Avaliação de cloradores simplificados por difusão para descontaminação de água de poços em assentamento rural na Amazônia, Brasil

Danielle Costa Ferreira Sergio Luiz Bessa Luz Daniel Forsin Buss Sobre os autores

Resumo

Apesar da região amazônica abrigar a maior reserva de água doce do planeta, a falta de saneamento e de tratamento de água, sobretudo na zona rural, causa problemas ambientais e de saúde. Em assentamentos rurais isolados, o abastecimento geralmente é feito por poços rasos (cacimbões) e a qualidade da água é uma preocupação dos moradores. Nestes casos, as opções de tratamento de água são restritas. O objetivo deste estudo foi avaliar o uso de cloradores simplificados por difusão como método alternativo de tratamento de água. Foram realizadas análises bacteriológicas de 100 amostras de água dos poços, antes e após a aplicação dos cloradores, no Assentamento Rural do Rio Pardo, Presidente Figueiredo (AM). As fontes analisadas foram consideradas inadequadas para consumo sem tratamento prévio, e o uso dos cloradores zerou a contaminação por coliformes termotolerantes, na grande maioria dos casos. Além disso, o método teve boa receptividade pelos moradores por não conferir sabor à água de consumo, por ter relativo baixo custo e ser de fácil manuseio. Discutimos as vantagens e as limitações do uso deste método de tratamento para esse contexto socioambiental e apresentamos sugestões de melhoria e adaptação para a aplicação desta metodologia em outros assentamentos.

Qualidade da água; Tratamento de água; Cloradores; Amazônia; Assentamentos rurais

Introdução

A falta de infraestrutura dos serviços de saneamento e captação, tratamento e distribuição de água é um problema tanto nas periferias das grandes cidades brasileiras quanto nas áreas rurais11. Razzolini MTP, Günther WMR. Impactos na Saúde das Deficiências de Acesso a Água. Saúde Soc 2008; 17(1):21-32.. Nestas últimas, a dificuldade de acesso à água potável e segura é ainda maior, haja vista seu distanciamento dos sistemas de tratamento e redes de distribuição das cidades, sendo notória a iniquidade em termos de oportunidade de acesso e ausência de políticas públicas em saneamento e saúde22. Abramovay R. Funções e Medidas da Ruralidade no Desenvolvimento Contemporâneo. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); 2000. Texto para discussão, no 702.. Nas últimas décadas, iniciativas globais (como os Objetivos do Milênio) visaram ampliar o acesso, sobretudo das populações mais vulneráveis. Apesar dos avanços obtidos no abastecimento de água, cerca de 36 milhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável na América Latina e, destes, 80% residem em áreas rurais33. Baum R, Luh J, Bartram J. Sanitation: A global estimate of sewerage connections without treatment and the resulting impact on MDG progress. Environ Sci Technol 2013; 47(4):1994-2000.,44. Onda K, Lobuglio J, Bartram J. Global access to safe water: accounting for water quality and the resulting impact on MDG progress. Intern J Environ Res Public Health 2012; 9(3):880-894.. Na zona rural brasileira, o déficit de cobertura de sistemas de tratamento de água e esgoto é grande: quase 67% da população capta água de fontes alternativas, geralmente inadequadas para consumo humano, e 66.5% lançam os dejetos em fossas rudimentares ou diretamente no solo ou nos cursos d’água55. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por amostra de domicílio – Síntese dos Indicadores 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013..

A Amazônia abriga a maior reserva de água doce do planeta, no entanto, sua população sofre com problemas de acesso à água potável e às tecnologias convencionalmente aplicadas no tratamento e distribuição de água66. Lobo MAA, Lima DMB, Souza CMN, Nascimento WA, Araújo LCC, Santos NB. Avaliação econômica de tecnologias sociais aplicadas à promoção da saúde: abastecimento de água por sistema Sodis em comunidades ribeirinhas da Amazônia. Cien Saude Colet 2013; 18(7):2119-2127.. A política de reforma agrária do Brasil, nos anos 1970, atraiu para a Amazônia migrantes interessados em trabalhar nos empreendimentos amazônicos financiados ou incentivados pelo governo federal77. Bursztyn M. Amazonie brésilienne: bilan de 40 ans de politiques publiques... et défis pour les 40 ans à venir. In: Sayago D, Tourrand JF, Bursztyn M, Drummond JA, organizadores. L’Amazonie, un démi siècle après la colonisation. Paris: Ed. Quae; 2010. p. 3-18.. Hoje, mais da metade dos lotes de assentamentos rurais distribuídos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) estão localizados na Amazônia Legal brasileira88. Le Tourneau FM, Bursztyn M. Assentamentos rurais na Amazônia: contradições entre a política agrária e a política ambiental. Ambient Soc 2010; 13(1):111-130.. Nesses assentamentos, as principais fontes de abastecimento são os poços rasos e as nascentes, muito susceptíveis à contaminação. O risco de ocorrência de doenças de veiculação hídrica é alto, pois muitas vezes os poços estão inadequadamente vedados e próximos de fontes de contaminação, como fossas e áreas de pastagem ocupadas por animais99. Amaral LA, Nader Filho A, Rossi Junior OD, Ferreira FLA, Barros LSS. Água de consumo humano como fator de risco à saúde em propriedades rurais. Rev Saude Publica 2003; 37(4):510-514..

