Qualidade da atenção a crianças menores de dois anos na rede básica do Brasil em 2018: indicadores e fatores associados

Letícia Willrich Brum Elaine Thumé Alitéia Santiago Dilélio Maria del Pilar Flores-Quispe Nicole Borba Rios Barros Luiz Augusto Facchini Elaine Tomasi Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a qualidade da atenção a menores de dois anos na rede básica, com dados da avaliação externa do Programa de Melhoria de Acesso e Qualidade da Atenção Básica em 2018.

Métodos:

Foram elegíveis para o estudo usuários com filhos menores de dois anos que estavam na unidade no momento da coleta de dados. A qualidade de atenção foi avaliada por meio de um indicador sintético construído com questões do módulo de usuários. As exposições foram: região, estrutura das unidades básicas de saúde e processo de trabalho das equipes. Realizou-se análise univariada e estimaram-se as razões de prevalências brutas e ajustadas.

Resultados:

A amostra foi composta de 15.745 usuários que possuíam filhos menores de dois anos. Apenas 36,8% (intervalo de confiança — IC95% 36,0–37,6) dos usuários foram classificados como tendo recebido atenção de boa qualidade para as crianças, com redução das prevalências de acordo com o aumento da idade da criança. Observaram-se melhores resultados para a Região Nordeste, em unidades que apresentaram todos os insumos e vacinas e nas equipes que utilizavam protocolos e materiais, realizavam os registros, a busca ativa e ações de alimentação saudável.

Conclusão:

A prevalência de qualidade de atenção a menores de dois anos foi baixa. Os dados podem ser úteis para decisões de gestores e para a execução de ações voltadas para os profissionais, que incentivem maior qualidade de cuidado com a criança, principalmente com relação a, após a consulta, a criança já sair com a próxima marcada e à realização de consulta até os sete dias de vida.

Palavras-chave:
Atenção primária à saúde; Cuidado da criança; Pesquisa sobre serviços de saúde; Sistema único de saúde; Disparidades em assistência à saúde; Mensuração das desigualdades em saúde

INTRODUÇÃO

A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança considera o acompanhamento na primeira infância pela atenção básica (AB) como uma das ações estratégicas do eixo de promoção e acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento11. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. 2015 [acessado em 04 mar. 2022]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
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, sendo essencial avaliar a qualidade do cuidado ofertado às crianças.

Entre os determinantes da qualidade do cuidado, destacam-se as características da estrutura dos serviços de saúde e do processo de trabalho das equipes22. Donabedian A. The quality of care. How can it be assessed? JAMA 1988; 260(12): 1743-8. https://doi.org/10.1001/jama.260.12.1743
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, pautadas em protocolos oficiais11. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. 2015 [acessado em 04 mar. 2022]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
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,33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. que orientam as linhas de cuidado na AB, especialmente na Estratégia de Saúde da Família (ESF). Esta é considerada o principal modelo para a AB44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2017. e era avaliada por meio do Programa de Melhoria de Acesso e Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), encerrado em 2019.

Recentes abordagens têm utilizado indicadores sintéticos para outros desfechos55. Tomasi E, Fernandes PAA, Fisher T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E, et al. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saúde Pública 2017; 33(3): e00195815. https://doi.org/10.1590/0102-311X00195815
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,66. Neves RG, Duro SMS, Muñiz J, Castro TRP, Facchini LA, Tomasi E. Estrutura das unidades básicas de saúde para atenção às pessoas com diabetes: ciclos I e II do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade. Cad Saúde Pública 2018; 34(4): e00072317. https://doi.org/10.1590/0102-311X00072317
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, que possibilitam avaliá-los de forma isolada e combinada. Com base nos dados do PMAQ, foi identificado que indicadores de processo de trabalho das equipes apresentaram maiores prevalências de qualidade de atenção a menores de um ano no Brasil do que os indicadores de estrutura das unidades básicas de saúde (UBS)77. Santos DMA, Alves CMC, Rocha TAH, Queiroz RCS, Silva NC, Thomaz EBAF. Estrutura e processo de trabalho referente ao cuidado à criança na atenção primária à saúde no Brasil: estudo ecológico com dados do programa de melhoria do acesso e qualidade da atenção básica 2012-2018. Epidemiol Serv Saúde 2021; 30(1): e2020425. https://doi.org/10.1590/S1679-49742021000100012
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. Outro estudo, com dados do Nordeste, observou maior prevalência de vacinação em dia (95,3%) e menor prevalência na orientação sobre a melhor posição para a criança dormir (45,7%)88. Gubert FA, Barbosa Filho VC, Queiroz RCS, Martins MC, Alves RS, Rolim ILTP, et al. Qualidade da atenção primária à saúde infantil em estados da região Nordeste. Ciênc Saúde Coletiva 2021; 26(5): 1757-66. https://doi.org/10.1590/1413-81232021265.05352021
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.

