Painel sobre Intersetorialidade: entrevistas e debate com gestores de seis diferentes Ministérios do Governo Brasileiro

Panel on Intersectoriality: interviews and discussions with managers from six different Brazilian Government Ministries

Rodolfo Silva Ricardo Dutra Ana Paula Menezes Soter Maria do Socorro Mendes Gomes Ruranir Silva Ana Laura Lobato Sobre os autores

Este Painel foi realizado no Seminário Nacional de Promoção da Saúde em 15 e 16 de maio de 2014, em Brasília. Este Seminário foi organizado pelo Ministério da Saúde com o apoio da ABRASCO - GT Pró Rede de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável, OPAS e do Comitê Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde, onde foram apresentados os resultados da Revisão da Política Nacional de Promoção da Saúde.

Para ativar a discussão, foram propostas três questões para o diálogo entre os representantes de Governo e os participantes do Seminário:

1. Intersetorialidade: moda ou necessidade?

2. Que dificuldades você vem encontrando na sua implementação?

3. Você tem alguma experiência interessante de empreendimento intersetorial para nos contar? O diálogo foi mediado por Marco Akerman (Faculdade de Saúde Pública da USP e Coordenador do GT Pró Rede de Promoção da Saúde e Desenvolvimento Sustentável).

Ricardo Dutra - MDS

A intersetorialidade é uma necessidade dada à complexidade da nossa sociedade contemporânea. Dependendo do enfoque que damos a essa complexidade, este influencia a nossa forma de como vamos organizar as políticas públicas. Um exemplo, quando se fala em intersetorialidade no MDS, é interessante, porque somos por definição intersetorial. O Ministério foi montado na junção de diferentes áreas, segurança alimentar, assistência social e transferência de renda. A área de assistência social não era uma área intersetorial, mas estava diluída em outras áreas, estava na saúde, na previdência e educação. Então, a gente tem essa dupla característica da intersetorialidade, e fizemos o enfrentamento dela. E o aprendizado que temos internamente é muito rico. A aproximação da assistência social com transferência de renda tem sido um aprendizado grande. A partir dessa ação conjunta, a gente, agora, qualifica mais ainda a nossa relação com outros setores. É importante a relação que temos hoje com a saúde no sentido, por exemplo, de qualificar a relação da condicionalidade de saúde. Era um elemento que antes tinha aspectos burocráticos. Hoje, nossa relação com a condicionalidade dentro do Ministério e para fora é muito relacionada com a questão da vigilância sócio assistencial, é em si totalmente vinculada dentro da ação no território, e onde temos parcerias não só com a saúde, mas também com a educação, com o sistema de garantia de direitos. Tudo isso faz com que conheçamos a intersetorialidade como necessidade e que precisa seguir sendo construída no dia a dia. Mas já temos pontos de sucesso e, ao mesmo tempo, temos desafios para enfrentarmos conjuntamente.

Rodolfo Silva - MEC

Temos tido grande sucesso na parceria com o Ministério da Saúde, na expansão das políticas de formação de profissionais de saúde para o SUS. Em Medicina, estamos conseguindo interiorizar o SUS nas principais regiões do Brasil, de acordo com suas necessidades. Nesta semana, o Ministério da Educação autorizou o aumento de 480 vagas de cursos de Medicina no interior do país. E essa definição dos cursos e sua autorização para funcionar estiveram sempre condicionadas ao projeto pedagógico do curso estar em consonância com os princípios e diretrizes do SUS.

Ruranir Silva - Políticas para as Mulheres

É possível trabalhar políticas para as mulheres de forma isolada? Não existe esta possibilidade! Nós da Secretaria de Políticas das Mulheres temos de trabalhar com todos os órgãos do governo. Só existimos porque trabalhamos intersetorialmente, pois as mulheres estão na saúde, na educação, necessitam de todas as políticas. É necessário, e não tem como trabalhar sem a intersetorialidade, que é moda, mas a necessidade é maio, pois vamos trabalhar para a maioria da população brasileira que somos nós mulheres. Temos um plano de políticas para mulheres, trabalhado com todos os órgãos do governo, propostas para educação, saúde, empoderamento das mulheres e combate à violência. Temos trabalhado muito com outros ministérios, principalmente saúde e justiça.

Fala de Participante do Seminário

Meu nome é Marco Antônio, sou da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, atuo na divisão de doenças crônicas, onde fica a área de promoção da saúde. Eu concordo com a Ruranir, é uma necessidade cada vez mais premente e temos que fazer virar moda. Um exemplo da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, o projeto "Vida no Trânsito", que vem através de suas ações trazendo a cultura da paz, ativada por uma comissão intersetorial envolvendo a saúde, secretaria da segurança, Detran, entre vários outros órgãos. Isso tem sido um enorme desafio para nós. Estou dando apenas um exemplo, mas eu poderia pontuar outros em que há uma necessidade premente de expandir a ação intersetorial, mas temos muitas dificuldades em envolver todos os setores relevantes de maneira continuada. Eles acham que é impossível se articular e elencam uma série de razões. Cada vez mais tentamos mostrar a necessidade que a gente tem de trabalhar conjuntamente para praticar a cultura da paz, por exemplo.

Fala de Participante do Seminário

Eu sou Ricardo Varga, do Conselho Estadual de Saúde de Tocantins. Não sei se sairei do assunto, mas não estamos dialogando com quem realmente precisa. Cadê o empregador? O agricultor? Temos aqui algum fazendeiro que usa agrotóxico? Cadê aquele que produz a doença? Vamos, ou não, dialogar com o empresário, com agricultor, com o agronegócio? A maioria aqui é de funcionários públicos, e controle social, e precisamos entender se a merenda escolar está sendo comprada realmente do pequeno agricultor. A merenda escolar é um programa muito bom da escola, mas a merenda não é saudável, pelo menos a de Tocantins. Assim, também, quem está doente na escola, quem é? É o aluno? É o professor? Mas não se age. Estou chegando das conferências territoriais da saúde do trabalhador e da trabalhadora, estou muito preocupado com isso, não se conversa com eles. O dia em que vier aqui o fazendeiro, os empresários e os construtores, que deixam doentes os consumidores, ai teremos realmente uma resolutividade e uma ação intersetorial mais forte.

Fala de Participante do Seminário

José Rodrigues, Amazonas, Conselho Estadual de Saúde. Discordo do que vem sendo dito até agora. Para mim, intersetorialidade não é nem moda e nem necessidade, é um dever do estado brasileiro na governança das políticas públicas.

Ana Paula Menezes Soter – MS

Vou começar trocando ideia com o último companheiro que falou. Também acho que é dever do estado, mas às vezes não basta o apelo da lei nem da constituição e nem do papel para que as coisas do mundo real aconteçam. É importante que a gente, ao começar a construir consensos, possa transformar em moda, que possa estar em todos os espaços de debate, desde a mesa de bar, casa da vizinha etc. Não temos dúvida, de que é a necessidade quem deva pautar essa questão da intersetorialidade, mas se ela não virar moda, teremos dificuldade que, efetivamente, aconteça. Minha filha trabalha com moda, ela é designer de moda e efetivamente discute a questão da intersetorialidade e da sustentabilidade em moda, pois está começando a virar moda a preocupação com o pequeno produtor, com a saúde do trabalhador, e, também, com a saúde do consumidor, para que ele possa olhar criticamente tudo o que consome. E isto tem tudo a ver com intersetorialidade. Na saúde, também, estamos discutindo isto como um problema complexo, sempre com abordagem além dos saberes exclusivos que orientam o setor saúde. Em 1993, quando estava na Secretaria de Saúde de Olinda, quando substitui o secretário Jarbas Barbosa, ele fez um estudo no mestrado das diferenças urbanas, mapeando Olinda em cinco estratos sociais, relacionados com mortalidade infantil, mortalidade materna e outros indicadores. Este mapa foi utilizado pelo prefeito que pautou toda sua orientação de aplicação de recursos do município, para educação, saúde, para implantação das equipes de saúde da família, orçamento participativo, etc. Foi importante que se pôde, a partir desse olhar, trabalhar experiências intersetoriais. Outra experiência recente foi quando trabalhamos a questão, no estado de Pernambuco: a violência, as "áreas vermelhas" de violência orientaram também a questão dentro do monitoramento, dentro do SAMU, isso interferiu muito. Não conseguimos diminuir a violência, mas se diminuiu a morte pela violência, o SAMU estava vinculado a essas áreas vermelhas, boas experiências da intersetorialidade.

