Deficiências, condições de saúde e comportamentos de risco à saúde: ocorrência e associações, na Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019

Marina Carvalho Arruda Barreto Bárbara Bruna Rodrigues de Oliveira Ileana Pitombeira Gomes Mayra Solange Lopes de Vasconcelos Nayranne Hivina Carvalho Tavares Shamyr Sulyvan de Castro Larissa Fortunato Araújo Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Analisar a associação de deficiências visual, auditiva, mental/intelectual, física e deficiência múltipla com as condições e comportamentos de risco à saúde no Brasil.

Métodos

Estudo transversal, utilizando-se dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019; associações entre deficiências e presença de doença cardiovascular (DCV), hipertensão arterial, diabetes mellitus (DM), colesterol alto, consumo abusivo de álcool e tabagismo foram estimados por regressão logística, obtendo-se a razão de chances (RC).

Resultados

Dos 90.846 participantes, 7,6% reportaram deficiência. Ter deficiência associou-se a maiores chances de relatar condições crônicas, especialmente DCV (RC = 2,11; IC95% 1,76;2,54) e DM (RC = 1,78; IC95% 1,56;2,02); deficiência visual associou-se a maior chance de tabagismo (RC = 1,52; IC95% 1,28;1,81); deficiência mental/intelectual apresentou relação inversa com tabagismo (RC = 0,45; IC95% 0,30;0,67) e consumo abusivo de álcool (RC = 0,13; IC95% 0,06;0,26).

Conclusão

Apresentar alguma das deficiências estudadas pode-se associar a maiores chances de ter condições crônicas de saúde.

Palavras-chave
Pessoas com Deficiência; Doença Crônica; Comportamentos de Risco à Saúde; Estudos Transversais

Contribuições do estudo

Principais resultados

Identificou-se associação positiva entre ter uma ou mais deficiências e condições e comportamentos de risco à saúde. Quanto maior a prevalência de deficiências mental/intelectual, física e múltipla, menor o consumo abusivo de álcool e o tabagismo.

Implicações para os serviços

Por se tratar de população vulnerável a condições crônicas de saúde, os serviços necessitam de estratégias de redução de barreiras ao acesso, e de ações de promoção da saúde, como a educação em saúde, adaptadas às pessoas com deficiência.

Perspectivas

Tópicos para estudos futuros, que contemplem a relação inversa de deficiências com o consumo abusivo de álcool e o tabagismo, além de atuação na rede causal, para prevenir condições de saúde e comportamentos de risco.

Palavras-chave
Pessoas com Deficiência; Doença Crônica; Comportamentos de Risco à Saúde; Estudos Transversais

INTRODUÇÃO

Em 2019, aproximadamente 1,5 bilhão de pessoas no mundo conviviam com algum tipo de deficiência, segundo dados de, principalmente, países de baixa e média renda como o Brasil.11 Kuper H, Heydt P. The missing billion: access to health services for 1 billion people with disabilities [Internet]. London: London School of Hygiene & Tropical Medicine; 2020 [cited 2023 07 15]. 28 p. Available from: https://www.lshtm.ac.uk/research/centres/international-centre-evidence-disability/missing-billion.
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Adicionalmente, pessoas com deficiência, em geral, têm maiores níveis de pobreza e exclusão social, o que as torna ainda mais vulneráveis a problemas de saúde. Deficiências podem implicar menor acesso aos serviços de saúde, pois, muitas vezes, esses serviços apresentam barreiras de acessibilidade física e de comunicação associadas ao estigma, enfrentado por essa parcela da população.22 World Health Organization. Global report on health equity for persons with disabilities. Geneva: World Health Organization; 2022. 312 p.

