Utilidade do Sistema de Informação Hospitalar na vigilância da mortalidade materna no Brasil

Olívia Tavares Ranzani Maria de Fátima Marinho Ana Luiza Bierrenbach Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a capacidade dos registros hospitalares (SIH) em adicionar informações úteis e complementares ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) no entendimento da mortalidade materna. Calcular e comparar a Razão de Mortalidade Materna (RMM) hospitalar e a RMM do SIM dos óbitos maternos ocorridos em hospitais, por faixa etária e por região, para demonstrar diferenças entre os grupos e avaliar a cobertura de óbitos maternos do SIM em relação ao SIH.

Métodos:

As internações obstétricas foram definidas com base em três critérios (códigos da 10a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde — CID-10 nos diagnósticos; procedimentos; cobrança de parto). As RMM hospitalar e do SIM foram calculadas dividindo-se os óbitos maternos ocorridos nos hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelos nascidos vivos (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos — SINASC) desses estabelecimentos.

Resultados:

Em 2019, identificamos 2.497.957 registros de internações obstétricas, 0,04% (946) com óbito hospitalar. Os três critérios localizaram 98% das internações obstétricas e 83% das internações com óbitos, revelando inconsistências entre diagnósticos e procedimentos. A comparação entre a RMM do SIH (45,5, intervalo de confiança — IC95%, 42,7–48,5) e a do SIM (49,7, IC95%, 46,7–52,8) não foi estatisticamente significante (p-valor 0,053).

Conclusão:

A análise do SIH foi capaz de prover informações adicionais ao monitoramento e vigilância da saúde materna no Brasil. Embora haja diferenças entre as RMM, o SIH como sistema de informação complementar ao SIM pode ser válido nos estudos sobre mortalidade e morbidade materna.

Palavras-chave:
Mortalidade materna; Sistema de informação hospitalar; Sistemas de informação; Vigilância; Óbito; Brasil

INTRODUÇÃO

A mortalidade materna (MM) expõe o acesso e a qualidade dos serviços de saúde de um país por ser considerada evitável na grande maioria das situações. É sinônimo de negligência em direitos humanos das mulheres e da falta de atenção à saúde sexual e reprodutiva11. World Health Organization. Trends in maternal mortality 2000 to 2017 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2019. [acessado em 28 abr. 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/327596
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,22. Reis LGC, Pepe VLE, Caetano R. Maternidade segura no Brasil: o longo percurso para a efetivação de um direito. Physis Rev Saúde Coletiva 2011; 21(3): 1139-60. https://doi.org/10.1590/S0103-73312011000300020
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.

O cálculo padrão da Razão de Mortalidade Materna (RMM) no Brasil usa como numerador os óbitos maternos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), alimentado pela Declaração de Óbito (DO) e corrigida pela busca ativa dos óbitos33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica do óbito materno [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. [acessado em 21 abr. 2020]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_epidem_obito_materno.pdf
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. A vigilância dos óbitos de mulheres em idade fértil (MIF), obrigatória desde 200844. Brasil. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria no 1.119, de 5 de junho de 2008. Regulamenta a vigilância de óbitos maternos [Internet]. 2008 [acessado em 05 mai. 2020]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2008/prt1119_05_06_2008.html
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, atua sobre o entendimento das eventuais falhas do sistema de saúde ao não evitar as mortes, no combate ao sub-registro, dirimindo eventuais falhas nos registros dos óbitos classificados de forma errônea, dos que não tiveram DO e dos que não foram registrados no SIM33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica do óbito materno [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. [acessado em 21 abr. 2020]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_epidem_obito_materno.pdf
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,55. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual dos comitês de mortalidade materna. 3a ed. Brasília: Ministério de Saúde; 2009.,66. Szwarcwald CL, Escalante JJC, Rabello Neto DL, Souza Junior PRB, Victora CG. Estimação da razão de mortalidade Materna no Brasil, 2008-2011. Cad Saúde Pública 2014; 30(suppl): S71-S83. https://doi.org/10.1590/0102-311X00125313
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.

