Condições de vida e saúde após rompimento de barragem de mineração: Projeto Saúde Brumadinho e Projeto Bruminha

Sérgio Viana Peixoto Carmen Ildes Rodrigues Fróes-Asmus Sobre os autores

Este suplemento da Revista Brasileira de Epidemiologia aborda a temática dos desastres em barragens de mineração, em especial os primeiros resultados do Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho. Esse programa é uma iniciativa do Ministério da Saúde, reunindo duas coortes prospectivas de base populacional, o Projeto Saúde Brumadinho e o Projeto Bruminha11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Um ano do desastre da Vale: organização e resposta do Ministério da Saúde. Bol Epidemiol [Internet]. 2020 [cited on Sept. 06, 2022]. Available at: http://www.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos
http://www.saude.gov.br/boletins-epidemi...
, que recebem financiamento do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (DECIT/SCTIE) e da Fundação Oswaldo Cruz.

Os projetos são conduzidos no município de Brumadinho, localizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Em 25 de janeiro de 2019, ocorreu, nesse município, o rompimento da barragem de rejeitos da Mina do Córrego do Feijão, sob responsabilidade da mineradora Vale S.A., atingindo considerável extensão territorial e ocasionando cerca de 270 óbitos. A dimensão desse desastre mostra a relevância de se avaliar os impactos para a população do entorno, como a possível contaminação do meio ambiente e os efeitos sobre as saúdes física e mental22 Freitas CM, Barcellos C, Asmus CIRF, Silva MA, Xavier DR. Da Samarco em Mariana à Vale em Brumadinho: desastres em barragens de mineração e Saúde Coletiva. Cad Saúde Pública 2019; 35(5): e00052519. https://doi.org/10.1590/0102-311X00052519
https://doi.org/10.1590/0102-311X0005251...
44 Pereira LF, Cruz GB, Guimarães RMF. Impactos do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, Brasil: uma análise baseada nas mudanças de cobertura da terra. Journal of Environmental Analysis and Progress 2019; 4(2): 122-9. https://doi.org/10.24221/jeap.4.2.2019.2373.122-129
https://doi.org/10.24221/jeap.4.2.2019.2...
.

O Projeto Saúde Brumadinho é conduzido em amostra representativa dos residentes no município com 12 anos ou mais de idade, incluindo três domínios de estimação:

  1. Moradores em áreas diretamente expostas ao rompimento da barragem;

  2. Residentes em região com atividade de mineração;

  3. População não exposta diretamente à lama de rejeitos ou à atividade mineradora.

As informações da linha de base da coorte (2021) foram coletadas nos domicílios dos participantes e incluíram detalhada entrevista sobre condições relacionadas à saúde e coleta de material biológico (sangue e urina).

O Projeto Bruminha investiga o impacto do desastre sobre a saúde e o desenvolvimento das crianças de 0 a 6 anos residentes em quatro localidades do município de Brumadinho:

  1. Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira, localidades diretamente atingidas pela corrente de lama de resíduos de minério;

  2. Tejuco, localidade situada abaixo de uma área de mineração e com população exposta à poeira de resíduos; e

  3. Aranha, localidade distante da zona do desastre e das áreas de mineração, porém com características sociodemográficas semelhantes às das outras áreas.

A coleta de informações foi realizada pela equipe de pesquisadores do projeto que avaliou as crianças quanto aos parâmetros relativos ao crescimento pôndero-estatural, aos desenvolvimentos neuromotor, cognitivo e psicossocial, e às queixas relacionadas ao sistema respiratório. As crianças eram levadas pelos seus pais ou responsáveis até a Unidade Básica de Saúde (UBS) ou o centro comunitário de cada localidade onde a equipe ficava situada e onde eram também coletadas amostras de urina, para análise da exposição aos resíduos de metais.

O crescimento acentuado dos desastres de origem natural e tecnológica, com repercussões importantes para as populações atingidas55 Centre for Research on the Epidemiology of Disasters. United Nations Office for Disaster Risk Reduction. The human cost of disasters: an overview of the last 20 years (2000-2019) [Internet]. 2020 [cited on June 26, 2022]. Available at: https://www.undrr.org/publication/human-cost-disasters-overview-last-20-years-2000-2019
https://www.undrr.org/publication/human-...
, demonstra a necessidade de se produzir conhecimento acerca desses eventos, favorecendo a gestão de risco. Diversos estudos já demonstraram que os importantes efeitos dos desastres para a saúde das populações66 Lucchini RG, Hashim D, Acquilla S, Basanets A, Bertazzi PA, Bushmanov A, et al. A comparative assessment of major international disasters: the need for exposure assessment, systematic emergency preparedness, and lifetime health care. BMC Public Health 2017; 17(1): 46. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3939-3
https://doi.org/10.1186/s12889-016-3939-...
88 Brackbill RM, Cone JE, Farfel MR, Stellman SD. Chronic physical health consequences of being injured during the terrorist attacks on World Trade Center on September 11, 2001. Am J Epidemiol 2014; 179(9): 1076-85. http://doi.org/10.1093/aje/kwu022
http://doi.org/10.1093/aje/kwu022...
podem ocorrer por longo período após a ocorrência do evento99 Freitas CM, Silva DRX, Sena ARM, Silva EL, Sales LBF, Carvalho ML, et al. Desastres naturais e saúde: uma análise da situação do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19(9): 3645-56. https://doi.org/10.1590/1413-81232014199.00732014
https://doi.org/10.1590/1413-81232014199...
, mas esse conhecimento é ainda incipiente em nosso país.