Entretanto, ainda há lacunas na mensuração de indicadores sintéticos da qualidade da atenção a menores de dois anos na AB em todo o país e também há necessidade de avaliar diferenças de acordo com a idade da criança. O conhecimento sobre essas lacunas pode contribuir para a avaliação e o planejamento de políticas e programas de saúde na rede de atenção básica, identificando potenciais fragilidades e fortalezas. O objetivo do presente estudo foi avaliar, do ponto de vista dos usuários das unidades básicas de saúde, a qualidade da atenção a menores de dois anos no Brasil, investigando fat ores da estrutura dos estabelecimentos e do processo de trabalho das equipes.

MÉTODOS

O PMAQ-AB foi instituído em 2011 pela Portaria no 1.654, com o objetivo de aumentar o acesso e a qualidade da atenção básica, sendo um de seus componentes a avaliação externa99. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.654, de 19 de julho de 2011. Revogada pela PRT GM/MS no 1.645 de 01/10/2015. Dispõe sobre o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB). [Internet]. 2011 [acessado em 27 out. 2022]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1654_19_07_2011.html
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. O programa apresentou três ciclos: o ciclo I, de 2011 a 2013; o ciclo II, de 2013 a 2015; e o ciclo III, de 2015 a 20191010. Facchini LA, Tomasi E, Thumé E. Acesso e qualidade na atenção básica brasileira: análise comparativa dos três ciclos da avaliação externa do PMAQ-AB, 2012-2018. São Leopoldo: Oikos; 2021.. A presente pesquisa é um estudo transversal analítico com dados do terceiro ciclo e ocorreu em 2017 e 2018.

As UBS foram selecionadas com base na inscrição das equipes no PMAQ-AB pela gestão municipal. Quatro usuários foram entrevistados em cada equipe antes dos atendimentos, sendo elegíveis aqueles haviam utilizado o serviço nos 12 meses anteriores à entrevista e que não o estavam usando pela primeira vez.

Após a seleção e capacitação dos entrevistadores, foram escolhidas as rotas para melhor deslocamento. Previamente foi feito contato com gestores municipais para agendar a ida das equipes, que já conheciam os instrumentos a serem respondidos. Para a coleta de dados foram aplicados, por meio de tablets, formulários eletrônicos desenvolvidos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) especificamente para este trabalho. Posteriormente, ao se conectarem os aparelhos à internet, os dados eram enviados ao Ministério da Saúde. O instrumento possuía três módulos: observação da UBS pelos entrevistadores, entrevista com profissional de saúde sobre o processo de trabalho e entrevista com usuários da UBS1111. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde mais perto de você: acesso e qualidade. Programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica: manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..

