Prevalência autorreferida de deficiência no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, 2013

Deborah Carvalho Malta Sheila Rizzato Stopa Rogerio Canuto Nayara Lopes Gomes Vera Lúcia Ferreira Mendes Bárbara Niegia Garcia de Goulart Lenildo de Moura Sobre os autores

Resumo

Objetivo

descrever a prevalência autorreferida das deficiências intelectual, física, auditiva e visual, segundo variáveis sociodemográficas, grau de limitação e frequência de uso de serviço de reabilitação.

Métodos

Dados provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde, inquérito populacional. Foram calculadas as prevalências autorreferidas de deficiência física, mental, visual e auditiva e seus intervalos de confiança de 95%, estratificados por sexo, faixa etária, raça/cor, para Brasil, local de residência e Grandes Regiões.

Resultados

a prevalência de deficiência autorreferida no país foi de 6,2% (12,4 milhões de pessoas). A prevalência de deficiência física foi de 1,3%, maior em homens, em indivíduos com 60 anos ou mais na região Nordeste. A deficiência visual foi mais prevalente (3,6%), aumentou com a idade, assim como deficiência auditiva. A deficiência adquirida foi maior em relação à de nascença (exceto intelectual). Menor grau de limitação foi observado entre os que referiram deficiência visual e o uso de serviços de saúde foi menos frequente.

Conclusão

há necessidade de ampliar o acesso às ações de promoção, diagnóstico e tratamento precoce, bem como o fortalecer políticas públicas direcionadas a esta população.

Pessoas com deficiência; Autorrelato; Inquéritos epidemiológicos; Desigualdades em saúde

Introdução

Estima-se que mais de um bilhão de pessoas em todo mundo tenha algum tipo de deficiência ou incapacidade, correspondendo a cerca de 15% da população mundial11. World Health Organization (WHO). World report on disability. [acessado 2015 set 20]. Disponível em: http://www.larchetoronto.org/wordpress/wp-content/uploads/2012/01/launch-of-World-Report-on-Disability-Jan-27-121.pdf
http://www.larchetoronto.org/wordpress/w...
. Ainda segundo a OMS, pelo menos 10% das crianças no mundo nascem ou adquirem algum tipo de deficiência física, mental ou sensorial com repercussão negativa no desenvolvimento. Além disto, existem inúmeras desigualdades no acesso à reabilitação e em países subdesenvolvidos apenas 3% das pessoas que necessitam de cuidados recebem algum tipo de serviço de reabilitação22. World Health Organization (WHO). Disability and Rehabilitation: Future, Trends and Challenges in Rehabilitation. Geneva: WHO; 2002..

A legislação brasileira define deficiência pela perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano33. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 21 dez.. A Lei do Benefício de Atenção Continuada define que pessoa com deficiência é aquela que tem impedimentos de longo prazo (pelo menos dois anos) de natureza física, mental, intelectual ou sensorial44. Brasil. Presidência da República. Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011. Altera os arts. 21 e 24 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Custeio da Previdência Social, para estabelecer alíquota diferenciada de contribuição para o microempreendedor individual e do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda; altera os arts. 16, 72 e 77 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social, para incluir o filho ou o irmão que tenha deficiência intelectual ou mental como dependente e determinar o pagamento do salário-maternidade devido à empregada do microempreendedor individual diretamente pela Previdência Social; altera os arts. 20 e 21 e acrescenta o art. 21-A à Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993 - Lei Orgânica de Assistência Social, para alterar regras do benefício de prestação continuada da pessoa com deficiência; e acrescenta os §§ 4o e 5o ao art. 968 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para estabelecer trâmite especial e simplificado para o processo de abertura, registro, alteração e baixa do microempreendedor individual. Diário Oficial da União 2011; 1 set..

O conceito de deficiência está em evolução, bem como a compreensão da atuação dos profissionais e serviços de saúde, buscando ampliar as bases de reinserção de inclusão social55. Freita MNC. A Inserção de Pessoas com Deficiência em Empresas Brasileiras. Um Estudo sobre as Relações entre Concepções de Deficiência, Condições de Trabalho e Qualidade de Vida no Trabalho [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2007.. Entretanto, o mundo ocidental herdou a visão da Grécia Antiga em que a deficiência era considerada como um evento dificultador da sobrevivência/subsistência dos povos, sem o vigor e a força necessários para a agricultura ou para a guerra55. Freita MNC. A Inserção de Pessoas com Deficiência em Empresas Brasileiras. Um Estudo sobre as Relações entre Concepções de Deficiência, Condições de Trabalho e Qualidade de Vida no Trabalho [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2007..

