran local (Ii). Utilizou-se o critério de vizinhança tipo queen. Inicialmente, calculou-se o Moran global univariado para cada período, determinando-se a significância pelo teste de pseudossignificância com 999 permutações. Quandosignificante (p<0,05), determinou-se o Moran local (LISA, do inglês local indicator of spatial association) univariado, identificando aglomerados (clusters) com risco semelhante1010 Luzardo AJR, Castañeda Filho RF, Rubim IB. Análise espacial exploratória com o emprego do índice de Moran. GEOgraphia 2017; 19(40): 161-79. https://doi.org/10.22409/GEOgraphia2017.v19i40.a13807
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.

Os clusters do LISA dividiram-se em: alto-alto (AA), estados e vizinhos com altas taxas; baixo-baixo (BB), estados e vizinhos com baixas taxas; baixo-alto (BA), estados com baixas taxas e vizinhos com altas taxas; alto-baixo (AB), estados com altas taxas e vizinhos com baixas taxas; e não significante (NS), estados e vizinhos sem tendência espacial clara1010 Luzardo AJR, Castañeda Filho RF, Rubim IB. Análise espacial exploratória com o emprego do índice de Moran. GEOgraphia 2017; 19(40): 161-79. https://doi.org/10.22409/GEOgraphia2017.v19i40.a13807
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. As análises estatísticas foram realizadas no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)®, v. 20.1, e as espaciais no GeoDa®, v.1.20, com construção dos mapas no QGIS®, v.2.8.

Por se tratar de pesquisa com dados de fontes secundárias, sem identificação de sujeitos e cujo acesso é de domínio público, não foi necessária submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, conforme preconizado pela Resolução no 510, de 2016, do Conselho Nacional de Saúde. Entretanto, menciona-se que foram seguidos e respeitados os preceitos éticos da legislação vigente.

RESULTADOS

No período de 2011 a 2021 foram registrados 309.638 novos casos de hanseníase no Brasil. Entre 2011 e 2019, a tendência de detecção revelou-se significativamente crescente para o país (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,99; p<0,001) e suas regiões, sendo o incremento mais expressivo percebido na Centro-Oeste (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,97; p=0,008). Ao considerar os anos pandêmicos, observou-se tendência de queda para o Brasil (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,92; p<0,001) e para as regiões, exceto a Sul (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,99; p<0,001) (Tabela 1).

Tabela 1
Modelos de tendência das taxas de casos novos de hanseníase, segundo unidades federadas e regiões do Brasil, 2011 a 2021.

Na análise entre 2011 e 2019, houve tendência crescente para 19 estados e o Distrito Federal, sendo Mato Grosso (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,94; p=0,003) e Tocantins (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,92; p=0,005) as UF com maior incremento anual. Por outro lado, entre os sete estados em queda, os maiores decréscimos foram visualizados no Amazonas (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,96; p<0,001), em Sergipe (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,93; p<0,001) e na Bahia (r22 World Health Organization. Global leprosy (Hansen disease) update, 2020: impact of COVID-19 on global leprosy control [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2021 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.who.int/publications/i/item/who-wer9636-421-444.
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=0,92; p=0,001). Nas séries históricas com 2020 e 2021, 12 dos 19 estados passaram de aumento para queda (Tabela 1).

A distribuição espacial dos casos revelou que, nos três períodos de agrupamento da análise (2011–2014, 2015–2017 e 2018–2021), as maiores taxas de detecção da doença estiveram concentradas nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com destaque para os estados de Mato Grosso e Tocantins. Da mesma forma, notaram-se menores taxas nas Regiões Sul e Sudeste (Figura 2).

Figura 2
Mapas da distribuição espacial das taxas de casos novos de hanseníase, por quebras naturais, segundo unidades federadas do Brasil, 2011 a 2021.

Os índices de Moran global e os respectivos pseudovalores de p para 2011–2014 (I=0479; p=0,001), 2015–2017 (I=0,393; p=0,007) e 2018–2021 (I=0,304; p=0,013) apontaram dependência espacial positiva significante, portanto empregou-se o LISA, com clusters significativos a 5% (p<0,05). Visualizou-se autocorrelação do tipo alta-alta para Mato Grosso, Tocantins e Pará nos três períodos. Ademais,observaram-se clusters do tipo baixo-baixo para os estados das Regiões Sul e Sudeste (Figura 3).