Neste estudo foram incluídos apenas aqueles usuários com filhos menores de dois anos. Não foi empregado processo de amostragem aleatória para a seleção das equipes e usuários, pois o ingresso no programa era feito por adesão. Na construção do desfecho “qualidade da atenção”, foram consideradas as seguintes perguntas:

  1. Depois que a criança nasceu, a equipe fez uma consulta até sete dias de vida?;

  2. A criança está com as vacinas em dia?;

  3. a criança sempre foi consultada pelos mesmos profissionais da equipe de saúde?;

  4. Após a consulta, a criança já sai com a próxima consulta marcada?;

  5. Nas consultas, foi perguntado ou observado se a criança estava se desenvolvendo conforme o esperado para a idade?; e

  6. O/a senhor(a) recebeu orientação sobre alimentação da criança até dois anos?.

Para o desfecho, foi construído um indicador sintético de qualidade com base na soma das respostas positivas, podendo cada entrevistado apresentar pontuação de 0 a 6. Posteriormente, foi feita a dicotomização desse indicador sintético e foi considerada atenção de qualidade aquela referida por usuários que responderam afirmativamente às seis questões.

Como variáveis de exposição, para os municípios foi considerada a região (Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sul e Sudeste); para as UBS foi observada a disponibilidade de pelo menos um item para um conjunto de insumos e vacinas; e, para as equipes, foi observada a utilização de diferentes protocolos e materiais, registro, busca ativa e ações de promoção da alimentação. Para a estrutura das unidades de saúde e o processo de trabalho das equipes, foram criados indicadores sintéticos contendo o total de respostas afirmativas a cada um dos seis itens pesquisados, dois para a estrutura e quatro para o processo de trabalho (Tabela 1).

Na análise dos dados adotou-se o pacote Stata 16.01212. Stata. Stata is statistical software for data Science[Internet] 2022. [acessado em 7 out. 2022]. Disponível em: https://www.stata.com/
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. Primeiramente foi realizada análise univariada, sendo considerado o teste de χ² de heterogeneidade para variáveis dicotômicas e categóricas nominais e teste de χ² de tendência para variáveis categóricas ordinais. Também foi realizada estratificação do desfecho de acordo com a faixa etária da criança (em meses). Utilizou-se regressão de Poisson, com variância robusta1313. Barros AJD, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3: 21. https://doi.org/10.1186/1471-2288-3-21
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, em modelo hierárquico de análise1414. Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1): 224-7. https://doi.org/10.1093/ije/26.1.224
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, para estimar as razões de prevalência brutas e ajustadas. O primeiro nível incluiu a região, o segundo incluiu os indicadores sintéticos da estrutura das unidades, o terceiro os indicadores sintéticos do processo de trabalho das equipes e o quarto a faixa etária das crianças em meses (0–6, 7–12, 13–18, 19–24). Considerou-se associação estatisticamente significativa para as análises o valor p<0,05.

Tabela 1
Distribuição da amostra de acordo com as características da estrutura das unidades básicas de saúde e do processo de trabalho das equipes que realizam cuidado a menores de dois anos de idade. Brasil, Programa de Melhoria de Acesso e Qualidade da Atenção Básica: 2018.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas, sob Protocolo 2.453.320. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Em todo o território nacional, 28.939 UBS e 37.350 equipes foram incluídas. Cerca de quatro usuários foram entrevistados em cada equipe, totalizando 140.444. A amostra para este estudo foi composta de 15.745 usuários com filhos menores de dois anos, correspondendo a 11,2% do total dos entrevistados durante o Ciclo III do PMAQ. O número de perdas e recusas não foi disponibilizado pelo Ministério da Saúde. Maiores proporções de usuários encontravam-se em municípios do Nordeste (36,4%) e Sudeste (34,2%). As Regiões Sul, Norte e Centro-Oeste apresentaram prevalências na amostra de 11,1, 9,4 e 9,0%, respectivamente.

Considerando-se a estrutura das UBS, os insumos listados estavam presentes em mais de 70% dos serviços, mas apenas 30,5% delas apresentavam todos os insumos. Três quartos dos serviços dispunham de todas as vacinas necessárias (Tabela 1).