Pessoas com deficiências física e mental apresentam maior dificuldade na adoção de comportamentos promotores de saúde;33 Carroll DD, Courtney-Long EA, Stevens AC, Sloan ML, Lullo C, Visser SN, et al. Vital signs: disability and physical activity--United States, 2009-2012. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2014;63(18):407-13.,44 Zhou Q, Glasgow NJ, Du W. Health-related lifestyles and obesity among adults with and without disability in Australia: Implication for mental health care. Disabil Health J. 2019;12(1):106-13. doi: 10.1016/j.dhjo.2018.08.007.
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por exemplo, tais condições podem gerar dificuldades na compra de alimentos, impactando suas escolhas alimentares,55 Pinto LS. Determinantes da escolha alimentar em cidadãos com deficiência visual: um estudo exploratório do processo de compra e acessibilidade a serviços e bens de consumo [dissertação]. Porto: Universidade do Porto; Faculdade de Ciências, Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação; 2021. além de dificuldades para a prática de atividades físicas, devido a barreiras ambientais e condições específicas dos indivíduos.44 Zhou Q, Glasgow NJ, Du W. Health-related lifestyles and obesity among adults with and without disability in Australia: Implication for mental health care. Disabil Health J. 2019;12(1):106-13. doi: 10.1016/j.dhjo.2018.08.007.
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Estudo realizado nos Estados Unidos, entre 2002 e 2010, mostrou que pessoas com deficiências físicas e mentais seriam mais propensas ao abuso de substâncias de todo tipo, incluindo bebida alcoólica e tabaco.66 Glazier RE, Kling RN. Recent trends in substance abuse among persons with disabilities compared to that of persons without disabilities. Disabil Health J. 2013;6(2):107-15. doi: 10.1016/j.dhjo.2013.01.007.
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Nesse sentido, a adoção de comportamentos de risco – uso dessas substâncias – poderia contribuir para o aumento de condições crônicas de saúde.22 World Health Organization. Global report on health equity for persons with disabilities. Geneva: World Health Organization; 2022. 312 p.,33 Carroll DD, Courtney-Long EA, Stevens AC, Sloan ML, Lullo C, Visser SN, et al. Vital signs: disability and physical activity--United States, 2009-2012. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2014;63(18):407-13.,77 Dixon-Ibarra A, Horner-Johnson W. Disability status as an antecedent to chronic conditions: National Health Interview Survey, 2006-2012. Prev Chronic Dis. 2014;11:130251. doi: 10.5888/pcd11.130251.
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A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência preconiza o direito a um padrão de vida adequado e proteção social às pessoas com deficiência.88 United Nations Human Rights Office of the High Commissioner. The Convention on the n the Rights of Persons with Disabilities; 2006 Dec 13; New York, NY. Geneva: United Nations Human Rights Office of the High Commissioner; 2006. Embora seja mais comumente analisado o impacto das doenças crônicas na ocorrência de deficiências, a relação inversa vem sendo cada vez mais estudada, tendo por base mecanismos sociais de produção de eventos adversos à saúde em pessoas com deficiência.99 Gary-Webb TL, Suglia SF, Tehranifar P. Social epidemiology of diabetes and associated conditions. Curr Diab Rep. 2013;13(6):850-9. doi: 10.1007/s11892-013-0427-3.
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São escassos os estudos que investigam a associação da presença de deficiência(s) e sua múltipla ocorrência com comportamentos não saudáveis.44 Zhou Q, Glasgow NJ, Du W. Health-related lifestyles and obesity among adults with and without disability in Australia: Implication for mental health care. Disabil Health J. 2019;12(1):106-13. doi: 10.1016/j.dhjo.2018.08.007.
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Entretanto, os trabalhos encontrados foram realizados em países desenvolvidos;44 Zhou Q, Glasgow NJ, Du W. Health-related lifestyles and obesity among adults with and without disability in Australia: Implication for mental health care. Disabil Health J. 2019;12(1):106-13. doi: 10.1016/j.dhjo.2018.08.007.
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,66 Glazier RE, Kling RN. Recent trends in substance abuse among persons with disabilities compared to that of persons without disabilities. Disabil Health J. 2013;6(2):107-15. doi: 10.1016/j.dhjo.2013.01.007.
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em um deles, os Estados Unidos, com dados da pesquisa nacional sobre uso de drogas e saúde, entre 2002 e 2010, investigou-se a presença de deficiências, sem discriminar o tipo, e a presença de múltiplas deficiências, juntamente com a ocorrência de tabagismo, consumo abusivo de álcool e outras drogas. Outro estudo, este conduzido na população australiana, com dados da pesquisa nacional de saúde de 2015, investigou a relação entre as deficiências física, visual, auditiva e mental; porém, sem avaliar a presença simultânea entre esses eventos e o consumo abusivo de álcool, tabagismo, prática de atividade física e obesidade. A conclusão, de ambas as pesquisas, foi de que pessoas com deficiência são mais propensas a comportamentos não saudáveis.44 Zhou Q, Glasgow NJ, Du W. Health-related lifestyles and obesity among adults with and without disability in Australia: Implication for mental health care. Disabil Health J. 2019;12(1):106-13. doi: 10.1016/j.dhjo.2018.08.007.
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,66 Glazier RE, Kling RN. Recent trends in substance abuse among persons with disabilities compared to that of persons without disabilities. Disabil Health J. 2013;6(2):107-15. doi: 10.1016/j.dhjo.2013.01.007.
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Entender a associação das diferentes deficiências com as condições crônicas e os comportamentos de risco à saúde oferece um arcabouço de informações essenciais para o gerenciamento de serviços de saúde, inclusive para a discussão de possíveis falhas no oferecimento e garantia de acesso a serviços e informações em saúde. O estudo dessa possível associação auxilia na compreensão de qual perfil populacional mais necessite atenção, partindo-se do pressuposto da equidade na assistência à saúde e da busca permanente por melhor qualidade de vida e longevidade para a população.

O objetivo deste estudo foi analisar a associação entre deficiências visual, auditiva, física, mental ou intelectual, e múltipla, com condições e comportamentos de risco à saúde.

MÉTODOS

Estudo transversal, utilizando-se dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) em sua edição de 2019, conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Ministério da Saúde e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNS – Pesquisa Nacional de Saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019 [citado 2023 07 15]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=resultados.
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Foram investigadas pessoas na idade de 15 anos ou mais.1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNS – Pesquisa Nacional de Saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019 [citado 2023 07 15]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=resultados.
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A PNS adota um plano amostral complexo, originado de uma amostra mestra, constituída de um plano traçado por conglomerados, em três estágios de seleção, abrangendo todo o território nacional. A descrição detalhada da metodologia de definição da amostragem da PNS/2019 e o desenho do estudo encontram-se em publicação específica.1111 Stopa SR, Szwarcwald CL, Oliveira MM, Gouvea ECDP, Vieira MLFP, Freitas MPS, et al. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: histórico, métodos e perspectivas. Epidemiol Serv Saude. 2020;29(5):e2020315. doi: 10.1590/s1679-49742020000500004.
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Foram coletados dados em 94.114 domicílios, com taxa de resposta de 96,5%. Os critérios de inclusão foram: ter idade de 18 anos ou mais, contar com informações sociodemográficas e informações sobre ocorrência de deficiências, estilo de vida, doenças e condições crônicas de saúde. Foram excluídos da análise os participantes com idade inferior a 18 anos; e os que autorreferiram raça/cor da pele indígena, conforme recomendação do IBGE, uma vez que a este contingente corresponde a um pequeno número de observações, com elevado coeficiente de variação. Finalmente, a população do estudo foi composta de 90.846 participantes. O banco de dados da PNS, de acesso livre, encontra-se no site do IBGE [https://www.ibge.gov.br (acesso em 18 de novembro de 2022)].1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNS – Pesquisa Nacional de Saúde [Internet]. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019 [citado 2023 07 15]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=resultados.
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Os desfechos em estudo foram doença cardiovascular (DCV), hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), colesterol alto, consumo abusivo de álcool e tabagismo, cujas informações foram obtidas mediante perguntas feitas diretamente aos participantes:

  1. a) Algum médico já lhe deu o diagnóstico de uma doença do coração, tal como infarto, angina, insuficiência cardíaca ou outra?;

  2. b) Algum médico já lhe deu o diagnóstico de hipertensão arterial (pressão alta)? (desconsiderando-se a hipertensão gestacional);

  3. c) Algum médico já lhe deu o diagnóstico de diabetes? (desconsiderando-se o diabetes gestacional);

  4. d) Algum médico já lhe deu o diagnóstico de colesterol alto? [módulo Q (Doenças crônicas)]; e

  5. e) os últimos trinta dias, o(a) Sr(a). chegou a consumir cinco ou mais doses de bebidas alcoólicas em uma única ocasião? (uma dose de bebida alcoólica equivale a uma lata de cerveja, uma taça de vinho, uma dose de cachaça, uísque ou qualquer outra bebida alcoólica destilada) e Atualmente, o(a) Sr(a). fuma algum produto do tabaco? [módulo P (Estilos de vida)].

Todas essas questões tinham como opção de resposta “sim” ou “não”.

