Síndrome respiratória aguda grave por COVID-19 em crianças e adolescentes no Brasil: perfil dos óbitos e letalidade hospitalar até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020

Síndrome Respiratorio Agudo Severo por COVID-19 en niños y adolescentes en Brasil: perfil de muertes y letalidad hospitalaria hasta la 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020

Danúbia Hillesheim Yaná Tamara Tomasi Thamara Hübler Figueiró Karina Mary de Paiva Sobre os autores

Resumo

Objetivo:

Descrever o perfil dos óbitos e a letalidade de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por COVID-19 em crianças e adolescentes hospitalizados no Brasil.

Métodos:

Estudo transversal, realizado com dados das fichas de notificação de SRAG de crianças e adolescentes (0 a 19 anos) com confirmação laboratorial para COVID-19. Foram incluídas as notificações com evolução completa de SRAG por COVID-19 até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020.

Resultados:

Foram investigadas 6.989 hospitalizações, das quais 661 evoluíram a óbito, perfazendo uma letalidade hospitalar de 9,5%. Observou-se maior letalidade entre menores de 1 ano de idade (14,2%), crianças e adolescentes do sexo feminino (9,7%), indígenas (23,0%) e residentes em zonas rurais (18,1%), como também nas regiões Nordeste (15,4%) e Norte (9,7%) do país.

Conclusão:

Foram observadas diferenças na letalidade hospitalar, conforme as características sociodemográficas e marcantes desigualdades regionais.

Palavras-chave:
Síndrome Respiratória Aguda Grave; Infecções por Coronavirus; Criança; Adolescente; Mortalidade; Estudos Transversais

Resumen

Objetivo:

Describir el perfil de muertes y letalidad del Síndrome Respiratorio Agudo Severo (SRAS) por COVID-19 en niños y adolescentes hospitalizados en Brasil.

Métodos:

Estudio transversal realizado con datos de los formularios de notificación de SRAS de niños y adolescentes (0 a 19 años) confirmados en laboratorio para COVID-19. Se incluyeron notificaciones con evolución completa del SRAS por COVID-19, hasta la 38ª Semana Epidemiológica de 2020.

Resultados:

Se incluyeron 6.989 hospitalizaciones, 661 fallecidas, resultando en letalidad hospitalaria del 9,5%. Se observaron mayores tasas de letalidad entre los niños menores de un año (14,2%), niñas y adolescentes (9,7%), indígenas (23,0%) y residentes en zonas rurales (18,1%), así como en las regiones Nordeste (15,4%) y Norte (9,7%).

Conclusión:

Se observaron diferencias en la mortalidad hospitalaria según las características sociodemográficas y marcadas desigualdades regionales.

Palabras clave:
Síndrome Respiratorio Agudo Grave; Infecciones por Coronavirus; Niño; Adolescente; Mortalidad; Estudios Transversales

Introdução

A COVID-19 é uma doença infecciosa, causada pelo vírus SARS-CoV-2, um novo tipo de coronavírus que se relaciona a quadros de síndrome respiratória aguda grave (SRAG).11. Gorbalenya AE, Baker SC, Baric RS, Groot RJ, Drosten C, Gulyaeva AA, et al. The species Severe acute respiratory syndrome-related coronavirus: classifying 2019-nCoV and naming it SARS-CoV-2. Nature Microbiol [Internet]. 2020 Mar [cited 2020 Jul 31];5(4):536-44. Available from: https://doi.org/10.1038/s41564-020-0695-z
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A doença espalhou-se rapidamente, configurando-se uma pandemia, com implicações sociais, sanitárias e econômicas. Até 28 de setembro de 2020, já se haviam confirmado 33.034.598 casos da doença e 996.342 óbitos em todo o mundo.22. World Health Organization -WHO. WHO Coronavirus disease (COVID-19) dashboard [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 [cited 2020 Jul 8]. Available from: https://covid19.who.int
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No Brasil, foram notificados 388.901 casos de SRAG devidos à COVID-19 entre a 1ᵃ e a 38ª Semanas Epidemiológicas de 2020. As hospitalizações por esse agravo entre crianças e adolescentes (0 a 19 anos) totalizaram 9.483 casos no mesmo período, correspondendo a 2,4% de todas as hospitalizações de SRAG devida à COVID-19. Além disso, do total de óbitos por SRAG entre as Semanas Epidemiológicas 1 e 38 de 2020, 69,9% foram confirmados para COVID-19, sendo que os óbitos entre crianças e adolescentes por essa causa representaram 0,68% em relação a todas as idades.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença pelo coronavírus COVID-19. Bol Epidemiol [Internet]. 2020 set [citado 2020 set 9];32(especial). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/boletins-epidemiologicos-1/set/boletim-epidemiologico-covid-32-final-23-09_18h30.pdf
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As hospitalizações por esse agravo entre crianças e adolescentes (0 a 19 anos) totalizaram 9.483 casos no mesmo período, correspondendo a 2,4% de todas as hospitalizações de SRAG devida à COVID-19.