Essa matriz de interpretação perpetuou em outros contextos históricos, sempre associada à exclusão social, até que no período pós-Segunda Guerra Mundial começou a modificar-se em função da demanda na Europa de homens para o mercado de trabalho. Os ex-combatentes, apesar de mutilados pela guerra, detinham um capital social e cultural diferenciado, marcando o início da legalização do direito ao trabalho nesse continente55. Freita MNC. A Inserção de Pessoas com Deficiência em Empresas Brasileiras. Um Estudo sobre as Relações entre Concepções de Deficiência, Condições de Trabalho e Qualidade de Vida no Trabalho [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2007.. Desde então seguiram-se muitas lutas dos movimentos sociais, e já se contabilizam avanços legais em vários países em termos de direitos e proteção33. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Diário Oficial da União 1999; 21 dez.

4. Brasil. Presidência da República. Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011. Altera os arts. 21 e 24 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Custeio da Previdência Social, para estabelecer alíquota diferenciada de contribuição para o microempreendedor individual e do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda; altera os arts. 16, 72 e 77 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social, para incluir o filho ou o irmão que tenha deficiência intelectual ou mental como dependente e determinar o pagamento do salário-maternidade devido à empregada do microempreendedor individual diretamente pela Previdência Social; altera os arts. 20 e 21 e acrescenta o art. 21-A à Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993 - Lei Orgânica de Assistência Social, para alterar regras do benefício de prestação continuada da pessoa com deficiência; e acrescenta os §§ 4o e 5o ao art. 968 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, para estabelecer trâmite especial e simplificado para o processo de abertura, registro, alteração e baixa do microempreendedor individual. Diário Oficial da União 2011; 1 set.
-55. Freita MNC. A Inserção de Pessoas com Deficiência em Empresas Brasileiras. Um Estudo sobre as Relações entre Concepções de Deficiência, Condições de Trabalho e Qualidade de Vida no Trabalho [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2007..

A concepção mais atual e internacionalmente aceita, considerada desde a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), parte da ênfase no apoio dos contextos ambientais e das potencialidades dos indivíduos, não se restringindo apenas nas incapacidades e limitações das pessoas com deficiência66. Farias N, Buchalla CMA. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde: Conceitos, Usos e Perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(2):187-193.. Esta classificação considera que a funcionalidade se refere a componentes de funções e estruturas do corpo, atividades e participação social. Já o conceito de incapacidade é definido como o resultado da interação de disfunções apresentadas pelo indivíduo, a limitação de suas atividades e a restrição na participação social, bem como fatores ambientais55. Freita MNC. A Inserção de Pessoas com Deficiência em Empresas Brasileiras. Um Estudo sobre as Relações entre Concepções de Deficiência, Condições de Trabalho e Qualidade de Vida no Trabalho [tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2007..

A deficiência é pensada e trabalhada como consequência das condições de saúde e doença, das determinações contextuais do ambiente físico e social, pelas diferentes percepções culturais e atitudes em relação à mesma, e pela disponibilidade de serviços e legislação específica. Assim, a CIF não se caracteriza apenas como um instrumento para medir o estado funcional das pessoas com deficiência, mas permite também avaliar as condições de vida e fornecer subsídios para políticas de inclusão social66. Farias N, Buchalla CMA. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde: Conceitos, Usos e Perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(2):187-193..

Estudos têm demonstrado que alguns grupos populacionais parecem estar mais propensos a deficiências. Aspectos como faixa etária, sexo, escolaridade e renda parecem estar mais associados a um tipo e grau de deficiência66. Farias N, Buchalla CMA. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde da Organização Mundial da Saúde: Conceitos, Usos e Perspectivas. Rev Bras Epidemiol 2005; 8(2):187-193.,77. World Health Organization (WHO). Towards a Common Language for Functioning, Disability and Health – ICF. Genebra: WHO; 2002..

Estudos de prevalência, pesquisas e inquéritos nacionais no campo da deficiência são complexos, tendo em vista os inúmeros desafios de mensuração que servem como base de dados comparáveis88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. [acessado 2015 out 16]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/
http://censo2010.ibge.gov.br/...
,99. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Cartilha do Censo 2010 – Pessoas com Deficiência. Brasília: SDHPR/ SNPD; 2012.. Ressaltamos a complexidade que reveste o fenômeno, tanto em relação ao debate teórico-conceitual em torno do termo, como o uso de diferentes expressões, tipologias e nomenclaturas1010. Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, Damacena GN, Azevedo LO, Azevedo e Silva G, Theme Filha MM, Lopes CS, Romero DE, Almeida WS, Monteiro CA. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Cien Saude Colet 2014; 19(2):333-342..