Os artigos aqui apresentados abordam temáticas relevantes para o cenário de um grande desastre, como o observado em Brumadinho, incluindo saúde mental, doenças respiratórias, aspectos nutricionais, uso de serviços de saúde e de psicofármacos, condições de trabalho, exposição a metais, crescimento e desenvolvimento infantil, entre outras.

Esta coletânea descreve os resultados da linha de base das coortes, apresentados e discutidos com a população, as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde e o Ministério da Saúde, favorecendo o planejamento de ações e visando mitigar os impactos ocasionados pelo rompimento da barragem de mineração, fortalecendo o Sistema Único de Saúde (SUS) na região. O acompanhamento da coorte contribuirá para o avanço no conhecimento sobre as possíveis modificações, em médio e longo prazo, das condições de vida e saúde de uma população residente em área atingida pelo rompimento da barragem. Além disso, essas evidências poderão ser consideradas na gestão de risco desses desastres, sobretudo em municípios do estado de Minas Gerais, que concentra grande parte das barragens de mineração do país.

Por fim, chama-se a atenção para a importância de se ampliar a geração de conhecimentos, como nas áreas da vigilância ambiental e de modelos assistenciais, o que contribuirá para melhor entendimento do desastre, dada sua complexidade, permitindo a atuação coordenada das diversas esferas do SUS. A avaliação da exposição aos resíduos de metais em uma amostra representativa de toda a população do município evidenciou a necessidade de adequação do sistema público de saúde para as condições ambientais específicas do território, incluindo as características dos processos produtivos ali realizados. Observou-se também a necessidade de capacitação dos profissionais de saúde por meio de programas de educação continuada e de ações de vigilância da exposição da população aos resíduos originários desses processos.

O conjunto de informações consolidadas, produzidas pelos dois estudos, nesta coletânea de artigos constitui-se na primeira ampla organização do conhecimento acerca do impacto dos desastres de mineração no Brasil, com abordagem que compreende desde os efeitos diretos (sobre a saúde dos indivíduos) até os indiretos (sobre as condições de vida da população atingida). Dessa forma, representa fonte de consulta de fácil acesso para gestores, profissionais, lideranças, representantes da sociedade, entre outros.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO: Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (DECIT/SCTIE) do Ministério da Saúde; Fundação Oswaldo Cruz.

Referências bibliográficas

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Um ano do desastre da Vale: organização e resposta do Ministério da Saúde. Bol Epidemiol [Internet]. 2020 [cited on Sept. 06, 2022]. Available at: http://www.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos
    » http://www.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos
  • 2
    Freitas CM, Barcellos C, Asmus CIRF, Silva MA, Xavier DR. Da Samarco em Mariana à Vale em Brumadinho: desastres em barragens de mineração e Saúde Coletiva. Cad Saúde Pública 2019; 35(5): e00052519. https://doi.org/10.1590/0102-311X00052519
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00052519
  • 3
    Freitas CM, Barcellos C, Heller L, Luz ZMP. Desastres em barragens de mineração: lições do passado para reduzir riscos atuais e futuros. Epidemiol Serv Saúde 2019; 28(1): e20180120. https://doi.org/10.5123/S1679-49742019000100020
    » https://doi.org/10.5123/S1679-49742019000100020
  • 4
    Pereira LF, Cruz GB, Guimarães RMF. Impactos do rompimento da barragem de rejeitos de Brumadinho, Brasil: uma análise baseada nas mudanças de cobertura da terra. Journal of Environmental Analysis and Progress 2019; 4(2): 122-9. https://doi.org/10.24221/jeap.4.2.2019.2373.122-129
    » https://doi.org/10.24221/jeap.4.2.2019.2373.122-129
  • 5
    Centre for Research on the Epidemiology of Disasters. United Nations Office for Disaster Risk Reduction. The human cost of disasters: an overview of the last 20 years (2000-2019) [Internet]. 2020 [cited on June 26, 2022]. Available at: https://www.undrr.org/publication/human-cost-disasters-overview-last-20-years-2000-2019
    » https://www.undrr.org/publication/human-cost-disasters-overview-last-20-years-2000-2019
  • 6
    Lucchini RG, Hashim D, Acquilla S, Basanets A, Bertazzi PA, Bushmanov A, et al. A comparative assessment of major international disasters: the need for exposure assessment, systematic emergency preparedness, and lifetime health care. BMC Public Health 2017; 17(1): 46. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3939-3
    » https://doi.org/10.1186/s12889-016-3939-3
  • 7
    Geng F, Zhou Y, Liang Y, Fan F. A longitudinal study of recurrent experience of earthquake and mental health problems among chinese adolescents. Front Psychol 2018; 9: 1259. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.01259
    » https://doi.org/10.3389/fpsyg.2018.01259
  • 8
    Brackbill RM, Cone JE, Farfel MR, Stellman SD. Chronic physical health consequences of being injured during the terrorist attacks on World Trade Center on September 11, 2001. Am J Epidemiol 2014; 179(9): 1076-85. http://doi.org/10.1093/aje/kwu022
    » http://doi.org/10.1093/aje/kwu022
  • 9
    Freitas CM, Silva DRX, Sena ARM, Silva EL, Sales LBF, Carvalho ML, et al. Desastres naturais e saúde: uma análise da situação do Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19(9): 3645-56. https://doi.org/10.1590/1413-81232014199.00732014
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232014199.00732014

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br