As variáveis de exposição foram a presença de deficiências visual, auditiva, física, mental/intelectual e múltipla – “sim” ou “não” –, obtidas mediante as seguintes perguntas:

  1. a) Tem dificuldade permanente de ouvir, mesmo usando aparelhos auditivos? e Tem dificuldade permanente de ouvir? (para deficiência auditiva);

  2. b) em dificuldade permanente de enxergar, mesmo usando óculos, lentes de contato ou lupas? e Tem dificuldade permanente de enxergar? (para deficiência visual);

  3. c) Tem dificuldade permanente de caminhar ou subir degraus, mesmo usando prótese, bengala ou outro aparelho de auxílio?, Tem dificuldade permanente de caminhar ou subir degraus?, Tem dificuldade permanente de levantar uma garrafa com dois litros de água, da cintura até a altura dos olhos? e Tem dificuldade permanente para pegar objetos pequenos, como botões e lápis, ou abrir e fechar recipientes ou garrafas? (para deficiência física, considerando-se a deficiência de membros superiores e/ou inferiores); e

  4. d) Por causa de alguma limitação nas funções mentais ou intelectuais, tem dificuldade permanente para realizar atividades habituais, como se comunicar, realizar cuidados pessoais, trabalhar, ir à escola, brincar etc.? (para deficiência mental/intelectual) [bloco G (Pessoas com deficiências)].

A variável de exposição “deficiência múltipla” foi considerada quando o indivíduo apresentava duas ou mais deficiências (visual, auditiva, física; mental ou intelectual).1212 Malta DC, Bernal RTI, Prates EJS, Vasconcelos NM, Gomes CS, Stopa SR, et al. Hipertensão arterial autorreferida, uso de serviços de saúde e orientações para o cuidado para o cuidado na população brasileira: Pesquisa Nacional de Saúde, 2019. Epidemiol Serv Saude. 2022;31(Spe 1):e2021369. doi: 10.1590/SS2237-9622202200012.especial.
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Por estarem relacionadas, tanto com as exposições como com os desfechos, foram consideradas as seguintes variáveis para os ajustes:

  1. a) idade (em anos completos: 18 a 24; 25 a 34; 35 a 44; 45 a 54; 55 a 64; 65 ou mais);

  2. b) sexo (masculino; feminino);

  3. c) raça/cor da pele (branca; parda; preta; amarela);

  4. d) nível de escolaridade (ensino superior completo; ensino médio completo; ensino fundamental completo; ensino fundamental incompleto);

  5. e) renda [em salários mínimos (SM): mais de 5 SMs, 3 a 5 SMs, > 1 a 2 SMs, > ½ a 1 SM, > ¼ a ½ SM, até ¼ de SM];

  6. f) macrorregião do Brasil (Sudeste; Sul; CentroOeste; Nordeste; Norte);

  7. g) zona de moradia (rural; urbana);

  8. h) visita de um agente comunitário de saúde (ACS) ou equipe de Saúde da Família (eSF) nos últimos 12 meses (nunca; 1 vez; 2 a 4 vezes; a cada 2 meses; mensalmente); e

  9. i) posse de plano de saúde (não; sim).

As características da população foram apresentadas por meio de médias ou frequências, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). As prevalências e os IC95% das condições e comportamentos de risco à saúde foram descritas conforme a presença de deficiência visual, auditiva, física (membros superiores e/ou inferiores), mental ou intelectual, e deficiência múltipla. As magnitudes das associações entre os tipos de deficiências, bem como a ocorrência de uma ou mais deficiências simultaneamente, e as condições e comportamentos de risco à saúde foram estimadas por regressão logística, obtendo-se como medida de efeito a razão de chances (RC) e seus respectivos IC95%, com nível de significância de 5%.

A análise multivariável das associações realizou-se sobre modelo hierarquizado, organizado em três blocos de ajustamentos sequenciais, a saber:

  1. a) no primeiro modelo, foram incluídas as variáveis de aspectos sociais, tais como idade, raça/cor da pele e sexo – nível proximal;

  2. b) o segundo modelo foi ajustado por variáveis demográficas, como escolaridade, renda, macrorregião do país e zona de moradia – nível intermediário; e

  3. c) no terceiro modelo, as duas variáveis, relacionadas à saúde, foram a visita de um ACS ou eSP nos últimos 12 meses e a posse de plano de saúde – nível distal (Figura 1).

Figura 1
Modelo hierárquico dos ajustamentos entre as associações das deficiências e condições e comportamentos de risco à saúde, Pesquisa Nacional da Saúde, Brasil, 2019

As análises foram ajustadas de acordo com esses níveis, adotando-se um nível de significância de 5%.

A adequação dos modelos multivariáveis foi estimada pelo teste de Hosmer e Lemeshow. As análises estatísticas foram realizadas com o aplicativo Stata 15.0 (Stata Corporation, College Station, Estados Unidos), sendo considerados os efeitos de amostragem complexos mediante o comando survey.

O projeto da PNS 2019 foi encaminhado à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, do Conselho Nacional de Saúde (CONEP/CNS), sendo aprovado sob o Parecer n° 3.529.376, emitido em 23 de agosto de 2019.

RESULTADOS

Dos 94.114 participantes elegíveis para o estudo, 90.846 compuseram a amostra final. As perdas corresponderam a 3,5%, que não atendiam aos critérios de inclusão. Na Tabela 1, são apresentadas as características da população estudada. Observou-se maior proporção de pessoas na faixa etária de 35 a 44 anos (20,5%), sexo feminino (53,0%), raça/cor da pele parda (44,4%) e grau de escolaridade equivalente ao ensino fundamental incompleto (34,3%). Ainda, 29,2% relataram receber de ½ a 1 salário-mínimo mensalmente; a maior parte dos entrevistados (85,9%) residiam na zona urbana e 43,1% viviam na macrorregião Sudeste (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas, clínicas e da presença de deficiência na população de estudo (N = 90.846), Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019

Entre as condições de saúde avaliadas, 24,7% (IC95% 24,2;25,2) dos participantes relataram ter HAS, 8,2% (IC95% 7,9;8,5) DM, 15,3% (IC95% 14,8;15,7) colesterol alto e 5,0% (IC95% 4,8;5,3) DCV. Com relação aos comportamentos de risco à saúde, 12,1% (IC95% 11,7;12,5) eram fumantes e 16,5% (IC95% 16,1;17,0) relataram consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Sobre o acesso aos serviços de saúde, 37,9% (IC95% 36,9;38,9) afirmaram receber visita de um ACS ou membro da equipe de Saúde da Família mensalmente e 73,5% (IC95% 72,6;74,2) não possuíam plano de saúde (Tabela 1).

Com relação às deficiências, 1,3% (IC95% 1,1;1,4) relatou ter deficiência auditiva, 4,0% (IC95% 3,8;4,2) relataram ter deficiência visual, 5,7% (IC95% 5,5;6,0) deficiência física e 1,0% (IC95% 0,8;1,1) referiu deficiência mental/intelectual. De todas as pessoas com deficiência estudadas, 7,6% (IC95% 7,2;7,8) relataram apenas um tipo de deficiência; e 2,1% (IC95% 1,9;2,2), duas ou mais deficiências simultaneamente (Tabela 1).

A Tabela 2 descreve as condições e comportamentos de risco à saúde entre aqueles que relataram ter deficiência. Em todos os tipos de deficiência, a HAS, seguida do colesterol alto, foram as condições crônicas de saúde com as maiores prevalências, destacando-se a deficiência física [HAS = 58,4% (IC95% 56,2;60,6) e o colesterol alto, 32,4% (IC95% 30,2;34,6)]. Já o consumo abusivo de álcool e o tabagismo apresentam menores prevalências, particularmente entre aqueles com deficiência mental/intelectual [consumo abusivo de álcool = 1,7% (IC95% 0,9;2,9) e os praticantes do tabagismo = 7,5% (IC95% 5,5;10,3)]. Observou-se maior prevalência das condições de saúde e menor dos comportamentos de risco entre aqueles que reportaram mais de uma deficiência, comparados àqueles com apenas uma deficiência.

Tabela 2
Prevalência das condições e comportamentos de risco a saúde segundo as formas de deficiência visual, auditiva, física (membros superiores e/ou inferiores), mental/intelectual e deficiência múltipla na população de estudo (N = 90.846), Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019

A Tabela 3 apresenta as associações entre os tipos de deficiências e as condições e comportamentos de risco à saúde. Após ajustes sequenciais por sexo, idade, raça/cor da pele, escolaridade, renda, macrorregião nacional, zona rural/urbana e acesso a serviços de saúde, as pessoas com deficiência física apresentaram chances de 2,39 (IC95% 1,99;2,87), 1,78 (IC95% 1,56;2,03), 1,95 (IC95% 1,66;2,30) e 1,60 (IC95% 1,39;1,84) de ter DCV, HAS, DM e colesterol alto, respectivamente, quando comparadas àquelas que não tinham deficiência. Resultados semelhantes foram observados na deficiência visual e na presença de uma deficiência, ou de duas ou mais deficiências. A presença de deficiência mental/intelectual foi associada a menores chances de consumo abusivo de álcool (RC = 0,13; IC95% 0,06;0,26) e tabagismo (RC = 0,45; IC95% 0,30;0,67). Também foi encontrada menor chance de consumo abusivo de álcool na presença de deficiência física (RC = 0,48; IC95% 0,38;0,60) e deficiências múltiplas (RC = 0,44; IC95% 0,30;0,64).

Tabela 3
Associações entre as deficiências visual, auditiva, física (membros superiores e/ou inferiores), mental/intelectual e deficiência múltipla, com a ocorrência de condições e comportamentos de risco à saúde na população de estudo (N = 90.846), Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2019

DISCUSSÃO

Neste estudo, baseado em dados nacionais, foi possível observar que apresentar algum tipo de deficiência, como visual, auditiva, física, mental/intelectual, pode estar associado a maiores chances de ter DCV, HAS, DM e colesterol alto. Algumas magnitudes de associação tiveram maior força quando se apresentavam duas ou mais deficiências simultaneamente. Observou-se uma associação inversa entre presença de deficiências física, mental/intelectual e múltiplas, e tabagismo. Além disso, a presença das deficiências citadas anteriormente foi associada a menor chance de consumo abusivo de álcool.

Os resultados sugerem que pessoas com algum tipo de deficiência podem estar mais suscetíveis ao desenvolvimento de condições de saúde crônicas, comparadas àquelas sem deficiência. Estes achados reforçam o que se apresenta na Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência,1313 Ministério da Saúde (BR). Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. de que as deficiências podem se configurar como fatores de risco para o desenvolvimento de condições de saúde, e assim apontam para a necessidade de essas deficiências serem tratadas com políticas específicas.