A Pesquisa Nacional de Saúde inclui o tema de deficiência autoreferida (intelectual, física, auditiva e visual) visando apoiar o planejamento das políticas públicas1010. Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, Damacena GN, Azevedo LO, Azevedo e Silva G, Theme Filha MM, Lopes CS, Romero DE, Almeida WS, Monteiro CA. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Cien Saude Colet 2014; 19(2):333-342..

O objetivo deste trabalho é descrever a prevalência autorreferida das deficiências intelectual, física, auditiva e visual no Brasil, segundo variáveis sociodemográficas, grau de limitação e frequência em uso de serviço de reabilitação.

Metodologia

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) é de âmbito nacional, realizada mediante parceria do Ministério da Saúde com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cujos dados foram obtidos através de coletas domiciliares entre agosto de 2013 e fevereiro de 2014. A PNS faz parte do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do IBGE e utiliza Amostra Mestra deste Sistema, que, por sua vez, permite maior espalhamento geográfico e ganho de precisão das estimativas.

A amostra da PNS foi por conglomerados em três estágios de seleção. No primeiro estágio foram selecionadas as unidades primárias de amostragem (UPAs), compostas por setores censitários. No segundo, dentro de cada UPA foi selecionado um número fixo de domicílios particulares, variando de 10 a 14. No terceiro, em cada domicílio amostrado foi selecionado um morador com 18 anos e mais. Em todos os estágios da amostra da PNS, utilizou-se amostra aleatória simples como método de seleção1111. Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso e Utilização dos Serviços de Saúde, Acidentes e Violências. Rio de Janeiro: IBGE; 2015..

Para a amostra, foram selecionados 81.254 domicílios, sendo que, entre esses, 69.994 estavam ocupados. Foram realizadas 64.348 entrevistas domiciliares, com taxa de perda de 20,8% e taxa de resposta de 91,9%. A amostra foi definida considerando o nível de precisão desejado para as estimativas de alguns indicadores de interesse, permitindo a estimação de alguns parâmetros em diferentes níveis geográficos de desagregação1111. Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso e Utilização dos Serviços de Saúde, Acidentes e Violências. Rio de Janeiro: IBGE; 2015..

A coleta dos dados foi realizada com o uso de computadores de mão (Personal Digital Assistance- PDA), programados para crítica dos valores recebidos. O questionário da PNS se divide em três partes: informações do domicílio; informações de todos os moradores, respondido por um morador (proxy); informações sobre o morador selecionado (morador adulto com 18 anos ou mais)1111. Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso e Utilização dos Serviços de Saúde, Acidentes e Violências. Rio de Janeiro: IBGE; 2015..

Assim, foram coletadas informações válidas para 205.000 moradores. Na análise dos dados, utilizou-se fatores de expansão ou pesos amostrais para as UPAs, domicílios, todos os moradores do domicílio e morador selecionado1111. Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso e Utilização dos Serviços de Saúde, Acidentes e Violências. Rio de Janeiro: IBGE; 2015..

A classificação de deficiência seguiu a legislação brasileira, que conceitua a deficiência auditiva como perda bilateral, parcial ou total de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.

Para caracterizar a deficiência auditiva com base em sua definição legal, a PNS incluiu as seguintes questões:

a) G14 ... Tem alguma deficiência auditiva? (1. Sim; 2. Não); G16. Qual deficiência auditiva? (1. Surdez dos dois ouvidos; 2. Surdez de um ouvido e audição reduzida do outro; 3. Surdez de um ouvido e audição normal do outro; 4 audição reduzida de ambos os ouvidos; 5. Audição reduzida em um dos ouvidos);

Forma de cálculo: Numerador: número de indivíduos com deficiência auditiva [G14 = 1 e (G16 = 1 ou G16 = 2 ou G16 = 4)] / Denominador: número de indivíduos entrevistados.

Portanto não é considerado deficiente o individuo que tem audição normal em um ouvido, ou quem tem audição reduzida em um dos ouvidos.

b) Para considerar se a deficiência é adquirida ou se nasceu com ela, considera-se a resposta sim para a seguinte questão G15. ... nasceu com a deficiência auditiva ou a deficiência foi adquirida? (1. Nasceu com a deficiência; 2. Foi adquirida. Com que idade?).

c) G17. Em geral, em que grau a deficiência auditiva limita as atividades habituais? (1. Não limita; 2. Um pouco; 3. Moderadamente; 4. Intensamente; 5. Muito intensamente).

Foi considerado com grande limitação, quem tem grau intenso/muito intenso de limitações.

d) G18. Frequenta algum serviço de reabilitação devido à deficiência auditiva? (1. Sim; 2. Não).

A deficiência mental é dada pelo funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer; e trabalho.

A forma de calcular a deficiência intelectual foi semelhante ao descrito anteriormente, bem como a definição da deficiência física.

A deficiência visual ou cegueira considerou a definição legal na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores. Neste caso, foi considerado qualquer tipo de deficiência visual quem referiu sim a seguinte questão: G21 ... Tem alguma deficiência auditiva? (1. Sim; 2. Não); G23. Qual deficiência visual? (1. Cegueira em ambos os olhos; 2. Cegueira em um olho e visão reduzida do outro; 3 Cegueira em um olho e visão normal do outro; 4. Baixa visão em ambos os olhos; 5. Baixa visão em um dos olhos);

Forma de cálculo: Numerador: número de indivíduos com deficiência visual (G21 = 1) e (G23 = 1 ou G23 = 2 ou G23 = 3 ou G23 = 4 ou G23 = 5). / Denominador: número de indivíduos entrevistados.

As deficiências múltiplas seriam a associação de duas ou mais deficiências1212. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2000; 3 dez..

Na análise deste estudo, são apresentados dados para o total de deficiências autoreferidas e cada tipologia em separado: intelectual, física, auditiva e visual. Foram analisados seis indicadores:

1. Proporção de pessoas com deficiência (ex: total, intelectual, física, auditiva ou visual). (número de pessoas que referiram deficiência / total de moradores nos domicílios entrevistados);

2. Proporção de pessoas que nasceram com deficiência (número de pessoas que referiram ter nascido com deficiência / total de moradores nos domicílios entrevistados);

3. Proporção de pessoas com deficiência adquirida (número de pessoas que referiram ter adquirido deficiência / total de moradores nos domicílios entrevistados);

4. Proporção de pessoas com deficiência com grau de limitação intenso/muito intenso para, ou que não conseguem, realizar as atividades habituais (número de pessoas que referiram ter grau intenso/muito intenso de limitação / total de moradores nos domicílios entrevistados);

5. Proporção de pessoas com deficiência com pouco ou nenhum grau de limitação para realizar as atividades habituais (número de pessoas que referiram pouco ou nenhum grau de limitação para a realização das atividades habituais / total de moradores nos domicílios entrevistados);

6. Proporção de pessoas com deficiência que frequentam algum serviço de reabilitação (número de pessoas que fazem reabilitação / total de moradores nos domicílios entrevistados);

Os indicadores de prevalência referida dos quatro tipos de deficiência foram estratificados para Brasil, Grandes Regiões (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), localidade (urbana/rural), sexo (masculino e feminino), faixa etária (0 a 9, 10 a 17, 18 a 29, 30 a 39, 40 a 59, 60 anos e mais), cor ou raça (branca, preta e parda). Foram descritas as prevalências e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), com a apresentação dos números absolutos. Quando não houve sobreposição dos intervalos de confiança, a diferença foi considerada estatisticamente significativa. Os demais indicadores foram analisados apenas para Brasil e localidade (urbana/rural).

Os dados foram analisados com o uso do software Stata 11.0, por meio do módulo survey, que considera efeitos da amostragem complexa. A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (CONEP), em junho de 2013, sob o parecer número 328.159. No momento de realização da entrevista, todos os indivíduos foram consultados, esclarecidos e aceitaram participar da pesquisa.

Resultados

A prevalência de deficiência autorreferida no país foi de 6,2% (IC95%5,9;6,5), ou cerca de 12,4 milhões de pessoas, sem diferença entre homens e mulheres. Esta tendeu a aumentar conforme a idade, com diferenças significativas para as faixas de 40 a 59 anos 8,1% (IC95%7,6;8,6) e 60 anos e mais 18,2% (IC95% 17,2;19,2). Não houve diferença segundo raça/cor da pele. Ainda, foi mais elevada na região rural 7,4% (6,7;8,3) e a região Sul apresentou maior prevalência 8,4% (IC95% 7,5;9,3), conforme descrito na Tabela 1.

Tabela 1
Prevalência autorreferida das deficiências na população brasileira, segundo características sociodemográficas. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Brasil.

A prevalência de deficiência intelectual na população foi de 0,8% (IC95% 0,7;0,8), maior entre homens, sem diferenças por faixa etária, raça/cor da pele e Grandes Regiões. (Tabela 2)

Tabela 2
Prevalência autorreferida das deficiências intelectual, física, auditiva e visual na população brasileira, segundo características sociodemográficas. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Brasil.

A deficiência física foi de 1,3% (IC95%:1,2-1,4), ou 2,6 milhões de pessoas, sendo maior em homens (1,6% IC95%:1,5-1,8) que em mulheres (1,0% IC95%:0,9-1,1). Com relação à faixa etária, a prevalência aumentou com a idade, sendo maior entre os indivíduos com 60 anos e mais (3,3% IC95%:2,9-3,6). Para raça ou cor, maior percentual foi observado entre os indivíduos de cor preta, porém sem diferença estatisticamente significativa. Não houve diferença entre localidade urbana e rural. Para as regiões, observou-se maior prevalência de deficiência física na região Nordeste (1,6% IC95%:1,4-1,8) em relação a Sudeste (1,2% IC95%:1,0-1,3) e Norte (1,1% IC95%:0,9-1,3) (Tabela 2).

Com relação à deficiência auditiva, a prevalência foi de 1,1% (IC95%:1,0-1,2), por volta de 2,2 milhões de pessoas, sem diferença entre homens e mulheres. A prevalência de deficiência auditiva tendeu a aumentar conforme a idade, com diferenças significativas para as faixas de 40 a 59 anos (1,0% IC95%:0,9-1,2) e 60 anos e mais (5,2% IC95%:4,7-5,7). Maior prevalência foi observada, também, entre os indivíduos que referiram ser de cor branca (1,4% IC95%:1,2;1,5). A região Sul apresentou maior percentual (1,4% IC95%1,2;1,7) em relação às demais e a prevalência foi menor na região Norte (0,8% IC95%0,6;0,9) (Tabela 2).

A deficiência visual apresentou maior prevalência dentre as deficiências investigadas (3,6% IC95%3,4;3,9), aproximadamente 7,2 milhões de pessoas, sem diferença entre homens e mulheres. Assim como nas deficiências auditiva e física, a visual também tendeu a aumentar conforme a idade, com maiores prevalências para as faixas de 40 a 59 anos (5,1% IC95%:4,7-5,6) e 60 anos e mais (11,5% IC95%:10,6-12,4). Não foi observada diferença por cor ou raça. No que diz respeito à localidade, maior prevalência foi encontrada nos indivíduos que residiam na área rural (4,7% IC95%:4,0-5,4). Por regiões, as prevalências foram similares, com exceção à região Sul, que apresentou percentual elevado em relação às demais, com diferença significativa (5,9% IC95%:5,0-6,8) (Tabela 2).

Investigou-se, ainda, as proporções de deficiência de nascença e adquirida, por tipo de deficiência, para Brasil e localidades. Para deficiência intelectual, os percentuais foram maiores para os indivíduos que referiram ter nascido com tal deficiência. No entanto, comportamento diferente foi observado para as demais deficiências, que foram maiores entre os indivíduos que referiram ter adquirido. Em particular, observou-se grande diferença na deficiência visual, que apresentou prevalência bem mais elevados de deficiência adquirida em relação à deficiência de nascença, cerca de dez vezes maior (Figura 1).

Figura 1
Proporção de pessoas com deficiência de nascença e adquirida, por tipo de deficiência e localidade Brasil. PNS 2013.

Com o intuito de avaliar o grau de limitação dos que referiram alguma deficiência física, dividiu-se os indivíduos em dois grupos: limitação intensa / muito intensa e pouco ou nenhum grau de limitação. Para o grau de limitação intenso / muito intenso, observou-se percentuais bastante elevados para as deficiências intelectual (54,8%) e física (46,8%). Os indivíduos que referiram deficiência auditiva e visual relataram 20,6% de limitação intensa / muito intensa e com deficiência visual foram as que menos referiram limitação intensa / muito intensa quando comparadas com as demais (16,0%) (Figura 2).

Figura 2
Proporção de pessoas com grau de limitação intenso/muito intenso e com pouco ou nenhum grau de limitação, por tipo de deficiência e localidade. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Brasil.

Com relação ao uso de serviços de reabilitação em função da deficiência referida, os percentuais foram maiores entre os que referiram deficiência intelectual e entre os que referiram deficiência física (sendo superior entre os residentes na área urbana, para ambos os casos) (Figura 3).

Figura 3
Proporção de pessoas que frequentam algum tipo de serviço de reabilitação, por tipo de deficiência e localidade. Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Brasil.

Discussão

O estudo descreveu a distribuição epidemiológica da deficiência autorreferida no Brasil e apontou prevalência de 6,2%, ou cerca de 12,4 milhões de pessoas com deficiência intelectual, física, auditiva ou visual. A prevalência aumentou com a idade, em especial após 40 anos e foi elevada na área rural e na região Sul. A deficiência mais comum foi a visual, com prevalência de 3,6%, as demais em torno de 1%. Predominou a deficiência adquirida, exceto a intelectual, que foi mais frequente os que nasceram com esta. O grau de limitação intenso/muito intenso foi mais elevado entre os deficientes intelectuais, mais da metade, seguido de deficiência física, menos da metade, um quinto dos deficientes auditivos relataram limitação intensa/muito intensa e o menor relato de limitação foi entre os deficientes visuais (16,0%).

