Violências e juventude em um território da Área Metropolitana de Brasília, Brasil: uma abordagem socioespacial

Leides Barroso Azevedo Moura Cesar de Oliveira Ana Maria Nogales Vasconcelos Sobre os autores

Resumos

As juventudes na contemporaneidade sofrem o impacto de relações estabelecidas em contexto de violências multidimensionais distribuídas nos espaços privados e públicos dos territórios urbanos. O artigo apresenta as vivências de violências sofridas e praticadas por jovens que moram em um território na Área Metropolitana de Brasília. Trata-se de pesquisa transversal, descritiva, de abordagem quantitativa com amostragem de conveniência de 190 jovens, do sexo masculino e feminino, com idades entre 15 e 24 anos. Utilizou-se instrumento de coleta de dados contendo 44 questões do tipo sistema fechado, que foram desenvolvidas e validadas em pesquisas anteriores. Quanto às vivências de violências, 51% afirmaram ter sofrido algum tipo ao longo da vida, e 24%, nos últimos 12 meses. Os jovens que sofreram algum episódio de violência ao longo da vida também declararam que o território onde vivem não promove bem-estar urbano para os moradores (p < 0,023), expressaram sentimentos compatíveis com depressão (p = 001) e autorreferiram sua condição de saúde como ruim (p= 000). As vivências de violências e os processos de vulnerabilidades dos jovens foram abordados no contexto da injustiça social e limitações das capacidades humanas.

Jovem adulto; Urbano; Violência; Mudança Social; Determinantes sociais de saúde


Introdução

O Brasil é composto por territórios heterogêneos marcados pelas desigualdades e assimetrias de condições de vida da população jovem e de seus projetos de conquista da autorrealização e autonomia. Em 2010, o país apresentou o maior número de jovens com idades compreendidas entre 15 e 24 anos em sua história populacional, perfazendo um total de 34,5 milhões, representando 18% da população brasileira. É nesse grupo populacional que se verifica a mais elevada taxa de mortalidade por causas externas, sendo o homicídio a principal causa de morte com uma taxa de 54,8 por 100 mil11. Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). [Internet]. Brasília; 2011. [acessado 2014 mar 12]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=040701
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
. No cenário internacional, essa é a segunda causa de morte entre jovens22. Centers for Disease Control and Prevention. Web based injury statistics query and reporting system. Atlanta: National Center for Injury Prevention and Control; 2010.. As taxas de mortalidade juvenil expressam a violência em seu grau extremo. Entretanto, as vivências de violências afetam a trajetória e o curso de vida das pessoas e de suas famílias, modificam as vivências comunitárias, a ocupação socioespacial nos territórios e as dinâmicas das cidades, como também representam uma violação aos direitos fundamentais dos grupos societários. Elas podem reduzir as oportunidades dos jovens de experimentar e concretizar a autonomia e as utopias de seus projetos de vida e atingem com intensidade diferenciada os moradores nas franjas urbanas das áreas metropolitanas do país. A multidimensionalidade das experiências de violências requer considerar os determinantes sociais presentes no curso da vida humana e na relação com os territórios.

As assimetrias nas ocupações socioespaciais nos territórios, os diferentes níveis de desenvolvimento local e regional no país, bem como o escopo das políticas públicas e dos sistemas de proteção social vão explicar a garantia dos direitos fundamentais ou a negação da ampliação das liberdades substantivas33. Sen A. The idea of justice. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press; 2009. dos jovens. O território é um organismo vivo marcado por múltiplas dimensões que poderão ter suas dinâmicas entendidas dentro de um sentido interpretativo, que considera a divisão social do espaço e a relação capital-cidade44. Harvey D. The Enigma of Capital and the Crises of Capitalism. London: ProfileBooks; 2010.. Itapoã, lócus territorial do presente estudo, não apresenta apenas uma dinâmica geoespacial, mas também uma relação social que se materializa na precariedade das estruturas de oportunidade e dos equipamentos urbanos.

O presente estudo procura articular alguns temas interpenetrados pela complexidade, pluralidade e polissemia: violência e juventude sob uma abordagem socioespacial do território. As vivências de violências na juventude representam uma prioridade na agenda de desenvolvimento urbano e um importante problema de saúde pública55. Minayo MCS. The inclusion of violence in the health agenda: historical trajectory. Cien Saude Colet 2006; 11(2):375-383.. Evidências têm demonstrado que contextos sociais desfavoráveis estão associados ao aumento dos riscos à saúde e ocorrências de violências nas dinâmicas territoriais das populações33. Sen A. The idea of justice. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press; 2009.,66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013..