No caso de ausência de sistemas de captação, tratamento e distribuição de água, uma das alternativas propostas é o uso de técnicas de desinfecção domiciliar, sendo o cloro e o hipoclorito de sódio e/ou cálcio os mais comuns1010. Skinner B. Chlorinating Small Water Supplies: A Review of Gravity-Powered and Water Powered Chlorinators. London, Loughborough: LSHTM/WEDC; 2001.. Alguns trabalhos sugerem o uso de cloradores simplificados por difusão como proposta de tecnologia social para atender a demanda da população sem acesso ao tratamento e distribuição de água, como as comunidades rurais1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera. Brasília: Editora Ministério da Saúde; 2008.

12. Guerra CHW. Avaliação da eficiência do clorador simplificado por difusão na desinfecção da água para consumo humano em propriedades rurais na bacia do Ribeirão da Laje – Caratinga/MG [dissertação]. Caratinga: Centro Universitário de Caratinga; 2006.

13. Meyer ST. O uso de cloro na desinfecção de águas, a formação de trihalometanos e os riscos potenciais à saúde pública. Cad Saude Publica 1994; 10(1):99-110.

14. Viana FC. Construção de poços rasos – cisternas – e do uso de cloradores por difusão. 4ª ed. Belo Horizonte: UFMG; 1988.
-1515. Carvalho ACFB. Efeitos dos cloradores simplificados sobre a qualidade bacteriológica de água de poços rasos (cisternas) na comunidade de Bom Jardim, Ibirité/MG [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 1983.. Estudos sobre tecnologias sociais têm ganho visibilidade por sua capacidade de auxiliar na melhoria das condições de vida dos grupos mais vulneráveis da população. Essas tecnologias podem ser definidas como um “conjunto de técnicas, metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para a inclusão social e melhoria das condições de vida”, direcionada prioritariamente para a emancipação dos atores envolvidos, tendo no centro os próprios produtores e usuários dessas tecnologias1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera. Brasília: Editora Ministério da Saúde; 2008.,1616. Rodrigues I, Barbieri JC. A emergência da tecnologia social: revisitando o movimento da tecnologia apropriada como estratégia de desenvolvimento sustentável. Rev Adm Pública 2008; 42(6):1069-1094.. No Brasil, a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) é a instituição responsável pelo saneamento e saúde ambiental nos municípios brasileiros com menos de 50 mil habitantes, incluindo áreas rurais, quilombolas e ribeirinhos. Entre os projetos propostos pela FUNASA está o uso de sistemas simplificados de tratamento de água com tecnologia de baixo custo para atender a demanda imediata de comunidades rurais, como o clorador simplificado por difusão.

Os objetivos deste estudo foram avaliar o uso deste método para descontaminação de poços rasos em um assentamento rural distante de grandes centros populacionais na Amazônia central e discutir as vantagens e as limitações para seu uso neste contexto socioambiental. O projeto desta pesquisa foi previamente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Amazonas.

Métodos

Área de estudo

O estudo foi realizado no Assentamento Rural Rio Pardo, criado pelo INCRA em 1996, no município de Presidente Figueiredo, AM. O município localiza-se a 110 km ao norte de Manaus e o assentamento – localizado na coordenada geográfica S 01°47′52″ W 60°15′82″ – dista 35 quilômetros da sede do município (Figura 1). O acesso é feito por via terrestre pela BR-174 e depois por 17 quilômetros em estrada de terra, ou por via fluvial, através do igarapé do Rio Pardo, um pequeno afluente do Rio Negro.

Figura 1
Localização do Assentamento Rural Rio Pardo - Presidente Figueiredo/AM.

O assentamento é composto por estradas de terra, denominadas “ramais”. Possui 584 habitantes e um ramal principal, quatro vicinais e uma área onde os moradores residem às margens do igarapé, apenas com acesso fluvial. A maioria das residências é construída de madeira, mas há construções de alvenaria ou de taipa/pau-a-pique.