Quase todas as equipes realizavam consulta de puericultura, mais de 85% das equipes utilizavam protocolos e materiais necessários para o cuidado das crianças de forma isolada, mas apenas 79,2% dispunham de todos. Com relação aos registros no acompanhamento, as frequências foram superiores a 75%, mas 70,7% das equipes realizavam todos os registros. Para a busca ativa, mais de 90% das equipes referiram realizá-la isoladamente para grupos de crianças, e 87,9% afirmaram realizar todas as buscas. Dois dos três itens investigados sobre promoção da alimentação saudável foram citados por 98% das equipes e 86,7% delas mencionaram todos os itens (Tabela 1).

A maioria dos indicadores sintéticos apresentou prevalências maiores que 80%, com exceção da realização de consulta até sete dias de vida (64,0%) e sair da consulta com a próxima marcada (63,3%) (Tabela 2). A prevalência da qualidade do cuidado — aqui tomado como desfecho — foi de apenas 36,8% da amostra (intervalo de confiança — IC95% 36,0–37,6), com tendência significativa de queda conforme o aumento da idade (Tabela 2). Maiores prevalências desse desfecho foram encontradas na Região Nordeste (40,2%), em unidades que dispunham de todos os insumos (65,3%) e vacinas (38,6%), nas equipes que seguiam protocolos e possuíam e utilizavam materiais necessários (39,5%), que realizavam todos os registros (39,0%), realizavam busca ativa (38,1%) e promoviam ações de alimentação saudável (38,1%) (Tabela 3).

Tabela 2
Distribuição de idade, variáveis do indicador de qualidade do cuidado e qualidade de atenção de acordo com a idade de menores de dois anos na atenção básica. Programa de Melhoria de Acesso e Qualidade da Atenção Básica: 2018 (n=15.745)

Tanto na análise bruta quanto na ajustada, todas as variáveis mantiveram associação estatisticamente significativa com o desfecho (Tabela 3). Maior razão de prevalência (RP) foi encontrada na Região Nordeste (RP 1,66; IC95% 1,50–1,84) em comparação com a Região Norte. A qualidade de atenção apresentou maiores prevalências nas UBS que possuíam todos os insumos (RP 1,13; IC95% 1,08–1,18) e todas as vacinas (RP 1,12; IC95% 1,06–1,18), em equipes que utilizavam todos os protocolos e materiais (RP 1,24; IC95% 1,15–1,34), registros (RP 1,09; IC95% 1,03–1,15), buscas ativas (RP 1,15; IC95% 1,05–1,27) e que executavam todas as ações de promoção de alimentação saudável (RP 1,15; IC95% 1,06–1,26). Conforme o aumento da idade, houve diminuição significativa da qualidade de atenção.

DISCUSSÃO

O presente trabalho identificou baixa prevalência da qualidade da atenção a menores de dois anos na atenção básica no país, tendo sido observadas diferenças marcantes de acordo com a região, a estrutura das UBS e o processo de trabalho das equipes. Além disso, observou-se redução das prevalências de qualidade de acordo com o aumento da faixa etária da criança.

Tabela 3
Razões de prevalência brutas e ajustadas de qualidade de atenção a menores de dois anos de acordo com as exposições. Programa de Melhoria de Acesso e Qualidade da Atenção Básica: 2018 (n=15.745).

Foi constatada maior qualidade nas Regiões Nordeste e Sudeste. Não foram encontrados estudos que avaliassem a qualidade de atenção a menores de dois anos no Brasil, apenas pesquisa que comparava os estados da Região Nordeste entre si88. Gubert FA, Barbosa Filho VC, Queiroz RCS, Martins MC, Alves RS, Rolim ILTP, et al. Qualidade da atenção primária à saúde infantil em estados da região Nordeste. Ciênc Saúde Coletiva 2021; 26(5): 1757-66. https://doi.org/10.1590/1413-81232021265.05352021
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, em que os autores avaliaram indicadores de forma isolada. Outros estudos que avaliaram a qualidade da AB em diferentes grupos com dados do PMAQ — como gestantes e pessoas com doenças crônicas — também encontraram associação da qualidade com a região, mostrando melhores indicadores de atenção na Região Sudeste55. Tomasi E, Fernandes PAA, Fisher T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E, et al. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saúde Pública 2017; 33(3): e00195815. https://doi.org/10.1590/0102-311X00195815
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,1515. Neves RG, Duro SMS, Nunes BP, Facchini LA, Tomasi E. Atenção à saúde de pessoas com diabetes e hipertensão no Brasil: estudo transversal do programa de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica, 2014. Epidemiol Serv Saude 2021; 30(3): e2020419. https://doi.org/10.1590/S1679-49742021000300015
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. É possível que o melhor desempenho no Sudeste se deva às melhores condições de estrutura dos serviços e de atenção dos municípios que também acumulam melhores indicadores socioeconômicos1616. Brasil. Atlas do desenvolvimento humano nas regiões metropolitanas brasileiras [Internet]. Brasília: PNUD; 2014 [acessado em 29 jul. 2022]. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/acervo/biblioteca
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. Com relação ao Nordeste, estima-se que a maior cobertura de ESF, aliada a um histórico de sucesso da estratégia na região, consiga manter os indicadores em níveis elevados apesar da vulnerabilidade socioeconômica da maioria dos municípios1616. Brasil. Atlas do desenvolvimento humano nas regiões metropolitanas brasileiras [Internet]. Brasília: PNUD; 2014 [acessado em 29 jul. 2022]. Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/acervo/biblioteca
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,1717. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 692, de 25 de março de 1994. Considerando o Programa de Interiorização do SUS (PISUS) e o PSF, como metas do MS. Diário Oficial da União. Brasília, 29 março 1994..

A qualidade de atenção foi maior em unidades de saúde que dispunham de todas as vacinas e insumos necessários para o cuidado das crianças, componentes estruturais basilares para a qualidade da atenção à saúde44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política nacional de atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2017. , pois se acredita que as unidades que possuem todos os insumos a serem utilizados pelos profissionais proporcionem melhor capacidade de cuidado a seus usuários. Ao se avaliar o censo das UBS no ciclo I do PMAQ-AB, apenas 4,8% das unidades atingiram o escore máximo de avaliação, baseado nas dimensões tipos de equipe, elenco dos profissionais, turnos de funcionamento, serviços disponíveis e instalações e insumos1818. Bousquat A, Giovanella L, Fausto MCR, Fusaro ER, Mendonça MHM, Gagno J, et al. Tipologia da estrutura das unidades básicas de saúde brasileiras: os 5 R. Cad Saúde Pública 2017; 33(8): e00037316. https://doi.org/10.1590/0102-311X00037316
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. Ao se verificar a presença de equipamentos, materiais e insumos no ciclo III do PMAQ-AB, a maioria apresentou prevalências superiores a 90,0%. Já para as vacinas, a maioria dos imunobiológicos apresentou prevalências inferiores a 95,0%, exceto a vacina de hepatite B (95,7%)1010. Facchini LA, Tomasi E, Thumé E. Acesso e qualidade na atenção básica brasileira: análise comparativa dos três ciclos da avaliação externa do PMAQ-AB, 2012-2018. São Leopoldo: Oikos; 2021.. Também com dados do PMAQ, estudo identificou que, apesar de haver aumento das prevalências entre 2012 e 2014, foram registrados baixos níveis para a estrutura adequada de materiais e medicamentos para o cuidado de pessoas com diabetes66. Neves RG, Duro SMS, Muñiz J, Castro TRP, Facchini LA, Tomasi E. Estrutura das unidades básicas de saúde para atenção às pessoas com diabetes: ciclos I e II do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade. Cad Saúde Pública 2018; 34(4): e00072317. https://doi.org/10.1590/0102-311X00072317
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.