A quarta fase do maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil, ‘Evolução da Prevalência de Infecção por COVID-19 no Brasil – Epicovid19-BR’, demostrou uma mudança no padrão etário dos infectados no país, entre junho e agosto de 2020, com crescimento proporcional da infecção em crianças e idosos e queda entre o público adulto, este que, inicialmente, apresentava as maiores taxas.44. Universidade Federal de Pelotas. Pró-Reitoria de Gestão da Informação e Comunicação. Quarta fase do EPICOVID19-BR mostra desaceleração do coronavírus no Brasil [Internet]. Pelotas: UFPEL; 2020 [citado 2020 set 22]. Disponível em: https://ccs2.ufpel.edu.br/wp/2020/09/16/quarta-fase-do-epicovid19-br-mostra-desaceleracao-do-coronavirus-no-brasil/
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Soma-se a isso a escassez de medidas especiais de prevenção e controle voltadas a crianças e adolescentes, para além da suspensão das aulas e uso de máscaras por crianças maiores de 5 anos e adolescentes.55. World Health Organization - WHO. Advice on the use of masks for children in the community in the context of COVID-19 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 [cited 2020 Sep 22]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-IPC_Masks-Children-2020.1
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Há estudos que descrevem as características da COVID-19 em adultos e idosos na Índia66. Gupta N, Agrawal S, Ish P, Mishra S, Gaind R, Usha G, et al. Clinical and epidemiologic profile of the initial COVID-19 patients at a tertiary care centre in India. Monaldi Arch Chest Dis [Internet]. 2020 Apr [cited 2020 Jul 31];90(1). Available from: https://doi.org/10.4081/monaldi.2020.1294
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e na China.77. Tian S, Hu N, Lou J, Chen K, Kang X, Xiang Z, et al. Characteristics of COVID-19 infection in Beijing. J Infect [Internet]. 2020 Apr [cited 2020 Jul 31];80(4):401-6. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jinf.2020.02.018
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Entretanto, os dados agregados em populações pediátricas ainda são limitados, especialmente sobre a letalidade.88. Ludvigsson J. Systematic review of COVID-19 in children shows milder cases and a better prognosis than adults. Acta Paediatrica [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];109(6):1088-95. Available from: https://doi.org/10.1111/apa.15270
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Em uma revisão sistemática sobre a COVID-19 em crianças, observou-se que estas representavam entre 1 e 5% dos casos confirmados, e, geralmente, manifestavam um curso clínico mais leve que os adultos.88. Ludvigsson J. Systematic review of COVID-19 in children shows milder cases and a better prognosis than adults. Acta Paediatrica [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];109(6):1088-95. Available from: https://doi.org/10.1111/apa.15270
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Contudo, pesquisa realizada com menores de 18 anos na China, entre 16 de janeiro e 8 de fevereiro de 2020, indicou que até 2,9% dos casos confirmados podem ser severos ou críticos, um percentual que sobe para 5,8% se considerados os casos suspeitos, sendo os casos de maior gravidade mais prevalentes em menores de 1 ano de idade.99. Dong Y, Mo X, Hu Y, Qi Xin, Jiang F, Jiang Z, et al. Epidemiology of COVID-19 Among Children in China. Pediatrics [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul31];145(6):e20200702. Available from: http://doi.org/10.1542/peds.2020-0702
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No contexto brasileiro, observam-se ações distintas de enfrentamento da doença pelos estados, fato a que se somam as desigualdades regionais no acesso aos serviços de saúde.