As propriedades são distantes entre si, havendo apenas um pequeno aglomerado de casas, igrejas, pequenas mercearias, duas escolas de ensino infantil e fundamental e um posto de saúde, que semanalmente recebe a visita de um dentista, uma enfermeira e um médico. O acesso aos moradores do igarapé é feito com canoas e a distância entre propriedades é de dois quilômetros.

A principal atividade econômica em Rio Pardo é a agricultura familiar. As principais plantações são banana, mandioca, cupuaçu, pupunha, pimentão e pimenta-de-cheiro. Parte da produção é entregue a atravessadores e transportadas para serem vendidas na cidade de Presidente Figueiredo e Manaus. Poucos assentados possuem gado para fins comerciais, mas muitas famílias mantêm animais domésticos para consumo (porcos, galinhas, ovelhas e cabras).

De modo geral, as condições de saneamento no Assentamento Rural Rio Pardo são precárias, inexistindo infraestrutura para destinação adequada dos dejetos. Além disso, não possui rede ou estrutura para o tratamento de água de consumo. As fontes de água utilizadas no assentamento são: poços rasos de grande diâmetro (cacimbões; com diâmetro de 80-150 centímetros e com no máximo 15 metros de profundidade, escavados manualmente até a obtenção de água do lençol freático superficial, sem que haja necessidade de licenciamento ou autorização governamental); uma nascente (ponto em que a água flui pela superfície do solo); igarapé (curso d’água amazônico constituído por um braço longo de rio ou canal, caracterizado pela relativa baixa profundidade) e um poço profundo (captação de água de lençóis situados entre duas camadas impermeáveis – exige mão-de-obra e equipamentos especiais para construção).

Instalação dos cloradores por difusão

Após negociação com a associação de moradores e com os proprietários, foram selecionados 20 poços rasos (cacimbões) – aqueles onde havia o compartilhamento entre residências. Estes poços abastecem 39 famílias de um total de 219 propriedades1717. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Informações Gerais sobre Assentamentos. [acessado 2015 ago 26]. Disponível em: http://painel.incra.gov.br/sistemas/Painel/ImprimirPainelAssentamentos.php?cod_sr=15&Parameters%5BPlanilha%5D=Nao&Parameters%5BBox%5D=GERAL&Parameters%5BLinha%5D=9
http://painel.incra.gov.br/sistemas/Pain...
. Em cada poço, técnicos da FUNASA instalaram um clorador simplificado por difusão, recomendado pelo Ministério da Saúde do Brasil como método doméstico de desinfecção de água1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera. Brasília: Editora Ministério da Saúde; 2008.. O clorador consiste de um recipiente plástico (tubo de PVC ou garrafa PET) contendo 340 gramas de hipoclorito de cálcio [Ca(OH)2] a 65% de cloro ativo, como desinfetante, misturadas a 850 gramas de areia lavada, com dois furos opostos de 6 milímetros de diâmetro, aproximadamente 10 centímetros abaixo do topo (Figura 2). A areia deve ser lavada, sem matéria orgânica ou argila. Não é conveniente que a areia seja muito grossa e nem muito fina, e não pode ser procedente de córregos ou rios que recebam poluentes e contaminantes em níveis elevados1818. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera. 2ª ed. Brasília: Editora Ministério da Saúde. 2010..

Figura 2
A) Clorador Simplificado por Difusão e B) Posição do clorador dentro do poço.

O hipoclorito de cálcio é liberado em concentrações supostamente homogêneas, mantendo um teor residual até o término de sua vida útil e a areia tem a função de controlar a quantidade do desinfetante liberado para a água. Segundo técnicos da FUNASA, esta mistura é suficiente para a desinfecção de 2 mil litros de água, e pode permanecer liberando o cloro por cerca de trinta dias dentro do cacimbão. O equipamento deve ser amarrado a uma linha de nylon e submergido, mantendo-se o topo próximo ao nível d’água1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera. Brasília: Editora Ministério da Saúde; 2008..