Há grandes incertezas sobre a carga de MM no mundo, em grande parte devidas à falta de dados robustos, justamente em países de baixa renda onde as estimativas são maiores. Ao longo das últimas décadas, esforços para mensurar a MM vêm sendo realizados de forma sistemática e global. Várias iniciativas vêm sendo feitas, tais como a incorporação de novas formas de captura de mortes maternas às fontes existentes, o desenvolvimento de novas ferramentas e abordagens analíticas e o treinamento do pessoal responsável nos países para a correta interpretação dos dados obtidos. A escolha de um método em detrimento de outro depende das características populacionais em investigação, das fontes de dados e dos recursos humanos e financeiros disponíveis para a mensuração dos óbitos. Entretanto, estudos mostram que os métodos possuem suas limitações e que, sempre que possível, deve-se extrapolar o uso dos registros civis oficiais para uma apuração mais aproximada dos óbitos maternos e das MIF acometidas por complicações obstétricas graves77. Mgawadere F, Kana T, van den Broek N. Measuring maternal mortality: a systematic review of methods used to obtain estimates of the maternal mortality ratio (MMR) in low- and middle-income countries. Br Med Bull 2017; 121(1): 121-34. https://doi.org/10.1093/bmb/ldw056
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,88. Musarandega R, Machekano R, Munjanja SP, Pattinson R. Methods used to measure maternal mortality in Sub-Saharan Africa from 1980 to 2020: a systematic literature review. Int J Gynecol Obstet 2022; 156(2): 206-15. https://doi.org/10.1002/ijgo.13695
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,99. Kuklina EV, Whiteman MK, Hillis SD, Jamieson DJ, Meikle SF, Posner SF, et al. An enhanced method for identifying obstetric deliveries: implications for estimating maternal morbidity. Matern Child Health J 2008; 12(4): 469-77. https://doi.org/10.1007/s10995-007-0256-6
https://doi.org/10.1007/s10995-007-0256-...
,1010. Callaghan WM, Mackay AP, Berg CJ. Identification of severe maternal morbidity during delivery hospitalizations, United States, 1991-2003. Am J Obstet Gynecol 2008; 199(2): 133.e1-8. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2007.12.020
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.

Neste estudo avaliamos o emprego do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) como ferramenta de vigilância complementar ao SIM selecionando internações relacionadas à gravidez e ao puerpério das MIF. Acreditamos que os dados do SIH tragam informações adicionais à temática materna. Por fim, calculamos a RMM hospitalar para comparar com a RMM calculada por meio do SIM.

MÉTODOS

Desenho do estudo

Este é um estudo observacional populacional transversal baseado nos registros das internações hospitalares do SIH de MIF ocorridas em 2019, no Brasil. A população de análise incluiu mulheres de dez a 49 anos de idade que foram internadas por causas obstétricas1111. Cerqueira DRC, Alves PP, Coelho DSC, Reis MVM, Lima AS. Uma análise da base de dados do Sistema de Informação Hospitalar entre 2001 e 2018: dicionário dinâmico, disponibilidade dos dados e aspectos metodológicos para a produção de indicadores sobre violência [Internet]. Rio de Janeiro: IPEA; 2019. [acessado em 01 mai. 2020]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/191015_Uma_analise_da_base_de_dados_do_sistema_de_informacao.pdf
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.

Bases de dados

Os dados de acesso livre foram obtidos no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), do Ministério da Saúde (MS). Para a comparação com o cálculo padrão, o numerador do cálculo das RMM foi extraído do SIM. Para o denominador de todas as RMM, os dados foram extraídos do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).

Construção do banco de dados

Após a extração do SIH de 2019, foram excluídos os registros das seguintes internações:
  1. De longa permanência (variável IDENT=5);

  2. Do sexo masculino;

  3. Do sexo feminino com idade menor de dez e maior de 49 anos.

    As internações das MIF (10–49 anos) foram separadas em dois grupos: internações por causas obstétricas e internações por outras causas.

As internações por causas obstétricas foram definidas com a presença de pelo menos um critério obstétrico nas variáveis:
  1. Diagnósticos (principal e secundários) da razão de internação;

  2. Procedimento realizado; e

  3. Cobrança de parto (motivo de saída/permanência).

A definição foi operacionalizada da seguinte maneira:
  1. Diagnósticos obstétricos/maternos: diagnósticos principal e secundários da causa de internação com os códigos da 10a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde — CID-101212. World Health Organization. ICD-10: international statistical classification of diseases and related health problems. 10th revision. 5th edition [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2010. [acessado em 12 ago. 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/246208
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    do Capítulo XV (Gravidez, Parto e Puerpério), com exceção dos códigos O96 (morte materna tardia) e O97 (morte por sequela de causa obstétrica direta) por não contemplarem o período de até 42 dias após o parto, conforme a definição clássica de morte materna11. World Health Organization. Trends in maternal mortality 2000 to 2017 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2019. [acessado em 28 abr. 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/327596
    https://apps.who.int/iris/handle/10665/3...
    ,33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica do óbito materno [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. [acessado em 21 abr. 2020]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_epidem_obito_materno.pdf
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    . Foram incluídos os seguintes códigos de outros capítulos: A34 (tétano obstétrico), D39.2 (mola hidatiforme maligna), F53 (transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério) e M83.0 (osteomalácia puerperal)33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica do óbito materno [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. [acessado em 21 abr. 2020]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_vigilancia_epidem_obito_materno.pdf
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    .