Pesquisa de opinião revela que o maior problema do Brasil é a violência77. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Sistema de Indicadores de percepção social: Percepção sobre pobreza: causas e soluções. Brasília: INEP; 2011.. Na população jovem, estudos descrevem múltiplas formas de vivência de violências sofridas por homens e mulheres que vivem em tempos marcados pela incerteza e pelo medo88. Bauman Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar; 2009., pelos efeitos de um modelo de desenvolvimento predatorio44. Harvey D. The Enigma of Capital and the Crises of Capitalism. London: ProfileBooks; 2010., pelos efeitos dos determinates sociais55. Minayo MCS. The inclusion of violence in the health agenda: historical trajectory. Cien Saude Colet 2006; 11(2):375-383.,66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013., por uma cultura de permissividade99. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. Lancet 2011; [acessado 2014 mar 23]. Disponível em: http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf.
http://download.thelancet.com/flatconten...
, pela urbanização precária1010. Kowarick L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioecômica e civil. São Paulo: Editora 34; 2009., pela elevada concentração de casos de homicídio praticados, sofridos ou testemunhados por jovens 1111. Waiselfisz JJ. Mapa da Violência no Brasil em 2013: homicídios e juventude no Brasil. Brasília: Secretaria da Presidência da República; 2013., especialmente os jovens pobres, negros, do sexo masculino99. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. Lancet 2011; [acessado 2014 mar 23]. Disponível em: http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf.
http://download.thelancet.com/flatconten...
,1111. Waiselfisz JJ. Mapa da Violência no Brasil em 2013: homicídios e juventude no Brasil. Brasília: Secretaria da Presidência da República; 2013.,1212. Souza ER, Gomes R, Silva JG, Correia BSC, Silva MMA. Morbidity and mortality of young Brazilian men due to aggression: expression of gender differentials. Cien Saude Colet 2012; 17(12):3243-3248..

A presente pesquisa descreve as experiências de um grupo de jovens com vivências de violências nas interações que são estabelecidas em um território urbano localizado na Área Metropolitana de Brasília (AMB).

Trata-se de uma população em situação de exclusão socioespacial e injustiça social. O território investigado se apresenta recortado pelas desigualdades socioespaciais no planejamento de Brasília, a capital pensada para a administração pública do país, que reflete uma segregação espacial planejada segundo posição social dos indivíduos que vieram ocupar a capital brasileira1313. Paviani A. Migrações com desemprego: injustiça social na configuração socioespacial urbana. Cadernos metrópole 2007; 17(1):13-33.. Nos processos de construção e expansão urbana de Brasília, rápidos e excludentes, as camadas populares foram expulsas para territórios geográficos mais distantes. Uma lógica excludente e concentradora de renda no centro e construção de periferias empobrecidas conforme interesse dos proprietários de terra e dos empreendedores imobiliários.

Itapoã é um dos territórios situados na franja metropolitana da bucólica cidade de Brasília. As desigualdades sociais presentes na população do Itapoã estão relacionadas à rápida expansão territorial da AMB, marcada por uma carência de infraestrutura com produção e reprodução de riscos espacialmente distribuídos, que refletem a posição social das pessoas que ocupam as regiões administrativas da periferia da metrópole. A população é marcada pela distribuição desigual dos equipamentos públicos de uso coletivo e pela necessidade de mobilidade pendular por parte de seus moradores com deslocamento de seu local de moradia para acesso à educação básica, superior, cursos profissionalizantes e postos de trabalho. Pouco mais da metade dos moradores (56%) migrou de outros estados brasileiros, sendo 67,4% oriundos do Nordeste. Aqueles que declararam cor da pele parda ou preta representaram mais de três quartos da população (78 %). Menos de 5% da população declarou ter concluído um curso superior. No que se refere à renda domiciliar mensal, 85% dos domicílios declararam receber menos de cinco salários mínimos (SM), sendo que 35% informaram menos de dois SM e apenas 7% declararam renda acima de dez SM1414. Codeplan. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio: Itapoã, PDAD 2013-2014. Brasília: GDF; 2014.. Em contrapartida, no centro metropolitano “Plano Piloto”, observou-se uma situação socioeconômica diferenciada: 53,3% da população declarou ter concluído o ensino superior ou pós-graduação, 66% dos domicílios declarou renda domiciliar mensal maior que dez SM, 13% menos que 5 SM, e apenas 3% menos de dois SM1515. Codeplan. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio: Plano Piloto, PDAD 2014. Brasília: GDF; 2014..

Estudos abordando as interfaces entre violência e juventude apresentam prevalências diversas para as manifestações envolvendo uma multiplicidade de atos violentos em situações em contextos específicos, como: violência no namoro, onde adolescentes e jovens são agredidos e agridem1616. Moreno MA, Furtner F, Rivara F. Adolescents and Dating Violence.Arch Pediatr Adolesc Med 2009; 3(8):776.; violência sexual por conhecidos e desconhecidos1717. Ellsberg M, Jansen HA, Heise L, Watts CH, Garcia-Moreno C. Intimate partner violence and women’s physical and mental health in the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence: an observational study.Lancet 2008; 371(9619):15-72., violências nas escolas1818. Jaycox LH, Stein BD, Wong M. School intervention related to school and community violence. Child Adolesc Psychiatr Clin 2014; 23(2):281-293.,1919. Affonso DD, Mayberry L, Shibuya JY, Archambeau OG, Correa M, Deliramich AN, Frueh C. Cultural Context of School Communities in Rural Hawaii to Inform youth violence prevention. J Sch Health 2010; 80(3):146-152., entre parceiros íntimos2020. World Health Organization (WHO). WHO multi- country study on women’s health and domestic violence against women. Geneva: WHO; 2005.