Análise bacteriológica da água

Em cada cacimbão, foram coletadas amostras de água para análise de bactérias do grupo coliformes totais e Escherichia coli. Os coliformes são divididos em Coliformes Fecais e Coliformes Totais que incluem bactérias que não são exclusivamente de origem fecal, podendo ocorrer naturalmente no solo, na água e em plantas1919. Organizacion Mundial De La Salud (OMS). Guías para la calidad del agua potable. Genebra: OMS; 1995.. A detecção de E. coli na água estabelece um parâmetro indicador de melhor correlação com os riscos de saúde associados à contaminação de um determinado ambiente, onde há a possibilidade de existência de microrganismos patogênicos responsáveis pela transmissão de doenças através do uso ou ingestão da água, tais como a febre tifoide, febre paratifoide, disenteria bacilar e cólera1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera. Brasília: Editora Ministério da Saúde; 2008.,2020. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boas práticas no abastecimento de água: procedimentos para a minimização de riscos à saúde. Brasília: Editora Ministério da Saúde; 2006. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).. Amostragens para quantificação de coliformes totais e Escherichia coli são determinadas na Portaria No 2.914/20112121. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria No 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União 2011; 13 dez. do Ministério da Saúde, que regulamenta os procedimentos de controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade.

As amostras foram coletadas utilizando-se recipientes plásticos próprios do kit, esterilizados, com marcadores de nível para não exceder o volume padrão de 100 mL, e mantidas sob refrigeração em caixa de isopor até serem transportadas ao laboratório para processamento, que ocorreu em até 6 horas após a coleta. A amostra de água foi colhida usando o sistema instalado na propriedade (bombas mecânicas ligadas a mangueiras que retiram a água do cacimbão), antes da água chegar ao local de armazenamento. As análises foram realizadas no Laboratório Móvel da Funasa e no Laboratório de Apoio da Fiocruz no próprio Assentamento, em diferentes momentos: antes da intervenção e 2, 15, 30 e 90 dias após esta, totalizando 100 amostras. Para análise foi utilizado o sistema Colilert® e Quanti-Tray/2000 da empresa IDEXX Corporation, baseado no método de substrato definido, com tempo de incubação de 24 horas. Este método, simplificado e rápido, cumpre os requisitos dos órgãos internacionais que regulamentam os padrões de análise e potabilidade da água e é citado no Standard Methods for the Examination of Water and Waste-water2222. American Public Health Association (APHA), American Water Works Association (AWWA), Water Environment Federation (WEF). Standard of methods for the examination of water and wastewater. 22a ed. Washington: APHA, AWWA, WEF; 2012.. A Portaria No 2.914/20112121. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria No 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da União 2011; 13 dez. do Ministério da Saúde indica que deve ser realizada a dosagem de cloro residual durante o processo de descontaminação. Em todas as ocasiões em que a água foi amostrada, a concentração de cloro residual foi analisada a partir do método colorimétrico com pastilhas de DPD (N-dietil-para-fenilendiamina) e equipamento da marca HACH®. As pastilhas de DPD foram dissolvidas em uma amostra de água contendo cloro, produzindo a coloração rosa cuja intensidade é proporcional à concentração de cloro. Desta forma, a cor produzida pelo reagente permite medir a concentração do cloro residual livre ou total pelo dispositivo denominado “comparador de cloro”, através do método colorimétrico. Durante todo o período do estudo, as propriedades foram visitadas periodicamente e realizadas observação e entrevistas com os moradores para avaliar a receptividade ao método e outras práticas de manejo com a água.

Resultados

No momento do diagnóstico inicial das fontes, 100% das amostras de água consumidas pela população estavam contaminadas por coliformes totais e E. coli. Logo após a instalação dos cloradores simplificados por difusão, no segundo dia, observou-se a eliminação da contaminação por E. coli em 19 das 20 das amostras e 16 delas (80%) se mantiveram descontaminadas após 15 dias. Após 30 dias, 13 cacimbões (65%) ainda apresentavam amostras descontaminadas como resultado da ação do clorador e, mesmo após 90 dias, cinco cacimbões ainda estavam descontaminados (Tabela 1) e com cloro residual (Tabela 2). Somente um cacimbão, amostra 14, não apresentou descontaminação da água em nenhum dos dias analisados (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1
Comparação do Número Mais Provável (NMP/mL) de coliformes totais (Colif. Totais) e Escherichia coli (E. coli) dos 20 poços rasos (cacimbões) analisados no Assentamento Rural de Rio Pardo (Presidente Figueiredo, AM) antes da instalação de cloradores por difusão (T0) e depois de 2, 15, 30 e 90 dias (T2, T15, T30 e T90, respectivamente).

Tabela 2
Concentração de cloro residual encontrado nos 20 poços rasos (cacimbões) analisados no Assentamento Rural de Rio Pardo (Presidente Figueiredo, AM) após a implantação do clorador simplificado por difusão.

Mesmo com níveis de cloro residual inferiores ao recomendado (0,2 a 2 mg/L) ou em nível não detectável, em algumas amostras observamos a redução ou até mesmo eliminação das bactérias do grupo coliforme total e E. coli (Tabela 2).