    As internações com diagnósticos de necrose da hipófise pós-parto (E23.0), quando não houve outro indicador que validasse ser uma internação obstétrica (e.g., outro diagnóstico primário e/ou secundário), não foram incluídas na amostra, pois abrigam outras causas de necrose hipofisária além do pós-parto. O mesmo procedimento aplicamos para internações com diagnósticos das doenças causadas pelo vírus de imunodeficiência humana (B20 a B24).

  2. Procedimentos obstétricos/maternos: conforme o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do Sistema Único de Saúde (SIGTAP/SUS)1313. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de gerenciamento da tabela de procedimentos, medicamentos e OPM do SUS [Internet]. 2022 [acessado em 19 mai. 2021]. Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/sec/inicio.jsp
    http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unif...
    foram selecionados: tratamento de intercorrências clínicas na gravidez (303100044); parto normal (310010039); parto normal em centro de parto normal (CPN) (310010055); parto normal em gestante de alto risco e ou eclampsia (310010047); parto cesariano (411010034); parto cesariano com laqueadura tubária com diagnósticos de esterilização (411010042); parto cesariano em gestante de alto risco (411010026); tratamento de edema, proteinúria e transtornos hipertensivos na gravidez parto e puerpério (303100036); tratamento da eclampsia (303100028); tratamento de outros transtornos maternos relacionados predominantemente à gravidez (411020056); tratamento de complicações relacionadas predominantemente ao puerpério (303100010); tratamento cirúrgico da inversão uterina aguda pós-parto (411010085); redução manual de inversão uterina aguda pós-parto (411010050); histerectomia puerperal (411020030); descolamento manual de placenta (411010018); sutura de lacerações de trajeto pélvico (no parto antes da admissão) (411010077); ressutura de episiorrafia pós-parto (411010069); esvaziamento de útero pós-aborto por aspiração manual intrauterina (AMIU) (409060070); curetagem pós-abortamento/puerperal (411020013); tratamento cirúrgico da gravidez ectópica (411020048); tratamento de mola hidatiforme (gravidez molar sem parto) (303100052); curetagem uterina de mola hidatiforme (409060054); embriotomia (411020021); cerclagem de colo uterino (409060011).

  3. Cobrança materna: motivos de encerramento da internação por procedimento de parto. Divide-se em sete categorias de acordo com o SIH1111. Cerqueira DRC, Alves PP, Coelho DSC, Reis MVM, Lima AS. Uma análise da base de dados do Sistema de Informação Hospitalar entre 2001 e 2018: dicionário dinâmico, disponibilidade dos dados e aspectos metodológicos para a produção de indicadores sobre violência [Internet]. Rio de Janeiro: IPEA; 2019. [acessado em 01 mai. 2020]. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/191015_Uma_analise_da_base_de_dados_do_sistema_de_informacao.pdf
    http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
    : alta da mãe/puérpera e do recém-nascido (6.1), alta da mãe/puérpera e permanência do recém-nascido (6.2), alta da mãe/puérpera e óbito do recém-nascido (6.3), alta da mãe/puérpera com óbito fetal (6.4), óbito da gestante e do concepto (6.5), óbito da mãe/puérpera e alta do recém-nascido (6.6), óbito da mãe/puérpera e permanência do recém-nascido (6.7).

Óbitos maternos no SIM

Obtivemos duas RMM com os dados do SIM: 1) RMM total, que corresponde à RMM bruta do MS (sem fator de correção); 2) RMM adaptada, quando selecionamos óbitos no SIM com critérios de inclusão similares aos dos óbitos do SIH.

Para a RMM total, selecionamos os óbitos do SIM segundo os critérios do MS disponíveis na nota técnica de 2019 “Óbitos de mulheres em idade fértil e óbitos maternos”1414. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de Informações sobre Mortalidade. Óbitos de mulheres em idade fértil e óbitos maternos [Internet]. 2019 [acessado em 7 dez 2021]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/mat10uf.def
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. Estes últimos foram alocados de acordo com o local de residência, independentemente da idade e com a priorização da causa básica de morte, mesmo nos casos de inconsistência entre a causa materna declarada e o momento do óbito (ciclo gravídico puerperal, de 43 dias a um ano após o parto ou fora desses períodos). A causa de morte baseou-se na CID-1012, com a inclusão dos códigos do Capítulo XV (Gravidez, Parto e Puerpério) (exceção das mortes fora do ciclo gravídico puerperal — códigos O96 e O97) e os códigos de outros capítulos:
  1. B20 a B24 (doenças causadas pelo vírus de imunodeficiência humana); D39.2 (mola hidatiforme maligna); E23.0 (necrose da hipófise pós-parto) — desde que a mulher esteja grávida no momento da morte ou tenha estado grávida até 42 dias antes da morte;