Maria do Socorro Gomes - Casa Civil

Eu estava pensando na moda, no sentido de que todos usem, de que todos façam uso da intersetorialidade. Nesse sentido cabe sim como moda, que seja de um figurino que todos usem sempre, um preto básico, um branco que satisfaz, aquela coisa que ninguém vai abrir mão daquela peça. Eu penso que, também para além de necessidade ou mesmo de dever do estado, eu colocaria como exigência da política pública, porque não tem hoje um único saber que dê conta do grau de complexidade que temos. Infelizmente, ai entra o primeiro desafio que é enorme, o das nossas formações. A gente é formada para ser cada um no seu quadrado. Já nas universidades e faculdades vem com essa coisa carimbada, o seu saber é carimbado com ofício, que define uma linha de poder dentro das instituições que a gente ocupa. Nesse sentido há o grande desafio que se coloca hoje na intersetorialidade também no campo da burocracia. É uma luta, em alguns lugares é motivo de desistência, há uma dificuldade agregada, a necessidade que teremos de fazer exercícios de ir ao limite do que a lei permite e talvez até mudar a lei, se necessário for, para que consigamos garantir esses espaços de intersetorialidade como realmente espaços de empoderamento. A sociedade se complexificou muito e o trabalho interdisciplinar é um imperativo, em combinação com mundo da informação e a agilidade que precisa ser dada para se buscar soluções para os problemas. E não esquecer a máxima que não existem soluções simples para problemas complexos. A interdisciplinaridade é o dispositivo para garantir que essa solução se dê de forma mais ampla.

Ana Laura Lobato - Juventude

Concordo com boa parte do que foi dito até agora, que é uma necessidade, mas que também é moda, por que virou necessidade e a gente tem debatido em diferentes espaços, como de fato podemos operacionalizar isso. Um desafio para todas as instituições: não só a sociedade se complexificou, mas o modo como vemos o problema público para dar uma resposta política também se complexificou. No nosso caso particular, uma mudança no modo como as políticas públicas são vistas. A gente tinha um cenário com conjuntura política de que a gente resolvia problemas pensando em termos locais, macro política e macro economia. Hoje, transitamos, eu e a Ruranir, em políticas específicas em torno de sujeitos, mulheres e jovens. E não há qualquer possibilidade em não pensar o sujeito jovem de modo que não seja intersetorial, como não há um modo de pensar a questão da mulher, que não seja de modo intersetorial. As políticas para jovens e mulheres nascem com a natureza de serem políticas intersetoriais.

Fala de participante do Seminário

Meu nome é Marlene Carvalho, sou da Secretaria da Saúde da Bahia, eu vou voltar para a fala do Ricardo que falou da questão da redução da pobreza e miséria. Essa política veio realmente impactar sobre a saúde e sobre a mortalidade infantil. Temos um exemplo de um estudo recente feito no Instituto de Saúde Coletiva sobre essa questão, que mostra claramente que a política de redução da pobreza ou miséria, como queiram chamar, impactou efetivamente e de forma positiva na redução da mortalidade infantil no Brasil nos últimos anos.

Fala de participante do Seminário

Sou Ronice Franco de Sá, Universidade Federal de Pernambuco. Eu estava ouvindo aqui e fiquei um pouco inspirada na questão de se é moda ou se é necessidade, lembrando que depende do contexto e do tempo. Quando a Ana Paula falou de 1993, eu também me lembrei, eu trabalhava com saúde do índio. Naquela época, criamos os núcleos de saúde intersetorial de saúde indígena. E eu fico aqui pensando o que leva a gente não avançar nesse campo, exatamente o que está no fundo? Talvez seja pelo fato de que a gente não consegue que os financiamentos não sejam considerados gastos, que não sejam setoriais. É muito difícil, quando a gente coloca o sujeito ou tema em pauta. É o financiamento que acaba ditando mesmo, estão ai os gastos e leis que reduzem a nossa possibilidade de avançar em direção à intersetorialidade concreta.

Fala de participante do Seminário

Meu nome é Raimundo Lima, sou do DF, quero contar uma experiência de 1984, quando entrei na academia na UNB fazendo ciências sociais. Um travesti foi decepado, o corpo de um lado e a cabeça de outro, aquilo me impactou tanto, e mais ainda quando o policial chutou e falou que era travesti, para mim era um ser humano. Procurei a minha turma de faculdade e falei: vamos formar um grupo e trazer o tema a baila, fazer com que vire moda, mas a moda tem de ser florida, colorida entre saberes. A letra mata, o espírito dignifica, quando nós trazemos outros saberes dentro da intersetorialidade, que é a troca da experiência. Hoje, temos políticas avançadas porque o movimento começou com pouca gente, hoje o movimento LGBT é grande e foi crescendo nesse país. Somos o primeiro grupo que se estruturou no Centro Oeste, através da experiência. Acho que, quando temos a intersetorialidade, e a troca de saberes entre vários setores, se pode avançar, e muito, nas políticas públicas.

Marco Akerman - Moderador

Vocês acham que a ação setorial perde sua função se a intersetorilidade virar moda? Imagina esvaziar todos os setores porque eles não estão se articulando intersetorialmemente? E se pensarmos na lógica do sujeito e não do setor, idoso, mulher, criança, jovem etc. Queria que comentassem um pouco isso, fiquem a vontade para nos contarem histórias de experiências e dificuldades na organização de empreendimentos intersetoriais.

Ricardo Dutra - MDS

Seguindo, então, de uma maneira mais descontraída, há a questão filosófica: de certa maneira, a vida é intersetorial e multidimensional por natureza. Criamos as caixinhas para efeito de organização. E a complexificação dos problemas na política pública, vai fazer com que se gerem mais caixinhas, ainda. Ao mesmo tempo, a gente tem um movimento no sentido de também não se isolar. Penso ser um movimento claramente dialético entre essa questão da especialização, o local e o global. Eu acho que o acaso joga muito ai no ponto de vista das políticas específicas. Vou fazer um pequeno relato do MDS, especificamente na assistência social e da transferência de renda. Quando as duas áreas foram colocadas no mesmo ministério, a gente falava línguas totalmente distintas, as pessoas que estavam trabalhando com transferências de renda não tinham e nem falavam a mesma língua da assistência social. Eu já transitei nas duas áreas, já estive na transferência de renda, agora estou na área da assistência, é um processo de aprendizado muito longo. Por exemplo, as condicionalidades jogaram e tiveram um fator muito importante nessa integração e relação intersetorial, mas muito no sentido de que ninguém poderia prever. No início, existia uma disputa em relação à condicionalidade, entre políticas universais e focalizadas, existiam visões diferentes no próprio ministério, isso não é ruim, é boa a convivência das visões distintas. A própria prática da política na ponta acabou gerando uma maior integração dentro do ministério. Foi muito mais o feedback da ponta que acabou influenciando o nível central, nos forçando a criar a intersetorialidade, pois quem está na ponta é intersetorial por definição. Quem está executando e está no balcão e entregando tem de ser intersetorial. Nós no nível central temos oportunidade para não ser, temos mais espaços para nos fecharmos nas caixas. Um aprendizado que tivemos na política foi o elemento do acaso, conseguimos prever muito pouco do que ia acontecer efetivamente na prática, por exemplo, com as condicionalidades. Então, no processo de implementação da política tivemos um processo importante, isso da política no nível local influenciou muito o aspecto intersetorial, como também a relação com outras áreas, especialmente da saúde, e foi um belo processo de aprendizado.

Maria do Socorro Mendes Gomes - Casa Civil

Exatamente, é uma coisa que não é óbvia, todos sentem que é absolutamente necessário, um jeito mais rápido de chegar a soluções mais adequadas e efetivas. Mas não é trivial trazer ministérios, mesmo que sejam de políticas coirmãs, complementares, para sentarem e pensarem uma política. Um exemplo é o "Viver sem Limite", programa para a pessoa com deficiência. O Ministério da Saúde participa conosco, a Casa Civil tem o papel de monitorar e fazer articulação de alguns dos projetos prioritários da Presidenta, em função da carta programática, a qual ela se comprometeu, as demandas que o próprio processo eleitoral trouxe, assim como o programa "Crack é Possível Vencer", com o Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Saúde, MEC, com três Secretarias, que muitas vezes não conversam dentro do próprio setor, não tem diálogo entre as áreas. Não é para entregar ninguém, é para dizer que não é simples e nem é fácil. Tivemos oito anos do Governo Lula, com mais três ou quatro da Presidenta Dilma, e ainda não conseguimos chegar à equação adequada para enfrentar esse desafio. Não acho que o orçamento público seja o maior problema. Estamos longe, ainda, de pensar um orçamento que seja transversal. No "Viver Sem Limite" há uma variedade de equipamentos necessários e cada um está vinculado a um Ministério diferente. Se a gente pensar de Brasília para o resto do Brasil, não é possível, pois há arranjos locais que do governo central não se consegue vislumbrar, em que as secretarias e os equipamentos de saúde se referenciem entre eles.

Marco Akerman - Moderador

Só para nos provocar. Criamos o SUS para unificar a gestão, mas ainda não conseguimos criar o "ministério único da saúde". A nossa Secretaria Executiva do MS tem uma tarefa árdua, não é?