Visando contribuir para uma compreensão mais ampla de determinadas características epidemiológicas da doença, de forma a subsidiar a construção de medidas preventivas e de enfrentamento, o objetivo do estudo foi descrever o perfil dos óbitos e a letalidade da síndrome respiratória aguda grave (SRAG) causada por COVID-19 em crianças e adolescentes hospitalizados no Brasil.

Métodos

Estudo transversal, realizado com dados secundários das fichas de notificação de SRAG de casos hospitalizados, disponibilizadas pelo Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe).

Em 2020, a vigilância da COVID-19 foi incorporada à rede de vigilância da influenza e outros vírus respiratórios. Os casos de SRAG são definidos pelos indivíduos que atendam aos seguintes critérios: (i) indivíduo hospitalizado com febre, mesmo que referida; (ii) tosse ou dor de garganta; (iii) dispneia ou saturação de O2 <95% ou desconforto respiratório; e (iv) necessidade de hospitalização ou evolução a óbito tendo apresentado os sintomas referidos, independentemente de hospitalização.1010. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Ficha de registro individual: casos de síndrome respiratória aguda grave hospitalizado [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 jul 8]. Disponível em: http://189.28.128.100/sivep-gripe/Ficha_SIVEP_GRIPE_SRAG_Hospital_31_03_2020.pdf
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Como critérios de inclusão no estudo, foram consideradas crianças e adolescentes (0 a 19 anos) hospitalizados por SRAG com diagnóstico laboratorial de COVID-19 no Brasil. Foram excluídos os indivíduos cuja ficha de notificação não apresentava a evolução completa do caso na variável ‘evolução’ (cura/óbito). O período de análise estendeu-se até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020 (19/09/2020).1111. Ministério da Saúde (BR). Sistema de Informação de Agravos de notificação (SINAN). Calendário epidemiológico de 2020 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 jul 10]. Disponível em: http://portalsinan.saude.gov.br/calendario-epidemiologico
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As variáveis investigadas foram:
  1. Faixa etária (em anos: menor de 1; 1 a 4; 5 a 9; 10 a 14; 15 a 19);

  2. Sexo (feminino; masculino);

  3. Raça/cor da pele (branca; preta; parda; amarela; indígena; ignorada);

  4. Zona de residência (urbana; rural; periurbana) e

  5. Macrorregião brasileira de hospitalização por local de residência (Sul; Sudeste; Centro-Oeste; Nordeste; Norte).

Foram calculadas as frequências absolutas e relativas das variáveis de interesse, com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), também estratificadas pela variável ‘óbito’.

As proporções de letalidade hospitalar entre crianças e adolescentes foram calculadas pelo número de óbitos por SRAG com confirmação de COVID-19 na faixa etária de 0 a 19 anos até a Semana Epidemiológica 38, dividido pelo total de casos hospitalizados por SRAG com confirmação de COVID-19 na respectiva faixa etária até a mesma Semana Epidemiológica 38, multiplicado por 100. Os dados foram armazenados em planilhas da plataforma Microsoft Excel e posteriormente, exportados e analisados com o uso do software Stata versão 14.0.

O estudo foi realizado com dados secundários de domínio público,1212. Conselho Nacional de Saúde (BR). Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016 [Internet]. Brasília: Conselho Nacional de Saúde; 2016 [citado 2020 jul 20]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
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disponíveis em um sítio eletrônico de responsabilidade do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (SUS) – opendatasus.saude.gov.br – e acessados pelas autoras em 28 de setembro de 2020.

Resultados

No Brasil, foram registradas 6.989 hospitalizações de SRAG por COVID-19 entre crianças e adolescentes até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020. Essas hospitalizações concentraram-se, em sua maioria, na região Sudeste (35,2% – IC95% 34,1;36,4), seguida pelo Nordeste (27,5% – IC95% 26,4;28,5). As idades de 1 a 4 e 15 a 19 anos somaram a maior parte das hospitalizações, com 27,5% (IC95% 26,4;28,4) e 24,4% (IC95% 23,3;25,4), respectivamente. Também ocorreram mais hospitalizações de crianças e adolescentes do sexo feminino (51,6% – IC95% 50,4;52,7) e de raça/cor da pele parda (50,8% – IC95% 49,6;52,0) (Tabela 1).