As diferenças observadas neste estudo podem ser explicadas, em parte, por aspectos socioeconômicos relacionados às deficiências, uma vez que elas já foram associadas a menores níveis de escolaridade e taxas de emprego, menor renda e, consequentemente, acesso mais precário aos sistemas de saúde e a serviços de reabilitação, fatores importantes relacionados ao gerenciamento de boas condições de saúde.1414 Mitra S, Palmer M, Kim H, Mont D, Groce N. Extra costs of living with a disability: a review and agenda for research. Disabil Health J. 2017;10(4):475-84. doi: 10.1016/j.dhjo.2017.04.007.
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Além disso, fatores socioeconômicos têm sido apontados como relevantes na associação de deficiências físicas/sensórias com as condições de saúde, acarretando, ainda, aumento da exclusão social e estresse.22 World Health Organization. Global report on health equity for persons with disabilities. Geneva: World Health Organization; 2022. 312 p.,1515 Condessa AM, Giordani JMA, Neves M, Hugo FN, Hilgert JB. Barreiras e facilitadores à comunicação no atendimento de pessoas com deficiência sensorial na atenção primária à saúde: estudo multinível. Rev Bras Epidemiol. 2020;23:e200074. doi: 10.1590/1980-549720200074.
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Piores condições de vida também têm sido apontadas como associadas ao desenvolvimento de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais.1616 Melo SPSC, Cesse EÂP, Lira PIC, Rissin A, Cruz RSBLC, Batista Filho M. Doenças crônicas não transmissíveis e fatores associados em adultos numa área urbana de pobreza do nordeste brasileiro. Cien Saude Colet. 2019;24(8):3159-68. doi: 10.1590/1413-81232018248.30742017.
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Tal situação pode resultar na adoção de comportamentos prejudiciais à saúde, a exemplo do uso abusivo de drogas (tabaco, álcool) e consumo excessivo de alimentos com elevada densidade energética, fatores também relacionados ao desenvolvimento de condições crônicas de saúde.1616 Melo SPSC, Cesse EÂP, Lira PIC, Rissin A, Cruz RSBLC, Batista Filho M. Doenças crônicas não transmissíveis e fatores associados em adultos numa área urbana de pobreza do nordeste brasileiro. Cien Saude Colet. 2019;24(8):3159-68. doi: 10.1590/1413-81232018248.30742017.
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Estudo estadunidense, realizado com 465 participantes do departamento de psicologia da Universidade Estadual de Louisiana em 2019, identificou que a ansiedade é mais frequente em pessoas com deficiência visual do que na população geral.1717 Binder KW, Wrzesińska MA, Kocur J. Anxiety in persons with visual impairment. Psychiatr Pol. 2020;54(2):279–88. doi: 10.12740/PP/OnlineFirst/85408.
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Considerado isso, a ansiedade poderia ser um mediador entre essa deficiência e o tabagismo, uma vez que ela vem sendo relacionada ao uso do cigarro eletrônico e tabaco pela população geral.1818 Buckner JD, Abarno CN, Zvolensky MJ, Morris PE, Walukevich-Dienst K, Garey L, et al. E-cigarettes use prior to smoking combustible cigarettes among dual users: The roles of social anxiety and E-cigarette outcome expectancies. Addict Behav. 2021;117:106854. doi: 10.1016/j.addbeh.2021.106854.
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Algumas condições fisiológicas e subjacentes às próprias deficiências também poderiam exercer um importante papel na relação entre deficiências e maior chance de apresentar doença cardiovascular, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e colesterol alto. As limitações funcionais, de atividade e participação, nessa população, somadas às barreiras ambientais, podem provocar sedentarismo e, consequentemente, redução na taxa metabólica basal, balanço energético positivo e alterações na composição corporal, resultando em perda progressiva de massa muscular e aumento do tecido adiposo, além de maior risco para o desenvolvimento de condições crônicas de saúde.22 World Health Organization. Global report on health equity for persons with disabilities. Geneva: World Health Organization; 2022. 312 p.,1919 Abreu T, Friedman R, Fayh APT. Aspectos fisiopatológicos e avaliação do estado nutricional de indivíduos com deficiências físicas. Clin Biomed Res. 2011 [citado 2023 07 20];31(3):345-52. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/hcpa/article/view/17907.
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20 Buchholz AC, McGillivray CF, Pencharz PB. Differences in resting metabolic rate between paraplegic and able-bodied subjects are explained by differences in body composition. Am J Clin Nutr. 2003;77(2):371-8. doi: 10.1093/ajcn/77.2.371.
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-2121 Ginis KAM, van der Ploeg HP, Foster C, Lai B, McBride CB, Ng K, et al. Participation of people living with disabilities in physical activity: a global perspective. Lancet. 2021;398(10298):443-55. doi: 10.1016/S0140-6736(21)01164-8.
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Quando analisada a associação entre deficiências e consumo abusivo de álcool, percebe-se que a deficiência física e a deficiência mental/intelectual contribuem para a redução da chance de adotar esse comportamento. Estudos populacionais realizados nos Estados Unidos em 2011, e na Austrália em 2015, mostraram que pessoas com alguma deficiência eram menos propensas ao consumo abusivo de álcool.44 Zhou Q, Glasgow NJ, Du W. Health-related lifestyles and obesity among adults with and without disability in Australia: Implication for mental health care. Disabil Health J. 2019;12(1):106-13. doi: 10.1016/j.dhjo.2018.08.007.
https://doi.org/10.1016/j.dhjo.2018.08.0...
,66 Glazier RE, Kling RN. Recent trends in substance abuse among persons with disabilities compared to that of persons without disabilities. Disabil Health J. 2013;6(2):107-15. doi: 10.1016/j.dhjo.2013.01.007.
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Pode-se relacionar esse achado às limitações causadas pela deficiência, como a redução de mobilidade, em alguns casos, uma maior dependência de terceiros, e menor renda,1515 Condessa AM, Giordani JMA, Neves M, Hugo FN, Hilgert JB. Barreiras e facilitadores à comunicação no atendimento de pessoas com deficiência sensorial na atenção primária à saúde: estudo multinível. Rev Bras Epidemiol. 2020;23:e200074. doi: 10.1590/1980-549720200074.
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,2222 Banks LM, Kuper H, Polack S. Poverty and disability in low- and middle-income countries: a systematic review. PloS One. 2017;12(12):e0189996. doi: 10.1371/journal.pone.0189996.
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situações que acarretam menor possibilidade de adquirir a bebida alcoólica. Ademais, estudo realizado com dados do Inquérito Multicêntrico de Saúde no Estado de São Paulo (ISA-SP), de 2002, e do Inquérito de Saúde no Município de São Paulo (ISA-Capital), este realizado no ano seguinte, 2003,2323 Castro SS, Pelicioni AF, Cesar CLG, Carandina L, Barros MBA, Alves MCGP, et al. Uso de medicamentos por pessoas com deficiências em áreas do estado de São Paulo. Rev Saude Publica. 2010;44(4):601-10. doi: 10.1590/S0034-89102010000400003.
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identificou que pessoas com deficiência física consumiam 20% mais medicamentos do que pessoas sem deficiência; e que, entre esses medicamentos mais usados, estavam os diuréticos e analgésicos,2424 Hernandez JLF, Jimenez ML. Interacciones del alcohol etílico (etanol) con algunos medicamentos. RFM. 1983;3(3):147-50. com os quais o álcool poderia interagir. Sendo esse um possível fator de redução do consumo de álcool, novas pesquisas são bem-vindas no sentido de aprofundar o conhecimento sobre o tema.

As barreiras ambientais no acesso aos serviços de saúde também são algo a questionar, enquanto fator contributivo para a maior vulnerabilidade das condições de saúde de pessoas com deficiência, visto que a deficiência pode limitar o acesso e, assim, desfavorecer a busca por atendimento.1414 Mitra S, Palmer M, Kim H, Mont D, Groce N. Extra costs of living with a disability: a review and agenda for research. Disabil Health J. 2017;10(4):475-84. doi: 10.1016/j.dhjo.2017.04.007.
https://doi.org/10.1016/j.dhjo.2017.04.0...
,2222 Banks LM, Kuper H, Polack S. Poverty and disability in low- and middle-income countries: a systematic review. PloS One. 2017;12(12):e0189996. doi: 10.1371/journal.pone.0189996.
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,2525 Rotarou ES, Sakellariou D. Inequalities in access to health care for people with disabilities in Chile: the limits of universal health coverage. Crit Public Health. 2017;27(5):604–16. doi: 10.1080/09581596.2016.1275524.
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Um estudo elaborado no Chile, com dados da Pesquisa Nacional de Saúde, no ano de 2013, demonstrou que pessoas com deficiência física eram três vezes mais propensas a relatar dificuldades de locomoção para serem atendidas em serviços de saúde.2525 Rotarou ES, Sakellariou D. Inequalities in access to health care for people with disabilities in Chile: the limits of universal health coverage. Crit Public Health. 2017;27(5):604–16. doi: 10.1080/09581596.2016.1275524.
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No Brasil, uma pesquisa realizada em 38.811 unidades de saúde de 5.543 municípios, entre os anos de 2012 e 2013, mostrou que apenas 21% dos serviços contavam com profissionais para o acolhimento de usuários com deficiências sensoriais, e apenas 1% das unidades de saúde dispunham de recursos auditivos e material de apoio.1515 Condessa AM, Giordani JMA, Neves M, Hugo FN, Hilgert JB. Barreiras e facilitadores à comunicação no atendimento de pessoas com deficiência sensorial na atenção primária à saúde: estudo multinível. Rev Bras Epidemiol. 2020;23:e200074. doi: 10.1590/1980-549720200074.
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Dessa forma, a população com deficiência poderia encontrar dificuldades no acesso às informações em saúde, o que, também, contribuiria para maior vulnerabilidade, relativamente ao desenvolvimento de condições de saúde crônicas e adoção de comportamentos de risco à saúde.

O presente estudo apresenta algumas limitações. Entre elas, destaca-se a causalidade reversa, que não permite estabelecer relação causal entre exposições e desfechos; sendo assim, é possível que as condições de saúde investigadas tenham surgido temporalmente, antes da ocorrência das deficiências. Na edição de 2019 da PNS, não foram coletados dados a respeito da natureza da deficiência (congênita ou adquirida), o que poderia esclarecer a relação temporal entre as exposições e os desfechos avaliados. Acrescenta-se, ainda, o caráter das informações sobre as deficiências levantadas pela PNS, autorreferidas – fornecidas pelos próprios participantes –, o que poderia levar a distorções como subestimação ou superestimação, por compreensão inadequada das perguntas – especialmente, dos participantes com deficiência mental ou intelectual mais acentuada.

Apesar das limitações citadas, o estudo possui pontos fortes a serem considerados, com destaque para a investigação de múltiplas deficiências e sua relação simultânea, jogando luz sobre os possíveis impactos cumulativos dessas deficiências nos desfechos observados. Outrossim, foram analisados diversos desfechos, o que poderia auxiliar no melhor entendimento da relação entre deficiências, condições crônicas de saúde e comportamentos de risco. Vale ressaltar que, mesmo após ajuste por possíveis elementos confundidores, as associações encontradas persistem, o que indica robustez dos achados.

Como conclusão, deficiências mostraram-se associadas a um maior risco da presença de condições crônicas de saúde, possível resultado de falhas na acessibilidade a informações sobre saúde e acesso aos serviços. Associações positivas e negativas foram encontradas, no que se refere à adoção de comportamentos de risco à saúde, indicando que determinadas deficiências podem proteger do consumo abusivo de álcool e tabagismo. Assim, no sentido de alcançar maior equidade na atenção integral à saúde das pessoas com deficiência, é mister um olhar mais acurado para o controle e prevenção das condições de saúde crônicas e dos comportamentos de risco à saúde, visando a um envelhecimento saudável, com maior funcionalidade para a população com deficiência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Fev 2023
  • Aceito
    02 Out 2023
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E-mail: ress.svs@gmail.com