A instalação dos cloradores nos cacimbões foi realizada na presença dos proprietários das fontes e eles foram orientados quanto ao método utilizado. Durante a coleta das amostras, foram realizadas entrevistas para avaliar o grau de satisfação e de aceitação, ou não, pelos usuários. Todos os moradores afirmaram que o sabor do cloro foi quase imperceptível, que a água parecia ter ficado mais “límpida” (embora isto provavelmente não tenha relação com a instalação do clorador por difusão), e que eles tinham mais segurança de estar consumindo uma água de boa qualidade.

Discussão

Ao avaliar a eficiência de métodos de tratamento de água em uma localidade é preciso considerar as alternativas possíveis de serem empregadas naquele contexto socioambiental específico, bem como os custos de instalação, manutenção e a aceitação da tecnologia pela comunidade residente. No caso de assentamentos isolados na Amazônia Central, as opções são ainda mais limitadas. Por exemplo, os custos de instalação de uma rede de tratamento e abastecimento de água são proibitivos – dada a grande distância entre as propriedades rurais – e a manutenção da rede pode ser impossibilitada devido à dificuldade de acesso – que pode ser inteiramente interrompido nos meses chuvosos (dezembro a maio) ou mesmo em ocasião de fortes chuvas ao longo do restante do ano.

Assumindo este contexto socioambiental, a maior parte do abastecimento neste e em outros assentamentos rurais da região ocorre ponto-a-ponto, através de poços rasos escavados em cada propriedade. Na maior parte das vezes, conforme nos foi relatado pelos moradores de Rio Pardo, os custos de abertura dos poços são dos próprios moradores. Além disso, configura uma transferência de responsabilidade – já que esta é uma atribuição do INCRA, conforme Instrução Normativa N° 15, de 30 de março de 2004, art. 7o – na maioria dos casos, de acordo com os moradores, não havendo o devido acompanhamento técnico para a construção e/ou manutenção dos cacimbões. Como resultado, 100% dos poços analisados estavam contaminados e impróprios para consumo (Tabela 1). Com raras exceções, os poços apresentavam condições inadequadas de construção2323. Ferreira DC. Tecnologias sociais, conhecimentos e práticas associadas ao uso da água em assentamento rural na Amazônia Central [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2015.. Algumas das características frequentemente observadas no assentamento já foram atribuídas como potenciais causadoras de contaminação, como: a falta de proteção da borda do poço com revestimento das paredes em alvenaria ou concreto, o uso de tampa que não promove vedação total e o uso de baldes e cordas para a coleta da água1414. Viana FC. Construção de poços rasos – cisternas – e do uso de cloradores por difusão. 4ª ed. Belo Horizonte: UFMG; 1988.,2424. Kravitz JD, Nyaphisi M, Mandel R, Petersen E. Quantitative bacterial examination of domestic water supplies in the Lesotho Highlands: water quality, sanitation, and village health. Bull World Health Organ 1999; 77(10):829-836., além da proximidade da fonte com o sistema de esgotamento sanitário dos domicílios, principalmente quando são do tipo fossa rudimentar ou vala negra, ou quando não há latrinas2525. Andrade EM, Araújo LFP, Rosa MF. Seleção dos indicadores da qualidade das águas superficiais pelo emprego da análise multivariada. Engenharia Agrícola 2007; 27(3):683-690.. Esses fatores combinados podem aumentar o risco de contaminação da fonte por materiais levados para seu interior, como terra, fezes de animais e outros contaminantes2525. Andrade EM, Araújo LFP, Rosa MF. Seleção dos indicadores da qualidade das águas superficiais pelo emprego da análise multivariada. Engenharia Agrícola 2007; 27(3):683-690.,2626. Conboy MJ, Goss MJ. Contamination of rural drinking water wells by fecal origin bacteria: survey findings. Water Quality J Can 1999; 34:281-303..

