Notificações de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência praticadas contra crianças no Brasil, 2011-2019: estudo ecológico de série temporal

Letícia Regina Morello Sartori Kaila Andressa dos Santos Oliveira Kailany Freitas Moura Pâmela de Oliveira Soares Valéria Valério Garcia Matos Sarah Arangurem Karam Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Descrever a tendência temporal das notificações de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência praticadas contra crianças no Brasil, entre 2011 e 2019.

Métodos

Estudo ecológico de série temporal, sobre notificações de violência contra crianças de 0 a 9 anos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Taxas de notificação ajustadas por idade foram calculadas para Brasil, macrorregiões nacionais e sexo. Analisou-se a tendência das taxas por regressão joinpoint.

Resultados

Foram analisadas 88.820 notificações de violência física, 87.141 de violência sexual, 52.359 de violência psicológica e 166.664 notificações de negligência. Identificouse tendência crescente de notificações de violência física, sexual, psicológica e negligência, para o Brasil e ambos os sexos. Negligência apresentou a maior taxa [95,24 notificações/100 mil crianças (2019)]. Nordeste e Sudeste apresentaram tendência crescente para todas as violências.

Conclusão

Notificações de violência física, sexual, psicológica e negligência contra crianças apresentaram tendência crescente no Brasil, no período.

Palavras-chave
Maus-tratos Infantis; Negligência Infantil; Exposição à Violência; Notificação de Abuso

Contribuições do estudo

Principais resultados

Notificações de violência física, sexual e psicológica e de negligência, contra crianças até 9 anos, apresentaram tendência crescente no Brasil e macrorregiões nacionais, para ambos os sexos, entre 2011 e 2019.

Implicações para os serviços

As tendências crescentes de notificações de violência infantil destacam a necessidade contínua de capacitação nos serviços de saúde, crucial para a detecção precoce, prevenção eficaz e intervenção coordenada, considerando-se as variações regionais.

Perspectivas

A notificação de violência contra crianças pelos serviços de saúde deve ter maior adesão dos profissionais. Estudos futuros podem combinar múltiplas bases de dados e inquéritos nacionais, para aumentar a precisão das taxas e tendências.

Palavras-chave
Maus-tratos Infantis; Negligência Infantil; Exposição à Violência; Notificação de Abuso

INTRODUÇÃO

Violência contra crianças pode ser definida como qualquer tratamento negligente ou mau-trato que tenha o potencial de causar danos à saúde, ao desenvolvimento e à dignidade das crianças.11 World Health Organization. Report of the Consultation on Child Abuse Prevention, WHO, Geneva, 29-31 March 1999 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 1999 [cited 2022 Mar 25]. 54 p. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/65900.
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Particularmente, esse dano pode envolver uma série de efeitos deletérios, mensuráveis e imensuráveis, na infância e na idade adulta.22 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2002 [cited 2022 Feb 17]. 360 p. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42495/9241545615_eng.pdf.
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Na infância, a exposição a maus-tratos tem sido associada a injúrias físicas e desfechos adversos em saúde mental, incluindo perturbações cognitivas, além de desenvolvimento e presença de sintomas psiquiátricos internalizantes e externalizantes.33 Winter SM, Dittrich K, Dörr P, Overfeld J, Moebus I, Murray E, et al. Immediate impact of child maltreatment on mental, developmental, and physical health trajectories. J Child Psychol Psychiatry. 2022;63(9):1027–45. doi: 10.1111/jcpp.13550.
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,44 World Health Organization. INSPIRE: seven strategies for ending violence against children [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2023 July 27]. 108 p. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565356.
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Entre adolescentes e adultos, estudos demonstraram que a exposição a maus-tratos na infância estaria associada à adoção de comportamentos de risco, como tabagismo, consumo nocivo de álcool e de drogas ilícitas,55 Valério ID, Soares ALG, Menezes AMB, Wehrmeister FC, Gonçalves H. Child maltreatment and substances use throughout adolescence and adulthood: data from a Brazilian Birth Cohort. Child Abuse Negl. 2022;131:105766. doi: 10.1016/j.chiabu.2022.105766.
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além de múltiplos desfechos crônicos em saúde física e mental, como doença cardiovascular isquêmica, doenças gastrointestinais e depressão.66 Petruccelli K, Davis J, Berman T. Adverse childhood experiences and associated health outcomes: a systematic review and meta-analysis. Child Abuse Negl. 2019;97:104127. doi: 10.1016/j.chiabu.2019.104127.
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Em termos quantitativos, torna-se ainda mais evidente o quanto a violência contra crianças é uma urgência global.44 World Health Organization. INSPIRE: seven strategies for ending violence against children [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2023 July 27]. 108 p. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565356.
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,77 Hillis S, Mercy J, Amobi A, Kress H. Global prevalence of past-year violence against children: a systematic review and minimum estimates. Pediatrics. 2016;137(3):e20154079. doi: 10.1542/peds.2015-4079.
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Um estudo de revisão sistemática estimou que, em 2014, aproximadamente 1 bilhão de crianças, o equivalente a quase metade da população mundial dessa faixa etária, havia sofrido violência física, sexual ou psicológica.77 Hillis S, Mercy J, Amobi A, Kress H. Global prevalence of past-year violence against children: a systematic review and minimum estimates. Pediatrics. 2016;137(3):e20154079. doi: 10.1542/peds.2015-4079.
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Dados nacionais reforçam esse cenário preocupante, tendo em vista que, apenas no primeiro semestre de 2019, aproximadamente 27 mil casos de maus-tratos infantis foram compilados em boletins de ocorrência gerados em 12 Unidades da Federação (UFs).88 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Fundação José Luiz Egydio Setúbal. Violência contra crianças e adolescentes (2019-2021): sumário executivo [Internet]. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021 [citado 2023 Jul 27]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/12/violencia-contra-criancas-e-adolescentes-2019-2021.pdf.
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No contexto das iniciativas internacionais de enfrentamento da violência infanto-juvenil, um marco importante na evolução da consciência social e da institucionalização de direitos e proteção da criança e do adolescente no Brasil foi a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.99 Brasil. Casa Cívil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 1990 Jul 16 [citado 2022 Jun 30], Seção 1:13563. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
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,1010 Minayo MCS. The inclusion of violence in the health agenda: historical trajectory. Cien Saude Colet. 2007;11(Supp):1259–67. doi: 10.1590/S1413-81232006000200015.
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Mecanismos legais implementados posteriormente, a exemplo do Disque-100 Direitos Humanos1111 Brasil. Disque Direitos Humanos: relatório 2019 [Internet]. Brasília: Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos; 2020 [citado 2023 Jul 27]. 155 p. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/ouvidoria/Relatorio_Disque_100_2019_.pdf.
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e da Lei Menino Bernardo (Lei no 13.010/2014),1212 Brasil. Casa Cívil. Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014. Altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, e altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996 [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2014 Jun 27 [citado 2022 Jun 30], Seção 1:2. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13010.htm.
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foram desenvolvidos com o objetivo de reforçar o sistema de proteção infanto-juvenil contra a exposição à violência. Considerando-se a necessidade de ampliação e reforço dos meios convencionais de notificação de casos confirmados ou suspeitos de violência, como a capacitação das polícias e a constituição dos conselhos tutelares, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) representa uma fronteira adicional à notificação compulsória previamente estabelecida no ECA.1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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Casos suspeitos ou confirmados de violência contra crianças começaram a ser registrados no Sinan em 2009. Entretanto, a notificação do agravo tornou-se obrigatória em todos os estabelecimentos de saúde, públicos e privados, em 2011.1414 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2011 Jan 26 [citado 2022 Jun 10], Seção 1:37. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html.
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O Sinan é um componente do Sistema Brasileiro de Vigilância da Violências e Acidentes (VIVA Contínuo), que, sistematicamente, coleta dados do sistema de saúde brasileiro.1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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No Brasil, diversos estudos analisaram as tendências temporais das notificações de violência contra crianças na idade até 9 anos, utilizando-se de dados do Sinan.1515 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2305-17. doi: 10.1590/S1413-81232012000900012.
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16 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet. 2015;20(3):655-65. doi: 10.1590/1413-81232015203.15242014.
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17 Veloso MMX, Magalhães CMC, Dell’Aglio DD, Cabral IR, Gomes MM. Notificação da violência como estratégia de vigilância em saúde: perfil de uma metrópole no Brasil. Cien Saude Colet. 2013;18(5):1263-72. doi: 10.1590/S1413-81232013000500011.
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18 Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violence against children and adolescents in Manaus, Amazonas State, Brazil: a descriptive study of cases and evaluation of notification sheet completeness, 2009-2016. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(1):e2018438. doi: 10.5123/s1679-49742020000100012.
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19 Lemos AQ, Costa SC, Nascimento NG, Cristo GS, Constante FC, Sousa JDC, et al. Prevalence of child sexual violence in Brazil in the period 2010-2018: an ecological study. J Health Sci. 2021;23(4):334-8. doi: 10.17921/2447-8938.2021v23n4p334-338.
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20 Silva PA, Algeri S, Silva MP, Corrêa ML, Nunes MPR. Profile of notification sexual violence against boys, SINAN 2009-2017, Brazil. RSD. 2021;10(2):e29910212509. doi: 10.33448/rsd-v10i2.12509.
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21 Platt VB, Coelho EBS, Bolsoni C, Höfelmann DA. Completeness, consistency, and non-duplicity of records of child sexual abuse on the Notifiable Health Conditions Information System in the state of Santa Catarina, Brazil, 2009-2019. Epidemiol Serv Saude. 2022;31(2):e2021441. doi: 10.1590/S2237-96222022000100012.
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-2222 Riba AC, Zioni F. O corpo da criança como receptáculo da violência física: análise dos dados epidemiológicos do Viva/Sinan. Saude Debate. 2022;46(Spe 5):193–207. doi: 10.1590/0103-11042022E516.
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Algumas dessas publicações concentraram-se na análise de dados de anos isolados, em nível nacional;1515 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2305-17. doi: 10.1590/S1413-81232012000900012.
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,1616 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet. 2015;20(3):655-65. doi: 10.1590/1413-81232015203.15242014.
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ou em dados de UFs ou suas capitais, de forma isolada.1717 Veloso MMX, Magalhães CMC, Dell’Aglio DD, Cabral IR, Gomes MM. Notificação da violência como estratégia de vigilância em saúde: perfil de uma metrópole no Brasil. Cien Saude Colet. 2013;18(5):1263-72. doi: 10.1590/S1413-81232013000500011.
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,1818 Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violence against children and adolescents in Manaus, Amazonas State, Brazil: a descriptive study of cases and evaluation of notification sheet completeness, 2009-2016. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(1):e2018438. doi: 10.5123/s1679-49742020000100012.
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,2121 Platt VB, Coelho EBS, Bolsoni C, Höfelmann DA. Completeness, consistency, and non-duplicity of records of child sexual abuse on the Notifiable Health Conditions Information System in the state of Santa Catarina, Brazil, 2009-2019. Epidemiol Serv Saude. 2022;31(2):e2021441. doi: 10.1590/S2237-96222022000100012.
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Encontra-se apenas um estudo sobre dados de notificação de violência física contra crianças, entre 2009 e 2019,2222 Riba AC, Zioni F. O corpo da criança como receptáculo da violência física: análise dos dados epidemiológicos do Viva/Sinan. Saude Debate. 2022;46(Spe 5):193–207. doi: 10.1590/0103-11042022E516.
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e outro de avaliação das tendências de notificações de violência sexual contra crianças segundo sexo e faixa etária, até 14 anos, no período de 2009 a 2018.1919 Lemos AQ, Costa SC, Nascimento NG, Cristo GS, Constante FC, Sousa JDC, et al. Prevalence of child sexual violence in Brazil in the period 2010-2018: an ecological study. J Health Sci. 2021;23(4):334-8. doi: 10.17921/2447-8938.2021v23n4p334-338.
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Portanto, existe uma importante lacuna relativa, no entendimento da tendência temporal, nos âmbitos nacional e macrorregional, dos quatro tipos de violência – física, sexual, psicológica, e negligência – contra crianças até 9 anos.

A análise de tendência temporal das notificações de violência realizada pelos serviços de saúde auxilia no conhecimento da magnitude do problema no país, no sentido de se entender como o padrão notificatório vem-se alterando, desenvolver políticas de saúde e atribuir recursos públicos, mediante uma abordagem pautada em evidências.44 World Health Organization. INSPIRE: seven strategies for ending violence against children [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2023 July 27]. 108 p. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565356.
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O objetivo deste estudo foi descrever a tendência temporal das notificações de violência física, sexual, psicológica e negligência contra crianças até 9 anos, no Brasil, no período entre 2011 e 2019.

MÉTODOS

Desenho do estudo

Este estudo foi delineado como ecológico de série temporal, desenvolvido sobre dados secundários do Sinan, coletados e analisados em nível macrorregional. O relatório foi elaborado segundo as orientações constantes da declaração RECORD (REporting of Studies Conducted Using Observational Routinely-Collected Data).2323 Benchimol EI, Smeeth L, Guttmann A, Harron K, Moher D, Petersen I, et al. The REporting of studies Conducted using Observational Routinely-collected health Data (RECORD) Statement. PLoS Med. 2015;12(10): e1001885. doi: 10.1371/journal.pmed.1001885.
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Fontes de dados, coleta de dados e critérios de elegibilidade

Foram analisadas notificações de casos suspeitos ou confirmados de violência contra crianças na idade até 9 anos, obtidas da base de dados do Sinan. Apesar de o ECA definir como crianças pessoas até 12 anos de idade incompletos,99 Brasil. Casa Cívil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 1990 Jul 16 [citado 2022 Jun 30], Seção 1:13563. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
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a definição utilizada pelo Ministério da Saúde segue a preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera crianças as pessoas até 9 anos de idade completos.1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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Foram incluídas notificações referentes às seguintes faixas etárias, em anos de vida completos: menor que 1, 1 a 4 e 5 a 9 anos de idade, conforme apresentado no Sinan.

Foram analisados quatro tipos de violência contra crianças, com base em definições do Ministério da Saúde do Brasil para violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência.11 World Health Organization. Report of the Consultation on Child Abuse Prevention, WHO, Geneva, 29-31 March 1999 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 1999 [cited 2022 Mar 25]. 54 p. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/65900.
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,1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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Casos de violência física são definidos como atos violentos em que se utiliza a força física para gerar dano à vítima, como, por exemplo, tapas, beliscões, empurrões ou, ainda, violência por arma de fogo.1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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A violência sexual é definida como ato violento que ocorra por uso do poder e leve à perda da dignidade sexual da vítima, como em episódios de estupro ou assédio sexual.1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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A violência psicológica é definida como ameaças, depreciação, discriminação, punições humilhantes ou outros atos envolvendo danos à dignidade, autoestima e reputação da vítima.1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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Por sua vez, são considerados casos de negligência aqueles em que houve a ausência de cuidados básicos e provisão de necessidades de um indivíduo, de forma intencional.1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
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Não foram incluídas as notificações sem informações sobre o tipo de violência contra crianças, ou que tenham registrado outro tipo de violência (e.g., trabalho infantil, tráfico de seres humanos). Apesar de os dados do Sinan estarem disponíveis para o período entre 2009 e 2021, no momento da coleta dos dados, apenas registros obtidos entre 2011 e 2019 foram analisados. Registros anteriores não foram considerados, dada a estruturação incipiente da rede de notificação e a não obrigatoriedade de notificação no Sinan, até então;1414 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 104, de 25 de janeiro de 2011. Define as terminologias adotadas em legislação nacional, conforme o disposto no Regulamento Sanitário Internacional 2005 (RSI 2005), a relação de doenças, agravos e eventos em saúde pública de notificação compulsória em todo o território nacional e estabelece fluxo, critérios, responsabilidades e atribuições aos profissionais e serviços de saúde [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 2011 Jan 26 [citado 2022 Jun 10], Seção 1:37. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.html.
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,1515 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2305-17. doi: 10.1590/S1413-81232012000900012.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
as notificações realizadas entre 2020 e 2021, por sua vez, não foram consideradas, por conta das repercussões da pandemia de covid-19 nos fluxos de notificação.88 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Fundação José Luiz Egydio Setúbal. Violência contra crianças e adolescentes (2019-2021): sumário executivo [Internet]. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública; 2021 [citado 2023 Jul 27]. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/12/violencia-contra-criancas-e-adolescentes-2019-2021.pdf.
https://forumseguranca.org.br/wp-content...

Utilizou-se o aplicativo Tabnet, do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), disponível online (https://datasus.saude.gov.br/informacoes-de-saude-tabnet/), na tabulação do número absoluto de notificações de casos suspeitos ou confirmados. Para essa tabulação, filtros ativos, correspondentes a cada tipo de violência, à UF de notificação e ao sexo da vítima, foram utilizados segundo cada ano da série temporal. Após a tabulação, procedeu-se ao download das informações no formato de bancos de dados, em fevereiro de 2022. Anteriormente a esse estágio, quatro horas de treinamento teórico e prático destinaram-se a minimizar potenciais erros de coleta. Posteriormente, os dados foram revisados por outra pesquisadora com experiência na coleta de informações secundárias, que não estivera envolvida na etapa inicial de extração.

A população-padrão infantil brasileira de cada ano da série temporal foi obtida a partir de projeção populacional para 2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).2424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade: 2010-2060 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020 [update 2020 Abr 6; citado 2022 Mar 24]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html?=&t=resultados.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...
Essa projeção foi desenvolvida com base nos resultados do Censo Demográfico de 2010, mediante estimativas da população brasileira por ano, divisão regional, grupo etário e sexo, para o período posterior a 2010.2424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Projeções da População do Brasil e Unidades da Federação por sexo e idade: 2010-2060 [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2020 [update 2020 Abr 6; citado 2022 Mar 24]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109-projecao-da-populacao.html?=&t=resultados.
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/soc...

As taxas de notificação (número de casos confirmados ou suspeitos notificados, por 100 mil crianças), ajustadas por idade, foram calculadas utilizando-se a planilha do Microsoft Excel 2016 (Microsoft Corporation, dos Estados Unidos), pelo método direto.2525 National Cancer Institute. Surveillance research program: dependent variable [Internet]. Bethesda: National Cancer Institute; 2022 [cited 2023 July 27]. Available from: https://surveillance.cancer.gov/help/joinpoint/setting-parameters/input-file-tab/dependent-variable.
https://surveillance.cancer.gov/help/joi...
O número absoluto de notificações foi obtido para cada tipo de violência (física, sexual, psicológica e negligência), por cada ano de notificação (2011 a 2019), considerando-se o grupo etário das crianças (em anos: até 4; 5 a 9). O cálculo das taxas compreendeu duas etapas: inicialmente, foram calculadas (i) as taxas anuais por grupo etário, por meio da razão entre o número absoluto de notificações e a população infantil correspondente, multiplicada por 100 mil; a segunda etapa constituiu (ii) o ajuste das taxas pela proporção da população-padrão infantil para cada faixa etária e ano, mediante a multiplicação simples e a soma dos produtos resultantes. Taxas de notificação em nível nacional foram calculadas, considerando-se a população-padrão brasileira de crianças. Para a estratificação segundo sexo e macrorregião nacional, foram consideradas como população-padrão, respectivamente, a população brasileira para cada sexo e a população de crianças em cada macrorregião do Brasil.

Análise estatística

A análise descritiva da tendência temporal foi realizada utilizando-se o software Joinpoint Regression Program, versão 4.9.0.1.2626 National Cancer Institute. Surveillance research program: joinpoint trend analysis software [Internet]. Bethesda: National Cancer Institute; 2022 [cited 2022 Mar 10]. Available from: https://surveillance.cancer.gov/joinpoint/.
https://surveillance.cancer.gov/joinpoin...
Foram aplicados modelos de regressão por joinpoint (pontos de inflexão) para violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência. A variação percentual anual (VPA) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram estimados, para quantificar as mudanças nas trajetórias das séries temporais. Modelos de regressão por joinpoint performam a análise da trajetória dos dados, considerando-se a definição de um segmento de reta inicial pelo ajuste das taxas da série.2727 Kim HJ, Fay MP, Feuer EJ, Midthune DN. Permutation tests for joinpoint regression with applications to cancer rates. Stat Med. 2000;19(3):335–51. doi: 10.1002/(sici)1097-0258(20000215)19:3%3C335::aid-sim336%3E3.0.co;2-z.
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A seguir, com o uso do mesmo programa, desenvolveu-se um modelo alternativo com o objetivo de verificar se a inserção de pontos de quebra na trajetória foi estatisticamente significativa (α ≤ 5%), para ser incluída no modelo final.2727 Kim HJ, Fay MP, Feuer EJ, Midthune DN. Permutation tests for joinpoint regression with applications to cancer rates. Stat Med. 2000;19(3):335–51. doi: 10.1002/(sici)1097-0258(20000215)19:3%3C335::aid-sim336%3E3.0.co;2-z.
https://doi.org/10.1002/(sici)1097-0258(...
Quando estatisticamente significativa, a quebra na trajetória apresenta dois segmentos de reta diferentes, conectados pelo ponto de inflexão, em que podem ser apresentados dois valores de VPA e respectivos IC95%. Desta forma, o modelo avalia não apenas alterações da tendência, em todo o período que compõe a série temporal, senão também entre segmentos identificados pelo modelo de regressão joinpoint, promovendo a seleção do melhor modelo explicativo para alterações na série temporal.2727 Kim HJ, Fay MP, Feuer EJ, Midthune DN. Permutation tests for joinpoint regression with applications to cancer rates. Stat Med. 2000;19(3):335–51. doi: 10.1002/(sici)1097-0258(20000215)19:3%3C335::aid-sim336%3E3.0.co;2-z.
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A significância estatística foi estimada utilizando-se o teste de permutação com 4.499 conjuntos de dados permutados aleatoriamente, com posterior correção de Bonferroni, considerando-se a seleção de até um ponto de inflexão, segundo a configuração-padrão do software.

Trajetórias com VPA positiva ou negativa foram consideradas estatisticamente diferentes de zero quando α ≤ 5%, sendo identificadas, respectivamente, como crescentes e decrescentes. Trajetórias que não demonstraram diferenças estatisticamente significativas (p-valor > 0,05 e IC95% contendo zero) foram consideradas com tendência de estabilidade.

Questões éticas

Tabulações provenientes do Sinan são públicas, com acesso irrestrito, e são apresentadas em nível agregado e anonimizado de informação, para o Brasil e divisões regionais. Assim, não foi necessária a apreciação ética para o desenvolvimento deste estudo.

RESULTADOS

O estudo incluiu o total acumulado de 88.820 notificações de violência física, 87.141 notificações de violência sexual, 52.359 notificações de violência psicológica e 166.664 notificações de negligência contra crianças, registradas no Sinan entre 2011 e 2019.

Em nível nacional, conforme apresenta a Tabela 1 e ilustra a Figura 1, todos os tipos de violência apresentaram tendências crescentes, ao longo de toda a série temporal avaliada. No país como um todo, as taxas de notificação de negligência obtiveram a maior VPA no período (VPA = 14,9; IC95% 11,3;18,6). Em 2019, a maior taxa (95,2 notificações por 100 mil crianças) foi a de notificações de negligência, enquanto a menor foi a de violência psicológica (24,6 notificações por 100 mil crianças). A taxa de notificação de violência sexual apresentou a segunda maior tendência de crescimento (VPA = 11,4; IC95% 8,5;14,4) no período.

Figura 1
Tendências temporais das taxas de notificação de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência praticadas contra crianças, ajustadas por idade, Brasil, 2011-2019
Tabela 1
Tendências temporais de taxas de notificação de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência praticadas contra crianças, ajustadas por idade, Brasil e macrorregiões nacionais, 2011-2019

A análise segundo macrorregiões brasileiras mostrou que, no início do período estudado (2011), a região Sul apresentou as maiores taxas de notificação de violência física (31,1 notificações por 100 mil crianças) e psicológica (28,0 notificações por 100 mil crianças), enquanto a região Norte referiu a maior taxa de notificações de violência sexual (29,9 notificações por 100 mil crianças) e a região Centro-Oeste a maior taxa de notificações de negligência (49,5 notificações por 100 mil crianças) (Tabela 1). No final do período estudado (2019), a região Sul foi a que apresentou as maiores taxas de notificação de todos os tipos de violência (Figura 2).

Figura 2
Tendências temporais das taxas de notificação de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência praticadas contra crianças, ajustadas por idade, Brasil e macrorregiões nacionais, 2011-2019

Enquanto na região Norte as taxas de notificação de violência sexual (na comparação com as taxas dos demais tipos de violência) foram as mais elevadas, tanto no início (2011) como no final (2019) do período estudado, nas demais macrorregiões, foram as taxas de notificação de negligência as mais elevadas nos anos de 2011 e 2019 (Tabela 1).

A região Norte apresentou tendências crescentes de notificações de violência física (VPA = 8,7; IC95% 5,4;12,1) e sexual (VPA = 5,2; IC95% 2,4;8,0) em todo o período avaliado, e de negligência no período entre 2011 e 2016 (VPA = 43,5; IC95% 20,6;70,8) (Tabela 1). As regiões Nordeste e Sudeste apresentaram tendências de crescimento das taxas de notificação de todos os tipos de violência no período, apesar de se ter observado tendência de estabilidade das taxas de notificação de violência psicológica na região Sudeste, entre 2017 e 2019 (VPA = -6,2; IC95% -28,1;22,3). A região Centro-Oeste, com exceção da violência sexual, que obteve VPA de 9,0 (IC95% 2,5;15,8), apresentou tendência de estabilidade nos demais tipos de violência. Tendência de crescimento nas taxas de notificação de violência sexual e negligência foram observadas na macrorregião Sul, em todo o período avaliado.

A Tabela 2 apresenta as taxas de notificação e VPAs de todos os tipos de violência segundo o sexo da vítima. Foram observadas tendências crescentes das notificações de todos os tipos de violência, para ambos os sexos (Figura 3).

Figura 3
Tendências temporais das taxas de notificação de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência praticadas contra crianças, ajustadas por idade, segundo o sexo da vítima, Brasil, 2011-2019
Tabela 2
Tendências temporais de taxas de notificação de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência praticadas contra crianças, ajustadas por idade, segundo o sexo da vítima, Brasil, 2011-2019

As maiores taxas de notificação para violência física, sexual e psicológica, em 2011 e 2019, foram observadas no sexo feminino. Em contrapartida, as maiores taxas de notificação (iniciais e finais) de negligência foram observadas nas vítimas do sexo masculino. As maiores VPAs de violência física (VPA = 9,1; IC95% 6,3;11,9), violência sexual (VPA = 12,3; IC95% 9,4;15,2) e negligência (VPA = 15,1; IC95% 11,7;18,5) observadas foram contra crianças do sexo feminino (Tabela 2).

DISCUSSÃO

Os resultados observados demonstraram que, entre 2011 e 2019, as notificações de violência física, sexual, psicológica e de negligência com crianças na idade até 9 anos apresentaram tendências crescentes no Brasil. As maiores taxas de notificação foram observadas para negligência, enquanto as mais baixas, para violência psicológica. Ao final do período (2019), a macrorregião Sul apresentou as taxas de notificação mais elevadas para todos os tipos de violência contra crianças, apesar de ter-se observado tendência de crescimento apenas das taxas de notificação de violência sexual e negligência, no Sul brasileiro. Em contraste com as demais macrorregiões, onde a negligência apresentou a maior taxa, na região Norte, a maior taxa foi de notificações de violência sexual. Tendência de crescimento das notificações de violência sexual foi observada em todas as macrorregiões brasileiras. Para os demais tipos de violência, as regiões Nordeste e Sudeste apresentaram tendências crescentes. Considerando-se o sexo da vítima, tendência de crescimento foi observada nas notificações de crianças de ambos os sexos, em todos os tipos de violência, apesar de terem sido identificados padrões de notificação distintos, para os sexos feminino e masculino.

No Brasil, assim como em outros países latino-americanos, uma normativa social considera a agressão física, psicológica e verbal contra crianças como “estratégias educativas e disciplinares”.2828 Fry D, Padilla K, Germanio A, Lu M, Ivatury S, Vindrola S. Violence against children in Latin America and the Caribbean 2015-2021: a systematic review [Internet]. Cidade do Panamá: Escritório Regional para a América Latina e Caribe do Fundo das Nações Unidas para a Infância; 2021 [cited 2022 Sep 18]. 24 p. Available from: https://www.unicef.org/lac/media/29036/file/Violence-against-children-in-Latin-America-and-the-Caribbean-2015-2021.pdf.
https://www.unicef.org/lac/media/29036/f...
Esta cultura de castigo corporal e verbal, normalizada como prática educativa parental, pode estar relacionada com a visão passiva do profissional de saúde e, consequentemente, com a subnotificação, sobretudo em casos menos graves de violência física e verbal. No entanto, os casos de negligência e de violência sexual tendem a não ser vistos passivamente, pelos profissionais – um fator que poderia explicar a elevada taxa de notificações de negligência e tendências crescentes de notificação de violência sexual encontradas neste estudo. De forma similar, estudo anterior observou que 47,5% das notificações de violência contra crianças até 9 anos realizadas no Sinan, em 2011, foram devido à negligência ou abandono.1616 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet. 2015;20(3):655-65. doi: 10.1590/1413-81232015203.15242014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015203...
Ainda em 2011, notificações de violência psicológica somaram apenas 25,2% do total de violências contra crianças.1616 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet. 2015;20(3):655-65. doi: 10.1590/1413-81232015203.15242014.
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Uma razão possível para as baixas taxas de notificação de violência psicológica encontradas centra-se nas recomendações do Sinan de que a notificação seja realizada apenas para o principal tipo de abuso sofrido, enquanto a violência psicológica, em geral, ocorre concomitantemente com outros tipos de agressão.1313 Ministério da Saúde (BR). Viva: Instrutivo Notificação de Violência Interpessoal e Autoprovocada [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2016 [citado 2022 Jun 30]. 94 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/viva_instrutivo_violencia_interpessoal_autoprovocada_2ed.pdf.
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicaco...
,1717 Veloso MMX, Magalhães CMC, Dell’Aglio DD, Cabral IR, Gomes MM. Notificação da violência como estratégia de vigilância em saúde: perfil de uma metrópole no Brasil. Cien Saude Colet. 2013;18(5):1263-72. doi: 10.1590/S1413-81232013000500011.
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Considerando-se os resultados encontrados para macrorregiões, no mesmo ano de 2011, o Sul concentrou as taxas mais elevadas para violência física e psicológica, e em 2019, as taxas mais elevadas de notificação para todos os tipos de violência, apesar de tendência crescente ter sido observada apenas para violência sexual e negligência. Estudo anterior, que utilizou dados nacionais registrados no Sinan durante 2010, observou que os três estados componentes da região Sul obtiveram algumas das mais elevadas taxas de notificação de violência contra crianças.1515 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2305-17. doi: 10.1590/S1413-81232012000900012.
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Ainda, as regiões Nordeste e Sudeste obtiveram tendências crescentes de notificações na série temporal avaliada, novamente reforçando achados prévios.1515 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2305-17. doi: 10.1590/S1413-81232012000900012.
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,1616 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet. 2015;20(3):655-65. doi: 10.1590/1413-81232015203.15242014.
https://doi.org/10.1590/1413-81232015203...
,2222 Riba AC, Zioni F. O corpo da criança como receptáculo da violência física: análise dos dados epidemiológicos do Viva/Sinan. Saude Debate. 2022;46(Spe 5):193–207. doi: 10.1590/0103-11042022E516.
https://doi.org/10.1590/0103-11042022E51...
Como explicações potenciais, o estabelecimento histórico da rede de notificação,1515 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2305-17. doi: 10.1590/S1413-81232012000900012.
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bem como a crescente concentração de estabelecimentos de saúde no Nordeste, Sudeste e Sul do país e, consequentemente, o mais amplo acesso e utilização dos serviços de saúde, poderiam ser apontadas.2929 Stopa SR, Malta DC, Monteiro CN, Szwarcwald CL, Goldbaum M, Cesar CLG. Use of and access to health services in Brazil, 2013 National Health Survey. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):3s. doi: 10.1590/S1518-8787.2017051000074.
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Um estudo desenvolvido com dados de violência sexual do Sinan para o estado de Santa Catarina observou que 46,7% da variação no número de casos notificados de violência sexual foi explicada pelo número de centros de encaminhamento para casos de violência, entre 2009 e 2019.2121 Platt VB, Coelho EBS, Bolsoni C, Höfelmann DA. Completeness, consistency, and non-duplicity of records of child sexual abuse on the Notifiable Health Conditions Information System in the state of Santa Catarina, Brazil, 2009-2019. Epidemiol Serv Saude. 2022;31(2):e2021441. doi: 10.1590/S2237-96222022000100012.
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Ademais, todas as macrorregiões brasileiras apresentaram tendência de crescimento para notificações de violência sexual. Corroborando os resultados deste estudo, pesquisa anterior que avaliou notificações brasileiras de violência sexual observou aumentos ano a ano, no período de 2010 a 2018.1919 Lemos AQ, Costa SC, Nascimento NG, Cristo GS, Constante FC, Sousa JDC, et al. Prevalence of child sexual violence in Brazil in the period 2010-2018: an ecological study. J Health Sci. 2021;23(4):334-8. doi: 10.17921/2447-8938.2021v23n4p334-338.
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Além disso, observou-se que apenas a região Norte obteve taxa de notificação de violência sexual mais elevada do que a taxa de notificação de negligência. Este padrão foi observado por estudos anteriores, conduzidos com dados de notificações provenientes de Manaus1818 Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violence against children and adolescents in Manaus, Amazonas State, Brazil: a descriptive study of cases and evaluation of notification sheet completeness, 2009-2016. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(1):e2018438. doi: 10.5123/s1679-49742020000100012.
https://doi.org/10.5123/s1679-4974202000...
e de Belém,1717 Veloso MMX, Magalhães CMC, Dell’Aglio DD, Cabral IR, Gomes MM. Notificação da violência como estratégia de vigilância em saúde: perfil de uma metrópole no Brasil. Cien Saude Colet. 2013;18(5):1263-72. doi: 10.1590/S1413-81232013000500011.
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o que pode indicar uma maior subnotificação de outros tipos de violência no Sinan na região; ou, ainda, uma estrutura melhor estabelecida para o rastreio e acolhimento das vítimas de violência sexual na macrorregião Norte.1818 Oliveira NF, Moraes CL, Junger WL, Reichenheim ME. Violence against children and adolescents in Manaus, Amazonas State, Brazil: a descriptive study of cases and evaluation of notification sheet completeness, 2009-2016. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(1):e2018438. doi: 10.5123/s1679-49742020000100012.
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É observado, de forma consistente na literatura, que crianças do sexo feminino tendem a ser a maioria das vítimas de violência sexual, enquanto crianças do sexo masculino tendem a ser maioria em casos de violência física e negligência.1515 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2305-17. doi: 10.1590/S1413-81232012000900012.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
,1616 Rates SMM, Melo EM, Mascarenhas MDM, Malta DC. Violence against children: an analysis of mandatory reporting of violence, Brazil 2011. Cien Saude Colet. 2015;20(3):655-65. doi: 10.1590/1413-81232015203.15242014.
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,1919 Lemos AQ, Costa SC, Nascimento NG, Cristo GS, Constante FC, Sousa JDC, et al. Prevalence of child sexual violence in Brazil in the period 2010-2018: an ecological study. J Health Sci. 2021;23(4):334-8. doi: 10.17921/2447-8938.2021v23n4p334-338.
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,2222 Riba AC, Zioni F. O corpo da criança como receptáculo da violência física: análise dos dados epidemiológicos do Viva/Sinan. Saude Debate. 2022;46(Spe 5):193–207. doi: 10.1590/0103-11042022E516.
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Esta característica das notificações parece estar fortemente relacionada com os estereótipos de gênero, que influenciam a vulnerabilidade, a experiência e a denúncia de violência contra meninos e meninas.44 World Health Organization. INSPIRE: seven strategies for ending violence against children [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2023 July 27]. 108 p. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565356.
https://www.who.int/publications/i/item/...
,2828 Fry D, Padilla K, Germanio A, Lu M, Ivatury S, Vindrola S. Violence against children in Latin America and the Caribbean 2015-2021: a systematic review [Internet]. Cidade do Panamá: Escritório Regional para a América Latina e Caribe do Fundo das Nações Unidas para a Infância; 2021 [cited 2022 Sep 18]. 24 p. Available from: https://www.unicef.org/lac/media/29036/file/Violence-against-children-in-Latin-America-and-the-Caribbean-2015-2021.pdf.
https://www.unicef.org/lac/media/29036/f...
No entanto, o presente estudo observou que as vítimas do sexo feminino apresentaram as taxas iniciais e finais mais elevadas, não apenas para violência sexual e psicológica, mas também para violência física, sendo que crianças do sexo masculino obtiveram as taxas mais elevadas de notificação de negligência. Além disso, neste estudo, a VPA positiva foi estatisticamente significativa para ambos os sexos. Este resultado é corroborado por estudos prévios, que também observaram aumentos significativos nas notificações de violência sexual entre meninos e meninas, reforçando a necessidade de direcionamento de campanhas de prevenção das violências contra meninas e meninos.1919 Lemos AQ, Costa SC, Nascimento NG, Cristo GS, Constante FC, Sousa JDC, et al. Prevalence of child sexual violence in Brazil in the period 2010-2018: an ecological study. J Health Sci. 2021;23(4):334-8. doi: 10.17921/2447-8938.2021v23n4p334-338.
https://doi.org/10.17921/2447-8938.2021v...
,2020 Silva PA, Algeri S, Silva MP, Corrêa ML, Nunes MPR. Profile of notification sexual violence against boys, SINAN 2009-2017, Brazil. RSD. 2021;10(2):e29910212509. doi: 10.33448/rsd-v10i2.12509.
https://doi.org/10.33448/rsd-v10i2.12509...

Para além das conclusões deste estudo, é essencial destacar suas fragilidades. Em primeiro lugar, cumpre mencionar a possibilidade de subnotificação de episódios violentos contra crianças. É sempre importante ter em mente que o quantitativo de ocorrências de violência captadas pelo sistema de saúde compõe-se, principalmente, de casos que, de alguma forma, necessitam de cuidados com a saúde física ou mental, pois, frequentemente, trata-se de casos recorrentes.22 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2002 [cited 2022 Feb 17]. 360 p. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/42495/9241545615_eng.pdf.
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
,1515 Assis SG, Avanci JQ, Pesce RP, Pires TO, Gomes DL. Notificações de violência doméstica, sexual e outras violências contra crianças no Brasil. Cien Saude Colet. 2012;17(9):2305-17. doi: 10.1590/S1413-81232012000900012.
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201200...
Em segundo lugar, não foi avaliada a completude dos registros dos dados utilizados, a potencial duplicidade de registro e a análise concomitante com outras bases de dados (ou seja, registros da Polícia e dos serviços de proteção infantil) que pudessem ampliar a precisão sobre as tendências nacionais crescentes dessas violências. Portanto, os resultados desta pesquisa merecem ser interpretados com cautela, uma vez que as tendências crescentes observadas podem ser consequência (i) do aumento real dos casos, (ii) da melhor interpretação dos casos e aumento das notificações pelos profissionais de saúde, ou ainda, (iii) da combinação de ambos. Por fim, análises foram realizadas exclusivamente para sexo e macrorregião nacional; outras características, como raça/cor da pele e etnia, não foram incluídas devido à massiva presença de dados em branco ou ignorados – o que prejudica a análise e interpretação interseccional de resultados.

Os pontos fortes deste estudo, por sua vez, incluem a avaliação da série temporal de nove anos de notificações de maus-tratos infantis no Brasil, o que torna este estudo relevante para a compreensão inicial do padrão de notificações após quase uma década da obrigatoriedade de notificação pelos serviços de saúde públicos e privados. Adicionalmente, estudos desenvolvidos com dados coletados na rotina dos serviços de saúde são extremamente úteis, no sentido de fomentar políticas de planejamento e monitorização, para romper o ciclo da violência contra crianças. Considerando-se todos os efeitos deletérios que a exposição à violência tem sobre a vida dos indivíduos, a notificação da violência contra crianças e adolescentes faz parte dos cuidados abrangentes às vítimas e constitui uma responsabilidade legal, moral, ética e humanitária dos profissionais e gestores das unidades de saúde.11 World Health Organization. Report of the Consultation on Child Abuse Prevention, WHO, Geneva, 29-31 March 1999 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 1999 [cited 2022 Mar 25]. 54 p. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/65900.
https://apps.who.int/iris/handle/10665/6...
,44 World Health Organization. INSPIRE: seven strategies for ending violence against children [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2016 [cited 2023 July 27]. 108 p. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565356.
https://www.who.int/publications/i/item/...
,99 Brasil. Casa Cívil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 1990 Jul 16 [citado 2022 Jun 30], Seção 1:13563. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069...

Em conclusão, este estudo demonstrou que as notificações de violência física, violência sexual, violência psicológica e negligência contra crianças apresentaram tendências crescentes no Brasil, entre 2011 e 2019. As taxas de notificação mais elevadas foram observadas para negligência; com exceção da região Norte, que, em 2019, referiu a maior taxa para notificações de violência sexual. As macrorregiões Nordeste e Sudeste apresentaram tendência crescente para todos os tipos de violências analisados. As notificações de violência sexual obtiveram tendências crescentes, nas cinco grandes regiões brasileiras. Finalmente, foram observados aumentos estatisticamente significativos na variação percentual anual das taxas de notificação para todos os tipos de violências praticadas contra crianças no Brasil.

  • FINANCIAMENTO
    O estudo contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Ministério da Educação (Capes/MEC) – código de financiamento 001. As autoras Letícia Regina Morello Sartori e Sarah Arangurem Karam receberam bolsas Capes de doutorado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2023
  • Aceito
    11 Set 2023
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
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