  2. A34 (tétano obstétrico); F53 (transtornos mentais e comportamentais associados ao puerpério); M83.0 (osteomalácia puerperal) — morte ter ocorrido até 42 dias após o término da gravidez ou nos casos sem informação do tempo transcorrido entre o término da gravidez e o óbito.

Neste estudo, utilizamos a variável do SIM “TPMORTEOCO” para separar os óbitos conforme o momento de ocorrência em relação ao parto. A variável tem sete opções de preenchimento:
  1. Gravidez;

  2. Parto;

  3. Abortamento;

  4. Até 42 dias após o parto;

  5. De 43 dias a um ano após o parto;

  6. Não ocorreu nesses períodos e

  7. Ignorado.

Para a RMM adaptada, utilizamos os seguintes critérios:
  1. Inclusão de óbitos na janela de tempo associada ao momento do falecimento, definindo-os de acordo com a variável “TPMORTEOCO”, tendo sido excluídos aqueles ocorridos “de 43 dias a um ano após o parto”; “não ocorreu nestes períodos”, “ignorado” e sem preenchimento;

  2. Inclusão de óbitos que ocorreram em ambiente hospitalar conveniado ao SUS, excluindo-se assim óbitos maternos que não se deram em hospitais e selecionando-se os mesmos estabelecimentos de saúde conveniados ao SUS constantes na base de dados do SIH em 2019.

Para isso, a variável que identifica os códigos do estabelecimento de saúde (variável “CNES” no SIH e “CODESTAB” no SIM) foram utilizados e pareados. Diante da base do SIH com todas as internações obstétricas, foram selecionados todos os “CNES”, independentemente do desfecho óbito. A seguir, verificou-se quais estabelecimentos das internações obstétricas do SIH estavam presentes no SIM. Os óbitos maternos do SIM que não ocorreram em estabelecimentos de saúde constantes nas internações obstétricas do SIH de 2019 foram excluídos para fins de comparação entre os dois sistemas. O mesmo critério de seleção de estabelecimentos (hospitais e estabelecimentos de saúde) foi utilizado para selecionar os nascimentos no SINASC, no ano de 2019, para formar o número de nascidos vivos (NV) em hospitais financiados pelo SUS com base nas internações obstétricas identificadas no SIH no mesmo ano, por meio da variável “CNES” do SIH e “CODESTAB” no SINASC.

Resumindo, foram calculadas:
  1. RMM hospitalar: óbitos identificados no SIH por este estudo com base na presença de ao menos um dos três critérios (diagnósticos, procedimento e cobrança); o denominador foram os NV em hospitais e estabelecimentos de saúde conveniados ao SUS e constantes no SIH em 2019.

  2. RMM SIM adaptado: óbitos maternos ocorridos nos mesmos hospitais e estabelecimentos de saúde encontrados nas internações obstétricas do SIH; o denominador foi o mesmo número usado no cálculo da RMM hospitalar.

  3. RMM SIM total: óbitos maternos pelo total dos NV, independentemente do local do óbito e do nascimento.

De acordo com a metodologia de seleção de casos no SIH e no SIM, não existiram dados faltantes (missing data).

Análise estatística

As variáveis categóricas foram comparadas utilizando-se o teste χ2 de Pearson ou exato de Fisher, enquanto as variáveis contínuas foram descritas com médias (desvio padrão) ou medianas (p25–p75) e comparadas utilizando-se o teste t de Student ou teste de Wilcoxon-Mann-Whitney, conforme apropriado. Além da avaliação nacional, também avaliamos as cinco macrorregiões e categorias de idade.

Para todas as análises foram considerados significativos valores de p<0,05. O manejo dos bancos de dados e as análises estatísticas foram realizados no software Stata-15 (Statacorp, College Station, Texas, EUA).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês (CAAE 34126820.0.0000.5461/número do parecer 4.151.968) em 13 de julho de 2020, com dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo emprego de dados secundários e a ausência de contato com pessoas/pacientes.

RESULTADOS

Em 2019 foram internadas 4.236.387 MIF em hospitais conveniados ao SUS no país. Desse total, 2.497.957 (59%) foram obstétricas e 946 (0,04%) tiveram óbito materno. Quanto à concordância entre os critérios (1. diagnósticos, 2. procedimento, 3. cobrança) 77% das internações obstétricas e 30% dos óbitos tiveram os três critérios. Considerando-se a presença de pelo menos dois dos três critérios, 82% dos óbitos foram identificados, enquanto 11% foram identificados exclusivamente pelos diagnósticos e 5% exclusivamente pelos procedimentos, conforme se observa nas Figuras 1 e 2.

Figura 1.
Diagrama de Venn das internações obstétricas de mulheres em idade fértil por diagnósticos de internação, procedimentos realizados e cobrança de parto conforme registros do Sistema de Informações Hospitalares. Brasil, 2019.
Figura 2.
Diagrama de Venn das internações obstétricas com óbitos de mulheres em idade fértil por diagnósticos de internação, procedimentos realizados e cobrança de parto conforme registros do Sistema de Informações Hospitalares. Brasil, 2019.

Das 40.485 internações obstétricas e 63 óbitos maternos identificados pelos critérios 2 e/ou 3, mas sem diagnósticos do capítulo XV, observaram-se participações importantes de alguns diagnósticos como causa de internação: Z30 (anticoncepção), com 48,7% das internações e 12,6% das internações com óbito; P95 (morte fetal de causa não especificada), com 13,7 % das internações e 55,5% das internações com óbito; e I42 (cardiomiopatias), com 6,8% das internações e 4,7% das internações com óbito (Tabela 1 e Tabela 1 do material suplementar). Citando os 63 óbitos, 50 continham somente procedimento materno e 11, procedimento e cobrança materna (Figura 2). Os dois óbitos remanescentes foram identificados somente pela cobrança materna (I50 insuficiência cardíaca e K65 peritonite), com óbito da gestante e do concepto (Tabela 1 do material suplementar).

Tabela 1.
Descrição dos diagnósticos principais, códigos, frequência e representatividade individual e cumulativa das internações obstétricas identificadas pelos procedimentos e cobrança materna sem diagnóstico do capítulo XV e demais códigos maternos de outros capítulos, Sistema de Informações Hospitalares. Brasil, 2019.

Entre as 40.485 internações, 27.971 apresentaram os critérios 2 e 3 com 11 óbitos maternos. Sob a ótica da cobrança de parto dessas internações, 716 foram de alta da mãe/puérpera com óbito do recém-nascido e 3.859 de alta da mãe/puérpera com óbito fetal. O código P95 foi prevalente: 92,6% (663) das 716 internações com óbito do recém-nascido e 97,7% (3.771) das 3.859 das internações com óbito fetal (Tabela 2 do material suplementar).

Razão de Mortalidade Materna hospitalar, Razão de Mortalidade Materna do Sistema de Informações sobre Mortalidade adaptado e Razão de Mortalidade Materna do Sistema de Informações sobre Mortalidade Total

O total de óbitos maternos no SIH somou 946 e, no SIM, seguindo-se as regras do MS, apuraram-se 1.576 em 2019, número semelhante ao divulgado pelo MS/DATASUS1414. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de Informações sobre Mortalidade. Óbitos de mulheres em idade fértil e óbitos maternos [Internet]. 2019 [acessado em 7 dez 2021]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/mat10uf.def
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. Entretanto, para fins de cálculo da RMM SIM total, consideraram-se 1.575 óbitos maternos, resultantes da exclusão do óbito de uma mulher de 56 anos que não atendia ao critério de inclusão por idade.

Na Figura 3, é possível visualizar o passo a passo para a identificação dos 1.032 (1.024 do Capítulo XV e oito dos demais Capítulos — A34, B20-24, D39.2, E23.0, F53, M83.0) óbitos do SIM ocorridos durante o ciclo gravídico puerperal (até 42 dias após o término da gestação) e em hospitais do SUS e conveniados.

Figura 3.
Fluxograma com as etapas para a identificação dos óbitos maternos ocorridos durante o ciclo gravídico puerperal em hospitais financiados pelo Sistema Único de Saúde, Sistema de Informações sobre Mortalidade. Brasil, 2019.

Para o cálculo da RMM, o número de NV coletados no SINASC no ano de 2019 foi de 2.849.146, ocorridos em qualquer local, número utilizado no cálculo da RMM SIM total. Para o cálculo da RMM hospitalar e da RMM SIM adaptado o denominador foi de 2.077.630 NV em hospitais conveniados ao SUS.