Em Rio Pardo é muito comum observar animais circulando próximos às fontes de água. Machado2727. Machado ASR. Caracterização fenotípica e genotípica de salmonelas isoladas de área rural e urbana de Manaus, Amazonas [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013., trabalhando neste assentamento, encontrou cepas de Salmonella sp. em amostras de água do igarapé e de poços que eram geneticamente similares às encontradas em fezes de adultos e crianças e fezes de galinhas e cachorros que têm livre circulação no domicílio2727. Machado ASR. Caracterização fenotípica e genotípica de salmonelas isoladas de área rural e urbana de Manaus, Amazonas [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013.. Isto evidencia o ciclo de contaminação por Salmonella sp. no local, mostrando o papel desses animais na contaminação ambiental e de populações humanas2727. Machado ASR. Caracterização fenotípica e genotípica de salmonelas isoladas de área rural e urbana de Manaus, Amazonas [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013.. Um inquérito parasitológico de fezes realizado em escolares no assentamento obteve uma prevalência de 80%, sendo que um dos parasitos mais frequentes foi Giardia sp.2828. Oliveira S. Parasitos intestinais em escolares de área urbana e rural na Amazônia Central [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013., cuja transmissão é atribuída principalmente por água e alimentos contaminados, além do poliparasitismo encontrado em 30% das amostras analisadas2828. Oliveira S. Parasitos intestinais em escolares de área urbana e rural na Amazônia Central [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013.. Alguns estudos já demonstraram que dejetos bovinos aumentam a contaminação das fontes de água, uma vez que esses animais são reservatórios de diversos microrganismos como Criptosporidium parvum e Giardia sp., potenciais causadores de enfermidades humanas2929. Fayer R, Trout JM, Graczyk TK, Lewis EJ. Prevalence of Criptosporidium parvum, Giardia sp and Eimeria sp infection in post-weaned and adult catlle in three Maryland farms. Vet Parasitol 2000; 93(2):103-112.. Outro parasita identificado nas amostras de Rio Pardo foi Ancylostoma spp., o que pode ser um indicativo de contaminação do solo por fezes de animais, especialmente gatos e cachorros2828. Oliveira S. Parasitos intestinais em escolares de área urbana e rural na Amazônia Central [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013..

Uma revisão sistemática de artigos com diferentes intervenções concluiu que as medidas mais eficazes na prevenção de diarreias são as que reduziram a contaminação bacteriológica da água3030. Fewtrell L, Kaufmann R, Kay D, Enanoria W, Haller L, Colford J. Water, sanitation, and hygiene interventions to reduce diarrhoea in less developed countries: A systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis 2005; 5(1):42-52., e a cloração é um dos métodos de tratamento mais utilizados, principalmente devido à sua capacidade residual1010. Skinner B. Chlorinating Small Water Supplies: A Review of Gravity-Powered and Water Powered Chlorinators. London, Loughborough: LSHTM/WEDC; 2001.. A presença de cloro residual livre na água pode ser usado como um indicativo de descontaminação das fontes1010. Skinner B. Chlorinating Small Water Supplies: A Review of Gravity-Powered and Water Powered Chlorinators. London, Loughborough: LSHTM/WEDC; 2001.. No entanto, sua eficiência depende de vários fatores, como temperatura, turbidez e presença de matéria orgânica2727. Machado ASR. Caracterização fenotípica e genotípica de salmonelas isoladas de área rural e urbana de Manaus, Amazonas [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013.

28. Oliveira S. Parasitos intestinais em escolares de área urbana e rural na Amazônia Central [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013.
-2929. Fayer R, Trout JM, Graczyk TK, Lewis EJ. Prevalence of Criptosporidium parvum, Giardia sp and Eimeria sp infection in post-weaned and adult catlle in three Maryland farms. Vet Parasitol 2000; 93(2):103-112. na água, além da quantidade e o tempo de exposição do cloro1010. Skinner B. Chlorinating Small Water Supplies: A Review of Gravity-Powered and Water Powered Chlorinators. London, Loughborough: LSHTM/WEDC; 2001.. A quantidade de cloro residual encontrada nas amostras foi inferior ao recomendado (Tabela 2), provavelmente devido à quantidade de interferentes, visto que o cloro reage primeiramente com a matéria orgânica e inorgânica e, só depois, age nos microrganismos1010. Skinner B. Chlorinating Small Water Supplies: A Review of Gravity-Powered and Water Powered Chlorinators. London, Loughborough: LSHTM/WEDC; 2001.. Portanto, é necessário que se faça um ajuste da quantidade de hipoclorito de cálcio adicionado em cada clorador para atender a demanda das reações químicas e manter o nível de cloro residual viável para a eliminação das bactérias1010. Skinner B. Chlorinating Small Water Supplies: A Review of Gravity-Powered and Water Powered Chlorinators. London, Loughborough: LSHTM/WEDC; 2001.. O excesso de cloro residual também deve ser evitado, pois pode induzir a piora dos parâmetros organolépticos e conduzir à formação de substâncias orgânicas cloradas, algumas das quais são tóxicas, como os trihalometanos3131. Meyer ST. O uso de cloro na desinfecção de águas, a formação de trihalometanos e os riscos potenciais à saúde pública. Cad Saude Publica 1994; 10(1):99-110.