Figura 3
Mapas da autocorrelação espacial das taxas de casos novos de hanseníase, pelo índice de Moran local univariado, segundo unidades federadas do Brasil, 2011 a 2021.

DISCUSSÃO

Os achados apontaram para a tendência crescente dos casos novos de hanseníase no Brasil, nas regiões e em 20 UF entre 2011 e 2019; contudo, houve decréscimo em grande parte do país ao se considerarem os anos pandêmicos. Aespacialidade revelou que as maiores taxas de detecção, em todo o período, foram observadas nas Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, com clusters de alto risco, e as menores nas Regiões Sul e Sudeste, com aglomerados de baixo risco.

A hanseníase é considerada uma doença tropical negligenciada que persiste como problema de saúde pública em diversos países, mormente subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como o Brasil e a Índia1111 Sarode G, Sarode S, Anand R, Patil S, Jafer M, Baeshen H, etal. Epidemiological aspects of leprosy. Dis Mon 2020; 66(7): 100899. https://doi.org/10.1016/j.disamonth.2019.100899
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,1212 Assis IS, Arcoverde MAM, Ramos ACV, Alves LS, Berra TZ, Arroyo LH, etal. Social determinants, their relationship with leprosy risk and temporal trends in a tri-border region in Latin America. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12(4): e0006407. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0006407
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. A maior ocorrência da hanseníase nesses países relaciona-se a piores condições de vida, visto que situações de precariedade e desigualdade socioeconômica atuam como determinantes da doença1212 Assis IS, Arcoverde MAM, Ramos ACV, Alves LS, Berra TZ, Arroyo LH, etal. Social determinants, their relationship with leprosy risk and temporal trends in a tri-border region in Latin America. PLoS Negl Trop Dis 2018; 12(4): e0006407. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0006407
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,1313 Souza CDF, Luna CF, Magalhães MAFM. Spatial modeling of leprosy in the state of Bahia and its social determinants: a study of health inequities. An Bras Dermatol 2019; 94(2): 182-91. https://doi.org/10.1590/abd1806-4841.20197554
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.

Assim, entender o fenômeno polissêmico representado pela hanseníase permite a compreensão de seu comportamento em diversos aspectos, principalmente o epidemiológico1313 Souza CDF, Luna CF, Magalhães MAFM. Spatial modeling of leprosy in the state of Bahia and its social determinants: a study of health inequities. An Bras Dermatol 2019; 94(2): 182-91. https://doi.org/10.1590/abd1806-4841.20197554
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,1414 Miguel CB, Mota PB, Afonso BO, Agostinho F, Cazzaniga RA, Abreu MCM, etal. Leprosy morbidity and mortality in Brazil: 2008-2018. Braz J Infect Dis 2021; 25(6): 101638. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.101638
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. Nesse sentido, deve-se considerar que as disparidades comportamentais da hanseníase no Brasil, cuja extensão territorial atinge proporções continentais, podem estar atreladas às desigualdades sociais, econômicas e programáticas existentes entre as regiões do país, já mostradas em estudos anteriores66 Batista JVF, Freitas EL, Rodrigues EL, Borba JA, Rosa H, Marinheiro JC. Características epidemiológicas da hanseníase no Brasil entre os anos de 2015 e 2020. Braz J Infect Dis 2022; 26(S1): 101996. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.102089
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,1515 Albuquerque MV, Ribeiro LHL. Inequality, geographic situation, and meanings of action in the COVID-19 pandemic in Brazil. Cad Saude Publica 2020; 36(12): e00208720. https://doi.org/10.1590/0102-311X00208720
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.