Tabela 1
Percentual de hospitalizações, óbitos e taxa de letalidade em crianças e adolescentes hospitalizados com diagnóstico de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) por COVID-19 (N=6.989) até a 38ª Semana Epidemiológica, Brasil, 2020

Sobre a distribuição proporcional dos óbitos, foram identificadas proporções semelhantes entre crianças menores de 1 ano (28,9% – IC95% 25,5;32,4) e adolescentes de 15 a 19 anos (28,4% – IC95% 25,1;32,0), destacando-se maior proporção do sexo feminino (52,9% – IC95% 49,1;56,7), de raça/cor da pele parda (54,1% – IC95% 50,1;58,0) e de residentes em zonas urbanas (84,6% – IC95% 81,3;87,2) (Tabela 1).

Do número total de hospitalizações, n=6.989, 661 (9,5% – IC95% 8,9;13,7) evoluíram a óbito, perfazendo uma letalidade hospitalar de 9,5%. Observou-se maior letalidade hospitalar nos menores de 1 ano de idade (14,2%), no sexo feminino (9,7%) e entre moradores das zonas rurais (18,1%). Chama a atenção a alta letalidade encontrada em indígenas (23,0%), a maior entre as categorias analisadas. Ainda, o Nordeste (15,4%) e o Norte (9,7%) registraram as maiores letalidades hospitalares entre as macrorregiões brasileiras (Tabela 1).

Discussão

Entre crianças e adolescentes hospitalizadas devido a SRAG por COVID-19, houve maior letalidade hospitalar nos menores de 1 ano de idade, no sexo feminino, em residentes da zona rural, na região Nordeste do país e, principalmente, entre os indígenas.

Dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde (2020)33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença pelo coronavírus COVID-19. Bol Epidemiol [Internet]. 2020 set [citado 2020 set 9];32(especial). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/boletins-epidemiologicos-1/set/boletim-epidemiologico-covid-32-final-23-09_18h30.pdf
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indicaram que as hospitalizações de crianças e adolescente por SRAG com confirmação de COVID-19 representaram, até a 38ᵃ Semana Epidemiológica de 2020, 2,4% de todas as hospitalizações por essa causa.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença pelo coronavírus COVID-19. Bol Epidemiol [Internet]. 2020 set [citado 2020 set 9];32(especial). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/boletins-epidemiologicos-1/set/boletim-epidemiologico-covid-32-final-23-09_18h30.pdf
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Embora esse percentual não represente a maior parte das internações de SRAG por COVID-19, estudo realizado no Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos,1313. Yonker LM, Neilan AM, Bartsch Y, Patel AB, Regan J, Arya P, et al. Pediatric SARS-CoV-2: clinical presentation, infectivity, and immune responses. J Pediatrics [Internet] 2020 Aug [cited 2020 Sep 10];S0022-3476(20):31023-4. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jpeds.2020.08.037
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sugere que crianças podem portar alta carga viral, apesar de não desenvolverem, com frequência, sintomas graves da COVID-19, pelo que representam uma potencial fonte de contágio e grande motivo de preocupação para os serviços públicos de saúde, principalmente entre as famílias multigeracionais.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Doença pelo coronavírus COVID-19. Bol Epidemiol [Internet]. 2020 set [citado 2020 set 9];32(especial). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/boletins-epidemiologicos-1/set/boletim-epidemiologico-covid-32-final-23-09_18h30.pdf
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O número de óbitos entre crianças e adolescentes de outros países divergem do contexto brasileiro.1414. Lu X, Zhang L, Du H, Zhang J, Li YY, Qu J, et al. SARS-CoV-2 infection in children. N Eng J Med [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];382(17):1663-5. Available from: http://doi.org/10.1056/NEJMc2005073
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,1515. Coronavirus in Kids – COVKID. Tracking and education project [Internet]. [S.l.]: COVKID; 2020 [cited 2020 Jul 20]. Available from: https://www.covkidproject.org/
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Dados do projeto ‘Coronavirus in Kids (COVKID) Tracking and Education’,1515. Coronavirus in Kids – COVKID. Tracking and education project [Internet]. [S.l.]: COVKID; 2020 [cited 2020 Jul 20]. Available from: https://www.covkidproject.org/
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dos Estados Unidos, indicaram que, até 19 de julho de 2020, foram detectados 75 óbitos por COVID-19 entre crianças e adolescentes de 0 a 19 anos naquele país. Apesar de os Estados Unidos – no que concerne ao número de casos – haverem sido reconhecidos como o epicentro da pandemia em julho de 2020,22. World Health Organization -WHO. WHO Coronavirus disease (COVID-19) dashboard [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2020 [cited 2020 Jul 8]. Available from: https://covid19.who.int
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suas estatísticas entre crianças e adolescentes são menores, indicando que o Brasil precisa fortalecer suas medidas de prevenção nessa faixa etária.

O presente estudo corrobora a gravidade da doença em menores de 1 ano, apontada por estudo prévio. Na China, entre 2.143 pacientes pediátricos com COVID-19, pesquisadores observaram que neonatos eram mais vulneráveis ao tipo grave de infecção.99. Dong Y, Mo X, Hu Y, Qi Xin, Jiang F, Jiang Z, et al. Epidemiology of COVID-19 Among Children in China. Pediatrics [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul31];145(6):e20200702. Available from: http://doi.org/10.1542/peds.2020-0702
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Estudo recente destacou que a principal forma da infecção por COVID-19 em crianças (4 dias a 14 anos) foi por agrupamento familiar, e como principais características clínicas ressaltou-se os longos períodos de incubação, febre e tosse.1616. Xian Guo C, He L, Yin JY, Meng XG, Tan W, Yang GP. Epidemiological and clinical features of pediatric COVID-19. BMC Med [Internet]. 2020 [cited 2020 Sep 7];18(1):250. Available from: https://doi.org/10.1186/s12916-020-01719-2
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No mesmo estudo chinês, entre as crianças assintomáticas, 30% apresentaram lesões pulmonares pós-infecção.1616. Xian Guo C, He L, Yin JY, Meng XG, Tan W, Yang GP. Epidemiological and clinical features of pediatric COVID-19. BMC Med [Internet]. 2020 [cited 2020 Sep 7];18(1):250. Available from: https://doi.org/10.1186/s12916-020-01719-2
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Embora as crianças menores de 1 ano tenham apresentado maior letalidade hospitalar, os adolescentes de 15 a 19 anos seguem imediatamente atrás desse grupo. É possível que, entre adolescentes, com COVID-19 hospitalizados, condições crônicas preexistentes possam estar associadas à piora do quadro e às elevadas frequências de óbitos e letalidade no grupo estudado. Dados indicam que a ocorrência de doenças crônicas, como obesidade, diabetes mellitus e asma, vem crescendo entre adolescentes, o que pode explicar os achados.1717. Perrin J, Anderson L, Van Cleave J. The rise in chronic conditions among infants, children, and youth can be met with continued health system innovations. Health Affairs [Internet]. 2014 [cited 2020 Aug 21];33(12):2099-105. Available from: http://doi.org/10.1377/hlthaff.2014.0832
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É importante salientar que, no presente estudo, não foi investigada a preexistência de doenças crônicas.

As maiores letalidades hospitalares foram observadas no sexo feminino, embora não haja evidências da suscetibilidade à infecção e letalidade por COVID-19 entre os sexos, especialmente em populações pediátricas.1818. She J, Liu L, Liu W. COVID-19 epidemic: disease characteristics in children. J Med Virol [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];92(7):747-54. Available from: https://doi.org/10.1002/jmv.25807
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Com relação à zona de residência, a maior frequência de óbitos em zonas urbanas pode ser justificada, uma vez que a maior parcela da população vive nessas áreas. Contudo, a maior letalidade entre residentes nas zonas rurais pode representar um alerta para a progressão da COVID-19 nesse meio,1919. Paul R, Arif A, Adeyemi O, Ghosh S, Han D. Progression of COVID-19 from urban to rural areas in the United States: a spatiotemporal analysis of prevalence rates. J Rural Health [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31]. Available from: https://dx.doi.org/10.1111/jrh.12486
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tendo em vista as vulnerabilidades dos grupos populacionais presentes em comunidades rurais, a exemplo do menor acesso a serviços de saúde.2020. Peters D. Community susceptibility and resiliency to COVID-19 across the rural-urban continuum in the United States. J Rural Health [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];36(3):446-56. Available from: https://doi.org/10.1111/jrh.12477
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Maiores letalidades hospitalares ocorreram nas regiões Nordeste e Norte, igualmente responsáveis pelas maiores taxas gerais de mortalidade por COVID-19.2121. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância à Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: Covid-19 - Painel coronavírus [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 jul 20]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
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Em setembro de 2020, o Nordeste e o Norte registraram taxas de 68,1 e 80,5 óbitos a cada 100 mil habitantes, respectivamente.2121. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância à Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: Covid-19 - Painel coronavírus [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 jul 20]. Disponível em: https://covid.saude.gov.br/
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Estes dados confirmam as desigualdades sociais existentes entre as regiões brasileiras, pois, a despeito do índice de isolamento social de alguns de seus estados terem se mantido os mais elevados no Brasil, durante a pandemia por COVID-19,2222. Inloco. Controle à COVID-19: respeitando a privacidade individual [Internet]. [S.l.]: Inloco; 2020 [citado 2020 out 13]. Disponível em: https://www.inloco.com.br/covid-19
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as duas regiões continuam a apresentar maior letalidade pela doença. Logo, o enfrentamento da pandemia necessita considerar as vulnerabilidades sociais, não apenas referentes a condições sanitárias, mas também estruturais, de organização e qualidade dos serviços de saúde em cada território.2323. Natividade MS, Bernardes K, Santos MP, Miranda S, Bertoldo J, Teixeira MG, et al. Distanciamento social e condições de vida na pandemia COVID-19 em Salvador-Bahia. Ciên Saúde Coletiva [Internet]. 2020 set [citado 2020 ago 21];25(9):3385-92. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232020259.22142020
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Os resultados revelam que crianças e adolescentes de raça/cor da pele parda são a maioria entre os óbitos, apontando para as disparidades raciais e étnicas na pandemia de COVID-19, independentemente da idade. Dados específicos de crianças da cidade de Nova York, Estados Unidos, demonstraram que, do total de óbitos de 0 a 17 anos de idade, aproximadamente 15% foram de pessoas de raça/cor da pele preta, comparadas a 4,4% brancas.1515. Coronavirus in Kids – COVKID. Tracking and education project [Internet]. [S.l.]: COVKID; 2020 [cited 2020 Jul 20]. Available from: https://www.covkidproject.org/
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Entre crianças e adolescentes, os indígenas apresentaram maior letalidade hospitalar. Ainda nos Estados Unidos, indígenas americanos não hispânicos ou nativos do Alasca, negros não hispânicos e pessoas hispânicas ou latinas têm uma taxa de hospitalização por COVID-19 4 a 5 vezes maior que a de brancos não hispânicos.2424. Centers for Disease Control and Prevention - CDC. COVID-19 in Racial and ethnic minority groups [Internet]. Washington, D.C.: CDC; 2020 [cited 2020 Jul 20]. Available from: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/need-extra-precautions/racial-ethnic-minorities.html
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A maior letalidade na população indígena pode ser reflexo da histórica barreira aos serviços de saúde, condições sanitárias, prevalência de desnutrição, doenças infecciosas e crônicas, além de inúmeros problemas associados à invasão e contaminação ambiental de suas terras por atividades garimpeiras e agropecuárias, fatores determinantes do perfil de desigualdade apresentado pela população indígena no Brasil.2525. Meneses-Navarro S, Freyermuth-Enciso M, Pelcastre-Villafuerte B, Campos-Navarro R, Meléndez-Navarro D, Gómez-Flores-Ramos L. The challenges facing indigenous communities in Latin America as they confront the COVID-19 pandemic. Int J Equity Health [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];19(1). Available from: https://doi.org/10.1186/s12939-020-01178-4
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,2626. Ministério da Saúde (BR). Fundação Oswaldo Cruz. Risco de espalhamento da COVID-19 em populações indígenas: considerações preliminares sobre vulnerabilidade geográfica e sociodemográfica. 4º relatório - 18 abril 2020 [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [citado 2020 set 08]. Disponível em: https://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u91/relatorios_tecnicos_-_covid-19_procc-emap-ensp-covid-19-report4_20200419-indigenas.pdf
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O acesso limitado a água – como medida de prevenção, na lavagem de mãos –, a comunicação deficiente e a falta de uma resposta da Saúde com uma perspectiva intercultural, somados à migração em grande número, a partir das principais cidades e locais turísticos, de volta às comunidades de origem, representam um alto risco de contágio para as comunidades indígenas. Estes elementos podem contribuir para que casos graves de COVID-19 “varram” principalmente as comunidades sob precárias condições de saúde e vida.2525. Meneses-Navarro S, Freyermuth-Enciso M, Pelcastre-Villafuerte B, Campos-Navarro R, Meléndez-Navarro D, Gómez-Flores-Ramos L. The challenges facing indigenous communities in Latin America as they confront the COVID-19 pandemic. Int J Equity Health [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];19(1). Available from: https://doi.org/10.1186/s12939-020-01178-4
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Da mesma forma, as macrorregiões onde se observaram maiores letalidades hospitalares, assim como as características demográficas das crianças mais afetadas, remetem às desigualdades em saúde existentes no Brasil.