21. Moura LBA, Lefevre F, Moura V. Narrativas de violências praticadas por parceiros íntimos contra mulheres. Cien Saude Colet 2012; 17(4):1025-1035.
-2222. Moura LBA, Gandolfi L, Vasconcelos AMN, Pratesi R. Intimate partner violence against women in an economically vulnerable urban area, Central-West Brazil. Rev Saude Publica 2009; 43(6):944-953. e nas vivências familiares urbanas e rurais1111. Waiselfisz JJ. Mapa da Violência no Brasil em 2013: homicídios e juventude no Brasil. Brasília: Secretaria da Presidência da República; 2013.,1919. Affonso DD, Mayberry L, Shibuya JY, Archambeau OG, Correa M, Deliramich AN, Frueh C. Cultural Context of School Communities in Rural Hawaii to Inform youth violence prevention. J Sch Health 2010; 80(3):146-152.. A relação entre determinantes sociais e processos de determinação social da violência e da saúde tem sido demonstrada66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013., bem como fatores relacionados às violências sofridas por populações específicas têm sido associados às iniquidades sociais e territoriais2323. Santos M. O lugar e o cotidiano. In: Sousa Santos B, Meneses MP, organizadores. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez; 2010. p. 584-602.,2424. Haesbaert R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2007.

A pesquisa tem como objetivo descrever as vivências de violências sofridas e praticadas por jovens do sexo masculino e feminino de 15 a 24 anos de idade, residentes em Itapoa, um território marcado pela iniquidade social situado no Distrito Federal, Área Metropolitana de Brasília.

Método

O delineamento metodológico desse estudo transversal compreendeu elementos de abordagem quantitativa e corresponde também às especificidades do referencial da pesquisa social por inserir-se na área da violência e saúde, entendendo a violência como um fenômeno multicausal e complexo. O fenômeno violência requer compreensão das características demográficas da população que participa do estudo e também dos significados sociais que fertilizam a interação jovem-território-espaço urbano.

A violência foi analisada sob a perspectiva teórica das desigualdades territoriais e iniquidade do modelo de desenvolvimento que produz disparidade social, sendo parte integrante dos determinantes sociais do território. A ação violenta coisifica as pessoas e desumaniza as relações interpessoais e os espaços onde essas relações acontecem, quer sejam espaços físicos ou simbólicos. Neste sentido, a pesquisa procurou descrever as situações de violência considerando uma análise de situações concretas localizadas no tempo e em uma geopolítica territorial2323. Santos M. O lugar e o cotidiano. In: Sousa Santos B, Meneses MP, organizadores. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez; 2010. p. 584-602.,2424. Haesbaert R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2007.

O Distrito Federal, núcleo central da AMB, possui uma estrutura administrativa baseada em Regiões Administrativas (RA). Atualmente, são 31 RAs e Itapoã é localizada próxima a um dos centros de maior renda per capita do Brasil, mas é uma região de baixa renda. A população-alvo do estudo constituiu-se por jovens de 15 a 24 anos de ambos os sexos, residentes na localidade do Itapoã há pelo menos um mês da data de referência da pesquisa. Foram entrevistados 200 jovens, segundo critério não probabilístico por conveniência, e utilizados 190 questionários válidos para a análise. Para a seleção da população participante, as quadras da localidade foram visitadas em horários variados e em dias de semana, bem como nos fins de semana. Os jovens foram abordados na rua ou em suas casas, e convidados a participar da pesquisa.

O instrumento de coleta de dados adotado foi construído com questões sociodemográficas, relacionadas ao território, à saúde e às vivências de violências. As perguntas foram validadas em estudos anteriores2020. World Health Organization (WHO). WHO multi- country study on women’s health and domestic violence against women. Geneva: WHO; 2005.

21. Moura LBA, Lefevre F, Moura V. Narrativas de violências praticadas por parceiros íntimos contra mulheres. Cien Saude Colet 2012; 17(4):1025-1035.
-2222. Moura LBA, Gandolfi L, Vasconcelos AMN, Pratesi R. Intimate partner violence against women in an economically vulnerable urban area, Central-West Brazil. Rev Saude Publica 2009; 43(6):944-953., perfazendo um total de 44 questões de sistema fechado de resposta. O tratamento quantitativo dos dados incluiu análise descritiva e bivariada utilizando o software SPSS versão .0. Primeiramente, realizou-se uma análise descritiva do perfil sociodemográfico da população jovem do Itapoã segundo dados do IBGE2525. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Censo Demográfico. Rio de Janeiro: IBGE; 2010., do perfil sociodemográfico dos jovens entrevistados e das vivências de violências. A seguir, a variável dependente Ocorrência de pelo menos um episódio de vivências de violências ao longo da vida, nas interações dos jovens com parceiros íntimos, familiares, pessoas conhecidas da comunidade e com desconhecidos, foi analisada em relação às variáveis relacionadas à percepção dos jovens sobre o território e questões da saúde do respondente.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília. Todos os jovens que concordaram em participar da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa

Resultados

A Tabela 1 apresenta o perfil sociodemográfico dos jovens do Itapoã, segundo dados do Censo 20102525. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Censo Demográfico. Rio de Janeiro: IBGE; 2010., fornecendo algumas características sociodemográficas do universo da população onde foi selecionada a amostra para o estudo. Observa-se que 58% são pardos, 38% não completaram o ensino fundamental e 40% apresentam rendimento domiciliar per capita inferior a um salário mínimo.