De acordo com Donabedian, melhores resultados são obtidos por um adequado processo de trabalho, que ocorre em estruturas mais robustas22. Donabedian A. The quality of care. How can it be assessed? JAMA 1988; 260(12): 1743-8. https://doi.org/10.1001/jama.260.12.1743
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. Em nosso estudo, isso foi observado, pois equipes mais organizadas, que seguiam protocolos, possuíam e utilizavam materiais necessários, que realizavam todos os registros, conduziam busca ativa e promoviam ações de alimentação saudável tiveram melhor desempenho no indicador sintético de qualidade. Todavia, cabe destacar que nenhum desses indicadores foi superior a 90,0%, indicando a necessidade de incentivar o melhor processo de trabalho das equipes, visto que as práticas avaliadas dependem quase que exclusivamente da ação dos profissionais. No Brasil, a AB possui protocolos para subsidiar ações de profissionais de saúde, com destaque para os cadernos de AB números 231919. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2a ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2015. e 3333. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. , que relacionam rotinas e condutas necessárias. Alguns aspectos relacionados à insatisfação no trabalho citados pelos profissionais da ESF são a falta de matérias, estrutura física inadequada e ausência de qualificação das equipes2020. Soratto J, Pires DEP, Trindade LL, Oliveira JSA, Forte ECN, Melo TP. Insatisfação no trabalho de profissionais da saúde na estratégia saúde da família. Texto Contexto Enferm 2017; 26(3): e2500016. https://doi.org/10.1590/0104-07072017002500016
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, estimando-se que sejam o motivo da falta de ações para o cuidado de menores de dois anos. Os atributos essenciais enunciados por Starfield2121. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO; 2002. com maiores prevalências presentes nas UBS do Brasil foram primeiro contato com os usuários e integralidade, porém as ações de longitudinalidade apresentaram as menores prevalências2222. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Bousquat A, Silva EV. Atributos essenciais da atenção primária à saúde: resultados nacionais do PMAQ-AB. Saúde Debate 2018; 42(n. spe 1): 52-66. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S104
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.

Maior qualidade foi encontrada para crianças de zero a seis meses, com tendência de queda com o aumento da idade, apontando para a necessidade de extinguir essas diferenças. Embora existam recomendações sobre nutrição para crianças de até seis meses2323. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Primaria à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. e também outros procedimentos33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. , deve-se destacar que também há a necessidade de cuidado com as outras faixas etárias — responsáveis por 63% da amostra —, o que inclui a alimentação complementar, a avaliação contínua do crescimento e do desenvolvimento e a aplicação de vacinas de acordo com o calendário.

Como limitação do estudo, cabe ressaltar que as respostas dos profissionais podem ter sido superestimadas, considerando-se que conheciam previamente o instrumento e poderiam estar com os serviços mais bem preparados para a avaliação externa, principalmente em itens de estrutura. Também as entrevistas com usuários presentes nas unidades podem ter sido influenciadas por membros das equipes, o que foi minimizado pelo fato de responderam ao questionário antes dos atendimentos. Outra limitação pode ser relacionada ao escopo das questões disponíveis nos instrumentos, como a falta de informações sobre a avaliação do consumo alimentar e sobre o questionamento dos profissionais aos usuários sobre dificuldades e dúvidas com o cuidado das crianças.

O estudo teve como pontos fortes a abrangência nacional da amostra, que atingiu quase 100% das equipes existentes no período, a construção de um indicador sintético da qualidade do cuidado a menores de dois anos e a investigação de características dos municípios, dos serviços e das equipes em um modelo hierárquico com medidas ajustadas.

Ao disponibilizar os resultados aos gestores, os dados serão úteis para subsidiar decisões referentes à melhoria na estrutura de unidades de saúde e na qualificação dos profissionais, via programas de educação permanente. Os achados também servem como base para a realização de ações que busquem maior incentivo à qualidade da atenção a crianças por parte dos profissionais. Além disso, espera-se que os resultados deste estudo contribuam para a continuidade de investigações sobre a qualidade de atenção a menores de dois anos na atenção básica.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS

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    Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.130, de 5 de agosto de 2015. Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. 2015 [acessado em 04 mar. 2022]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2022
  • Revisado
    07 Out 2022
  • Aceito
    11 Out 2022
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