Estudo descritivo do perfil das vítimas com ferimentos por projéteis de arma de fogo e dos custos assistenciais em um hospital da Rede Viva Sentinela**Parte integrante da dissertação de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva intitulada 'Avaliação do perfil dos pacientes atendidos com ferimento por arma de fogo em um hospital da Rede Viva Sentinela', defendida por Paulo Roberto Maciel junto ao Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás em 2013.

Descriptive study of the profiles of victims of firearm projectile injuries and healthcare costs in a hospital in the Viva Sentinela Network

Estudio descriptivo del perfil de las víctimas con heridas por proyectiles de armas de fuego y de los costos médicos asistenciales en un hospital de la Red Viva Centinela

Paulo Roberto Maciel Marta Rovery de Souza Claci Fátima Weirich Rosso Sobre os autores

Resumo

OBJETIVO:

descrever o perfil das vítimas com ferimentos causados por projéteis de armas de fogo (PAF) e o custo dos atendimentos em uma instituição de referência no Centro-Oeste brasileiro pertencente à Rede Viva Sentinela.

MÉTODOS:

foi realizado estudo descritivo, com amostra por conveniência, no período de janeiro a março de 2013; as fontes de dados foram entrevista, prontuários dos participantes e o departamento de estatística do hospital.

RESULTADOS:

participaram 150 vítimas, entre as quais predominaram indivíduos do sexo masculino (94,7%), jovens (67,3%) e usuários de álcool/drogas (80,0%); o principal motivo desses incidentes foi o tráfico/dívidas de drogas (45,3%); o custo médio foi de R$1.291,93 por atendimento.

CONCLUSÃO:

a maioria das vítimas por PAF eram homens jovens, usuários de álcool/drogas, e o envolvimento com o tráfico foi o motivo mais frequente da vitimização; o custo médio assistencial desses pacientes foi elevado.

Palavras-chave:
Violência; Causas Externas; Ferimentos por Arma de Fogo; Custos de Cuidados de Saúde; Epidemiologia Descritiva.

Abstract

OBJECTIVE:

to describe the profile of victims with injuries caused by firearm projectiles and the cost of treatment at a referral hospital in Midwestern Brazil belonging to the Viva Sentinela Network.

METHODS:

a descriptive study with convenience samplie was conducted from January to March 2013; data sources were interviews, patients' medical records, and the hospital statistics department.

RESULTS:

the 150 victims who participated were predominantly male (94.7%), young (67.3%), and drug/alcohol users (80.0%); the main reason of these incidents was drug trafficking/drug debt (45.3%); average health care costs were R$1,291.93 per case.

CONCLUSION:

the majority of victims were young male users of alcohol/drugs, and involvement with trafficking was the most frequent reason for victimization; average health care costs for these patients were high.

Key words:
Violence; External Causes; Wounds, Gunshot; Health Care Costs; Epidemiology, Descriptive

Resumen

OBJETIVO:

describir el perfil de las víctimas con heridas causadas por Proyectiles de Arma de Fuego (PAF) y el costo de la atención en una institución de referencia del Centro-Este brasileño perteneciente a la Red Viva Centinela.

MÉTODOS:

se realizó un estudio descriptivo, con muestreo por conveniencia, en el periodo de enero a marzo de 2013; las fuentes de datos fueron entrevistas, registros de participantes y el departamento de estadística del hospital.

RESULTADOS:

participaron 150 individuos, predominaron víctimas del sexo masculino (94,7%), jóvenes (67,3%) y usuarios de drogas/alcohol (80,0%); la principal causa fue el tráfico/deudas de drogas (45,3%); el costo médico-asistencial promedio fue de R$1.291,93 por atención.

CONCLUSIÓN:

la mayoría de víctimas por PAF, eran hombres jóvenes, usuarios de alcohol/drogas y el tráfico fue el motivo más frecuente de victimización; el promedio del costo médico-asistencial con esos pacientes fue superior al de otros atendidos en el hospital.

Palabras-clave:
Violencia; Causas Externas; Heridas por Arma de Fuego; Costos de la Atención en Salud; Epidemiología Descriptiva.