A Convenção Mundial da Pessoa com Deficiência destaca a importância de avançar para reduzir as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente, que impedem e limitam a plena e efetiva participação da pessoa com deficiência na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas1313. Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Ciclos de Vida. Rio de Janeiro: IBGE; 2015.. A PNS agrega informações sobre o tema, ampliando o compromisso com a formulação de políticas públicas que promovam a inclusão e a melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência.

A PNS optou pelo foco no conceito em deficiências autorreferidas, respondidas pelo próprio usuário, ou pelo proxy ou responsável. O que sugere uma tendência de maior identificação por parte dos entrevistados para as deficiências permanentes, que, possivelmente, estejam mais associadas a maiores impactos nas atividades diárias1111. Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso e Utilização dos Serviços de Saúde, Acidentes e Violências. Rio de Janeiro: IBGE; 2015.. Além disso, as deficiências e as incapacidades mais reconhecíveis e aparentes, passíveis de identificação por terceiros em geral são as moderadas e graves e são as mais comumente identificadas, seja pelo próprio sujeito, seja pelo proxy. Em estudos populacionais de autorrelato e com uso de proxy pode haver uma tendência de subestimar a ocorrência das deficiências, especialmente as mais brandas, o que pode explicar a variação de prevalência da ocorrência destes agravos em outros estudos.

Além disso, a autoavaliação ou autodeclaração baseia-se na percepção de saúde do indivíduo e caracteriza-se como uma medida subjetiva. Quando essa informação é fornecida por um informante substituto (proxy), vale considerar que a subjetividade também está sujeita à percepção do indivíduo sobre a saúde do outro1414. Goulart BNG, Martins-Reis VO, Chiari BM. Inquérito domiciliar de distúrbios fonoaudiológicos autodeclarados: desenho e protocolo de pesquisa. Audiol, Commun Res 2015; 20(4):336-348.. Entretanto, no caso da deficiência, possivelmente pode interferir na aferição da prevalência do grau de comprometimento da incapacidade (handicap), mas não deve interferir significativamente no levantamento da prevalência de deficiência global, exceto nos casos mais brandos (ou leves).

Segundo a OMS, existem muitas variações nas prevalências de deficiências ao redor do mundo. Isso porque as abordagens e os métodos de coleta de dados das pesquisas também são muito variáveis22. World Health Organization (WHO). Disability and Rehabilitation: Future, Trends and Challenges in Rehabilitation. Geneva: WHO; 2002..

O Censo do IBGE de 2010 contabilizou um universo de 45,6 milhões pessoas que referiram ter algum tipo de deficiência (23,9%), sendo que mais de 17,7 milhões delas (6,7% da população) apresentavam alguma deficiência considerada “severa”1212. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2000; 3 dez.. A PNS encontrou uma prevalência 6,2% em 2013, o que a aproxima do conceito do censo de deficiência severa. Os dados do Censo se basearam em outras perguntas e conceitos, incluindo o tema de limitação de funcionalidade, o que pode explicar estas diferenças1212. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2000; 3 dez.. A PNS buscou bases legais da legislação nacional para suas definições e neste sentido tornou-se mais específica, o que pode também justificar as diferenças nas prevalências encontradas nas duas pesquisas1010. Szwarcwald CL, Malta DC, Pereira CA, Vieira MLFP, Conde WL, Souza Júnior PRB, Damacena GN, Azevedo LO, Azevedo e Silva G, Theme Filha MM, Lopes CS, Romero DE, Almeida WS, Monteiro CA. Pesquisa Nacional de Saúde no Brasil: concepção e metodologia de aplicação. Cien Saude Colet 2014; 19(2):333-342.. Comparações entre inquéritos são complexos pelas diferenças metodológicas, amostragem, estratégia de coleta de dados das pesquisas. Além disto, é essencial que utilizem o mesmo questionário, sequencias das perguntas, opções de respostas, saltos/pulos, mudanças na forma de cálculo e conceitos dos indicadores1515. Barros MBA. Inquéritos domiciliares de saúde: potencialidades e desafios. Rev Bras Epidemiol [periódico na Internet] 2008 maio [acessado 2015 jan 5]; 11(Supl 1):6-19. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v11s1/01.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v11s1/01...
. Estas questões podem explicar a diferença da PNS e outros inquéritos.