A tendência de queda da taxa de detecção da hanseníase observada entre 2011 e 2019 está em consonância com outros estudos realizados em UF do país1616 Anchieta JJS, Costa LMM, Campos LC, Vieira MR, Mota OS, Morais Neto OL, etal. Trend analysis of leprosy indicators in a hyperendemic Brazilian state, 2001–2015. Rev Saúde Pública 2019; 53: 61. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2019053000752
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,1717 Souza CDF, Rocha VS, Santos NF, Leal TC, Paiva JPS, Oliveira CCC, etal. Spatial clustering, social vulnerability and risk of leprosy in an endemic area in Northeast Brazil: an ecological study. J Eur Acad Dermatol Venereol 2019; 33(8): 1581-90. https://doi.org/10.1111/jdv.15596
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. Esse declínio pode atribuir-se à adequada implementação do “Programa Nacional de Controle da Hanseníase” no Brasil, o qual estimulou e proporcionou a descentralização das ações de enfrentamento da doença para a Atenção Primária à Saúde (APS)1414 Miguel CB, Mota PB, Afonso BO, Agostinho F, Cazzaniga RA, Abreu MCM, etal. Leprosy morbidity and mortality in Brazil: 2008-2018. Braz J Infect Dis 2021; 25(6): 101638. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.101638
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,1818 Lopes FC, Ramos ACV, Pascoal LM, Santos FS, Rolim ILTP, Serra MAAO, etal. Hanseníase no contexto da Estratégia Saúde da Família em cenário endêmico do Maranhão: prevalência e fatores associados. Ciênc Saúde Coletiva 2021; 26(5): 1805-16. https://doi.org/10.1590/1413-81232021265.04032021
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.

Por outro lado, houve aumento dos casos para a maioria das UF, com maior concentração no Mato Grosso, Tocantins e Pará, localizados nas Regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte, respectivamente, assim como observado em outros estudos1414 Miguel CB, Mota PB, Afonso BO, Agostinho F, Cazzaniga RA, Abreu MCM, etal. Leprosy morbidity and mortality in Brazil: 2008-2018. Braz J Infect Dis 2021; 25(6): 101638. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.101638
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,1919 Sanchez MN, Nery JS, Pescarini JM, Mendes AA, Ichihara MY, Teixeira CSS, etal. Physical disabilities caused by leprosy in 100 million cohort in Brazil. BMC Infect Dis 2021; 21(1): 290. https://doi.org/10.1186/s12879-021-05846-w
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. Sabe-se que, historicamente, as Regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste têm concentrado a maior parte dos casos de hanseníase no Brasil e persistido com altos índices de endemicidade da doença11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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,2020 Ribeiro MDA, Silva JCA, Oliveira SB. Estudo epidemiológico da hanseníase no Brasil: reflexão sobre as metas de eliminação. Rev Panam Salud Publica 2018: 42: e42. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.42
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.

A despeito do ligeiro aumento observado ao fim das séries históricas das Regiões Sul e Sudeste, reconhece-se que seus estados têm apresentado os menores coeficientes de detecção da doença11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Estratégia nacional para enfrentamento da hanseníase: 2019-2022 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited on June 24, 2022]. Available at: https://www.gov.br/aids/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/2020/estrategia-nacional-para-enfrentamento-da-hanseniase-2019-2022/view
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,1414 Miguel CB, Mota PB, Afonso BO, Agostinho F, Cazzaniga RA, Abreu MCM, etal. Leprosy morbidity and mortality in Brazil: 2008-2018. Braz J Infect Dis 2021; 25(6): 101638. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.101638
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. Esses achados sugerem que há melhor implementação das medidas de prevenção e controle da hanseníase nessas regiões1414 Miguel CB, Mota PB, Afonso BO, Agostinho F, Cazzaniga RA, Abreu MCM, etal. Leprosy morbidity and mortality in Brazil: 2008-2018. Braz J Infect Dis 2021; 25(6): 101638. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.101638
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, com aumento na busca ativa de casos, na vigilância epidemiológica e na educação em saúde da população1414 Miguel CB, Mota PB, Afonso BO, Agostinho F, Cazzaniga RA, Abreu MCM, etal. Leprosy morbidity and mortality in Brazil: 2008-2018. Braz J Infect Dis 2021; 25(6): 101638. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.101638
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,2121 Hacker MA, Sales AM, Duppre NC, Sarno EN, Moraes MO. Leprosy incidence and risk estimates in a 33-year contact cohort of leprosy patients. Sci Rep 2021; 11(1): 1947. https://doi.org/10.1038/s41598-021-81643-4
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.

Ademais, o contraste do comportamento da hanseníase entre as regiões deve considerar não apenas a efetividade programática, mas também aspectos socioeconômicos que influenciam no adoecimento. As disparidades regionais do território brasileiro têm relação histórica com a epidemiologia de certas condições infectocontagiosas, sobretudo por força de indicadores de desenvolvimento1515 Albuquerque MV, Ribeiro LHL. Inequality, geographic situation, and meanings of action in the COVID-19 pandemic in Brazil. Cad Saude Publica 2020; 36(12): e00208720. https://doi.org/10.1590/0102-311X00208720
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,2020 Ribeiro MDA, Silva JCA, Oliveira SB. Estudo epidemiológico da hanseníase no Brasil: reflexão sobre as metas de eliminação. Rev Panam Salud Publica 2018: 42: e42. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.42
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.

As Regiões Sudeste e Sul encontram-se no estrato socioeconômico consideravelmente favorável, enquanto as Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste revelam-se em contextos desfavoráveis2020 Ribeiro MDA, Silva JCA, Oliveira SB. Estudo epidemiológico da hanseníase no Brasil: reflexão sobre as metas de eliminação. Rev Panam Salud Publica 2018: 42: e42. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.42
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. Assim, entende-se que as disparidades sociais, econômicas e de saúde do Brasil atuam como fatores de vulnerabilidade para a maior ocorrência da hanseníase1717 Souza CDF, Rocha VS, Santos NF, Leal TC, Paiva JPS, Oliveira CCC, etal. Spatial clustering, social vulnerability and risk of leprosy in an endemic area in Northeast Brazil: an ecological study. J Eur Acad Dermatol Venereol 2019; 33(8): 1581-90. https://doi.org/10.1111/jdv.15596
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, favorecendo o comportamento regional heterogêneo.

As desigualdades na distribuição dos recursos são responsáveis por ocasionar iniquidades em saúde no país, principalmente no que se refere a condições socialmente determinadas. As iniquidades são conceituadas como disparidades nas métricas de resultados de saúde em razão de diferenças evitáveis em recursos sociais, econômicos, geográficos ou de saúde, as quais são injustas e inviabilizam o direito humano da saúde2222 Lee H, Kim D, Lee SA, Fawcett J. The concepts of health inequality, disparities and equity in the era of population health. Appl Nurs Res 2020; 56: 151367. https://doi.org/10.1016/j.apnr.2020.151367
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.

Nessa conjuntura, ainda há que se considerar que, no Brasil, existem fragilidades relacionadas ao subdiagnóstico e à subnotificação de casos novos de hanseníase1919 Sanchez MN, Nery JS, Pescarini JM, Mendes AA, Ichihara MY, Teixeira CSS, etal. Physical disabilities caused by leprosy in 100 million cohort in Brazil. BMC Infect Dis 2021; 21(1): 290. https://doi.org/10.1186/s12879-021-05846-w
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. Essa problemática pode associar-se à baixa qualificação de sistemas de vigilância e atenção, com maior evidência em áreas de alta endemicidade e piores indicadores de desenvolvimento, o que impacta a capacidade de desenvolvimento de estratégias de controle da doença1919 Sanchez MN, Nery JS, Pescarini JM, Mendes AA, Ichihara MY, Teixeira CSS, etal. Physical disabilities caused by leprosy in 100 million cohort in Brazil. BMC Infect Dis 2021; 21(1): 290. https://doi.org/10.1186/s12879-021-05846-w
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.

O cenário torna-se ainda mais crítico quando se levam em conta as consequências atuais do enfrentamento da pandemia da COVID-19, que impôs a necessidade de reordenação dos serviços e dos sistemas de saúde para viabilizar respostas à emergência sanitária, as quais, muitas vezes, prevaleceram perante outros agravos. A desassistência provocada pelas restrições de acesso ou pelo medo das pessoas de buscar os serviços de saúde culminaram em situações de instabilidade do controle programático das condições crônicas e aumentaram sua morbimortalidade2323 Mendes EV. O lado oculto de uma pandemia: a terceira onda da covid-19 ou o paciente invisível [Internet]. Brasília: E-book; 2020. [cited on July 26, 2022]. Available at: https://www.conass.org.br/wp-content/uploads/2020/12/Terceira-Onda.pdf
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.

Nessa lógica, foi possível observar a sobrecarga assistencial dos três níveis de atenção e, também, da vigilância em saúde. Tal situação pode ter prejudicado e interferido na manutenção das ações de programas de controle de agravos crônicos, transmissíveis e não transmissíveis, o que, consequentemente, acabou influenciando no número de notificações e na taxa de detecção da hanseníase em grande parte do país, conforme observado neste estudo.

Outrossim, percebe-se a necessidade de que as ações de vigilância, atenção e eliminação da hanseníase se pautem nas particularidades regionais, concentrando-se em intervenções para a detecção precoce de casos e para a interrupção da cadeia de transmissão1717 Souza CDF, Rocha VS, Santos NF, Leal TC, Paiva JPS, Oliveira CCC, etal. Spatial clustering, social vulnerability and risk of leprosy in an endemic area in Northeast Brazil: an ecological study. J Eur Acad Dermatol Venereol 2019; 33(8): 1581-90. https://doi.org/10.1111/jdv.15596
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. Para tanto, estudos epidemiológicos como este são de suma importância para entender o comportamento espaçotemporal das condições transmissíveis, bem como para avaliar e direcionar as políticas públicas.

Compreende-se que os achados se refletem em cenários prioritários, abrindo possibilidades para a elaboração, adaptação e/ou operacionalização de estratégias mais assertivas às UF do Brasil com maior carga da doença, consideradas as particularidades regionais. O controle efetivo de condições socialmente determinadas requer uma abordagem complexa e integral, ancorada na articulação intersetorial, sobretudo no Brasil, onde a oferta de ações e serviços de saúde é desigual66 Batista JVF, Freitas EL, Rodrigues EL, Borba JA, Rosa H, Marinheiro JC. Características epidemiológicas da hanseníase no Brasil entre os anos de 2015 e 2020. Braz J Infect Dis 2022; 26(S1): 101996. https://doi.org/10.1016/j.bjid.2021.102089
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,2020 Ribeiro MDA, Silva JCA, Oliveira SB. Estudo epidemiológico da hanseníase no Brasil: reflexão sobre as metas de eliminação. Rev Panam Salud Publica 2018: 42: e42. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.42
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.

Cumpre pontuar que este estudo apresenta limitações. A primeira refere-se ao tipo de desenho epidemiológico empregado, o qual impede a observação do contexto sanitário específico dos municípios brasileiros. A outra limitação diz respeito ao uso de dados secundários, pois reconhece-se que pode haver erros no preenchimento das notificações e subnotificação dos casos, especialmente no contexto pandêmico.

Em suma, conclui-se que a taxa de detecção de hanseníase apresentou tendência crescente no Brasil entre 2011 e 2019, nas regiões e na maioria das UF, com maior concentração espacial nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Nessa lógica, revelou-se disparidade do comportamento da doença no país, tornando necessários novos estudos para entender os contextos social, econômico e de saúde que podem associar-se à ocorrência.

O estudo traz um alerta sobre a sustentabilidade programática do controle da hanseníase no Brasil, dada a queda evidenciada na pandemia, presumivelmente por influência da reorganização da oferta de ações e serviços anteposta à COVID-19. Destarte, desvela-se a necessidade de fortalecimento das estratégias de atenção e vigilância, visto que a hanseníase persiste como problema de saúde pública no Brasil, carecendo de maior atenção da sociedade, de profissionais de saúde, de pesquisadores e de gestores.

  • Fonte de financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2022
  • Revisado
    12 Set 2022
  • Aceito
    26 Set 2022
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