32. Tominaga MY, Midio AF. Exposição humana a trialometanos presentes em água tratada. Rev Saude Publica 1999; 33(4):413-421.
-3333. Farooq S, Hashmi I, Qazi IA, Qaiser S, Rasheed S. Monitoring of Coliforms and chlorine residual in water distribution network of Rawalpindi, Pakistan. Environ Monit Assess 2008; 140(1-3):339-347..

O único método de tratamento de água adotado no assentamento é o uso de hipoclorito de sódio (concentração de 2,5%) na água de consumo. Soluções de hipoclorito em frascos de 50 mL são distribuídas mensalmente e de forma gratuita pelo Ministério da Saúde, através da Secretaria Municipal de Saúde do município de Presidente Figueiredo/AM. Segundo instruções do rótulo, deve-se em adicionar 2 gotas da solução para cada litro de água, por no mínimo 30 minutos antes do consumo, sendo os moradores os responsáveis pela administração do produto. Além disto também configurar uma transferência de responsabilidade, apenas 16% utiliza corretamente o tratamento, por apresentarem rejeição ao gosto residual de cloro na água após o tratamento2323. Ferreira DC. Tecnologias sociais, conhecimentos e práticas associadas ao uso da água em assentamento rural na Amazônia Central [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2015.. Para reduzir o gosto deixado pelo hipoclorito de sódio, a maioria dos usuários não administra a quantidade de hipoclorito recomendada pelo Ministério da Saúde1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera. Brasília: Editora Ministério da Saúde; 2008., adicionando, segundo informações obtidas em entrevistas ou através de observação na localidade, menos do que o recomendado para descontaminar a água. No entanto, é importante destacar que ainda que toda a população utilizasse o hipoclorito corretamente, este seria apenas um paliativo, pois outros usos domésticos (lavagem e preparação de alimentos, higiene pessoal, como banho, lavar as mãos e escovar os dentes, lavar a louça etc.) ainda seria realizada com águas contaminadas proveniente dos cacimbões (poços rasos).

Em situações como as descritas neste estudo, para ter maior eficácia é importante adotar uma abordagem que inclua não só o tratamento das fontes, mas também da água de armazenamento e no momento do consumo. O clorador simplificado por difusão mostrou ter algumas vantagens como alternativa de tratamento de água de poços rasos. Por exemplo, em Rio Pardo, os moradores disseram que o sistema minimizou ou eliminou os problemas encontrados na utilização do hipoclorito de sódio (gosto desagradável e necessidade de aplicação frequente nos recipientes usados para o consumo), o que aumentou a aceitação do método na comunidade. Além disso, caso haja a manutenção e higienização de recipientes de armazenamento e consumo, não há necessidade de nova cloração – embora, baseado nas observações em campo, haja a necessidade de um programa de educação sanitária na localidade. Assim, considerando as vantagens já mencionadas, alguns aspectos e limitações devem ser observados antes de se tomar a decisão de implementar este método.

No presente estudo, o acompanhamento do uso do clorador simplificado por difusão foi de 90 dias. Seria importante avaliar se a população mantém as intervenções domésticas funcionando corretamente e de forma consistente e se a água se mantém descontaminada durante um período mais longo. Segundo diversos autores, o clorador por difusão tem capacidade de descontaminação estimada em 30 dias, não sendo necessária reposição da mistura de cloro e areia neste intervalo1111. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual Integrado de Vigilância Epidemiológica da Cólera. Brasília: Editora Ministério da Saúde; 2008.

12. Guerra CHW. Avaliação da eficiência do clorador simplificado por difusão na desinfecção da água para consumo humano em propriedades rurais na bacia do Ribeirão da Laje – Caratinga/MG [dissertação]. Caratinga: Centro Universitário de Caratinga; 2006.

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14. Viana FC. Construção de poços rasos – cisternas – e do uso de cloradores por difusão. 4ª ed. Belo Horizonte: UFMG; 1988.
-1515. Carvalho ACFB. Efeitos dos cloradores simplificados sobre a qualidade bacteriológica de água de poços rasos (cisternas) na comunidade de Bom Jardim, Ibirité/MG [dissertação]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 1983.. Em nosso estudo, verificamos que após a instalação dos cloradores, um dentre os vinte cacimbões analisados não apresentou descontaminação durante todo o período de avaliação (Tabela 1). Isto pode estar relacionado com características do próprio poço (a parede interna é inteiramente de terra, não impermeabilizada), além de aspectos ambientais observados no entorno da fonte. Esta residência está localizada a menos de 50 metros do igarapé e foi observada fauna variada no entorno do poço (bois, cachorros e galinhas, além de porcos do mato e macacos que convivem com a família e podem ser considerados “de estimação”) e fezes de animais. Além dos problemas observados com esta fonte, 20% e 35% dos poços estavam contaminados por E. coli após 15 e 30 dias, respectivamente, apesar do esperado ser de que todas as fontes estariam descontaminadas durante este período. Estes resultados indicam que o método tem potencial para uso na região, mas que ainda que o clorador esteja instalado de forma correta, isto não é garantia de qualidade sanitária e que outros fatores podem estar agindo na contaminação dos poços.