A PNS também aborda outras questões relacionadas à funcionalidade nos módulos “Saúde dos indivíduos com 60 anos ou mais”, “Percepção de saúde”, “Estilos de vida” e “Doenças Crônicas”1111. Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Acesso e Utilização dos Serviços de Saúde, Acidentes e Violências. Rio de Janeiro: IBGE; 2015.,1313. Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). Ciclos de Vida. Rio de Janeiro: IBGE; 2015.. Estes dados ajudam a compor um quadro mais sensível acerca da deficiência e da limitação funcional, apontando o impacto das diversas barreiras funcionais experimentadas pela população brasileira. Somados estes casos de limitação funcional, aos obtidos com autorrelato de deficiência, estariam próximos do que foi identificado no Censo 2010. Neste estudo optamos por apresentar somente as prevalências relativas às deficiências autorreferidas.

A Pesquisa Mundial de Saúde e a Carga Global de Doenças da OMS (2004) estimam que cerca de 15% da população mundial apresente alguma deficiência/limitação de funcionalidade, superando a estimativa dos anos 70, que era de 10%1616. Santos S, Melo US, Lopes SSS, Weller M, Kok F. A Endogamia Explicaria a Elevada Prevalência de Deficiências em Populações do Nordeste Brasileiro? Cien Saude Colet 2012; 18(4):1141-1150.. Esta mesma pesquisa identificou que no Nordeste ocorreriam maiores prevalências, diferente do que foi identificado na PNS, que apontou a região Sul, em especial com altas prevalências de deficiência visual1616. Santos S, Melo US, Lopes SSS, Weller M, Kok F. A Endogamia Explicaria a Elevada Prevalência de Deficiências em Populações do Nordeste Brasileiro? Cien Saude Colet 2012; 18(4):1141-1150..

O aumento da deficiência com a idade também foi identificado na PNS e também no Censo88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. [acessado 2015 out 16]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/
http://censo2010.ibge.gov.br/...
e pode ser justificado pelas deficiências adquiridas em função de acidentes e doenças, as quais são mais frequentes entre os idosos, com destaque para doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral e demências, bem como aqueles agravos inerentes ao envelhecimento, como a presbiacusia88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico 2010. [acessado 2015 out 16]. Disponível em: http://censo2010.ibge.gov.br/
http://censo2010.ibge.gov.br/...
,1717. Malta DC, Moura LD, Prado RRD, Escalante JC, Schmidt MI, Duncan BB. Chronic non-communicable disease mortality in Brazil and its regions, 2000-2011. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2014; 23(4):599-608.,1818. Schiller JS, Lucas JW, Peregoy JA. Summary health statistics for U.S. adults: National Health Interview Survey, 2011. National Center for Health Statistics. Vital Health Stat 10 2012; (252):1-218..

A prevalência de deficiência visual foi mais elevada que as demais, o que pode ser justificado pela própria legislação nacional que tipifica deficientes de forma diferente que os demais, incluindo como deficiente a baixa visão em um ou ambos os olhos1212. Brasil. Presidência da República. Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2000; 3 dez..

A catarata e o glaucoma são as causas mais comuns de deficiência visual grave1919. Campos B, Cerrate A, Montjoy E, Dulanto Gomero V, Gonzales C, Tecse A, Pariamachi A, Lansingh VC, Dulanto Reinoso V, Minaya Barba J, Silva JC, Limburg H. National survey on the prevalence and causes of blindness in Peru. Rev Panam Salud Publica 2014; 36(5):283-289.,2020. López M, Brea I, Yee R, Yi R, Carles V, Broce A, Limburg H, Silva JC. Survey on avoidable blindness and visual impairment in Panama. Rev Panam Salud Publica 2014; 36(6):355-360.. A refração não corrigida é causa de problemas visuais moderados1919. Campos B, Cerrate A, Montjoy E, Dulanto Gomero V, Gonzales C, Tecse A, Pariamachi A, Lansingh VC, Dulanto Reinoso V, Minaya Barba J, Silva JC, Limburg H. National survey on the prevalence and causes of blindness in Peru. Rev Panam Salud Publica 2014; 36(5):283-289., requerendo acesso da população afetada a serviços especializados capazes de diagnosticar e tratar oportunamente estes agravos2121. Theou O, Brothers TD, Peña FG, Mitnitski A, Rockwood K. Identifying Common Characteristics of Frailty Across Seven Scales. J Am Geriat Soc 2014; 62(5):901-906..