Introdução

A violência é responsável por mais de cinco milhões de mortes anuais no mundo e muitos sobreviventes sofrem com sequelas mentais ou físicas decorrentes dos ferimentos. Estima-se que, para cada evento fatal, haja dezenas de hospitalizações, com uma progressão de centenas de comparecimentos às emergências e milhares de consultas médicas.11. World Health Organization. Preventing injuries and violence: a guide for ministries of health [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2007 [cited 2016 May 05]. Available from: Available from: http://www.whqlibdoc.who.int/publications/2007/9789241595254_eng.pdf
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Apesar de o Brasil não ter conflitos armados em decorrência de guerras, nem ser o país mais pobre da América Latina, ele figurou como sétimo colocado no ranking mundial dos países campeões em homicídios no ano de 2012. Dois anos antes, em 2010, foi o nono país com maior número de homicídios por projéteis de armas de fogo (PAF), sendo sua população jovem a mais atingida.22. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: mortes matadas por armas de fogo [Internet]. Brasília: Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos; 2013 [citado 2016 maio 05]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/MapaViolencia2013_armas.pdf
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,33. Waiselfisz JJ. Os jovens do Brasil: mapa da violência 2014 [Internet]. Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República; 2014 [citado 2015 out 12]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil.pdf
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Entre as violências fatais que acomenteram os brasileiros em 2012, predominaram os casos em que foram usadas armas de fogo (81,9%), e as vítimas, em sua maioria, foram adolescentes (10 a 19 anos) do sexo masculino (91,9%). Em 2013, a arma de fogo também se destacou como um instrumento de prática de agressão entre os adolescentes (10 a 19 anos) do país, sendo o meio usado para gerar lesões em 48,2% desses jovens internados no Sistema Único de Saúde (SUS). Seu uso também foi frequente entre os adultos (20 a 59 anos), referido em 20,5% das internações nessa faixa etária.44. Ribeiro AP, Silva CMFP, Souza ER, Avanci JQ, Freitas MG, Montenegro MMS, et al. Morbimortalidade por violências no Brasil: um retrato de contornos em construção. In: Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Saúde Brasil 2013: uma análise da situação de saúde e das doenças transmissíveis relacionadas à pobreza [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [citado 2016 jun 07]. p. 151-76. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_brasil_2013_analise_situacao_saude.pdf
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Em 2012, Goiás encontrava-se no quarto lugar entre os estados brasileiros com o maior número de homicídios, a uma taxa de 44,3 para cada 100 mil habitantes. A cidade de Goiânia, onde as taxas de óbito por PAF sempre estiveram acima das taxas do estado, apresentou, em 2008, uma súbita elevação desse evento com um acréscimo de 9,1 casos em 100 mil habitantes, comparada com as 26,5 mortes (em 100 mil habitantes) ocorridas em 2007.22. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: mortes matadas por armas de fogo [Internet]. Brasília: Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos; 2013 [citado 2016 maio 05]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/MapaViolencia2013_armas.pdf
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No ano de 2012, Goiânia foi a nona colocada entre as capitais brasileiras em relação ao número de homicídios praticados com armas de fogo na população geral e também entre os jovens, representando um crescimento na taxa de óbitos por PAF de 44,4% entre 2002 e 2012.55. Waiselfisz JJ. Mortes matadas por armas de fogo: mapa da violência 2015 [Internet]. Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República; 2015 [citado 2016 maio 05]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf
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O fato de essa cidade, capital do estado, apresentar taxas mais elevadas que os demais municípios pode estar ligado a seu franco desenvolvimento, fenômeno atrativo de uma maior migração de pessoas para a região, como também propício ao fortalecimento do tráfico de drogas.55. Waiselfisz JJ. Mortes matadas por armas de fogo: mapa da violência 2015 [Internet]. Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República; 2015 [citado 2016 maio 05]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf
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6. Zaluar A. Integração perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: FGV; 2004.
-77. Cano I, Ribeiro E. Homicídios no Rio de Janeiro e no Brasil: dados, políticas públicas e perspectivas. In: Cruz MUG, Batitucci ECO, editores. Homicídios no Brasil. Rio de Janeiro: FGV; 2007. 51-78.

Entre as internações por agressões (devido ao uso de arma de fogo ou objetos cortantes e penetrantes, ou pelo uso de força física) ocorridas nas capitais brasileiras entre os anos de 1991 e 2000, os ferimentos por PAF foram 34,0% mais onerosos e apresentaram uma razão de mortalidade de 9,7 óbitos a cada 100 internações.88. Souza ER. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Cienc Saude Coletiva. 2005 jan-mar;10(1):59-70. Segundo um estudo estadunidense, realizado com base no período de 2010 a 2012, os custos médicos com vítimas de PAF resultaram em um valor superior a 48 bilhões de dólares, considerando-se despesas médicas e absenteísmo no trabalho.99. Fowler KA, Dahlberg LL, Haileyesus T, Annest JL. Firearm injuries in the United States. Prev Med. 2015 Oct;79:5-14.

Devido ao impacto financeiro e social decorrente do tratamento de vítimas por causas externas, o Ministério da Saúde do Brasil implantou, em 2006, o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) em serviços sentinelas. Esse sistema tem como objetivos interpretar a relação das violências e acidentes e delinear o perfil desses casos atendidos em unidades de urgência e emergência, assim como subsidiar ações de enfrentamento dos condicionantes e determinantes das causas externas.1010. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde. Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva): 2009, 2010 e 2011 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [citado 2016 maio 05]. 164 p. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sistema_vigilancia_violencia_acidentes.pdf
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No Brasil, a exemplo de vários países, a violência, na maioria das vezes, é tratada como um problema exclusivo de Segurança Pública, visto que esse setor oferece respostas práticas de enfrentamento do problema pelas instituições policiais. É possível perceber o equívoco dessa visão, que começa a sofrer transformações, incluindo um gradativo reconhecimento do papel da Saúde Pública no que tange à prevenção da violência.1111. Peres MFT, coordenadora. Violência por armas de fogo no Brasil: relatório nacional [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2004 [citado 2016 mai 5]. Disponível em: Disponível em: http://www.nevusp.org/downloads/down094.pdf
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Tendo em vista a importância de traçar estratégias multissetoriais para mitigar ou diminuir os incidentes violentos causados por PAF que culminam em mortes ou sequelas para as vítimas, sob a perspectiva da Saúde Pública, é fundamental que se analise a distribuição da violência e, principalmente, que sejam identificados seus determinantes sociais.

Este estudo propôs-se a descrever o perfil das vítimas com ferimentos causados por PAF e o custo dos atendimentos em uma instituição de referência no Centro-Oeste brasileiro, pertencente à Rede Viva Sentinela.

Métodos

Foi conduzido um estudo epidemiológico descritivo no Hospital de Urgências de Goiânia, unidade integrante do programa Rede Viva Sentinela do Ministério da Saúde, no período de janeiro a março de 2013.

O hospital escolhido para o estudo é um estabelecimento público, administrado por uma organização social, e seus leitos são dedicados exclusivamente ao Sistema Único de Saúde (SUS), constituindo um serviço de referência no atendimento de urgências em traumas na Região Metropolitana de Goiânia. A cidade de Goiânia, capital do estado de Goiás, parte do Centro-Oeste brasileiro, contava com uma população estimada em 1.430.697 habitantes no ano de 2015.1212. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas da população residente no Brasil e Unidades da Federação com data de referência em 1º de julho de 2015 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 2015 [citado 2016 mai 5]. Disponível em: Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2015/estimativa_dou_2015_20150915.pdf
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A amostra do estudo foi composta por vítimas com ferimentos causados por PAF admitidas no hospital. Foram incluídas na pesquisa as 150 primeiras vítimas com ferimentos causados por PAF que receberam atendimento na Unidade de Emergência do hospital, com idade igual ou superior a 18 anos, que necessitaram ou não de cirurgia, que se encontravam estáveis e orientadas auto e alopsiquicamente, e que tinham indicação de internação para tratamento clínico. A amostra foi selecionada por conveniência. Não houve sorteio dos turnos. A visita diária era feita, prioritariamente, pela manhã e/ou tarde, e excepcionalmente, no período noturno.

A coleta dos dados ocorreu em três etapas. A primeira etapa consistiu na triagem das vítimas que atendiam aos critérios de elegibilidade, feita a partir da leitura da ficha de admissão ou ficha de cadastro do usuário. Essa etapa foi realizada durante visita diária aos usuários admitidos no hospital.

Após a triagem, na segunda etapa da pesquisa, os usuários foram convidados a participar do estudo e, no caso de sua anuência, foi-lhes requisitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente à realização de uma entrevista com roteiro semiestruturado, desenvolvido pelos pesquisadores. A entrevista foi feita em uma única sessão, no próprio local da internação, com duração de 15 a 25 minutos. Alguns dados complementares foram obtidos no prontuário do paciente.

As variáveis coletadas durante a entrevista referiam-se a dados sociodemográficos dos participantes do estudo, a saber:

  1. - Sexo

  2. - Cor/raça

  3. - Idade, posteriormente categorizada nas seguintes faixas etárias, em anos: <20; 20 a 29; 30 a 39; 40 a 49; e ≥50.

  4. - Renda mensal, utilizando as seguintes categorias, em salários mínimos: <1; 1≤2; >2; e não informado.

  5. - Profissão, posteriormente dividida nas seguintes categorias: trabalhadores autônomos, trabalhadores assalariados, trabalhadores da construção civil, empregados domésticos e produtores rurais, considerados economicamente ativos; e estudantes e desempregados.

  6. - Escolaridade: Ensino Fundamental incompleto; Ensino Fundamental completo; Ensino Médio incompleto; Ensino Médio completo; e Ensino Superior incompleto.

  7. - Município de residência

  8. - Declaração de ser usuário de álcool e/ou drogas ilícitas (independentemente de estar sob o efeito delas)

  9. - Circunstâncias relacionadas ao evento que motivou o ferimento por PAF - uma questão aberta, posteriormente categorizada em: tráfico e dívida de drogas ilícitas; rixas e vinganças por dívidas não relacionadas a entorpecentes; assalto; desentendimentos/discussões; briga em local público; desconhecimento do motivo; abordagem policial; torcida organizada; insatisfação por serviços prestados; e motivo passional.

A triagem e a coleta de dados por meio da entrevista foram realizadas, sempre que possível, em um único dia (na admissão ou após a estabilização clínica pós-cirúrgica), com o intuito de se evitar a perda das informações devida à alta das vítimas. Em dias de múltiplas admissões no hospital, priorizou-se o convite, a apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para assinatura e a entrevista. A obtenção dos dados contidos nos prontuários dos participantes do estudo ocorreu em dias posteriores à entrevista. Nos prontuários, foram obtidas informações sobre a região do ferimento ocasionado por PAF e a condição clínica do paciente, elencadas a seguir.

  1. Local da lesão, variável posteriormente dividida nas seguintes categorias: tórax/dorso; abdômen; membro superior; membro inferior; crânio/facial; coluna vertebral; pescoço; e região lombar.

  2. Diagnóstico inicial, posteriormente dividido nas seguintes categorias: maior complexidade; e menor complexidade.

  3. Sequelas - após a coleta -, categorizadas em: neurológica (paresias e plegias); fonoaudiológica (problemas de audição e/ou fala); gastrointestinal (colostomia); oftalmológica (perda de visão); urológica (nefrectomia); vascular (lesão arterial); e ortopédica (perda óssea).

A terceira etapa da coleta de dados foi realizada no departamento de estatísticas do hospital, onde foram obtidas as seguintes informações:

  1. - Número total de atendimentos realizados no hospital no período do estudo e, a partir dele, o total de atendimentos às vítimas com ferimentos por PAF.

  2. - Tempo de permanência hospitalar dos participantes do estudo, em dias.

  3. - Total de óbitos ocorridos no período da pesquisa e quantos deles estavam relacionados a ferimentos ocasionados por PAF.

  4. - Valor faturado pela tabela do SUS sobre o custo assistencial - medicamentos, materiais e serviços de saúde - em Reais, referentes às vítimas com ferimentos por PAF incluídas no estudo; para evitar a subestimação desse valor, foram excluídos do cálculo da média aritmética dos custos assistenciais desse perfil de clientes os valores do faturamento dos participantes da pesquisa que receberam alta a pedido, evadiram-se do estabelecimento de saúde ou foram transferidos para outro hospital.

  5. - Média aritmética simples dos custos faturados pela tabela do SUS sobre os atendimentos realizados em casos clínicos e os custos assistenciais de pacientes que necessitaram de cirurgias sem relação com causas externas.

Para a obtenção de dados mais acurados e atualizados, a terceira etapa da coleta de dados foi realizada no final do período de três meses, com exceção dos dados referentes aos custos assistenciais das vítimas com ferimentos por PAF, que eram verificados após a análise do Departamento de Faturamento para a obtenção do valor total da fatura gerada para ressarcimento pelo SUS.

Os dados foram tabulados e analisados pelo programa Microsoft(r) Office Excel(r) 2010. Foram obtidas frequências absolutas e relativas, médias aritméticas simples, desvio-padrão e taxa de letalidade por ferimentos causados por PAF. O cálculo da taxa de letalidade hospitalar foi realizado pela divisão entre o número de óbitos causados por PAF e o número de vítimas com ferimentos por PAF atendidas no hospital, multiplicado por 100.

Com vistas ao cumprimento dos aspectos éticos e legais necessários para pesquisa envolvendo seres humanos, preconizados pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Urgências de Goiânia sob o Parecer nº 182.123/2013, em 24 de dezembro de 2012, sendo cadastrado na Plataforma Brasil. O projeto de pesquisa também recebeu anuência da Secretaria de Estado da Saúde de Goiás, sob o Despacho nº 3.904/2012-GAB/SES, em 30 de agosto de 2012. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

No período selecionado para estudo, foi realizado um total de 15.864 atendimentos no Hospital de Urgências de Goiânia, 465 (2,9%) deles referentes a vítimas com ferimentos por PAF.

O perfil das 150 vítimas com ferimentos por PAF participantes do estudo é descrito na Tabela 1. Predominaram indivíduos do sexo masculino (94,7%), negros (72,0%), jovens entre 18 e 29 anos (67,3%), com idade média de 27,3 anos, renda mensal de até um salário mínimo (50,0%), economicamente ativos (69,3%), com escolaridade até o Ensino Fundamental completo (53,4%) e residentes em Goiânia (50,0%). Dos entrevistados, 80,0% afirmaram serem usuários de álcool e/ou drogas ilícitas e entre esses, 36,7% referiram o uso de álcool e 66,7% o uso de drogas ilícitas. A maioria dos participantes que confirmaram o uso de álcool e/ou drogas ilícitas encontrava-se na faixa etária de 20 a 29 anos (54,2%).

Tabela 1
- Perfil das vítimas com ferimentos causados por projéteis de arma de fogo (n=150) atendidas no Hospital de Urgências de Goiânia, janeiro-março de 2013

Quase metade (45,3%) das ocorrências foram relacionadas ao tráfico/dívidas de drogas ilícitas, seguidas por rixas e vinganças por dívidas não relacionadas a entorpecentes (18,7%) (Tabela 2).

Tabela 2
- Circunstâncias relacionadas aos ferimentos causados por projéteis de arma de fogo segundo relato das vítimas (n=150) atendidas no Hospital de Urgências de Goiânia, janeiro-março de 2013

Quanto ao tempo de permanência no hospital, 69,3% das vítimas com ferimentos causados por PAF permaneceram no hospital até sete dias, sendo o tempo médio de permanência de 8,6 dias (desvio-padrão de ± 9,8 dias) (Figura 1).

Figura 1
- Distribuição das vítimas com ferimentos causados por projéteis de arma de fogo (n=150) de acordo com o tempo de permanência (em dias) no Hospital de Urgências de Goiânia, janeiro-março de 2013

Os participantes do estudo que permaneceram no hospital por no máximo sete dias apresentaram menor complexidade no diagnóstico inicial como, por exemplo, ferimentos de (i) extremidades, sem fratura, (ii) tórax e abdômen, sem penetração das cavidades torácica ou abdominal, (iii) tórax com penetração de cavidade, porém com realização de apenas drenagem torácica fechada, e (iv) abdômen com penetração em cavidade, porém sem lesar intestino delgado, pâncreas, cólon ou reto, sem que houvesse a necessidade de procedimentos mais complexos. Entre os 8 (5,3%) usuários que tiveram um tempo de permanência no hospital igual ou superior a 30 dias, constatou-se maior complexidade no diagnóstico inicial e/ou ocorrência de comorbidades associadas.

As regiões do corpo mais acometidas nas vítimas com ferimentos por PAF foram o tórax/dorso (42,0%), seguido pelo abdômen (37,3%) e membro superior (28,0%). Quarenta e duas vitimas (28,0%) apresentaram sequelas, sendo as mais frequentes: de ordem neurológica, na forma de paresias e plegias (9,3%); fonoaudiológica, afetando a audição e/ou a fala (4,7%); gastrointestinal, com a necessidade de colostomia (4,7%); e oftalmológica, com perda da acuidade visual (4,0%) (Tabela 3).

Tabela 3
- Regiões do corpo mais acometidas e sequelas decorrentes dos ferimentos causados por projéteis de armas de fogo entre as vítimas (n=150) atendidas no Hospital de Urgências de Goiânia, janeiro-março de 2013

Entre os participantes do estudo, 13 foram transferidos para outro hospital, 5 receberam alta a pedido e 2 evadiram-se da unidade hospitalar. A média de custo assistencial das 130 vítimas com ferimentos por PAF que fizeram todo o tratamento clínico no Hospital de Urgências de Goiânia foi de R$1.291,93 (desvio-padrão de ± R$906,29). Na mesma época, os casos clínicos atendidos tiveram um custo médio de R$600,00 por usuário, e cada internação cirúrgica não gerada por causas externas constituiu uma despesa média de R$800,00.

Ocorreram 332 óbitos no período do estudo. Desses óbitos, 45 (13,5%) foram de vítimas com ferimentos por PAF, representando uma taxa de letalidade hospitalar de 9,7%. Entre os 150 participantes do estudo, não houve registro de óbito.

Discussão

O perfil das vítimas com ferimentos causados por PAF é semelhante aos achados de outros estudos, nos quais também predominaram indivíduos do sexo masculino,22. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: mortes matadas por armas de fogo [Internet]. Brasília: Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos; 2013 [citado 2016 maio 05]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/MapaViolencia2013_armas.pdf
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A partir dos resultados do presente estudo, em conjunto com a literatura, pode-se inferir que os homens se expõem às situações de riscos, como ferir-se com armas de fogo em brigas, discussões e desentendimentos, mais comumente do que as mulheres, e isso está relacionado com sua forma de diversão, lazer e tipo de trabalho, refletindo a cultura machista - ou sexista - predominante na sociedade brasileira.33. Waiselfisz JJ. Os jovens do Brasil: mapa da violência 2014 [Internet]. Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República; 2014 [citado 2015 out 12]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil.pdf
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,1313. Andrade SSCA, Sá NNB, Carvalho MGO, Lima CM, Silva MMA, Moraes Neto OL, et al. Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência selecionados em capitais brasileiras: vigilância de Violências e Acidentes, 2009. Epidemiol Serv Saude. 2012 jan-mar;21(1):21-30.,2020. Kalesan B, French C, Fagan JA, Fowler DL, Galea S. Firearm-related hospitalizations and in-hospital mortality in the United States, 2000-2010. Am J Epidemiol. 2014 Oct;179(3):303-12.,2121. Trindade RFC, Correia MA. Perfil epidemiológico das vítimas de arma branca e de fogo em um hospital de emergência. Rev Enferm Atencao Saude. 2015 jan-jun;4(1):55-64.

Pessoas de baixa renda são socialmente mais vulneráveis. Suas condições básicas de vida são fragilizadas no que diz respeito, por exemplo, à segurança, emprego e educação, fatores que amplificam as chances de exposição a situações de risco capazes de resultar em ferimentos por PAF.1414. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Jorge MHPM, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. Lancet. 2011;6736(11)75-89.,1515. Gawryszewski VP, Kahn T, Jorge MHPM. Informações sobre homicídios e sua integração com o setor saúde e segurança pública. Rev Saude Publica. 2005;39(4):627-33.,1717. Cardia N, Schiffer S. Violência e desigualdade social. Cienc Cult. 2002 jul-set;1(54):25-31.,1818. Viana LAC, Costa MCN, Paim JS, Vieira-da-Silva LM. Social inequalities and the rise in violent deaths in Salvador, Bahia State, Brazil: 2000-2006. Cad Saude Publica. 2011 jun;27 supl 2:298-308,2222. Briceño-León R. La compresión de los homicidios en América Latina: ¿Pobreza o institucionalidad? Cienc Saude Coletiva. 2012 dic;17(12):3159-70.,2323. Mansano NH, Gutierrez MMU, Ramalho W, Duarte EC. Homicídios em homens jovens de 10 a 24 anos e condiçoes sociais em municípios do Paraná e Santa Catarina, Brasil, 2001-2010. Epidemiol Serv Saude. 2013 abr-jun;22(2):203-14 A baixa escolaridade, especialmente, é um dos fortes fatores associados à violência,1818. Viana LAC, Costa MCN, Paim JS, Vieira-da-Silva LM. Social inequalities and the rise in violent deaths in Salvador, Bahia State, Brazil: 2000-2006. Cad Saude Publica. 2011 jun;27 supl 2:298-308 e no presente estudo, mais da metade dos participantes relataram ter, no máximo, nove anos de escolaridade, o que corresponde ao Ensino Médio incompleto.

A violência urbana se apresenta com níveis mais elevados de vitimização nas capitais brasileiras, em comparação ao número de ocorrência nas cidades do interior,22. Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2013: mortes matadas por armas de fogo [Internet]. Brasília: Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos; 2013 [citado 2016 maio 05]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/MapaViolencia2013_armas.pdf
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e tem como principal alvo os jovens das regiões metropolitanas,33. Waiselfisz JJ. Os jovens do Brasil: mapa da violência 2014 [Internet]. Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República; 2014 [citado 2015 out 12]. Disponível em: Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil.pdf
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,1515. Gawryszewski VP, Kahn T, Jorge MHPM. Informações sobre homicídios e sua integração com o setor saúde e segurança pública. Rev Saude Publica. 2005;39(4):627-33.,2222. Briceño-León R. La compresión de los homicidios en América Latina: ¿Pobreza o institucionalidad? Cienc Saude Coletiva. 2012 dic;17(12):3159-70. dados compatíveis com os encontrados nesta pesquisa.

A maioria dos participantes que citaram o uso de álcool e/ou drogas ilícitas corresponde à faixa etária dos 18 aos 29 anos. Estudo realizado em todo o território brasileiro,2424. Pinsky I, Sanches M, Zaleski M, Laranjeira R, Caetano R. Padrões de uso de álcool entre adolescentes brasileiros. Rev Bras Psiquiatr. 2010 set;32(3):242-49 entre 2005 e 2006, aponta que os adolescentes brasileiros experimentavam bebida alcoólica aos 14 anos, em média, e iniciavam o uso dessa droga regularmente cerca de um ano mais tarde. A mesma pesquisa2424. Pinsky I, Sanches M, Zaleski M, Laranjeira R, Caetano R. Padrões de uso de álcool entre adolescentes brasileiros. Rev Bras Psiquiatr. 2010 set;32(3):242-49 indicou que as características relacionadas ao consumo do álcool variavam conforme o sexo, classe social, renda familiar e tempo de escolaridade dos usuários. Os autores ainda afirmaram que entre os adolescentes, era frequente o uso abusivo dessa substância.

Assim como em outras investigações, a dependência de drogas ilícitas ou álcool surgiu como um fator importante para a vulnerabilidade das vítimas atingidas por PAF, bem como a associação com tráfico/dívidas de drogas.1111. Peres MFT, coordenadora. Violência por armas de fogo no Brasil: relatório nacional [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2004 [citado 2016 mai 5]. Disponível em: Disponível em: http://www.nevusp.org/downloads/down094.pdf
http://www.nevusp.org/downloads/down094....
,1717. Cardia N, Schiffer S. Violência e desigualdade social. Cienc Cult. 2002 jul-set;1(54):25-31.

A média do tempo de permanência hospitalar das vítimas com ferimentos por PAF encontrada (8,6 dias) foi semelhante à relatada por estudo2525. Zandomenighi RC, Martins EAP, Mouro DL. Ferimentos por projétil de arma de fogo: um problema de saúde pública. REME. 2011;15(3):412-20. realizado no estado do Paraná, Sul do Brasil, em 2007, e superior à revelada em outras pesquisas.2020. Kalesan B, French C, Fagan JA, Fowler DL, Galea S. Firearm-related hospitalizations and in-hospital mortality in the United States, 2000-2010. Am J Epidemiol. 2014 Oct;179(3):303-12.,2626. Fernandes RC, Lessing B, Iootty C, Purcena JC, Phebo L, Silveira LC, et al. Brasil: as armas e as vítimas. Rio de Janeiro: Sete letras; 2005. Os motivos associados às longas estadas hospitalares foram o diagnóstico inicial de maior complexidade e/ou comorbidades associadas, presentes em 5,3% dos usuários com permanência igual ou superior a 30 dias. No estudo norte-americano, já citado, o tempo de permanência hospitalar de vítimas com ferimentos por PAF (média de 4,8 dias) não diferiu do tempo de internação por outros motivos clínicos (média de 4,8 dias).2020. Kalesan B, French C, Fagan JA, Fowler DL, Galea S. Firearm-related hospitalizations and in-hospital mortality in the United States, 2000-2010. Am J Epidemiol. 2014 Oct;179(3):303-12.

Segundo o presente estudo, os ferimentos por PAF ocorridos nos membros superiores das vítimas corresponderam ao terceiro local mais atingido, similarmente ao achado da pesquisa do Paraná, onde predominaram lesões nos membros inferiores e tórax/dorso, nesta ordem.2525. Zandomenighi RC, Martins EAP, Mouro DL. Ferimentos por projétil de arma de fogo: um problema de saúde pública. REME. 2011;15(3):412-20. As vítimas analisadas pelo presente estudo foram atingidas, em sua maioria, no abdômen em primeiro lugar, e logo na região do tórax/dorso.

Quanto aos custos assistenciais de pacientes assistidos no Hospital de Urgências de Goiânia, verificou-se que as internações dos usuários com lesões causadas por PAF foram as que apresentaram o maior custo médio, quando comparadas às internações de usuários com entrada no estabelecimento de saúde por causas clínicas ou com indicações cirúrgicas não geradas por causas externas.

O tratamento de pacientes com lesões é mais oneroso, dada a necessidade de cirurgias e de procedimentos diagnósticos por imagem, que são caros.2626. Fernandes RC, Lessing B, Iootty C, Purcena JC, Phebo L, Silveira LC, et al. Brasil: as armas e as vítimas. Rio de Janeiro: Sete letras; 2005.,2727. Jorge MHPM, Koizumi MS. Gastos governamentais do SUS com internações hospitalares por causas externas: análise no Estado de São Paulo, 2000. Rev Bras Epidemiol. 2004 jun;7(2):228-38. Segundo investigação realizada no Brasil,2727. Jorge MHPM, Koizumi MS. Gastos governamentais do SUS com internações hospitalares por causas externas: análise no Estado de São Paulo, 2000. Rev Bras Epidemiol. 2004 jun;7(2):228-38. no ano 2000, as internações por causas externas apresentavam um custo médio nacional de R$503,70 e eram mais dispendiosas do que as internações por causas naturais, estas com custos bastante inferiores aos encontrados neste estudo sobre o atendimento de usuários com lesões causadas por PAF.

Além de o tratamento dessas vítimas representar um elevado gasto público, devem ser considerados os prejuízos econômicos gerados pelo absenteísmo desses usuários em seus locais de trabalho, além de outros impactos sociais e psicológicos de difícil mensuração, o que faz com que os custos reais desses incidentes sejam ainda maiores.2828. Rodrigues IR, Cerqueira DRC, Lobão WJA, Carvalho AXY. Os custos da violência para o Sistema público de saúde no Brasil: informações disponíveis e possibilidades de estimação. Cad Saude Publica. 2009 jan;25(1):29-36.,2929. Secretaria do Estado de Saúde (São Paulo). Coordenadoria de Controle de Doenças. Centro de Vigilância Epidemiológica 'Prof. Alexandre Vranjac'. Grupo Técnico de Prevenção de Acidentes e Violências. O impacto dos acidentes e violências nos gás. Rev Saude Publica. 2006 jun;40(3):553-56.

A letalidade hospitalar devida às lesões causadas por PAF - 9,7% - também merece destaque.2626. Fernandes RC, Lessing B, Iootty C, Purcena JC, Phebo L, Silveira LC, et al. Brasil: as armas e as vítimas. Rio de Janeiro: Sete letras; 2005. A despeito de 3,0% dos atendimentos prestados referirem agressões por PAF, 14,0% de todos os óbitos ocorridos no período analisado decorreram de lesões causadas por PAF. Segundo o estudo norte-americano que avaliou registros de internações relacionadas a PAF entre 2000 e 2010, 8,1% das vítimas internadas em função de ferimentos causados por PAF foram a óbito, e esse perfil de usuário apresentou um risco de morte 3,6 vezes maior do que outros tipos de internações.2020. Kalesan B, French C, Fagan JA, Fowler DL, Galea S. Firearm-related hospitalizations and in-hospital mortality in the United States, 2000-2010. Am J Epidemiol. 2014 Oct;179(3):303-12.

Como limitações deste estudo, destaca-se a amostra selecionada por conveniência. O fato de nenhuma das vítimas com ferimentos causados por PAF incluídas no estudo ter ido a óbito, haja vista o critério de inclusão de participantes utilizado, no qual os participantes deveriam estar estáveis e orientados auto e alopsiquicamente, resulta em vies de sobrevivência. Outro fator limitante do estudo é o possível viés de informação: parte dos dados foram coletados mediante entrevista das vítimas com ferimentos por PAF. Ainda, foram encontradas dificuldades no que concerne à qualidade das informações dos dados obtidos dos prontuários, impedindo um maior aprofundamento na análise de outras possíveis variáveis, como o diagnóstico inicial e procedimentos realizados. Mais uma limitação foi o pedido de alta, evasão e transferência para outro hospital de 20 participantes, antes do período indicado para seu completo tratamento clínico: tal fator, além de interferir no tempo de permanência hospitalar das vítimas com ferimentos por PAF estudadas, comprometeu o cálculo dos custos hospitalares, uma vez que esses usuários não foram incluídos nessa parte da análise.

Apesar de o estudo ter sido realizado em apenas um estabelecimento de saúde do município de Goiânia, a partir de uma amostra por conveniência de 150 pacientes, seus achados corroboram os dados da literatura nacional e internacional quanto ao perfil das vítimas com ferimentos causados por PAF e os custos da assistência hospitalar com esses usuários, que tendem a ser superiores aos de outros perfis de pacientes.

A violência se insere no contexto das relações sociais e seu estudo é fundamental para o planejamento de ações no âmbito de um sistema de saúde universal e integrado, como o SUS. Incidentes com vítimas de ferimentos causados por PAF significam um importante problema de Saúde Pública, de escala mundial, que não obstante, está atrelado a outros fatores importantes como uso/tráfico de drogas. Essas ocorrências também têm alta potencialidade de impacto na economia, ao incapacitar jovens economicamente ativos, gerar altos custos com tratamentos e gastos com previdência social. Faz-se necessário encontrar meios efetivos de prevenção desse tipo de violência e estabelecer fatores protetivos, como estratégias e políticas públicas de segurança, inclusão social, incentivo à educação e promoção da saúde.

Os resultados deste trabalho fornecem subsídios para a formulação de políticas públicas com o objetivo de desenvolver medidas de prevenção de violência por armas de fogo, como a criação de campanhas pelos meios de comunicação social, expondo o número de vítimas de armas de fogo, seu perfil epidemiológico e taxa de mortalidade, na busca pela concientização da sociedade com enfase nas escolas, pelo desarmamento e coibição do uso de armas de fogo por adolescentes, principais vítimas dessa forma de violência.

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    Parte integrante da dissertação de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva intitulada 'Avaliação do perfil dos pacientes atendidos com ferimento por arma de fogo em um hospital da Rede Viva Sentinela', defendida por Paulo Roberto Maciel junto ao Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Goiás em 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2015
  • Aceito
    22 Abr 2016
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com