Ana Paula Meneses Soter - MS

E como tenho! Eu já estava provocando esse debate, ele vai acendendo a vontade de sentar e pensar o que você está propondo. Eu acho que temos problemas ainda. Para mim, ainda passa muito pela forma como a gente olha para a realidade, porque eu penso que o que integra, é se a gente começa a olhar para pessoas, problemas, eventos, esse é o fator agregador. Uma pessoa que é usuária do SUS, é também usuária de outra política, também é jovem, poderia ser mulher, poderia ser pessoa com deficiência. Ai entra a questão da lógica de planejamento. É essa aproximação com as pessoas que faz com que a gente se integre aqui em cima no nível central. Há demandas de governo que orientaram o governo na formulação de políticas, a partir de uma escuta das pessoas. Sempre teremos diferenças, e isto é bom, ministérios e secretarias que terão suas especificidades, porque isso é algo legal também. Não precisamos romper com a especificidade do saber, especialização é legal e importante. Mas podemos colocar isso a favor de algo que seja mais integrativo, não precisamos perder identidade para poder estar no todo. É importante o processo de individualização para conseguirmos ser um todo, senão nos perdemos dentro do processo. A saúde se integrar no combate à miséria é importante, só assim consigo atuar, eu penso que esse entrosamento que é o grande desafio, eu penso que o planejamento perto da população, a partir da necessidade, é o que transforma a forma de fazer, integra orçamento. Dentro do ministério, é tudo muito fragmentado ainda. O aparelho formador tem a responsabilidade de procurar não formar profissionais que olham do mesmo jeito de antigamente. Em saúde, é evidente, mas já há currículos sendo modificados, trabalhando por problemas, agregando todas as áreas. Tem de pensar na promoção, tratamento. Acho que a nova forma de ensinar e de aprender é fundamental para construir uma sociedade diferente.

Fala de participante do Seminário

Sou Cida Alves, psicóloga e trabalho na Secretaria de Saúde de Goiânia, quero contar uma experiência intersetorial que a Ruranir ajudou a montar em Goiânia, a "Rede de Atenção à Criança, Adolescentes e Mulheres em Situação de Violência". O fenômeno da violência é complexo por natureza, e a intervenção nele tem de ser intersetorial. Começamos a rede de atenção com isso, fizemos o primeiro ato de construção da rede com planejamento estratégico, onde chamamos todos os serviços que atendiam pessoas em situação de violência. Fizemos um autoconhecimento, o que cada um fazia, o que precisava ser feito, porque precisava do serviço. Construímos metas de longo prazo e, a partir disso, construímos outros instrumentos de gestão: se a gente ia trabalhar intersetorialmente, é outra tecnologia que temos de desenvolver no processo de trabalho. Por exemplo, na saúde não adianta fazer campanha para as pessoas não serem violentas, é outra tecnologia. Construímos um acompanhamento dessas prioridades, construção de protocolos, fluxos, agendas prioritárias que chamamos de executiva da rede governamental, e não governamental. Às vezes discutíamos as pautas e desafios, além de negociações com gestores. Em alguns momentos tínhamos que fazer ação política, avançamos. Isso foi em 2000, já estamos em 2014, e percebemos que precisa de outro documento de gestão, para avançarmos mais.

Fala de participante do Seminário

Meu nome é Cristina Hoffman, trabalho na Coordenação de Saúde da Pessoa Idosa. Pensar a questão do envelhecimento diante das mudanças demográficas e epidemiológicas, não se faz sem pensar de forma intersetorial. Trabalhar a questão do envelhecimento ativo é um desafio grande. Apesar de se falar muito de envelhecimento, este é um tema novo como parte das pautas e das políticas de diferentes setores, não só no campo da saúde. O envelhecimento ativo traz entre os seus pilares a questão da saúde, segurança, participação, educação, assistência, etc. Intersetorialidade, necessariamente, implica em compartilhar, corresponsabilidade, divisão de poder, implica nos arranjos institucionais que precisam estar realmente constituídos para que a gente avance. Em setembro de 2013, a Presidente Dilma, reuniu 17 ministérios para pensar a questão do envelhecimento ativo nos estados e municípios e trazer para a agenda política a discussão de como realmente se propõem ações que respondam esse novo cenário que se apresenta no Brasil, de sua população que está envelhecendo.

Fala de participante do Seminário

Rui, Subgerente de Vigilância de Danos e Promoção da Saúde do município de São Paulo, aonde vamos enfrentando muitos nós estratégicos. Nos níveis regionais de saúde no município de São Paulo ou no nível local, encontramos menos obstáculos e vamos fazendo diferentes parcerias, na questão de construção de trabalho em redes nos territórios, garantia de direitos individuais e coletivos, enfrentamento às violências e acidentes, a questão da juventude, crianças adolescentes, mulheres, idosos, muito também ultimamente na questão dos ambientes saudáveis, etc., sempre no foco da estratégia populacional. Eu estava lendo outro dia um artigo da professora Marilena Chauí, onde ela analisava a experiência que estava posta, principalmente nas grandes metrópoles, com a enorme dificuldade em executar orçamento para atender necessidades da população. Ela aponta que o arcabouço jurídico e administrativo posto no Brasil, e formulado no meio da ditadura, impede o atendimento das necessidades da população. Inventamos caminhos para driblar as dificuldades, muito cristalizadas nos departamentos jurídicos das nossas prefeituras. Chauí aponta no fim do artigo para uma reforma jurídica e administrativa, uma reforma de estado.

Ruranir - Políticas para as Mulheres

Solução, não sei, mas sei que muita gente não consegue trabalhar a intersetorialidade se não for localmente. A gente tem propostas políticas, arranjos políticos, articulações, mas ela se da no município, ela se dá pensando na população local. Como pensar a atenção às mulheres, promoção da saúde se a gente não trabalhar as relações de gênero? Se a gente não trabalhar o racismo institucional? Como é que vamos pensar a promoção da saúde, se não for com intersetorialidade? Se virmos que as mulheres e os homens vivem e morrem de modo diferente, mulheres brancas, negras, baixas, gordas, altas, as novas, as velhas, etc? Então, por isso que sempre vai ser moda. Espero que seja moda permanente. Algumas coisas saem, outras ficam, renovam, mudam. Acho que a intersetorialidade e promoção da saúde vieram para ficar permanentemente. Na saúde, educação, a promoção de qualidade de vida. Então como é que a gente vai fazer tudo isso sem nos atermos a alguns aspectos e alguns determinantes sociais? Não dá para trabalhar a promoção sem fazer isso, não dá para trabalhar só a doença. Então, a gente tem que trabalhar outros aspectos, e a integralidade facilita tudo isso, como uma boa articulação e a quebra dos nós que a gente vai enfrentando no processo.

Marco Akerman - moderador

Esse tal de poder é complicado, não é? Os jovens conseguem ter voz?

Ana Laura Lobato - Juventude

Eu gostaria de comentar a partir de três pontos, da estrutura, da percepção e da implementação das políticas. Se pensarmos, e não precisa voltar muito no tempo, desde que a gente tem nossa democracia, o instrumento jurídico é o mesmo nos últimos vinte anos de governo. A gente percebeu que muito se fez de diferente, com a mesma estrutura legal e jurídica, estrutura de execução mesmo então há um ponto que é: como que a gente muda a percepção do problema que está na ponta e criamos soluções no âmbito da política pública? Esse atual governo mostrou que a gente consegue fazer muitas coisas diferentes com a mesma estrutura geral. O sonho seria que a questão do sujeito, que está lá na ponta, e a sua fala nos tocasse mais. A gente pensa muito em intersetorialidade quando falamos de instituições, mas no plano do sujeito a intersetorialidade é diferente. Ser mulher preta em Taguatinga ou ser mulher lésbica em São Paulo são situações de contexto distintas. Tratar o problema do racismo não é o mesmo em qualquer lugar. Violência contra mulher, também não, nem os jovens que estão morrendo. Vou falar no caso concreto, um plano e programa prioritário na Secretaria Nacional de Juventude, o "Juventude Viva". É o nosso carro chefe pelo tamanho do problema que é a quantidade de negros que morrem no Brasil hoje, em média 400 jovens por mês por homicídio, sem citar a quantidade imensa dos que morrem por acidente de trânsito. O "Juventude Viva" é uma articulação de ações, com todos os ministérios que têm dinheiro para a juventude de alguma maneira. Batemos na porta e provocamos os ministérios para articular suas ações no município onde os jovens estão morrendo, articuladas com outras áreas do governo local. O "Juventude Viva" está sendo implementado, em sete estados, e 172 municípios onde há maior número de mortes por homicídio. Isso muda também um pouco no mapa: tem o comitê gestor local e também tem uma rede articulação que não é da área da governança, mas de jovens que são lideranças nas comunidades, que fazem a ponte entre gestores com a comunidade para que esses jovens, de fato, tenham acesso às ações do plano, que são várias, isso significa que o jovem de território de violência precisa ter acesso à academia da saúde, ter acesso a programa de qualificação que o Ministério do Trabalho oferece, significa ter acesso ao EJA. Isso a gente entende que é uma tecnologia social, como que vamos articular de fato usando o recurso disponível. Não estamos inventando a roda, mas uma maneira diferente de articular ações que os ministérios já executam nos territórios que achamos prioritários.