Com o envelhecimento há uma tendência de aumento da prevalência de coocorrência das deficiências associadas a outros agravos, aspecto denominado pela literatura internacional como flailty (fragilidade)2121. Theou O, Brothers TD, Peña FG, Mitnitski A, Rockwood K. Identifying Common Characteristics of Frailty Across Seven Scales. J Am Geriat Soc 2014; 62(5):901-906..

Foram relativamente baixas as frequências de uso de serviços. A maior frequência refere-se ao uso serviços para deficientes intelectuais, o que podereferir-se à rede de APAES2222. Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Sobre Deficiência Intelectual e as APAES. [acessado 2015 nov 07]. Disponível em: http://www.apaesp.org.br/SobreADeficienciaIntelectual/Paginas/O-que-e.aspx
http://www.apaesp.org.br/SobreADeficienc...
. A pergunta utilizada na pesquisa é feita para verificar se o usuário frequenta algum serviço. Neste sentido, sua interpretação precisa ser ponderada, podendo não ter sido compreendida pelos deficientes auditivos e físicos que obtiveram próteses, pois estes podem não usar serviços de forma contínua uma vez que suas necessidades já foram atendidas a partir da adaptação de órteses e próteses. O conceito de reabilitação deve ser considerado como um processo com início, meio e fim, portanto, este pode ser um limite da própria pesquisa, demandando novas perguntas, para cada tipo de deficiência, em suas próximas edições2323. Senna MCM, Lobato LVC, Andrade LD. Proteção Social à Pessoa com Deficiência no Brasil Pós-Constituinte. Revista SER Social 2013; 15(32):67-73.. Por outro lado, é necessário reconhecer que o acesso aos serviços de reabilitação ainda é escasso, mesmo com as ampliações. Em 2011, o Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limites, do governo federal2424. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília: MS; 2008., contou com o engajamento de quinze ministérios e do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência (CONADE) e propôs ação compartilhada entre União, estados e municípios e a articulação de políticas governamentais nas áreas de acesso à educação, inclusão social, acessibilidade e atenção à saúde2424. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília: MS; 2008..

No Brasil, o reconhecimento da deficiência como questão de direitos humanos e tema de justiça social é ainda um tema recente. Durante muitos anos a deficiência foi tratada exclusivamente como uma tragédia pessoal e/ou uma anomalia em relação ao corpo considerado normal, cuja responsabilidade ficava a cargo das famílias e de instituições filantrópicas voltadas à reabilitação, educação ou confinamento das pessoas deficientes. As ações para pessoas com deficiência, que envolvem investimentos de maior custo, como serviços de maior complexidade, infraestrutura, equipamentos e materiais, recursos humanos de várias profissões, ainda são escassas2323. Senna MCM, Lobato LVC, Andrade LD. Proteção Social à Pessoa com Deficiência no Brasil Pós-Constituinte. Revista SER Social 2013; 15(32):67-73..

Dentre os limites, as respostas são autorreferidas, podem estar sujeitas a viés de memória2525. Sen A. Health: perception versus observation : Self reported morbidity has severe limitations and can be extremely misleading. BMJ 2002; 324(7342):860-861.. Além disto, no caso da deficiência, o informante pode ser outra pessoa, e pode variar a percepção do grau de do comprometimento nas atividades de vida diária, em função da subjetividade inerente ao evento.

Conclusão

Os dados apresentados mostram os diversos aspectos das deficiências no Brasil. Estes achados são úteis para o apoio à tomada de decisão na definição de ações específicas para a população-alvo. E, embora haja avanços significativos nos últimos anos em relação às políticas públicas que visam promover a integralidade da atenção à saúde das pessoas com deficiência em alinhamento ao preconizado pela ONU e OMS, ainda permanece a necessidade de ampliar o acesso às ações de promoção, prevenção, diagnóstico e tratamento precoce, bem como o fortalecimento de políticas públicas específicas de saúde, de educação, de proteção social, trabalho e emprego.

As deficiências no Brasil atingem mais de 12 milhões de pessoas, em sua maioria homens com idade maior ou igual a 60 anos. A referência ao uso de serviços de saúde em decorrência destas deficiências pode ter sido subestimada pelos entrevistados, o que requer levantamento mais aprofundado a fim de verificar se isso se deve a dificuldade de acesso a estes ou se os sujeitos não identificam o acesso ao diagnóstico e aos programas de adaptação e uso de órteses e próteses como acesso a reabilitação para as deficiências e, por consequência, aos serviços de saúde pública. A PNS agrega informações sobre o tema, ampliando o compromisso com a formulação de políticas públicas que promovam a inclusão e a melhoria da qualidade de vida das pessoas com deficiência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Nov 2015
  • Revisado
    30 Jun 2016
  • Aceito
    02 Jul 2016
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br