A letalidade é influenciada tanto por características intrínsecas ao indivíduo quanto pela disponibilidade, distribuição e qualidade dos recursos da Saúde.2727. Feng Y, Ling Y, Bai T, Xie Y, Huang J, Li J, et al. COVID-19 with Different severities: a multicenter study of clinical features. Am J Respirat Critical Care Med [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];201(11):1380-8. Available from: https://doi.org/10.1164/rccm.202002-0445OC
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,2828. Viacava F, Oliveira R, Carvalho C, Laguardia J, Bellido J. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2018 [citado 2020 jul 31];23(6):1751-62. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.06022018
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Nesse sentido, os dados apresentados alertam para o impacto dessas desigualdades na letalidade da população. Por se tratar de uma infecção nova e com potencial para gerar casos graves, pesquisadores recomendam que os cuidados em saúde sejam redobrados, principalmente para proteger crianças com doenças subjacentes.2929. Pavone P, Ceccarelli M, Taibi R, La Rocca G, Nunnari G. Outbreak of COVID-19 infection in children: fear and serenity. Eur Rev Med Pharmacol Sci [Internet]. 2020 [cited 2020 Jul 31];24(8):4572-4575.Available from: https://doi.org/10.26355/eurrev_202004_21043
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Como ponto positivo do estudo, encontra-se que a análise de bancos de dados secundários é uma boa forma de avaliar a situação epidemiológica de determinada população, sobretudo os bancos de abrangência nacional, além de investigar um grupo etário todavia com pouco destaque no cenário da COVID-19.

Entre as limitações do trabalho, reforça-se o viés de casos graves serem mais hospitalizados (viés de hospitalização), e por conseguinte, as taxas de letalidade não representarem as taxas da população geral de crianças e adolescentes. Além disso, cumpre lembrar a influência direta da qualidade heterogênea no preenchimento das fichas de notificação, segundo cada região brasileira. Ademais, não foi possível controlar os casos duplicados nesses registros, uma vez que não há qualquer variável de identificação do caso. Entretanto, se um indivíduo pode ser acometido mais de uma vez, por SRAG com diagnóstico de COVID-19, poucos estudos têm demonstrado casos de reinfecção.3030. Chen D, Xu W, Lei Z et al. Recurrence of positive SARS-CoV-2 RNA in COVID-19: a case report. Int J Infect Dis [internet]. 2020 [cited 2020 Sep 8];93:297-9. Available from: https://doi.org/10.1016/j.ijid.2020.03.003
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Por fim, este estudo não investigou a presença de doenças preexistentes.

A análise das hospitalizações, perfil dos óbitos e letalidade é imprescindível para a construção de medidas preventivas e de enfrentamento da COVID-19 no Brasil, especialmente entre crianças e adolescentes hospitalizados. Embora esta não seja a população mais afetada, trata-se de um grupo que atua como veículo de transmissão da infecção e vem apresentando aumento na letalidade pela doença. Os resultados apresentados evidenciam a necessidade de atender às demandas de toda a população pediátrica brasileira, especialmente de indivíduos vivendo em zonas rurais, menores de 1 ano de idade, indígenas e residentes nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Não há uma medida única de abordagem da doença para um país da escala do Brasil, com tamanha diversidade estrutural, cultural e geográfica. Não obstante, os gestores devem adotar as medidas mais adequadas às particularidades de cada região e aos segmentos populacionais mais vulneráveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2020
  • Aceito
    05 Out 2020
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com