Tabela 1
Características sociodemográficas dos jovens moradores no Itapoã, Distrito Federal, Área Metropolitana de Brasília, 2010. (N = 8979)

A Tabela 2 descreve o perfil da população jovem entrevistada. A idade média das mulheres participantes da pesquisa foi de 19 anos (DP 2,7) e dos homens 18 (DP 2,9). Quando perguntados se estavam frequentando a escola, 47% dos homens e 60% das mulheres relataram não estar estudando. Apenas 5% dos entrevistados frequentam ou frequentaram escola privada. Em relação à escolaridade, constatou-se que 41% dos homens e 34% das mulheres não completaram o ensino fundamental, perfazendo um total igual ao universo da população de 38% na mesma condição de baixa escolaridade.

Tabela 2
Características sociodemográficas dos jovens entrevistados de 15 a 24 anos, segundo sexo. Itapoã, DF, AMB; 2011.

A diferença de escolaridade entre homens e mulheres aumenta quando se observa o percentual que completou o segundo grau (21% das mulheres e, apenas, 11% dos homens). Em relação ao acesso à educação superior, apenas 1% dos homens e 2% das mulheres a completaram. Em relação ao estado conjugal, enquanto 33% das mulheres já estão casadas, apenas 4% dos homens nessa faixa etária declaram-se como tal. Além disso, 42% das mulheres já possuem pelo menos um filho. Quando perguntados acerca do tempo de residência, 49% reside na localidade há menos de 5 anos.

Vale ressaltar ainda que 49,5 % dos entrevistados são provenientes de outras Unidades da Federação. Do total de migrantes, 27% são naturais do Nordeste. Em relação à origem por estados, Bahia e Goiás foram os mais representativos (12,0% cada um). Na questão do trabalho, 68% dos jovens que se declararam ocupados estão em empregos informais. Dentre os que não estão trabalhando, aqueles que não completaram o ensino fundamental são a maioria (60%).

Quanto ao sentimento de insegurança, quando a unidade de analise foi o domicilio, 58% das mulheres e 37% dos jovens do sexo masculino declaram não se sentem seguros dentro de casa. Essa proporção aumenta ainda mais quando a unidade de analise é o território, onde 90% das mulheres e 84 % dos homens relataram sentimento de insegurança.

No Brasil, onde a compra de bebida alcoólica só é permitida a pessoas maiores de 18 anos, foi constatado que 79% da população entrevistada havia experimentado álcool e 42% declarou consumo habitual. Importante notar que 41% experimentaram bebidas alcoólicas antes dos 15 anos. Em relação ao fumo, 71% declararam nunca ter consumido tabaco, mas 22% dos homens e 7% das mulheres afirmaram o uso frequente de cigarro. Quanto ao consumo de droga, verificou-se que 74% dos homens e 94% das mulheres declararam nunca haver consumido drogas. O uso habitual foi relatado por 6% dos homens.

Quando perguntados se já tiveram experiência sexual, 78% dos homens e 80% das mulheres afirmaram já ter tido a primeira relação sexual. Destes, a primeira experiência ocorreu antes dos 18 anos, para 81% dos homens e 48% das mulheres e, após os 18 anos, para 5% dos homens e 20% das mulheres. Quando perguntados se a primeira relação sexual foi consentida, 9% das mulheres e 5% dos homens declararam terem sido forçados a terem relação sexual.

A Tabela 3 apresenta um mosaico de diferentes tipos de violências praticadas e sofridas. Para o sexo masculino constata-se que 46% dos jovens já tiveram envolvimento com agressão física contra outro homem, 11% declarou já ter agredido mulheres, 17% sofreu agressão física familiar após os 15 anos, 13% relatou ter sido vítima de bullying por parte dos colegas, 5% sofreu estupro de vulneráveis e 41% disse ter sido furto nas ruas da cidade.

Tabela 3
Vivências de violências dos jovens de 15 a 24 anos segundo sexo. Itapoã, DF, AMB; 2011

Quanto à questão do aborto, 13% das entrevistadas, que declararam ser sexualmente ativas, já passaram pela experiência. Observou-se que mulheres que relataram aborto também relataram algum tipo de violência ao longo da vida (p < 0,006).

Apenas 21% dos homens e 46% das mulheres procuraram algum tipo de ajuda após os episódios de violência. Significa dizer que aproximadamente 80% dos homens e 50 % das mulheres lidam com a violência sem procurar assistência na rede de serviços públicos da saúde e da segurança. Entretanto, quando solicitados para avaliar a própria situação de saúde nas duas últimas semanas antes da entrevista, 12% dos jovens referiram condição de saúde “muito ruim” e 30% consideraram a condição de saúde como “regular”. Houve associação estatisticamente significativa entre ter sofrido violência e a condição autorreferida de saúde (p = 0,00), sendo que 82% dos que afirmaram que a saúde estava muito ruim foram os jovens que sofreram episódios de violências ao longo da vida.

Em relação à percepção dos jovens sobre o território em que vivem, observou-se que apenas 13% dos entrevistados consideram que Itapoã é uma cidade que promova bem-estar urbano – este descrito como acesso aos serviços coletivos e infraestrutura urbana adequada –, sendo que 71% relataram sentimentos de extrema ou muita preocupação com a própria integridade física e 87% declararam percepção de insegurança e exposição à violência na cidade. Quanto às relações de vizinhança no território, 50% afirmou que os vizinhos não se conhecem e 58% dos vizinhos não tomariam nenhuma providência caso acontecesse uma agressão física na rua. No que concerne ao ambiente domiciliar, 51% dos jovens relatou não se sentir seguro dentro do domicílio (Tabela 4).

Tabela 4
Percepções dos jovens que relataram ter sofrido algum episódio de violência ao longo da vida acerca de condições no território e de saúde. Itapoã, AMB, DF. 2011.

Na Tabela 4 utilizou-se a variávelViolência ao longo da vida que agrupa os casos em que os jovens sofreram alguma agressão física na rua, foram vítimas de assaltos em vias públicas ou sofreram violência física após os 15 anos de idade. A vivência de violência, em qualquer uma das situações agrupadas, apresentou associação estatisticamente significativa com algumas variáveis relacionadas ao ambiente do território e às percepções sobre saúde. Assim, os jovens que sofreram algum episódio de violência ao longo da vida também declararam que o território não promove bem-estar urbano para os moradores (p < 0,023), expressaram sentimentos compatíveis com depressão (p = 001) e autorreferiram sua condição de saúde como ruim (p = 000).

Discussão

Estudos da temática juventude e violência abordam uma variedade de circunstâncias e contextos envolvendo os jovens e suas experiências de vida nos territórios, seus distintos níveis de educação e inserção no mercado de trabalho, a depender da posição social e ocupação socioespacial dos arranjos domiciliares e familiares, dos aspectos políticos e culturais no conjunto da sociedade.

Os processos de vulnerabilidades, provocados pela injustiça social, adquirem características relacionais e dinâmicas de acordo com os elementos de exposição de natureza interna e externa multiescalar, das estratégias de superação de limitações de capacidades nas áreas urbanas e na estruturação das redes e serviços de proteção.

Numa escala individual, o desempenho da maioria dos jovens da população estudada foi insatisfatório nos quesitos educação e ocupação profissional. Mas a pesquisa também retratou a situação de jovens que vivem em um território marcado pela iniquidade social, pobreza estrutural e dificuldade de acesso aos recursos e serviços públicos. Na perspectiva da saúde, os determinantes sociais e os processos de violências são fenômenos sociais complexos e representam fonte de elevada carga de morbimortalidade66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013.,88. Bauman Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar; 2009.. A exposição dos jovens entrevistados às situações de violências multidimensionais evidencia um imbricamento dinâmico entre aspectos estruturantes, relacionados às disparidades socioeconômicas e aos processos territoriais geradores dos gradientes de exclusão e assimetria de acesso às estruturas de oportunidades e ao direito à cidade, produzidos em parte pelos efeitos da globalização hegemônica2323. Santos M. O lugar e o cotidiano. In: Sousa Santos B, Meneses MP, organizadores. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez; 2010. p. 584-602. e pela produção desigual dos espaços urbanos1313. Paviani A. Migrações com desemprego: injustiça social na configuração socioespacial urbana. Cadernos metrópole 2007; 17(1):13-33..

Os resultados permitem constatar que os jovens entrevistados, tanto do sexo masculino quanto feminino, não estão inseridos na sociedade como sujeitos de direitos e incluídos ativamente no sistema escolar, de maneira a permitir a conclusão de um curso técnico e superior para conquistar um nível de profissionalização que o mercado capitalista tardio demanda. O ingresso no mercado de trabalho apresenta associação com o grau de escolaridade da população, apontando que a inserção da população menos escolarizada em empregos formais é mais difícil66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013.. Os jovens do Itapoã representam uma imagem icônica do que acontece com a população total residente no território marcada pela baixa escolaridade e precariedade das ofertas de trabalho1414. Codeplan. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio: Itapoã, PDAD 2013-2014. Brasília: GDF; 2014..

O Plano Nacional de Educação, para 2011 a 2020, estabelece como meta de escolaridade para jovens com idades entre 18 e 24 anos o mínimo de 12 anos de estudo e a inserção de 33% no ensino superior2626. Brasil. Ministério da Educação (MEC). O PNE 2011-2020: Metas e estratégias. Brasília: MEC/INEP; 2012.. Entretanto, Itapoã, com aproximadamente nove mil jovens em idade universitária, não possui até o momento nenhuma escola da rede pública que ofereça ensino médio, muito menos instituição de ensino superior. Os jovens precisam se deslocar do território para iniciarem o ensino médio e demais níveis. A segregação socioespacial do território força a mobilidade pendular urbana e representa uma ameaça à formação de capital social dos jovens. É possível que essa mobilidade pendular, acrescida dos riscos de vivências de violência durante os deslocamentos casa-escola ou trabalho-escola, ofereça elementos para uma melhor compreensão da intensa defasagem escolar encontrada no território. Certamente a formação do grupo que não estuda e não participa do mercado de trabalho, situação denominada “nem-nem” nos estudos populacionais, requer modelos de analises mais complexos para captar as dinâmicas das trajetórias de vida dos jovens nesse grupo. Na pesquisa, a proporção de jovens que não estudam e não trabalham representou aproximadamente um terço dos entrevistados, um jovem para cada grupo de três.

Os resultados também informam as desigualdades no acesso à educação de homens e mulheres. A alta proporção de jovens que não completaram o ensino fundamental evidencia a possibilidade de transmissão intergeracional de um capital escolar defasado. Se por um lado as mulheres entrevistadas apresentaram uma escolaridade um pouco mais elevada em relação aos homens, por outro lado, a pesquisa revelou que elas apresentaram menor inserção produtiva. A segregação em ocupações de menor renda, baseada em gênero, é tema que tem sido amplamente discutido em estudos anteriores66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013.,77. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Sistema de Indicadores de percepção social: Percepção sobre pobreza: causas e soluções. Brasília: INEP; 2011.,2727. Saa TH. Análisis de la relación entre género y sexualidad a partir del estudio de la nueva división internacional del trabajo femenino.Soc. Econ. 2014; 26(1):213-237.. Ainda que as mulheres estejam inseridas nos processos educacionais da formação no ensino médio em maior proporção, elas estão mais excluídas do processo de produção de rendimentos. Observa-se no Itapoã o efeito dos mecanismos de discriminação e divisão sexual do trabalho que se perpetuam nas sociedades organizadas segundo a lógica do patriarcado2727. Saa TH. Análisis de la relación entre género y sexualidad a partir del estudio de la nueva división internacional del trabajo femenino.Soc. Econ. 2014; 26(1):213-237..

Na Europa, relatório recente dos determinantes sociais de saúde da população relata que pessoas com educação superior apresentam melhores condições de saúde e maior longevidade do que aqueles que não tiveram acesso ao ensino66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013.. Se a educação superior pode servir deproxy para o alcance de melhores posições na ocupação de postos de trabalho e melhor posição social, então podemos inferir que o rompimento do ciclo da pobreza estrutural, via reposicionamento social, está comprometido para a população jovem que vive no território analisado. A educação e o emprego decente representam, ainda que num cenário nebuloso de desigualdades multidimensionais, possibilidades de alterar o curso das trajetórias de vidas marcadas pelas amarras das vivências de violência e construir novas narrativas de bem viver a vida e a juventude. As mulheres jovens que já são mães e ainda não completaram o ensino fundamental, que correspondem à metade das entrevistadas que declararam ter filhos, estão em risco de perpetuarem uma não mobilidade social intergeracional via educação. Captar as dinâmicas desse processo de violência estrutural e estruturante em decorrência de uma segregação socioespacial e o impacto na trajetória de uma população jovem constitui-se em objeto de futuras pesquisas com delineamento prospectivo no território.

As vivências de violências experimentadas pelos jovens não afetam exclusivamente suas vidas, mas alcançam suas famílias, constroem um efeito vizinhança, alteram as sociabilidades no território e no espaço urbano e potencializam efeitos intergeracionais. Neste sentido, as situações vividas por essas pessoas situa-se na interposição entre os processos econômicos sob a lógica neoliberal, desigualdades nas relações de poder material, cultural e simbólico, bem como desigualdades de acesso a um reposicionamento que alteraria os determinantes sociais da qualidade de vida e a organização social do território33. Sen A. The idea of justice. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press; 2009.,44. Harvey D. The Enigma of Capital and the Crises of Capitalism. London: ProfileBooks; 2010.,66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013.,2323. Santos M. O lugar e o cotidiano. In: Sousa Santos B, Meneses MP, organizadores. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez; 2010. p. 584-602.,2828. Schütz GE, Tambellini AT, Asmus CIRF, Meyer A, Câmara VM. A agenda da sustentabilidade global e sua pauta oficial: uma análise crítica na perspectiva da Saúde Coletiva. Cien Saude Colet 2012; 17(6):1407-1418.,2929. Breilh J, Miranda AC, Tambelinni AT, Benjamin C, Moreira JC. La transición hacia el desarrollo sostenible y la soberanía humana: realidades y perspectivas en la Región de las Américas. Galvão LA, Finkelman G, Henao S, editores. In: Determinantes Ambientales y Sociales da la Salud. Washington: Organización Panamericana de la Salud; 2010. p. 17-31.. Observou-se que o grupo de jovens que vivenciou violências nos espaços públicos e privados da vida cotidiana, apresentou percepções de insegurança acerca do território em que vive atualmente, temor pela segurança pessoal, sensação de insegurança dentro e fora do domicílio e sentimentos de muita e extrema ansiedade e angústia, visão negativa do bem-estar urbano da cidade onde moram e autorreferiram a condição de saúde como ruim.

Outra face da mesma moeda das desigualdades sociais é a presença dos jovens no território em detrimento das migrações. É provável que tenham sido os pais ou familiares que foram para o Distrito Federal. O fator de motivação determinante da migração do nordestino para o Distrito Federal está relacionado à procura de emprego1414. Codeplan. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio: Itapoã, PDAD 2013-2014. Brasília: GDF; 2014.. Entretanto, o Itapoã apresenta uma atividade produtiva incipiente, uma vez que existe oferta de apenas 25 postos de trabalho para cada 100 trabalhadores ocupados1414. Codeplan. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio: Itapoã, PDAD 2013-2014. Brasília: GDF; 2014.. Na pesquisa observou-se que apenas metade dos jovens nasceu na AMB e quase metade reside no Itapoã há menos de cinco anos. São moradores recentes e estão no processo de estabelecer laços de integração social e vínculos de pertença, mas residem num território marcado por um iníquo processo de segregação espacial e baixa mobilidade da posição social. O gradiente social66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013. entre as regiões administrativas do Distrito Federal revelam processo de espraiamento de uma cidade que privilegiou a expansão urbana para áreas periféricas ao invés do adensamento populacional de áreas consolidadas. Esse distanciamento tem um custo para a população que precisa cruzar essas distâncias para manter sua sobrevivência1313. Paviani A. Migrações com desemprego: injustiça social na configuração socioespacial urbana. Cadernos metrópole 2007; 17(1):13-33.. O impacto da mobilidade intrametropolitana para os diversos grupos sociais é desigual e afeta desproporcionalmente as relações das pessoas, das famílias, dos territórios e territorialidades nas dimensões sociais, econômica, política, cultural e geracional.

As violências envolvendo a população jovem desses territórios não devem ser descoladas de uma interpretação que considere a interface perversa entre modelos de planejamento e gestão urbana e social. Modelos de expansão urbana que não prospectaram a presença do pobre na cidade e seu direito de desfruta-la. Neste sentido, decifrar as violências no período da juventude inclui desenvolver localmente, baseado na geopolítica de cada território, uma análise que considere os determinantes sociais do bem-estar urbano e humano, bem como um mapeamento sistêmico e articulado das redes de serviços de educação, segurança pública e ambiental, saúde, alimentação, habitação, cultura, esporte, lazer e demais direitos inerentes ao bem comum. Envolve refletir acerca do processo de “descidadanização”1010. Kowarick L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioecômica e civil. São Paulo: Editora 34; 2009. e perceber que as violências estão inseridas numa dimensão dialeticamente concreta e subjetiva como uma ressonância, uma imagem distorcida da falência dos sistemas de proteção e da manutenção dos mecanismos geradores de injustiça social.

Evidências apontam que os ativos sociais dos jovens variam amplamente na dependência das situações econômicas e da acessibilidade aos serviços do bem comum, sendo a saúde apenas um dos elos das redes de proteção social e de serviços55. Minayo MCS. The inclusion of violence in the health agenda: historical trajectory. Cien Saude Colet 2006; 11(2):375-383.,66. World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report. Copenhagen: WHO European Region; 2013.,99. Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. Lancet 2011; [acessado 2014 mar 23]. Disponível em: http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf.
http://download.thelancet.com/flatconten...
. A multidimensionalidade das violências revela a perversão da exclusão social e a negação dos direitos humanos fundamentais, garantidos no aparato legal que prevê o aprofundamento da democracia.

Desde a inauguração da capital federal, observou-se que grupos populacionais de baixa renda têm sido historicamente realocados, de maneira ativa e passiva, para territórios marcados pela precariedade dos equipamentos urbanos e do acesso aos recursos de proteção e segurança disponibilizados pelo Estado1313. Paviani A. Migrações com desemprego: injustiça social na configuração socioespacial urbana. Cadernos metrópole 2007; 17(1):13-33.. Compreender o modo como se processam as vivências de violências de jovens, num território marcado pela injustiça social e desigualdade de ocupação socioespacial como Itapoã, envolve perscrutar as capacidades e processos de vulnerabilidades desses jovens e as liberdades relativas que o território possibilita ou cerceia.

A pesquisa é limitada por não envolver um maior contingente de jovens entrevistados e por não incluir no seu delineamento representatividade e aleatoriedade no processo de composição e seleção da amostra. Entretanto, o perfil sociodemográfico do universo da população pesquisada pelo IBGE e o perfil dos jovens da amostra da pesquisa mostraram semelhanças em composição e distribuição. Outra limitação relaciona-se a não inclusão de todos os municípios que compõe a AMB, franja urbana da capital federal, para análise mais profunda das assimetrias de gênero, cor e ocupação socioespacial no acesso ao direito à cidade e ao coletivo de vivências e interações que participam da qualidade de vida das juventudes nesses territórios.

O Brasil, uma das sete maiores economias globais, mas que permanece na 79ª posição no ranking do índice de desenvolvimento humano tem ainda um longo caminho a percorrer. Abordar os processos que contribuem para a vulnerabilidade às situações de violências envolve a construção de uma agenda de desenvolvimento pautada numa epistemologia do sul, numa economia globalizada contra-hegemônica2323. Santos M. O lugar e o cotidiano. In: Sousa Santos B, Meneses MP, organizadores. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez; 2010. p. 584-602. e reorganização na estrutura social para transformações no território. A área metropolitana de Brasília, especialmente o Itapoã, funciona como uma metáfora das contradições do desenvolvimento brasileiro. Tão perto da cidade bucólica representada pelo plano piloto, tão longe de romper com os mecanismos sociais reprodutivos que produziram a segregação socioespacial de uma das cidades mais desiguais da América Latina e do mundo.

Referências

  • 1
    Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM). [Internet]. Brasília; 2011. [acessado 2014 mar 12]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=040701
    » http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=040701
  • 2
    Centers for Disease Control and Prevention. Web based injury statistics query and reporting system Atlanta: National Center for Injury Prevention and Control; 2010.
  • 3
    Sen A. The idea of justice Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press; 2009.
  • 4
    Harvey D. The Enigma of Capital and the Crises of Capitalism London: ProfileBooks; 2010.
  • 5
    Minayo MCS. The inclusion of violence in the health agenda: historical trajectory. Cien Saude Colet 2006; 11(2):375-383.
  • 6
    World Health Organization (WHO). Review of social determinants and the health divide in the WHO European Region: final report Copenhagen: WHO European Region; 2013.
  • 7
    Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Sistema de Indicadores de percepção social: Percepção sobre pobreza: causas e soluções Brasília: INEP; 2011.
  • 8
    Bauman Z. Confiança e medo na cidade Rio de Janeiro: Zahar; 2009.
  • 9
    Reichenheim ME, Souza ER, Moraes CL, Mello Jorge MHP, Silva CMFP, Minayo MCS. Violência e lesões no Brasil: efeitos, avanços alcançados e desafios futuros. Lancet 2011; [acessado 2014 mar 23]. Disponível em: http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf.
    » http://download.thelancet.com/flatcontentassets/pdfs/brazil/brazilpor5.pdf
  • 10
    Kowarick L. Viver em risco: sobre a vulnerabilidade socioecômica e civil. São Paulo: Editora 34; 2009.
  • 11
    Waiselfisz JJ. Mapa da Violência no Brasil em 2013: homicídios e juventude no Brasil Brasília: Secretaria da Presidência da República; 2013.
  • 12
    Souza ER, Gomes R, Silva JG, Correia BSC, Silva MMA. Morbidity and mortality of young Brazilian men due to aggression: expression of gender differentials. Cien Saude Colet 2012; 17(12):3243-3248.
  • 13
    Paviani A. Migrações com desemprego: injustiça social na configuração socioespacial urbana. Cadernos metrópole 2007; 17(1):13-33.
  • 14
    Codeplan. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio: Itapoã, PDAD 2013-2014 Brasília: GDF; 2014.
  • 15
    Codeplan. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio: Plano Piloto, PDAD 2014 Brasília: GDF; 2014.
  • 16
    Moreno MA, Furtner F, Rivara F. Adolescents and Dating Violence.Arch Pediatr Adolesc Med 2009; 3(8):776.
  • 17
    Ellsberg M, Jansen HA, Heise L, Watts CH, Garcia-Moreno C. Intimate partner violence and women’s physical and mental health in the WHO multi-country study on women’s health and domestic violence: an observational study.Lancet 2008; 371(9619):15-72.
  • 18
    Jaycox LH, Stein BD, Wong M. School intervention related to school and community violence. Child Adolesc Psychiatr Clin 2014; 23(2):281-293.
  • 19
    Affonso DD, Mayberry L, Shibuya JY, Archambeau OG, Correa M, Deliramich AN, Frueh C. Cultural Context of School Communities in Rural Hawaii to Inform youth violence prevention. J Sch Health 2010; 80(3):146-152.
  • 20
    World Health Organization (WHO). WHO multi- country study on women’s health and domestic violence against women Geneva: WHO; 2005.
  • 21
    Moura LBA, Lefevre F, Moura V. Narrativas de violências praticadas por parceiros íntimos contra mulheres. Cien Saude Colet 2012; 17(4):1025-1035.
  • 22
    Moura LBA, Gandolfi L, Vasconcelos AMN, Pratesi R. Intimate partner violence against women in an economically vulnerable urban area, Central-West Brazil. Rev Saude Publica 2009; 43(6):944-953.
  • 23
    Santos M. O lugar e o cotidiano. In: Sousa Santos B, Meneses MP, organizadores. Epistemologias do Sul São Paulo: Cortez; 2010. p. 584-602.
  • 24
    Haesbaert R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; 2007
  • 25
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).Censo Demográfico Rio de Janeiro: IBGE; 2010.
  • 26
    Brasil. Ministério da Educação (MEC). O PNE 2011-2020: Metas e estratégias Brasília: MEC/INEP; 2012.
  • 27
    Saa TH. Análisis de la relación entre género y sexualidad a partir del estudio de la nueva división internacional del trabajo femenino.Soc. Econ. 2014; 26(1):213-237.
  • 28
    Schütz GE, Tambellini AT, Asmus CIRF, Meyer A, Câmara VM. A agenda da sustentabilidade global e sua pauta oficial: uma análise crítica na perspectiva da Saúde Coletiva. Cien Saude Colet 2012; 17(6):1407-1418.
  • 29
    Breilh J, Miranda AC, Tambelinni AT, Benjamin C, Moreira JC. La transición hacia el desarrollo sostenible y la soberanía humana: realidades y perspectivas en la Región de las Américas. Galvão LA, Finkelman G, Henao S, editores. In: Determinantes Ambientales y Sociales da la Salud Washington: Organización Panamericana de la Salud; 2010. p. 17-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2014
  • Revisado
    28 Jan 2015
  • Aceito
    30 Jan 2015
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br