Observa-se na Tabela 2 que a diferença entre RMM hospitalar e RMM SIM adaptado para cada 100 mil NV foi de 4,1 óbitos maternos a mais registrados no SIM comparado ao SIH (p-valor 0,053). A RMM aumentou conforme a idade, independentemente da fonte dos óbitos maternos. Chama atenção o grupo etário 30–39 anos, com diferença entre a RMM entre os dois sistemas (diferença absoluta 12,3, p=0,008), com maior cobertura pelo SIM. As RMM por região mostram que há diferença entre os dois sistemas no Centro-Oeste (p-valor 0,011) e no Sul (p-valor 0,002). O número de óbitos e nascimentos para o cálculo das RMM está na Tabela 3 do material suplementar. As Figuras 1 e 2 do material suplementar trazem as RMM por idade e região em formato gráfico.

Tabela 2.
Razão de Mortalidade Materna dos óbitos ocorridos em hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde, com os dados do Sistema de Informações Hospitalares e Sistema de Informações sobre Mortalidade adaptado, por grupos etários e por regiões. Brasil, 2019.

Por fim, a RMM SIM total calculada neste estudo foi de 55,3 por 100 mil NV (1.575/2.849.146 *100 mil NV). Difere da RMM de 57,9 do MS1515. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância das Doenças não Transmissíveis. Indicadores de cobertura que utilizam a metodologia do busca ativa: razão de mortalidade materna [Internet]. 2021 [acessado em 10 ago 2021]. Disponível em: http://svs.aids.gov.br/dantps/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/busca-ativa/indicadores-de-saude/cobertura/
http://svs.aids.gov.br/dantps/acesso-a-i...
, corrigida pelo fator de correção.

DISCUSSÃO

No Brasil, onde 98,5% dos nascimentos ocorrem em hospitais1616. Leal MC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, et al. Saúde reprodutiva, materna, neonatal e infantil nos 30 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). Ciênc Saúde Coletiva 2018; 23(6): 1915-28. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.03942018
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, a disponibilidade de uma base nacional de dados hospitalares pode contribuir para o estudo da MM ao extrapolar sua função de ressarcimento trazendo dados sobre 2.497.957 internações obstétricas e 946 óbitos maternos em 2019.

Entender a MM com o auxílio do SIH como fonte de dados complementar ao SIM, com capacidade de aportar óbitos que não seriam usualmente registrados, pode ser uma alternativa para reverter a situação atual de difícil redução da RMM, principalmente quando a temporalidade da RMM mostra estagnação e crescimento, como no Brasil1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. A mortalidade materna no Brasil: diferenças regionais e desafios para o alcance da meta do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2030. In: Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. p. 71-94. [acessado em 12 ago. 2020]. Disponível em: https://www.google.com/l?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwj8w56u2e_6AhVfBbkGHY57A_4QFnoECA0QAQ&url=https%3A%2F%2Fbvsms.saude.gov.br%2Fbvs%2Fpublicacoes%2Fsaude_brasil_2019_analise_situacao.pdf&usg=AOvVaw2YGgm5qwJaVZHv6katQDNl
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,1818. Motta CT, Moreira MR. O Brasil cumprirá o ODS 3.1 da agenda 2030? Uma análise sobre a mortalidade materna, de 1996 a 2018. Ciênc Saúde Coletiva 2021; 26(1): 4397-409. https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.10752021
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e nos Estados Unidos1919. Collier ARY, Molina RL. Maternal mortality in the United States: updates on trends, causes, and solutions. Neoreviews 2019; 20(10): e561-e574. https://doi.org/10.1542/neo.20-10-e561
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,2020. Darney PD, Nakamura-Pereira M, Regan L, Serur F, Thapa K. Maternal mortality in the United States compared with Ethiopia, Nepal, Brazil, and the United Kingdom: contrasts in Reproductive Health Policies. Obstet Gynecol. 2020; 135(6): 1362-6. https://doi.org/10.1097/AOG.0000000000003870
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Tanto mortalidade quanto morbidade materna decorrem da dificuldade ou da falta de acesso aos serviços médicos, das condições sociais, econômicas e demográficas que impactam o risco de desenvolver complicações durante e após a gravidez2121. Cecatti JG, Costa ML, Haddad SM, Parpinelli MA, Souza JP, Sousa MH, et al. Network for surveillance of severe maternal morbidity: a powerful national collaboration generating data on maternal health outcomes and care. BJOG 2016; 123(6): 946-53. https://doi.org/10.1111/1471-0528.13614
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,2222. Pacagnella RC, Nakamura-Pereira M, Gomes-Sponholz F, Aguiar RALP, Guerra GVQL, Diniz CSG, et al. Maternal mortality in Brazil: proposals and strategies for its reduction. Rev Bras Ginecol Obstet 2018; 40(9): 501-6. https://doi.org/10.1055/s-0038-1672181
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. Estudos sobre morbidade materna grave demonstram como o SIH serve para identificar casos de quase morte da MIF, agilizando o reconhecimento, em comparação aos estudos baseados em prontuários e entrevistas2323. Veras TCS, Mathias TAF. Principais causas de internações hospitalares por transtornos maternos. Rev Esc Enferm USP 2014; 48(3): 401-8. https://doi.org/10.1590/S0080-623420140000300003
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,2424. Herdt MCW, Magajewski FRL, Linzmeyer A, Tomazzoni RR, Domingues NP, Domingues MP. Temporal trend of near miss and its regional variations in Brazil from 2010 to 2018. Rev Bras Ginecol Obstet 2021; 43(2): 97-106. https://doi.org/10.1055/s-0040-1719144
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Identificamos 40.485 internações e 63 óbitos que não seriam reconhecidos por não conterem padrões maternos entre os diagnósticos de internação. Esses achados perfazem 1,6% do total das internações obstétricas (2.497.957) e 6,7% do total das internações com óbitos (946). Com o uso dos critérios procedimentos e cobrança, mostramos o uso incorreto na codificação dos diagnósticos (Tabela 1 e Tabela 1 do material suplementar), com presença significativa dos códigos Z30, I42 e do código pediátrico P95. Sugerimos que o uso dos códigos anticoncepção (Z30) e morte fetal (P95) seja reavaliado para a possível troca do código, acompanhado de uma orientação do preenchedor da Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Já para o código cardiomiopatias (I42), sugerimos que haja um estudo mais aprofundado sobre seu uso. O uso e correto preenchimento da variável cobrança pode auxiliar nas investigações de morte fetal e perinatal ao expor a trajetória hospitalar das MIF (Tabela 1 do material suplementar).

A RMM hospitalar obtida neste estudo foi de 45,5 (intervalo de confiança — IC 42,7–48,5) por 100 mil NV em 2019, revelando a dificuldade de alcançar uma RMM de no máximo 30 até 2030, conforme os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. A mortalidade materna no Brasil: diferenças regionais e desafios para o alcance da meta do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2030. In: Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. p. 71-94. [acessado em 12 ago. 2020]. Disponível em: https://www.google.com/l?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwj8w56u2e_6AhVfBbkGHY57A_4QFnoECA0QAQ&url=https%3A%2F%2Fbvsms.saude.gov.br%2Fbvs%2Fpublicacoes%2Fsaude_brasil_2019_analise_situacao.pdf&usg=AOvVaw2YGgm5qwJaVZHv6katQDNl
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Quando comparamos os óbitos maternos do SIM adaptado (n=1.032), 92% estavam no SIH (n=946), com a limitação de termos avaliado dados agregados e não necessariamente serem as mesmas mulheres em ambas as bases. Encontramos achados interessantes comparando as regiões, dado que ora a RMM foi maior no SIM, ora no SIH. Regiões onde a RMM SIM adaptado foi maior que a estimada pelo SIH poderiam sugerir que a investigação dos óbitos maternos vem sendo realizada de forma mais efetiva, aumentando os óbitos no SIM após revisão. É o que supomos ter ocorrido com as RMM do Sul e Centro-Oeste. Segundo estudo1717. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. A mortalidade materna no Brasil: diferenças regionais e desafios para o alcance da meta do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em 2030. In: Brasil. Ministério da Saúde. Saúde Brasil 2019: uma análise da situação de saúde com enfoque nas doenças imunopreveníveis e na imunização [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019. p. 71-94. [acessado em 12 ago. 2020]. Disponível em: https://www.google.com/l?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwj8w56u2e_6AhVfBbkGHY57A_4QFnoECA0QAQ&url=https%3A%2F%2Fbvsms.saude.gov.br%2Fbvs%2Fpublicacoes%2Fsaude_brasil_2019_analise_situacao.pdf&usg=AOvVaw2YGgm5qwJaVZHv6katQDNl
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, as regiões com maiores percentuais de investigação dos óbitos de MIF em 2017 foram a Sul, seguida pelo Centro-Oeste e Sudeste. O contrário ocorreu no Nordeste, onde encontramos mais óbitos no SIH que no SIM adaptado. Embora seja uma estimativa com incerteza (diferença absoluta 3,9, IC95% -3,8−11,7 por 100 mil NV), esse achado pode ser explorado em outros anos e, mediante confirmação, ser investigado.

Outra possível explicação da diferença deve estar relacionada aos hospitais com leitos obstétricos mistos, com parte dos leitos financiada pelo SUS e parte não financiada pelo SUS (saúde suplementar/particular). Como um dos critérios de seleção dos óbitos maternos comparáveis do SIM ao SIH partiu dos hospitais onde ocorreram todas as internações obstétricas do SIH, pode ter havido a seleção de óbito materno no SIM em um estabelecimento de saúde comum às duas bases, porém em leitos sem o financiamento do SUS e, portanto, não presentes na base do SIH.

Expondo o conhecido risco aumentado da MM com o avanço da idade, a RMM hospitalar do grupo 40–49 anos foi três vezes maior que a RMM global do SIH e quatro vezes maior que o grupo de 10–19 anos, mostrando que a RMM das mulheres com mais de 40 anos ainda permanece alta, mesmo a literatura apontando reduções significativas na RMM de 40–49 anos no Brasil, de 1996 a 20181818. Motta CT, Moreira MR. O Brasil cumprirá o ODS 3.1 da agenda 2030? Uma análise sobre a mortalidade materna, de 1996 a 2018. Ciênc Saúde Coletiva 2021; 26(1): 4397-409. https://doi.org/10.1590/1413-812320212610.10752021
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,2525. Dias MAB, Domingues RMSM, Schilithz AOC, Nakamura-Pereira M, Diniz CSG, Brum IR, et al. Incidência do near miss materno no parto e pós-parto hospitalar: dados da pesquisa Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública 2014; 30(Suppl): S169-S181. https://doi.org/10.1590/0102-311X00154213
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.

O preenchimento das seguintes variáveis do SIH seria útil nos estudos maternos:
  1. “Gestrisco” — gestação de risco;

  2. “Insc_pn” — inscrição da gestante no programa de assistência pré-natal;

  3. “Num_filhos” — número de filhos. A variável “insc_pn” permitiria por meio de técnicas de record linkage a interface com outras bases de dados, mesmo sem os dados nominais2626. Moura BLA, Alencar GP, Silva ZP, Almeida MF. Internações por complicações obstétricas na gestação e desfechos maternos e perinatais, em uma coorte de gestantes no Sistema Único de Saúde no Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2018; 34(1): e00188016. https://doi.org/10.1590/0102-311X00188016
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    . O número de filhos poderia sinalizar sobre primíparas ou multíparas serem fator de risco materno.

Reforçamos a importância do treinamento para o preenchimento adequado da AIH, normalmente realizado por profissional administrativo não treinado para extrair dados dos prontuários médicos, visando objetivos de faturamento e ressarcimento pelo SUS, muitas vezes compatibilizando-se o diagnóstico ao procedimento para evitar glosas ao ressarcimento2727. Bittencourt SA, Bastos Camacho LA, Leal MC. O Sistema de Informação Hospitalar e sua aplicação na saúde coletiva. Cad Saúde Pública 2006; 22(1): 19-30. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2006000100003
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,2828. Bittencourt SA, Camacho LAB, Leal MC. A qualidade da informação sobre o parto no Sistema de Informações Hospitalares no Município do Rio de Janeiro, Brasil, 1999 a 2001. Cad Saúde Pública 2008; 24(6): 1344-54. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000600015
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.

A unidade de análise ser a AIH é uma limitação. Sem acesso aos dados nominais, possíveis registros de reinternação da mesma mulher não foram reconhecidos, o que supomos ocorrer principalmente nas internações do puerpério. Outra limitação é o possível risco de viés de informação, inerente ao uso de dados secundários.

Uma limitação é a não estratificação do cálculo das RMM do SIH e do SIM por raça/cor, dada sua relevância ao expor iniquidades raciais na saúde materna. A complexidade inerente ao tópico inclui dados faltantes que provavelmente não se distribuem completamente ao acaso2929. Gebregziabher M, Zhao Y, Axon N, Gilbert GE, Echols C, Egede LE. Lessons learned in dealing with missing race data: an empirical investigation. J Biomet Biostat 2012; 3(3): 138. https://doi.org/10.4172/2155-6180.1000138
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.

Tradicionalmente, a mensuração dos óbitos maternos em bancos de dados em saúde usa os códigos da CID-10. Esse estudo identificou um contingente maior de internações e óbitos com a inclusão das variáveis procedimentos realizados e cobrança de parto do SIH. Embora haja diferenças entre a RMM hospitalar e a do SIM adaptado, o uso do SIH como sistema de informação complementar ao SIM pode ser válido nas pesquisas sobre mortalidade e morbidade maternas.

  • FONTE DE FINANCIAMENTO: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2022
  • Revisado
    27 Set 2022
  • Aceito
    30 Set 2022
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