Rodolfo Siva - MEC

O reitor Naomar, da Universidade Federal do Sul da Bahia, tem trabalhado a formação dos cursos dele em formato de ciclos, em que antes do aluno ir para o ciclo profissional de Medicina, por exemplo, passará por um ciclo anterior de formação básica, comum a todas as áreas. Os alunos passarão pelo ciclo do idoso, pelo ciclo da criança, pelo ciclo do adulto, para trabalhar todas as questões relacionadas à saúde, como autonomia do sujeito, por exemplo, junto às demais áreas de saúde.

Fala de participante do Seminário

Sou Fábio, do INCA. Vou lançar uma provocação que eu estava pensando nesta manhã. Será que conseguimos mesmo uma ação intersetorial genuína numa arena onde há tantos conflitos de interesse? Algumas modas e conflitos de interesse muitas vezes são reproduzidos sem questionamentos, sem que as próprias políticas pensem formas de governar e de como esses conflitos possam levar a comprometer os próprios princípios e frutos da política.

Fala de participante do Seminário

Meu nome é Marcos Freire, eu sou médico e trabalho no Centro de Práticas Integrativas em Planaltina, DF, com automassagem. Eu quero trazer a reflexão e dizer que gostei muito da evolução que a mesa foi fazendo de sair da intersetorialidade e da setorialidade, e passar para a integralidade. Filosoficamente falando, é importante tanto a vivência da unidade quanto da separação. Trago Gandhi, dizendo que a mudança possível começa dentro de nós, mas continuamos nos dividindo em escolas, setores, seitas, corpo, mente e emoção. Eu gosto muito quando se diz que sem amor não tem solução. Precisamos ir além do intelecto, exercitar mais nossas emoções. Em uma reunião como esta que está acontecendo aqui, que espaço estamos dedicando ao nosso corpo, para nossa integralidade, que espaço temos para emoção além do humor, do mediador. Precisamos ter a experiência que vai além dos setores e palavras e que é uma experiência de unidade. Deu-me muito prazer ver as práticas integrativas incluídas na revisão da Política Nacional de Promoção da Saúde.

Fala de participante do Seminário

Sou Marta, da Secretaria de Vigilância em Saúde do MS. Todo dia se enfrenta um desafio grande no setor saúde, que é o do convencimento de que várias agendas e pautas, apesar de desaguarem nos serviços de saúde, como por exemplo, agravos, em função da violência doméstica, no trânsito, urbana, etc. precisam ser abordados de maneira intersetorial. Vimos exemplos, a Cida trouxe o da Rede de Goiânia. Quero destacar o que vocês estão falando e reiterando que é o de superação diária, de se despir de vaidades e se despir de questões políticos partidárias. E como uma missão, vamos flexibilizando e tentando consensos, damos três passos pra frente e voltamos alguns para trás e vamos galgando nessa perspectiva. Já trabalho nove anos no Ministério com essa agenda, agora muito maior, com novos temas, com o desafio da integração no setor saúde e das novas agendas, mas também no modo de fazer o processo de trabalho. Há experiências bem sucedidas, vou amanhã apresentar o "Vida no Trânsito", que no nível local nos alimenta, pela rede local, pelo comitê intersetorial local, que é um dos dispositivos criados. Por fim, quero destacar que todas as ações têm sido fortalecidas e implementadas e integradas dentro da perspectiva intersetorial, interdisciplinar integradora, pela Casa Civil, que tem feito um papel para implementação da agenda da promoção da saúde extremamente positivo no sentido da gente ter vários programas que estão superando algumas fragmentações, algumas gavetas que estavam fechadas, na perspectiva da integração, mas é um processo, um dia depois do outro.

Ricardo Dutra - MDS

Eu quero agradecer o convite e dizer que esses fóruns são muito importantes. No MDS, temos muitas limitações, quadro de pessoal reduzido, muitas atividades, mas sempre respondemos a estes convites e tudo que se discutiu aqui será levado para o Ministério. Queria, ainda, destacar um ponto, a questão do limite que nos impõe as normativas do poder público. Acho importante desenvolvermos uma advocacia interna junto aos nossos setores jurídicos e de orçamento, para convencê-los que eles sejam intersetoriais, que entendam a política e participem da política, tirando eles das caixinhas. Para fora, penso o mesmo, devemos pautar tanto o judiciário, órgãos de controle e também os órgãos de orçamento da política. Temos que dizer "vocês têm que nos ajudar a não ficar só olhando para o nosso setor e modificar a forma com que o orçamento púbico é feito".

Rodolfo Silva - MEC

Nós da diretoria de desenvolvimento e educação em saúde agradecemos a participação nesse evento, estamos de portas abertas para vocês que quiserem interagir conosco.

Ruranir Silva - Políticas para as Mulheres

Eu quero agradecer a participação e dizer que nós na Secretaria de Políticas para as Mulheres só temos como trabalhar se for com intersetorialidade. Não temos outra forma para buscar a promoção de vida das mulheres. Essa é nossa perspectiva, pois isso se dá em todas as políticas sendo implementadas com qualidade e de uma forma que a mulher, em particular, seja atendida com qualidade e com respeito, assim como a população em geral.

Ana paula Meneses Soter - MS

Quero agradecer e parabenizar, foi uma tarde muito rica. Obrigada Débora, minha agenda sempre estará aberta para este tipo de debate, faça isso sempre. É muito importante que a gente compreenda os problemas e os sujeitos na sua complexidade. Eu penso que também não podemos nos omitir de fazer nosso dever de casa setorial com muita coerência. Isso contribui para o enfrentamento de determinadas situações. Sei que já nos perguntamos no passado como é que iríamos trabalhar nossas estratégias sem mudar a estrutura. Às vezes mudamos de outra forma, na ponta vai se acumulando e vai impactando na estrutura. Uma coisa que considero importante é o desafio de colocar a promoção em saúde na agenda das linhas de cuidado. Por exemplo, os "samuzeiros" (trabalhadores do SAMU) começam a enxergar na equipe de saúde da família aliados para contribuir na urgência e emergência e evitar que o usuário chegue ao hospital de trauma.

Participante do Seminário

Sou Carlos Silva, da Secretaria Executiva da ABRASCO. Queria parabenizar a dinâmica do Painel que nos manteve animados durante o seu desenrolar. Quero refletir não só sobre o conceito do que a gente está falando - território, articulação, integração, etc. - mas, também, com quem a gente está falando e quem está nos escutando. Às vezes a gente fica entre os pares, parece que construir políticas não é apenas interagir com os pares, temos de procurar os "ímpares", também. Como o nosso conselheiro falou, existem pessoas que parecem inimigos, às vezes pensam diferentes, mas se não enfrentarmos a divergência não construiremos políticas mais duradouras.

Maria do Socorro Mendes Gomes - Casa Civil

Eu quero começar parabenizando e agradecendo a oportunidade de participar de uma mesa com um debate tão rico. Na minha experiência profissional, até hoje, eu nunca havia participado de uma mesa tão agradável. Falamos bastante da questão de conflitos de interesse na relação intersetorial. Vou falar do lugar que ocupo hoje. Apesar dos problemas, acho que conseguimos avançar na construção da intersetorialidade em várias das políticas públicas que os governos Dilma e Lula implementaram. Primeiro, tem a lógica da militância. De onde viemos não poderíamos fazer outra coisa senão defender até as últimas consequências a implantação de políticas intersetoriais. Outro ponto, da origem política, de onde viemos, em função de como foi a construção da nossa liderança no país, a gente não poderia jamais ocupar esse espaço sem tentar arduamente até o limite da possibilidade de fazer o trabalho dessa forma, ou seja, trazer dentro da lógica de governar a visão do outro, da população brasileira para o centro da política. Esse é o grande diferencial, quando a gente traz que queremos continuar governando esse país para continuar aprofundando este modo de gestão. Temos uma sequência de oito ou mais anos de conferências, não só da saúde, que foi nossa inspiradora, mas em quase todas as áreas da política pública. Esse olhar, essa escuta para a população, precisam ser valorizados. Temos, com isso, um conjunto de informações sobre a sociedade civil nos seus mais variados aspectos e que trazem demandas para um governo e para o Estado brasileiro, a partir desse olhar a gente constrói a política. A Casa Civil tem o papel de fazer acontecer, temos de sentar com os ministérios. Os projetos que cuido hoje são todos intersetoriais, não tem nenhum com menos de três ministérios. Gente que nunca sentou antes para discutir uma política e isto aflora o grau de complexidade e muitos conflitos aparecem.

Ana Laura Lobato - Juventude

Um agradecimento especial, não só pelo convite, mas pela oportunidade ímpar de chamar a "juventude" para conversar. Precisamos deixar de pensar o jovem como problema e passar a vê-lo como solução para ajudar na elaboração da política pública. O jovem não é apenas um sujeito sob o risco premente de morrer, ficar grávida ou ter DST, visto apenas como alguém que frequenta centro de saúde, hospital ou pronto socorro. Há muitas pessoas que estão gerindo a política da saúde e estão pensando diferente em termos de linguagem e abordagem e que possam acolher melhor os jovens para que se sinta participante e protagonista de suas vidas. Quero agradecer muito porque, para nós, não há outra maneira possível para a juventude enfrentar seus problemas que não seja pela própria juventude. E acho que esse diálogo travado aqui hoje demostra esta vontade dos diferentes parceiros governamentais.

Marco Akerman - Moderador

Para finalizar, queríamos agradecer a participação de todas e todos, esperando que possamos seguir com este importante debate em outras oportunidades, para que esta moda da intersetorialidade pegue, fique e se transforme em uma vestimenta clássica da gestão pública e que nestes importantes arranjos intersetoriais empreendidos pela Casa Civil estejam participando, não só o setor social, mas, também, o Ministério do Planejamento, da Fazenda e o Banco Central.

Anexo

Notas Técnicas sobre Intersetorialidade: o que alguns GT da Abrasco vêm realizando

Technical Notes on Intersectoriality: what some thematic groups (GTs) in the Brazilian Association of Public Health (ABRASCO) have been doing

GT Alimentação e nutrição em Saúde Coletiva: interdisciplinaridade e intersetorialidade

Maria Angélica Tavares de Medeiros1

Inês Rugani Ribeiro de Castro1

1Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva (GT-ANSC), Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). angelicamedeiros@gmail.com

O Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da Abrasco (GT-ANSC) existe desde 2008 e organiza suas ações segundo três eixos temáticos: produção e disseminação de conhecimento, ação política e formação da força de trabalho no campo da Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva (ANSC). Concebido para se afirmar como espaço de convergência de pesquisadores e profissionais com expressiva atuação nas diversas Regiões do Brasil, o GT-ANSC, desde então, vem se posicionando em defesa da consolidação deste campo1,2.

A construção de referenciais teóricos que ampliem a identificação dos determinantes dos problemas alimentares e nutricionais de dimensão epidemiológica e orientem políticas, está entre os objetivos centrais do GT-ANSC. Assim, foi publicada, em 2011, edição temática sobre o campo da ANSC na Revista Ciência & Saúde Coletiva, que reuniu contribuições de diversos integrantes do GT para delinear o escopo dos saberes e das práticas alimentares e nutricionais concernentes à Saúde Coletiva2.

A natureza interdisciplinar e intersetorial da temática alimentar e nutricional define os modos de ser e agir do GT-ANSC. Dessa maneira, representamos a Abrasco em distintas frentes, como fóruns e instâncias colegiadas. Propomos e coordenamos eventos de interlocução buscando articular formação e pesquisa em ANSC, com vistas à construção de canais de diálogo com gestores de políticas governamentais e entidades representativas da área.

Em 2011 a Abrasco entregou ao Ministério da Saúde documento elaborado pelo GT-ANSC (Agenda da Nutrição no SUS para o período 2011-2014), propondo o fortalecimento da implantação da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), integrante da Política Nacional de Saúde. Deste modo, adotou-se, entre as atribuições deste coletivo, incentivar a interlocução entre atores sociais governamentais e não governamentais, transversal e intersetorialmente.

Sob a liderança do GT Saúde e Ambiente, a partir de 2011 o GT-ANSC se inseriu em articulação intergrupos temáticos da Abrasco (Diálogos e Convergências), juntamente com os GT Promoção da Saúde, Saúde do Trabalhador e de Educação Popular, contando ainda com movimentos sociais. Daí resultou a produção do Dossiê virtual da Abrasco, Um Alerta sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde, dividido em três partes, uma das quais contemplando Agrotóxicos, Segurança Alimentar e Nutricional e Saúde3. O Dossiê Abrasco foi lançado no World Nutrition Rio 2012: knowledge policy action (WNRio2012), sediado no Rio de Janeiro, com grande repercussão nacional.

A Organização da primeira edição do World Nutrition Rio 2012, com apoio da Secretaria Executiva da Abrasco e em parceria com a World Public Health Nutrition Association e com diversas instituições públicas, constituiu momento ímpar de atuação do GT-ANSC. Grande diferencial do evento foi a independência de sua política de financiamento em relação aos setores com interesses conflitantes com a alimentação e nutrição3. O WNRio 2012 se configurou como locus privilegiado de pesquisadores, profissionais, gestores de políticas e organizações de várias partes do mundo, congregados em torno de reflexões sobre os desafios que perpassam a agenda de nutrição atual, as possíveis respostas no plano das políticas públicas e as possibilidades de ação coletiva4.

No propósito de firmar conexões entre conhecimento, política e ação no campo da ANSC, o WNRio 2012 veiculou princípios da gênese do GT-ANSC e deu visibilidade à experiência brasileira, assim como às de outros países no enfrentamento das questões alimentares e nutricionais contemporâneas4. Como resultante do evento, criou-se o Coletivo de Desdobramentos do World Nutrition Rio 2012 e, a partir de 2013 teve início uma série de encontros - Ciclo de Debates Conhecimento Política Ação - tematizando a relação entre público e privado em Alimentação e Nutrição, os rumos para ampliar a inserção de agentes sociais nessa área, entre outros.

Em 2013, no VI Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Saúde da Abrasco, foi lançada a Frente pela Regulação da Relação Público-Privado em Alimentação e Nutrição (outro desdobramento do WNRio 2012), que contou com diversas entidades signatárias, entre elas a Abrasco, universidades e organizações sociais. O manifesto de lançamento da Frente reconhece a necessidade de se protegerem as políticas públicas da interferência do setor privado que, sob a lógica do capital, alavanca práticas alimentares nocivas à saúde e compromete o sistema e a soberania alimentar brasileiros. Com base nisso, apresenta como propostas de ação da frente, entre outras, as seguintes: difundir o debate sobre o tema em diferentes espaços (acadêmicos, institucionais e políticos), publicizar denúncias sobre situações de conflitos de interesses, divulgar experiências bem-sucedidas de enfrentamento e/ou regulação, apoiar e promover estratégias de formação no tema e articular ações coletivas de enfrentamento e regulação.

No tocante à interface com a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), em março de 2014 o GT-ANSC reuniu-se, durante dois dias de trabalho intensivo, em oficina interna objetivando contribuir com a consulta pública referente à Segunda Edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborada pela Coordenação-Geral de Alimentação e Nutrição (CGAN) do Ministério da Saúde.

Nesta edição (a primeira é de 2006), a proposta do Guia se destaca ao adotar a nova classificação dos alimentos, segundo seu grau de processamento e não a partir da composição de nutrientes neles contidos. Isto foi reconhecido como mérito pelo GT-ANSC, evidenciando o compromisso dos formuladores com o interesse público, ao tratar dos riscos do consumo dos produtos ultraprocessados à saúde. Por outro lado o GT verificou a dificuldade de traduzir as recomendações do Guia para o cotidiano da maioria da população trabalhadora, sem disponibilidade de tempo e de repertório para preparar suas próprias refeições de forma saudável. Fragilidades conceituais na abordagem do público ao qual se destina evidenciaram ainda a demanda de construir diálogos com populações e profissionais de saúde para o manejo do Guia.

Neste sentido, o GT-ANSC assumiu como ação política a tarefa de contribuir para que a nova versão do Guia "...reflita o papel que a alimentação adequada e saudável deve ter na promoção da saúde, em um sistema alimentar que impõe enormes desafios a esta prática, tanto na dimensão coletiva como individual". A partir da oficina interna de março/2014, parceiros do GT se empenharam na produção/participação de encontros em diversas instâncias, acumulando subsídios para a consulta publica encerrada em 07/05/2014. Esse processo coletivo de reflexão e análise imanente do texto oficial culminou com a entrega pela Abrasco do documento Contribuições do GT Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, em 26/05/20145. Além de reunir as contribuições apresentadas pelo GT-ANSC na consulta pública, o documento entregue à CGAN se aprofundou em análises e sugestões de caráter teórico-conceitual e político sobre a proposta de Guia.

Um tema de grande interesse para o GT é a implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que encerra desafios de distintas naturezas. Um deles é a prática intersetorial, que tem por base a articulação de políticas, programas e ações em diferentes setores de governo. Da mesma maneira, a identificação e o desenvolvimento de ações intrassetoriais que contribuam para a garantia da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), na perspectiva do conceito adotado na Lei Orgânica de SAN, também se configuram desafios para todos os setores. Assim, a expansão e a qualificação dos programas/ações requerem tanto um movimento interno como externo de cada setor.

O campo da alimentação e nutrição na saúde tem se relacionado, historicamente, com a SAN, o que vem pautando a articulação de ações e reflexões para a realização do direito humano à alimentação adequada. Esse processo tem sinalizado limites para efetivação da SAN no contexto da saúde, demandando outras estratégias de atuação e integração intersetorial que avancem na construção de novos saberes e práticas acadêmicas e institucionais.

Com vistas a apoiar essa empreitada, o GT-ANSC Abrasco; a Comissão Permanente (Consumo, Nutrição e Educação), do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CP-7 CONSEA), composta por representantes da sociedade civil e do governo (Ministério da Saúde, Ministério do Desenvolvimento Social e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) buscam facultar um processo de trabalho coletivo para o mapeamento do que já se avançou nos últimos anos e para a identificação de uma agenda de prioridades, em torno da qual é necessário reunir esforços na perspectiva de fortalecimento e amadurecimento da contribuição da Saúde na consolidação da SAN.

Como primeira atividade, buscou-se a colaboração de informantes-chave com perfil diversificado (gestores nacionais, estaduais e municipais em saúde e nutrição; profissionais que atuam na rede básica de saúde; militantes e pesquisadores) para mapear suas opiniões acerca dos avanços e desafios em relação à contribuição do setor saúde para a consolidação da SAN. Os depoimentos colhidos subsidiaram a realização de uma oficina de trabalho, que ocorreu durante o evento "IV Conferência de SAN + 2", realizado em março de 2014. Está em andamento o planejamento de novas etapas desse processo.

Outra frente de atuação do GT é a de apoiar as inciativas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de outros atores da sociedade civil, entre eles o FBSSAN, voltadas à reformulação da legislação sanitária brasileira, historicamente construída no paradigma da produção agroindustrial, com lógica excludente e concentradora. Com essa ação coletiva se pretende apoiar a consolidação de sistemas alimentares mais sustentáveis e diversificados.

No intuito de estabelecer um canal de diálogo com a Anvisa, merece destaque recente reunião da Abrasco (22/07/2014) com o Diretor-Presidente da Agência em que foram discutidos temas como autonomia política da Anvisa frente ao setor regulado; rigor técnico-sanitário em face às pressões comerciais, além de questões de agrotóxicos, regulação de alimentos, anorexígenos, entre outras. Quanto à questão alimentar e nutricional, a coordenação do GT-ANSC assinalou a necessidade de regulação das estratégias de marketing de alimentos que incentivam o consumo de alimentos ultraprocessados.

Ao longo desses seis anos de vida, em consonância com os propósitos da Abrasco, o GT -ANSC vem atuando no propósito de conjugar a reflexão, a crítica e a produção qualificada de conhecimento à ação coletiva comprometida com a saúde coletiva brasileira. Muitos são os desafios a serem vencidos no enfrentamento das condições de alimentação e nutrição da população, diante da particularidade do País. Sigamos adiante!

Referências

1. Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Documento de Criação Grupo de Trabalho Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva no âmbito da Abrasco - GT-ANSC. In: IV Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco; 2007; Salvador; (mimeo).

2. Bosi MLM, Prado SD. O campo da Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva: identificando contornos e projetando caminhos. Cien Saude Colet 2011; 16(1):4.

3. Carneiro FF, Pignati W, Rigotto RM, Augusto LGS, Rizzolo A, Faria NMX, Alexandre VP, Friedrich K, Mello MSC. O campo da Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva: identificando contornos e projetando caminhos. In: Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Dossiê Abrasco: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Parte 1 -Agrotóxicos, Segurança Alimentar e Nutricional e Saúde. Rio de Janeiro: Abrasco; 2012. [acessado 2014 ago 6]. Disponível em http://greco.ppgi.ufrj.br/DossieVirtual/

4. Castro IRR. World Nutrition Rio 2012. Rev. Nutr. 2011; 24(2):205-208.

5. Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Contribuições do GT Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva à revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira. Rio de Janeiro: Abrasco; 2014. [acessado 2014 ago 6]. Disponível em: http://www.abrasco.org.br/site/sites/gtalimentacaoenutricaoemsaudecoletiva/wp-content/uploads/sites/18/2014/04/Contribui%C3%A7%C3%B5es-ao-Guia-Alimentar-da-Popula%C3%A7%C3%A3o-Brasileira.pdf

GT de Saúde e Ambiente: diálogos e convergências

Fernando Ferreira Carneiro1

Lia Giraldo2

1GT de Saúde e Ambiente, Universidade Nacional de Brasília. fernandocarneiro.brasilia@gmail.com

2GT de Saúde e Ambiente, Fiocruz Pernambuco.

Ao longo destes 14 anos de construção do GT de Saúde e Ambiente, participamos como entidade ou membros, de várias frentes, redes e movimentos sociais, sem deixar de responder à qualidade da pesquisa e do ensino nas instituições acadêmicas onde cada um de seus membros atua e tem liderança. Iniciamos as atividades desse GT buscando um diálogo de saberes com outros campos de conhecimento que denominamos de "diálogos interdisciplinares" com a epidemiologia, a toxicologia, a economia, a ecologia, a antropologia e a sociologia. Por alguns anos fizemos encontros de GT de saúde do trabalhador, de promoção da saúde e de educação popular para apresentar os resultados das oficinas pré-congressuais com objetivos de construir agendas comuns. Nos primeiros Simpósios de Vigilância Sanitária o GT de Saúde e Ambiente teve participação ativa na programação. O próprio GT de Saúde e Ambiente teve em sua composição representantes dos GT de Visa e Saúde do Trabalhador.

Em 2007, logo após o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento, pelo governo Lula, realizamos seminário importante em con-junto com o Conselho Nacional de Saúde, antecipando os impactos negativos na saúde e no ambiente - que hoje estão se confirmando, numa posição intelectual crítica e engajada.

A Abrasco integrou entre os anos 2009 a 2011 o processo de construção do Encontro Nacional de Diálogos e Convergências em Agroecologia, Justiça e Saúde Ambiental, Soberania Alimentar, Economia solidária, e Feminismo (http://www.dialogoseconvergencias.org/), realizado em Salvador em setembro de 2011. Esse processo de articulação com redes de movimentos sociais possibilitou a partilha da leitura da natureza da crise civilizatória vivenciada e as alternativas, que coloca a humanidade numa encruzilhada histórica, e se manifesta em diversas outras crises: econômica, socioambiental, energética e alimentar. O objetivo foi de contribuir para a reversão da fragmentação do campo democrático e popular hoje no Brasil construindo convergências e juntando as forças da sociedade civil organizada. Foram convidados GT afins ao tema que se somaram ao de Saúde e Ambiente, como o GT de Saúde do Trabalhador, o GT Alimentação e Nutrição, o GT de Promoção da Saúde e o GT de Educação Popular.

Além da Abrasco, fizeram parte da comissão organizadora do encontro a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), a Rede Alerta contra o Deserto Verde (RADV), a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), o Fórum Brasileiro de Soberania e de Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).

O sucesso dessa articulação no âmbito da sociedade civil repercutiu bem no interior da Abrasco e abriu caminho, por meio de uma iniciativa concreta de Diálogos e Convergências no âmbito de nossa organização, para a construção do Dossiê sobre o impacto dos agrotóxicos na saúde. A ideia do Dossiê surge a partir da constatação, em oficina do GT Saúde e Ambiente no Congresso de Epidemiologia de 2011 da Abrasco, da magnitude do problema dos agrotóxicos no Brasil, de sua relevância para a saúde pública e das dificuldades do Estado em garantir o direito à saúde neste campo, através de políticas públicas ágeis, adequadas e eficazes. O desejo de contribuir com o esforço nascido na sociedade, a partir da Campanha contra os Agrotóxicos e pela Vida, lançada alguns meses antes e reunindo diversos movimentos sociais e entidades ligadas ao campo foi uma das motivações. Assim se constituiu, o Grupo Diálogos e Convergências, envolvendo os GT de Saúde e Ambiente, Saúde do Trabalhador, Nutrição, Promoção da Saúde e mais recentemente o GT de Vigilância Sanitária, reunindo pesquisadores da UnB, UFMT, UFC, UFMG, UFPel, UFG, UFVS, UFRJ, UEPE, além da Fiocruz (ENSP e EPSJV) e Embrapa-SINPAF. O objetivo foi "registrar e difundir a preocupação de pesquisadores, professores e profissionais com a escalada ascendente de uso de agrotóxicos no país e a contaminação do ambiente e das pessoas dela resultante, com severos impactos sobre a saúde pública" e de "expressar o compromisso da Abrasco com a saúde da população, no contexto de reprimarização da economia, da expansão das fronteiras agrícolas para a exportação de commodities, da afirmação do modelo da modernização agrícola conservadora e da monocultura químico-dependente".

Nosso dossiê colocou esse debate - claramente a partir do lugar de uma ciência não subordinada - na agenda nacional e latino-americana. O Dossiê mostrou significativa potência para a produção de conhecimentos em processo de diálogos e convergências de saberes, exercitando a ecologia de saberes, um caminho que reinstala o desejo que esteve presente na XVIII Conferência Nacional de Saúde em 1986. Desejo de intelectuais, de representantes dos movimentos sociais e populares, de parlamentares e de partidos políticos, marcando uma firme posição pela redemocratização do país e pela garantia da saúde como um direito humano.

A prática e a reflexão teórica do campo da "Saúde & Ambiente", que busca articular os temas do desenvolvimento econômico e social aos da produção, do ambiente e da saúde, exige cada vez mais uma perspectiva interdisciplinar, intersetorial e de inclusão social pela via da participação política e do efetivo diálogo com os saberes dos sujeitos que vivem nos territórios onde se desenrolam os processos implicados na determinação da saúde e da vida.

Essa complexidade não se limita às "caixinhas" disciplinares, tais como a da epidemiologia, da toxicologia, da análise de políticas, das ciências humanas e sociais, dentre outras configuradas nos espaços acadêmicos, mas integra-as e demanda articulações inovadoras como a ecologia política e a Justiça Ambiental.

Também no GT foi gestada a criação da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária, assumida como agenda de toda a Abrasco. Toda luta ambientalista, sanitária, ecológica é necessariamente uma luta pela memória histórica, pela paz e contra a guerra, contra qualquer violação dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais, ambientais.

Como dissemos acima, há um progressivo engajamento coletivo junto aos movimentos sociais. Neste caminhar, diante do pragmatismo das políticas governamentais de fortalecimento do PAC e do agronegócio, foi realizada uma reorientação acadêmica desse GT. Hoje, estamos em um novo patamar. O 2º. Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente está sendo organizado sob inspiração e aprendizado com algumas das lutas contra o uso de transgênicos e agroquímicos na produção agrícola; pela transição agroecológica; contra as injustiças ambientais promovidas pelos grandes empreendimentos de infraestrutura energética e viária, de extração mineral e vegetal, de transformação de matérias primas como a siderurgia, o refino e a produção de derivados de petróleo, de alumínio, de micronutrientes etc.

Muitas questões ainda estão em aberto: Quais são os seus principais significantes e significados, considerando os conceitos da Saúde Coletiva, para o entendimento do processo saúde-doença?

Que abordagens são requeridas na Saúde Coletiva para responder às demandas da sociedade, especialmente das comunidades atingidas pelos processos de acumulação capitalista globalizado e do modelo neodesenvolvimentista? Há condições no âmbito da Abrasco para estruturar uma "Escola" ou um "Fórum" para amalgamar essas questões fundantes de um campo que expresse o pensamento e um modo de fazer próprios da Saúde Coletiva para os problemas de "saúde e ambiente"?

GT Vigilância sanitária (GT Visa): para pensar e agir de forma mais integral

Geraldo Lucchese1

Luiz Antonio Quitério1

1GT Visa. abrasco.gtvisa@gmail.com

A vigilância sanitária é uma área muito antiga da saúde pública, que vem sendo estruturada desde que apareceram as primeiras preocupações com a qualidade dos alimentos, das matérias utilizadas como remédios, da água para consumo humano; com a propagação das doenças infectocontagiosas, através de meios de transporte de pessoas e mercadorias; e com a prática de diversas pessoas que tinham como profissão intervir na doença e na saúde humanas.

Em cada contexto, em cada formação social, um conjunto de ações que se propunha a prevenir grandes e pequenos desastres e prejuízos à saúde dos indivíduos e da coletividade decorrentes de tais fontes, foi conformando uma prática que, nos mais diversos formatos, hoje existe em quase todos os países do mundo. No Brasil, por força de nossa história, essa área foi chamada de vigilância sanitária.

Na modernidade, aquelas preocupações se ampliaram acentuadamente com a industrialização, que colocava no mercado quantidades muito grandes de produtos, das mais diversas naturezas, muitos dos quais causaram severos danos à saúde individual e coletiva. Atualmente, o avanço científico e tecnológico cria, com uma velocidade espantosa, novos produtos, novos materiais, hábitos e estilos de vida que podem favorecer ao aparecimento de processos patológicos.

Afinal, o telefone celular traz riscos à saúde de quem o utiliza? É verdade que o forno de micro -ondas interfere na estrutura físico-química-biológica das moléculas e dos alimentos? Quais as consequências para a saúde coletiva decorrentes da produção e do consumo de plantas com organismos geneticamente modificados? Como estimular hábitos de consumo e de vida que atuem contra as epidemias de obesidade, hipertensão, diabetes, doenças reumáticas e mentais? Quais as consequências que o uso massivo e inadequado de medicamentos traz à saúde e como devemos proceder para preveni-las? Em quais alimentos estão presentes os metais pesados, em quais quantidades e como controlar esta presença? Os resíduos de produtos veterinários em alimentos de origem animal provocam danos à saúde? Caso positivo, como controlar tal fonte de perigo? Se não eliminar, como diminuir os danos à saúde e ao ambiente provocado pelo uso intenso de agrotóxicos? Como evitar que medicamentos sem qualidade, de eficácia duvidosa e sem garantia de segurança sejam produzidos ou introduzidos no mercado de consumo? Como zelar pela qualidade dos serviços de saúde prestados à sociedade? Que outros tipos de serviço merecem controle sanitário, tendo em vista os riscos que podem trazer aos usuários?

Enquanto parte da saúde coletiva, a vigilância sanitária é intersetorial em sua essência. Para identificar, avaliar e gerenciar tais riscos à saúde precisamos da medicina, da farmácia, da enfermagem, da psicologia, da nutrição, da fisioterapia e de cada indivíduo que vive em sociedade; precisamos das engenharias, da economia, da física, da química, da biologia, da arquitetura, da agronomia, da zootecnia, da veterinária, da matemática, da sociologia, da antropologia, etc.; para normatizar padrões de qualidade e de boas práticas e zelar pelo seu cumprimento, precisamos também do direito, da administração, da comunicação, da pedagogia, da educação; e, para tudo, das ciências computacionais, da informática.

Desde sua conformação no âmbito da Abrasco, o GT Vigilância Sanitária tem realizado o Simpósio Brasileiro de Vigilância Sanitária (Simbravisa). Na programação de todas suas seis edições - 2001, em São Paulo (SP); 2003, em Caldas Novas (GO); 2005, em Florianópolis (SC); 2007, em Fortaleza (CE); 2010, em Belém (PA); e 2013, em Porto Alegre (RS), o Simbravisa abriu espaço para a realização de atividades aos outros GT da Abrasco, em especial, de Saúde e Ambiente e do Trabalhador. No último, em Porto Alegre, também contamos com a colaboração do GT de Alimentação e Nutrição.

Por outro lado, tivemos oficinas inscritas na programação dos congressos de Epidemiologia (Porto Alegre e São Paulo); de Ciências Humanas e Sociais (São Paulo); e em várias edições do Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, onde também atuamos na comissão científica. Também já atuamos em companhia da Rede Unida - duas oficinas em duas edições do seu congresso; com a Associação Paulista de Saúde Pública - oficina de São José dos Campos; e contribuímos, como pareceristas, no último congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Temos participado em fóruns onde se discute os riscos à saúde decorrentes do uso de novas tecnologias, como a nanotecnologia e a biotecnologia, que têm sido cada vez mais empregadas nas áreas de alimentos, cosméticos e medicamentos. Nesta última, a biotecnologia significa a nova onda tecnológica, que vai gradativamente esvaziando a síntese química como a principal forma de se obter inovações no ramo da terapia farmacológica.

Apesar da dificuldade em se operar de forma interdisciplinar, pois a sociedade e todas as suas instituições, em especial as instituições acadêmicas, se organizam de forma fragmentada - por setores da economia, por profissões, por departamentos, etc., procuramos pensar e agir de forma mais integral. Como um aprendizado, gradativamente, por sucessivas aproximações, essa diretriz fica mais clara. Em nossas próximas atividades - uma oficina no Congresso Brasileiro de Epidemiologia, preparação do 7º Simbravisa e em nossas representações, buscamos referências teóricas e análises conjunturais e estruturais que extrapolam o campo da vigilância sanitária e mesmo o da saúde.

No último Simbravisa, cujo tema principal foi 'vigilância sanitária, desenvolvimento e inclusão: dilemas para a regulação e proteção da saúde', buscamos o apoio de economistas, de juristas e de órgãos multilaterais (como a Cepal) para nos ajudar a estudar e refletir sobre a ação em vigilância sanitária no contexto atual. Os principais riscos à saúde da sociedade atual são construídos pelo nosso sistema produtivo, pelo nosso sistema político e nossa organização social. Precisamos conhecer esta estrutura para que possamos pensar mais estrategicamente e agir mais eficientemente.

Na vigilância sanitária, o agir normativo é preponderante, mas é constantemente questionado sobre sua eficiência. Uma falsa dicotomia entre o ato fiscal e o ato educativo consome nossos debates. Uma aversão generalizada à política, sustentada pelo poder midiático, impede um agir mais consciente e mais político, que não pode ser confundido com leniência, inépcia ou interesses rasteiros de agentes privados.

Neste século XXI, quando a própria democracia, capturada pelos interesses das grandes corporações, sofre extenso questionamento, em especial sobre sua dimensão representativa - os parlamentos distantes e até em oposição à maioria representada -, a participação direta dos cidadãos e de entidades da sociedade é cada vez mais importante. O momento demanda novas habilidades para a ação coletiva e melhor compreensão do funcionamento do Estado, dos governos e das políticas públicas. O GT Vigilância Sanitária busca sintonizar-se com estas novas demandas e trabalha para que a Abrasco use, politicamente, o conhecimento, nosso mais valioso ponto forte, e se consolide como vigoroso agente social de defesa e proteção da saúde.

GT Saúde do trabalhador da Abrasco: algumas considerações à guisa da ação intersetorial

Jandira Maciel da Silva1

Jorge Mesquita Huet Machado1

GT Saúde do Trabalhador da Abrasco. jandira.maciel@gmail.com

O movimento pela Saúde do Trabalhador, que se desenvolve no campo da saúde coletiva, tendo como referência o mundo do trabalho, surge no Brasil a partir da década de 1970, no bojo do movimento da Reforma Sanitária Brasileira, ancorado nas concepções teóricas da epidemiologia social e nas premissas do "novo sindicalismo". Importante destacar que um dos pontos relevantes do assim chamado "novo sindicalismo" foi à incorporação de reivindicações por melhores condições de trabalho e de saúde, incluindo demandas por serviços de atenção integral à saúde dos trabalhadores na rede pública. Por sua vez, o exercício prático e conceitual do campo da Saúde do Trabalhador tem como pressupostos a ação multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial, com a participação dos trabalhadores e dos movimentos sociais1,2. Destaque para participação dos trabalhadores, central nas práticas desse campo da saúde coletiva, pois se entende que "sem trabalhador não se faz saúde do trabalhador".

Articulado em torno dessas premissas, a instituição do grupo temático de Saúde do Trabalhador da Abrasco (GT/ST-Abrasco) sempre se pautou por uma composição ampla e diversa, contando com membros oriundos da academia, de diversas instituições públicas, com destaque para os serviços de saúde e dos movimentos sindicais e sociais.

Ao longo de sua história, o GT/ST-Abrasco foi se instituindo como um espaço privilegiado de debates e reflexões acerca das necessidades e dos desafios para o campo da Saúde do Trabalhador. Buscou sempre articular as diversas e diferentes contribuições teóricas sobre os processos de trabalho em distintos setores produtivos, seus impactos sobre o perfil de morbimortalidade com o saber e as demandas trazidas pelos trabalhadores. Dessa forma, tem contribuído para a produção de conhecimentos, para a formação de recursos humanos, para a construção de políticas públicas compromissadas com a promoção da saúde, de ambientes e de processos de trabalho saudáveis, e para a organização da atenção integral à saúde dos trabalhadores no Sistema Único de Saúde (SUS), do qual é parte integrante, segundo a Constituição Federal de 19883. Entre as diversas ações nas quais esteve à frente, destacaremos a participação na organização da 1ª, da 2ª e da 3ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, que aconteceram em 1986, 1994 e 2005, respectivamente, e na organização do I Simpósio Brasileiro de Saúde do Trabalhador (I Simbrast), ocorrido em 2007; participou da criação e estruturação da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador, no nível nacional (CIST Nacional), comissão esta subordinada ao Conselho Nacional de Saúde cujo objetivo é assessorá-lo no acompanhamento dos temas relativos à saúde do trabalhador; tem participação na "Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida" etc.

No momento, volta-se para dois grandes desafios: 1) contribuir para a implementação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT), instituída pela Portaria 1.823, de 23 de agosto de 20124, 2) e para a realização da 4ª. Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (4ª CNSTT).

Sobre a 4ª CNSTT, prevista para acontecer no período de 10 a 13 de novembro de 2014, a mesma foi organizada em etapas macrorregionais, estaduais e Nacional, tendo como tema central a "Saúde do trabalhador e da trabalhadora, direito de todos e todas e dever do Estado" e como eixo principal a implementação da PNSTT.

A PNSTT visa à promoção e a proteção da saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras e à diminuição da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos, através do fortalecimento da Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT) e a sua integração com os demais componentes da vigilância em saúde e com a Atenção Básica; da promoção de ambiente e processos de trabalho saudáveis e através da estruturação da atenção integral à saúde dos trabalhadores na rede de atenção à saúde do SUS. A política apresenta ainda uma série de estratégias, visando alcançar os objetivos propostos, com destaque para o fortalecimento e ampliação da articulação intersetorial e o estímulo à participação da comunidade, dos trabalhadores e do controle social.

Deste a sua instituição, uma das principais defesas às quais o GT Saúde do Trabalhador tem se pautado é o da Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT), ponto prioritário na PNSTT, enquanto política de intervenção sobre os determinantes do processo saúde-doença e sua relação com o trabalho, compreendida como

[...] uma atuação contínua e sistemática, ao longo do tempo, no sentido de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os fatores determinantes e condicionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos e ambientes de trabalho, em seus aspectos tecnológico, social, organizacional e epidemiológico, com a finalidade de planejar, executar e avaliar intervenções sobre esses aspectos, de forma a eliminá-los ou controlá-los 5.

Outro importante campo de defesa deste GT é o da participação dos trabalhadores na formulação e na gestão de políticas públicas voltadas para a proteção e a promoção da saúde desta população. Mais recentemente, o grupo tem incorporado a discussão ambiental, buscando integrá-la na formulação e nas práticas do campo da saúde do trabalhador.

Em síntese, o GT/ST-Abrasco advoga, de forma prioritária, os seguintes pontos: 1) a defesa do direito ao trabalho digno e saudável; 2) a participação dos trabalhadores e dos movimentos sociais na formulação e na gestão de políticas públicas sintonizadas com o campo; 3) a vigilância dos ambientes e processo de trabalho como política de enfretamento frente às situações de trabalho que colocam em risco a saúde das populações e 4) a articulação com a discussão ambiental. Tais prioridades pressupõem práticas intersetoriais, compreendidas como:

Ação na qual o setor saúde e os demais setores sociais, tais como, educação, agricultura, indústria, obras públicas e meio ambiente, colaboram para o alcance de uma meta comum, mediante uma estreita coordenação de suas contribuições6.

Finalizando, o atual cenário do mundo do trabalho, expresso na chamada reestruturação produtiva, traz novos e importantes desafios para o GT. Caracterizado pela manutenção de formas arcaicas de produção, como por exemplo, o trabalho em carvoarias, ao lado de uma rápida incorporação tecnológica por vários ramos produtivos; a ênfase na globalização dos mercados; a privatização dos serviços públicos; o desemprego estrutural, com consequente crescimento do trabalho informal e da exclusão social, os aspectos deste novo/velho cenário deverão ser pautados pelo grupo, na construção de novas ações de políticas de saúde do trabalhador, mantendo os seus princípios teóricos e conceituais.

Referências

1. Dias EC, Hoefel MC. O desafio de implementar as ações de saúde do trabalhador no SUS: a estratégia da Renast. Cien Saude Colet 2005; 10(4):817-828.

2. Minayo-Gomez C. Campo da Saúde do Trabalhador: trajetória, configuração e transformações. In: Minayo-Gomez C, organizador. Saúde do Trabalhador na Sociedade Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011; p. 540.

3. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União 1988; 5 out.

4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.823, de 23 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Diário Oficial da União 2012; 24 ago.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.120, de 1 de setembro de 1998. Aprova a Instrução Normativa de Vigilância em Saúde do Trabalhador do SUS. Diário Oficial da União 1998; 2 set.

6. Descritores em Ciências da Saúde (DeCs). [acessado 2014 set 1]. Disponível em http://decs.bvs.br/cgi-bin/wxis1660.exe/decsserver/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2014
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