Na região amazônica, é importante verificar a ação do clorador em função da frequência de utilização diária da água do poço e nos períodos de chuva intensa ou seca intermitente, quando há grande oscilação no volume de água do poço. Além da substituição periódica da mistura de areia e cloro, o usuário precisa verificar frequentemente se a posição do clorador está mantendo a posição correta dos orifícios por onde há a liberação do cloro, abaixo do nível d’água. Uma potencial solução para esse problema seria o acoplamento de uma boia ao clorador, permitindo que ele ficasse em posição adequada independente do volume de água no poço. Porém, ainda assim, há que se considerar que o uso de soluções de hipoclorito de cálcio podem resultar na formação de depósitos nos orifícios de liberação do cloro, principalmente em contato com águas com alta dureza1010. Skinner B. Chlorinating Small Water Supplies: A Review of Gravity-Powered and Water Powered Chlorinators. London, Loughborough: LSHTM/WEDC; 2001., sendo este outro aspecto que deve ser avaliado periodicamente pelo usuário ou provedor do serviço.

Outra consideração a ser feita é que apenas o uso do clorador (ou de outra forma de cloração) não garante a descontaminação completa da água. Cistos de Giardia e, especialmente, oocistos de Cryptosporidium parvum podem ser resistentes à cloração3434. Betancourt WQ, Rose JB. Drinking water treatment processes for removal of Cryptosporidium and Giardia. Vet Parasitol 2004; 126(1-2):219-234.. Como estes e outros parasitos tendem a se agregar a partículas sólidas na água, a solução para reduzir a contaminação é a filtração (nos casos de sistemas residenciais, ou, em sistemas mais completos, a sedimentação por coagulação e floculação)3434. Betancourt WQ, Rose JB. Drinking water treatment processes for removal of Cryptosporidium and Giardia. Vet Parasitol 2004; 126(1-2):219-234.. Uma investigação combinando técnicas de descontaminação da água no contexto amazônico ainda é necessária. No presente estudo, apenas a redução de E. coli foi avaliada, através do método Colilert. Apesar de alguns estudos relatarem que este método não difere das técnicas tradicionais de análise bacteriológica da água, como tubos múltiplos e membrana filtrante3535. Eckner KF. Comparison of Membrane Filtration and Multiple-Tube Fermentation by the Colilert and Enterolert Methods for Detection of Waterborne Coliform Bacteria, Escherichia coli, and Enterococci Used in Drinking and Bathing Water Quality Monitoring in Southern Sweden. Appl Environ Microbiol 1998; 64(8):3079-3083., outros mostraram que o sistema Colilert pode apresentar taxas de resultados falso-positivos e falso-negativos maiores3636. Luyt CD, Tandlich R, Muller WJ, Wilhelmi BS. Microbial Monitoring of Surface Water in South Africa: An Overview. Int J Environ Res Public Health 2012; 9(8):2669-2693.,3737. Pisciotta JM, Rath DF, Stanek PA, Flanery DM, Harwood VJ. Marine bacteria cause false-positive results in the Colilert-18 rapid identification test for Escherichia coli in Florida Waters. Appl Environ Microbiol 2002; 68(2):539-544..

Considerando-se que intervenções sobre a água de consumo visam ter reflexos positivos sobre a saúde, seria importante avaliar se há redução da prevalência de parasitoses intestinais2828. Oliveira S. Parasitos intestinais em escolares de área urbana e rural na Amazônia Central [dissertação]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas; 2013. e frequência de diarreias3838. Huda TM, Unicomb L, Johnston RB, Halder AK, Yushuf Sharker MA, Luby SP. Interim evaluation of a large scale sanitation, hygiene and water improvement programme on childhood diarrhea and respiratory disease in rural Bangladesh. Soc Sci Med 2012; 75(4):604-611. causadas pela contaminação das águas. Estas respostas podem agregar informações importantes para a tomada de decisão sobre o uso deste método neste e em outros contextos similares.

O fato do método requerer menor manutenção do que no sistema atualmente utilizado (adição de hipoclorito de sódio nos recipientes de consumo) não significa que não haja a necessidade de envolvimento dos chefes de família para tratar a água corretamente e evitar a recontaminação. