Soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) entre doadores de sangue em hemocentros de Maringá-Paraná e Boa Vista-Roraima

Seroprevalence of Human T Cell Lymphotropic Virus (HTLV) among blood donors in blood centers in Maringá-Paraná and Boa Vista-Roraima

La seroprevalencia del virus linfotrópico de células T humanas (HTLV) entre los donantes de sangre en los bancos de sangre de Maringá-Paraná y Boa Vista-Roraima

Lucas Emmanuel da Silva Semeão Daniela Ribeiro Roque Têdi Francisco Sobrinho Cássia Kely Favoretto Costa Marisa Dodorico Mirian Ueda Yamaguchi

Resumos

OBJETIVO:

descrever a soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) entre doadores de sangue em hemocentros nos municípios de Maringá-PR e Boa Vista-RR, Brasil.

MÉTODO:

estudo descritivo com dados secundários dos resultados de exames realizados em amostras de sangue de doações realizadas no período de 2001 a 2010 em Maringá, e de 2007 a 2010 em Boa Vista.

RESULTADOS:

foram estudadas 126.386 doações em Maringá e 50.855 em Boa Vista; considerando-se os registros de sorologia positiva para HTLV, foi possível constatar que em Maringá, entre 2007 e 2010, o número de casos permaneceu baixo e estável, enquanto em Boa Vista, ocorreu aumento de 1,6 para 11,2 casos positivos para cada 10 mil doações.

CONCLUSÃO:

evidenciou-se perfil epidemiológico distinto entre os doadores dos hemocentros nas duas cidades, sugerindo a necessidade de incremento das ações com enfoque mais regionalizado, para a prevenção da transmissão do HTLV no Brasil.

Epidemiologia Descritiva; Serviço de Hemoterapia; Soroprevalência; Vírus 1 Linfotrópico T Humano


OBJECTIVE:

to describe human T cell lymphotropic virus (HTLV) seroprevalence among blood donors at blood centers in Maringá-Paraná and Boa Vista-Roraima.

METHODS:

this was a descriptive study of secondary data of tests on blood samples from first time and loyal donors in Maringá (2001-2010) and Boa Vista (2007-2010).

RESULTS:

126,386 blood donations were studied in Maringá and 50,855 in Boa Vista. Based on the records of positive serology for HTLV between 2007 and 2010, the number of cases in Maringá remained low and stable, while in Boa Vista it increased from 1.6 to 11.2 positive cases per 10,000 donations.

CONCLUSION:

this study showed a different epidemiological profile among donors in the two cities. This suggests the need to increase actions with a more regionalized approach to preventing HTLV virus transmission in Brazil.

Descriptive Epidemiology; Hemotherapy Service; Seroprevalence; Human T-lymphotropic Virus type 1


OBJETIVO:

evaluar la seroprevalencia de infección por el virus linfotrópico de células T humanas (HTLV) en donantes en los bancos de sangre de Maringá (PR) y Boa Vista (RR).

MÉTODO:

estudio descriptivo de los datos secundarios de laboratorio realizados con muestras de las donaciones de sangre entre 2001 y 2010 en la ciudad de Maringá y 2007-2010 en Boa vista.

RESULTADOS:

se estudiaron 126.386 donaciones en Maringá y 50.855 en Boa Vista; considerándose los registros de serología positiva para HTLV, se encontró que en Maringá entre los años 2007 a 2010, el núme ro de casos se mantuvo bajo y estable, mientras que en Boa Vista se incrementaron 1,6 a 11,2 casos positivos para cada 10 mil donaciones.

CONCLUSIÓN:

el presente estudio mostró diferencia epidemiológica entre las ciudades de Maringá y Boa Vista, lo que sugiere la necesidad de incrementar las acciones con enfoque más regional para prevenir la transmisión del virus HTLV en Brasil.

Epidemiología Descriptiva; Servicio de Hematología; Seroprevalencia; Virus 1 T-linfotrópico Humano


Introdução

O vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) é um patógeno pertencente à família dos retrovírus, merecedor de atenção devido a seu mecanismo de transmissão por via parenteral e por estar associado a doenças graves como a leucemia/linfoma de células T do adulto (LLTA) e a mielopatia associada ao HTLV/paraparesia tropical espástica (HAM/TSP).11. Catalan-Soares BC, Proietti FA, Carneiro-Proietti ABF. Human T-cell lymphotropic viruses (HTLV) in the last decade (1990-2000). Rev Bras Epidemiol. 2001 Aug;4(2):81-95.,22. Ferreira LSC, Costa JHG, Costa CA, Melo MFC, Andrade ML, Martins LC, et al. Soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas em comunidades ribeirinhas da região nordeste do Estado do Pará, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude. 2010 set;1(3):103-8.

São conhecidos, até o momento, quatro subtipos de HTLV, organizados em ordem numérica crescente. Destes, os subtipos mais importantes nos quesitos 'patogenia' e 'epidemiologia' são o HTLV I e II.33. Santos FLN, Lima FWM. Epidemiology, physiopathogenesis and laboratorial diagnosis of the HTLV-I infection. J Bras Patol Med Lab. 2005 Apr;41(2):105-16. A transmissão ocorre pelas vias vertical e sexual; e por transfusões de elementos sanguíneos contaminados, seja por transfusões ou pelo compartilhamento de material perfurocortante entre usuários de drogas.44. Figueiró-Filho EA, Lopes AHA, Senefonte FRAS, Souza Junior VG, Botelho CA, Duarte G. T-cell leukemia virus infection in pregnant women in a Central-Western state of Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005 Dec;27(12):719-25.

5. Forbi JC, Odetunde AB. Human T-cell lymphotropic virus in a population of pregnant women and commercial sex workers in South Western Nigeria. Afr Health Sci. 2007 Sep;7(3):129-32.
-66. Trevino A, Aguilera A, Caballero E, Benito R, Parra P, Eiros JM, et al. Trends in the prevalence and distribution of HTLV-1 and HTLV-2 infections in Spain. Virol J. 2012 Mar;9(71):1-5.

Desconhece-se o número exato de infectados por HTLV no mundo porque a maior parte das pesquisas sobre o tema é realizada sobre populações específicas de bancos de sangue, cujos dados podem não refletir o perfil epidemiológico da população geral.77. Catalan-Soares B, Carneiro-Proietti ABE, Proietti FA . Heterogeneous geographic distribution of human T-cell lymphotropicviruses I and II (HTLV-I/II): serological screening prevalence rates in blood donors from large urban areas in Brazil. Cad Saude Publica. 2005 May-Jun;21(3):926-31.

A infecção por HTLV é difusa, atinge grupos populacionais distintos, não relacionados, localizados em diferentes áreas geográficas. Porém, assume-se que o HTLV-I é o mais prevalente dos dois subtipos principais, em escala global.88. Etenna SL, Caron M, Besson G, Makuwa M, Antoine G, Mahé A, et al. New insights into prevalence, genetic diversity, and proviral load of human T-cell leukemia virus types 1 and 2 in pregnant women in Gabon in equatorial central Africa. J Clin Microbiol. 2008 Nov;46(11):3607-14.,99. Dias-Bastos MR, Oliveira CD, Carneiro-Proietti AB. Decline in prevalence and asymmetric distribution of human T cell lymphotropic virus 1 and 2 in blood donors, State of Minas Gerais, Brazil, 1993 to 2007. Rev Soc Bras Med Trop. 2010 Nov-Dec;43(6):615-9.

Estimativas apontam que em 2012 existiam, aproximadamente, 5 a 10 milhões de pessoas infectadas pelo HTLV-I em todo o mundo.1010. Gessain A, Cassar O. Epidemiological aspects and world distribution of HTLV-1. Front Microbiol. 2012 Nov;3(388):1-23. Nas pesquisas publicadas entre os anos 2000 e 2012, as áreas endêmicas para o HTLV correspondiam ao Japão, Caribe, Irã, Melanésia, e aos continentes da América Central e do Sul, além da África. São também encontrados relatos de infecção em usuários de drogas injetáveis na Europa e nos Estados Unidos da América, como também entre migrantes de regiões endêmicas vivendo nessas localidades, sendo o uso de drogas intravenosas associado à maior prevalência do subtipo 2 do HTLV.11. Catalan-Soares BC, Proietti FA, Carneiro-Proietti ABF. Human T-cell lymphotropic viruses (HTLV) in the last decade (1990-2000). Rev Bras Epidemiol. 2001 Aug;4(2):81-95.,33. Santos FLN, Lima FWM. Epidemiology, physiopathogenesis and laboratorial diagnosis of the HTLV-I infection. J Bras Patol Med Lab. 2005 Apr;41(2):105-16.,55. Forbi JC, Odetunde AB. Human T-cell lymphotropic virus in a population of pregnant women and commercial sex workers in South Western Nigeria. Afr Health Sci. 2007 Sep;7(3):129-32.,66. Trevino A, Aguilera A, Caballero E, Benito R, Parra P, Eiros JM, et al. Trends in the prevalence and distribution of HTLV-1 and HTLV-2 infections in Spain. Virol J. 2012 Mar;9(71):1-5.,1111. Abbaszadegan MR, Gholamin M, Tabatabaee A, Farid F, Houshmand M, Abbaszadegan M. Prevalence of human T-lymphotropic virus type 1 among blood donors from Mashhad, Iran. J Clin Microbiol. 2003 Jun;41(6):2593-5.

12. Proietti FA, Carneiro-Proietti AB, Catalan-Soares BC, Murphy EL. Global epidemiology of HTLV-I infection and associated diseases. Oncogene. 2005 Sep;24(39):6058-68.

13. Oliveira SR, Avelino MM. Soroprevalência do vírus linfotrópico-T humano tipo I entre gestantes em Goiânia, GO, Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006 ago;28(8):467-72.
-1414. Chihara D, Ito H, Katanoda K, Shibata A, Matsuda T, Tajima K, et al. Increase in incidence of adult T-cell leukemia/lymphoma in non-endemic areas of Japan and the United States. Cancer Sci. 2012 Oct;103(10):1857-60.

O Brasil se encontra entre os países com maior número de indivíduos portadores do HTLV.1010. Gessain A, Cassar O. Epidemiological aspects and world distribution of HTLV-1. Front Microbiol. 2012 Nov;3(388):1-23. As taxas de prevalência do HTLV variam entre os estados, sendo relatadas prevalências de 0,06% em duas cidades do estado de São Paulo (2001),1515. Kleine Neto W, Sanabani SS, Jamal LF, Sabino EC. Prevalence, risk factors and genetic characterization of human T-cell lymphotropic virus types 1 and 2 in patients infected with human immunodeficiency virus type 1 in the cities of Ribeirão Preto and São Paulo. Rev Soc Bras Med Trop. 2009 May-Jun;42(3):264-70. 0,07% no Paraná (2003 a 2006),1616. Veit APT, Mella EAC, Mella Junior SE. Soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV I/ II) em indivíduos doadores de sangue do hemocentro da cidade de Maringá-PR. Arq Cienc Saude Unipar. 2006;10(3):123-6. 0,02% em Minas Gerais (1995 a 2008),1717. Lima GM, Eustáquio JM, Martins RA, Josahkiam JA, Pereira GA, Moraes-Souza H, et al. Decline in the prevalence of HTLV-1/2 among blood donors at the Regional Blood Center of the City of Uberaba, State of Minas Gerais, from 1995 to 2008. Rev Soc Bras Med Trop. 2010 Jul-Aug;43(4):421-4. 0,1% entre gestantes de Mato Grosso do Sul (2002 a 2003)44. Figueiró-Filho EA, Lopes AHA, Senefonte FRAS, Souza Junior VG, Botelho CA, Duarte G. T-cell leukemia virus infection in pregnant women in a Central-Western state of Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005 Dec;27(12):719-25. e 0,1% entre gestantes de Goiás (2003 a 2004).1313. Oliveira SR, Avelino MM. Soroprevalência do vírus linfotrópico-T humano tipo I entre gestantes em Goiânia, GO, Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006 ago;28(8):467-72. Nas regiões Norte e Nordeste, concentradoras das maiores taxas da infecção, foram encontradas prevalências de 1,14% em ribeirinhos paraenses (2009 a 2010),22. Ferreira LSC, Costa JHG, Costa CA, Melo MFC, Andrade ML, Martins LC, et al. Soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas em comunidades ribeirinhas da região nordeste do Estado do Pará, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude. 2010 set;1(3):103-8. 1,8% entre descendentes de japoneses no Pará (1999)1818. Vallinoto AC, Muto NA, Pontes GS, Machado LF, Azevedo VN, Santos SE, et al. Serological and molecular evidence of HTLV-I infection among Japanese immigrants living in the Amazon region of Brazil. Jpn J Infect Dis. 2004 Aug;57(4):156-9. e 0,11% em Rio Branco, capital do estado do Acre (1999 a 2001).1919. Colin DD, Alcântara Junior LC, Santos FL, UchIoa R, Tavares-Neto J. Seroprevalence of human T cell lymphotropic virus infection and associated factors of risk in blood donors of Rio Branco city, AC, Brazil (1998-2001). Rev Soc Bras Med Trop. 2003 Nov-Dec;36(6):677-83. Em Salvador, capital do estado da Bahia, observou-se a mais alta prevalência: 1,7% da população geral (1998).2020. Dourado I, Alcantara LC, Barreto ML, Gloria TM, Galvão-Castro B. HTLV-I in the general population of Salvador, Brazil: a city with African ethnic and sociodemographic characteristics. J Acquir Immune Defic Syndr. 2003 Dec;34(5):527-31.

Considerando-se que as regiões brasileiras apresentam distintas condições socioeconômicas, demográficas e culturais, torna-se necessário o desenvolvimento de pesquisas que investiguem das situações locais para o HTLV. O objetivo deste artigo foi descrever a soroprevalência do HTLV entre doadores de sangue em hemocentros de duas cidades do Brasil: Maringá, no estado do Paraná, e Boa Vista, capital do estado de Roraima.

Métodos

Trata-se de estudo descritivo, cuja fonte de dados secundários correspondeu aos resultados dos testes sorológicos anti-HTLV 1 e 2 realizados em doadores de sangue nos hemocentros das cidades de Maringá e Boa Vista.

Maringá situa-se no Norte Central do estado do Paraná, em 2010, contava com uma população de 391.698 habitantes e apresentava o segundo maior índice de desenvolvimento humano (IDH) do estado: 0,808. A cidade de Boa Vista, por sua vez, localizada no Norte de Roraima, abrigava 314.900 habitantes e apresentava um IDH de 0,752.2121. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico: resultados preliminares: São Paulo. Rio de Janeiro; 2014. (Recenseamento Geral do Brasil; 8).

As doações de sangue foram estratificadas em dois subgrupos: (i) doações de primeira vez, referentes aos registros de indivíduos que doaram sangue pela primeira vez, e (ii) doações fidelizadas, correspondentes aos registros de indivíduos que, após doar sangue pela primeira vez, obtiveram resultado de exames isento de doenças infecciosas, tornando-se doadores habituais. Para os doadores fidelizados, a primeira doação de sangue foi incluída no grupo de primeira vez, e as doações subsequentes, incluídas no grupo de doações fidelizadas.

O período do estudo em Maringá incluiu os anos de 2001 a 2010, devido à disponibilidade dos dados do banco de sangue. Para Boa Vista, apenas os dados entre 2007 e 2010 encontravam-se disponíveis.

As variáveis estudadas foram as seguintes:

  1. número de doadores fidelizados;

  2. número de doadores de primeira vez;

  3. número de sorologias positivas para HTLV em doadores fidelizados; e

  4. número de sorologias positivas para HTLV em doadores de primeira vez.

As provas sorológicas para HTLV foram realizadas pelo teste ELISA (enzimaimunoensaio), para detecção de anticorpos IgG, e são utilizadas na rotina dos bancos de sangue destacados para esta pesquisa.2222. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 1.376, de 19 de novembro de 1993. Aprova alterações na Portaria n° 721/GM, de 09.08.89, que aprova Normas Técnicas para coleta, processamento e transfusão de sangue, componentes e derivados, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 1993 dez 2; Seção 1:1805.

Foi calculada a soroprevalência para cada 10 mil doações, tanto para Maringá como para Boa Vista, dividindo-se o número de sorologias positivas de doações (fidelizadas; primeira vez; e total) pela quantidade de doações (fidelizadas; primeira vez; e total) e multiplicando-se por 10 mil doações. Este método permite uma comparação entre os resultados das cidades, uma vez que os números absolutos, por si só, não podem ser comparados sem que os denominadores sejam comuns aos dois grupos. Como o número absoluto de doações positivas para HTLV é muito pequeno e o percentual não é recomendado para amostra com n<100, selecionou-se o denominador de 10 mil para melhor compreensão dos resultados.2323. Pereira MG. Artigos científicos: como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2013.

Na organização e tabulação de dados, utilizou-se planilha do Microsoft Excel(r) versão 2010. Para o cálculo das medidas estatísticas, foi aplicado o programa Statistical Package for Social Science for Windows(r) (SPSS) versão 17.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Maringá - UniCesumar -, sob o Parecer n° 042/2011, CAAE 0041.0.299.000-11, com base nas diretrizes da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

No período de 2001 a 2010, na cidade de Maringá, estado do Paraná, foram registradas 96.968 doações fidelizadas, com a maior frequência (n=11.157) observada em 2001 e a menor (n=8.277) em 2007. Foram registradas 29.418 doações de primeira vez, com maior frequência (n=4.461) em 2001 e a menor (n=2.190) em 2005 (Tabela 1).

Tabela 1
Número de doações de sangue e número de casos de sorologia positiva para vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) entre grupos fidelizados e de primeira vez no município de Maringá, Paraná - 2001 a 2010 -, e de Boa Vista, Roraima - 2007 a 2010.

Em Boa Vista, estado de Roraima, o total de doações de sangue fidelizadas correspondeu a 40.772. Houve aumento no número de doações, de 9.353 em 2007 para 11.024 em 2010. Para o grupo de doações de primeira vez (n=10.083), observou-se diminuição no número de doações: de 2.855 em 2007 para 2.399 em 2010 (Tabela 1).

Observou-se pequeno número de sorologias positivas para o HTLV entre as doações realizadas nos períodos estudados, tanto em Maringá (2001-2010) como em Boa Vista (2007-2010). Contudo, entre os doadores de primeira vez em Boa Vista, a soropositividade chegou a 62,5 casos para cada 10 mil doações em 2010 (Tabela 1).

Considerando-se o período comum e portanto, passível de comparação entre as cidades (2007 a 2010), evidenciou-se que a frequência relativa de doações com soropositividade para o HTLV foi menor em Maringá e decresceu, de 0,9 em 2007 para zero em 2010 (a cada 10 mil doações), enquanto em Boa Vista, houve aumento de 1,6 em 2007 para 11,2 em 2010 (a cada 10 mil doações) (Figura 1).

Figura 1
Soroprevalência de vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV) nos bancos de sangue de Maringá, Paraná, e de Boa Vista, Roraima, para cada 10 mil doações, 2007 a 2010.

Discussão

A frequência de doações com soropositividade para HTLV em Boa Vista aumentou gradativamente, no decorrer do período de 2007 a 2010. Esse fato pode sugerir uma endemicidade da infecção por HTLV no município. Por sua vez, no hemocentro de Maringá, a frequência foi menor e decrescente no período de 2001 a 2010.

Este trabalho representou um pequeno recorte no cenário epidemiológico do HTLV e foi realizado a partir de dados coletados em hemocentros de duas cidades de regiões distintas do Brasil. De acordo com os resultados desta pesquisa, em Maringá, observa-se, ao mesmo tempo, um pequeno número de casos positivos para HTLV e infecções ativas recentes, enquanto em Boa Vista, houve crescimento expressivo na frequência de doadores com o vírus em um curto período de tempo. Apesar da diferença nos limites dos períodos correspondentes aos dados, entre as duas cidades, considerou-se que esse fator não inviabilizou a compreensão das situações epidemiológicas locais. Segundo a literatura, o Brasil concentra uma das maiores prevalências de infecção por HTLV em todo o mundo, com menores prevalências na região Sul (2003 a 2006)1616. Veit APT, Mella EAC, Mella Junior SE. Soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV I/ II) em indivíduos doadores de sangue do hemocentro da cidade de Maringá-PR. Arq Cienc Saude Unipar. 2006;10(3):123-6. e maiores no Norte e no Nordeste (1995 a 2000),77. Catalan-Soares B, Carneiro-Proietti ABE, Proietti FA . Heterogeneous geographic distribution of human T-cell lymphotropicviruses I and II (HTLV-I/II): serological screening prevalence rates in blood donors from large urban areas in Brazil. Cad Saude Publica. 2005 May-Jun;21(3):926-31. destacando-se variações para as regiões Sudeste (1993 a 2007)99. Dias-Bastos MR, Oliveira CD, Carneiro-Proietti AB. Decline in prevalence and asymmetric distribution of human T cell lymphotropic virus 1 and 2 in blood donors, State of Minas Gerais, Brazil, 1993 to 2007. Rev Soc Bras Med Trop. 2010 Nov-Dec;43(6):615-9. e Centro-Oeste (2003 a 2004).1313. Oliveira SR, Avelino MM. Soroprevalência do vírus linfotrópico-T humano tipo I entre gestantes em Goiânia, GO, Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006 ago;28(8):467-72.

Na região Norte, várias pesquisas relatam distintas prevalências, em diferentes períodos. No estado do Pará, entre novembro e dezembro de 1999, foi encontrada prevalência de 1,8% entre migrantes japoneses vivendo naquela região.1818. Vallinoto AC, Muto NA, Pontes GS, Machado LF, Azevedo VN, Santos SE, et al. Serological and molecular evidence of HTLV-I infection among Japanese immigrants living in the Amazon region of Brazil. Jpn J Infect Dis. 2004 Aug;57(4):156-9. Ainda nesse estado, entre ribeirinhos, encontrou-se prevalência de HTLV de 1,1% no período de 2009 a 2010.22. Ferreira LSC, Costa JHG, Costa CA, Melo MFC, Andrade ML, Martins LC, et al. Soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas em comunidades ribeirinhas da região nordeste do Estado do Pará, Brasil. Rev Pan-Amaz Saude. 2010 set;1(3):103-8. Em Rio Branco, estado do Acre, a prevalência foi de 0,1% entre 1998 e 2001.1919. Colin DD, Alcântara Junior LC, Santos FL, UchIoa R, Tavares-Neto J. Seroprevalence of human T cell lymphotropic virus infection and associated factors of risk in blood donors of Rio Branco city, AC, Brazil (1998-2001). Rev Soc Bras Med Trop. 2003 Nov-Dec;36(6):677-83. Todos esses dados são concordantes e apontam prevalências consideravelmente elevadas da infecção por HTLV na região Norte do país, em diferentes pontos geográficos. Nesta pesquisa, o perfil de soropositividade elevado encontrado entre os doadores de sangue do hemocentro de Boa Vista está de acordo com os dados da literatura para a região.

O estudo de Veit e colaboradores evidenciou uma prevalência de 0,07% no período de 2003 a 2006.1616. Veit APT, Mella EAC, Mella Junior SE. Soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV I/ II) em indivíduos doadores de sangue do hemocentro da cidade de Maringá-PR. Arq Cienc Saude Unipar. 2006;10(3):123-6. A perspectiva otimista de baixa soroprevalência para o HTLV entre doadores de Maringá deve ser interpretada com cautela. Foram identificados casos em 2001 e 2007 o que sugere a existência de circulação viral ativa na região de Maringá. O fato é alarmante, por se tratar de doações fidelizadas, subentende-se que os indivíduos contraíram o HTLV no período entre as doações sanguíneas.

Entretanto, é importante considerar a hipótese de que essas doações fidelizadas tenham ocorrido no decorrer da chamada 'janela imunológica' (soroconversão tardia), ou seja, o intervalo de tempo de 36 a 72 dias após a infecção pelo vírus,2424. Manns A, Murphy EL, Wilks R, Haynes G, Figueroa JP, Barnett M, et al. A prospective study oftransmission by transfusion of HTLV-I and risk factors associated with seroconversion. Int J Cancer. 1992 Jul;51(6):886-91. período no qual não se detecta a positividade na pesquisa laboratorial para o HTLV. Também é importante lembrar que, não obstante a possibilidade da realização do teste durante a janela imunológica, há um entendimento de que possivelmente, a infecção do doador seja recente.

Ademais, na avaliação dos dados relativos aos doadores de sangue de Maringá nos anos de 2006, 2009 e 2010, não foram encontrados registros de positividade para HTLV, fato possivelmente relacionado à redução de soropositividade no quadro geral; especialmente para o ano de 2006. Outro possível fator para a ausência desse registro é a redução da quantidade de doações, dado a corroborar o já encontrado na literatura.1616. Veit APT, Mella EAC, Mella Junior SE. Soroprevalência do vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV I/ II) em indivíduos doadores de sangue do hemocentro da cidade de Maringá-PR. Arq Cienc Saude Unipar. 2006;10(3):123-6.

Entre os fatores de risco associados à infecção pelo HTLV descritos na literatura, destacam-se:

  1. - ter recebido amamentação cruzada passiva quando criança, na hipótese de uma mãe infectada com o HTLV amamentar crianças de mães não infectadas;2525. Souza VG, Martins ML, Carneiro-Proietti BF, Januário JN, Ladeira RVP, Silva CMS, et al. High prevalence of HTLV-1 and 2 viruses in pregnant women in São Luis, state of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2012 Mar-Apr;45(2):159-62.

  2. - ter idade superior a 40 anos, fator de risco justificado em função do aumento de tempo para exposição ao vírus;44. Figueiró-Filho EA, Lopes AHA, Senefonte FRAS, Souza Junior VG, Botelho CA, Duarte G. T-cell leukemia virus infection in pregnant women in a Central-Western state of Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005 Dec;27(12):719-25.

  3. - ser usuário de drogas endovenosas;66. Trevino A, Aguilera A, Caballero E, Benito R, Parra P, Eiros JM, et al. Trends in the prevalence and distribution of HTLV-1 and HTLV-2 infections in Spain. Virol J. 2012 Mar;9(71):1-5.

  4. - ter recebido hemotransfusões, dada a possibilidade de contato direto com sangue contaminado;2626. Hedayati-Moghaddam MR, Fathimaghadam F, Eftekharzadeh MI, Soghandi L, Bidkhori HR. Epidemiology of HTLV-1 in Neyshabour, Northeast of Iran. Iran Red Crescent Med J. 2011 Jun;13(6):424-7.

  5. - apresentar histórico de doenças sexualmente transmissíveis - DST - e possuir múltiplos parceiros sexuais durante a vida;2727. Moxoto I, Boa-Sorte N, Nunes C, Mota A, Dumas A, Dourado I, et al. Sociodemographic, epidemiological and behavioral profile of women infected with HTLV-1 in Salvador, Bahia, an endemic area for HTLV. Rev Soc Bras Med Trop. 2007 Jan-Feb;40(1):37-41.,2828. Nascimento LB, Carneiro MA, Teles SA, Lopes CL, Reis NR, Silva AM, et al. Prevalence of infection due to HTLV-1 in remnant quilombos in Central Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2009 Nov-Dec;42(6):657-60. além de

  6. - outros fatores demográficos, como menor escolaridade1313. Oliveira SR, Avelino MM. Soroprevalência do vírus linfotrópico-T humano tipo I entre gestantes em Goiânia, GO, Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006 ago;28(8):467-72. e baixa renda.2525. Souza VG, Martins ML, Carneiro-Proietti BF, Januário JN, Ladeira RVP, Silva CMS, et al. High prevalence of HTLV-1 and 2 viruses in pregnant women in São Luis, state of Maranhão, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop. 2012 Mar-Apr;45(2):159-62.

O nível de escolaridade mais baixo1313. Oliveira SR, Avelino MM. Soroprevalência do vírus linfotrópico-T humano tipo I entre gestantes em Goiânia, GO, Brasil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006 ago;28(8):467-72. apresentado pela população da região Norte do Brasil, com maiores percentuais de evasão escolar e analfabetismo entre crianças e adolescentes, pode estar relacionado à escassez de informações relativas às doenças infectocontagiosas que a população de menor escolaridade recebe.2929. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios - PNAD 2004: situação educacional, 2004. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2004.

Inferiu-se, também, que a região de origem de determinada população possa ser um fator associado à endemicidade do HTLV. Já foi demonstrado que populações não endêmicas - caso da norte-americana, por exemplo - exibem, no longo prazo, maior taxa de soropositividade para HTLV, assim como de doenças a ele associadas, após receberem eventos migracionais.1414. Chihara D, Ito H, Katanoda K, Shibata A, Matsuda T, Tajima K, et al. Increase in incidence of adult T-cell leukemia/lymphoma in non-endemic areas of Japan and the United States. Cancer Sci. 2012 Oct;103(10):1857-60. O mesmo conceito migracional poder-se-ia aplicar à Boa Vista, dado o tipo de colonização da região onde se encontra essa cidade.3030. Diniz AMA, Santos RO. O vertiginoso crescimento populacional de Roraima e seus impactos socioambientais. Cad Geografia. 2005 jul-dez;15(25):23-44.

O HTLV é um agente etiológico negligenciado no Brasil, não obstante cause doenças hematológicas graves, de difícil diagnóstico e prognóstico, uma vez que a testagem para o HTLV é obrigatória apenas entre os doadores de sangue.2222. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 1.376, de 19 de novembro de 1993. Aprova alterações na Portaria n° 721/GM, de 09.08.89, que aprova Normas Técnicas para coleta, processamento e transfusão de sangue, componentes e derivados, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 1993 dez 2; Seção 1:1805. Faz-se necessário promover uma mobilização política em torno de um projeto que contemple a obrigatoriedade do exame para detecção do HTLV durante o pré-natal e nos bancos de leite, pois a transmissão ocorre também pelo aleitamento materno. Além disso, há de se promover na região Norte uma intensificação das campanhas para prevenção dessa doença.

Essas evidências mostram a importância de avaliações epidemiológicas constantes, regionalizadas, visando não apenas a detecção precoce de indivíduos infectados como também a implantação de medidas preventivas e de capacitação de equipes multidisciplinares para atuar no monitoramento do vírus linfotrópico de células T humanas - HTLV - em contextos semelhantes aos analisados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2014
  • Aceito
    14 Jan 2015
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com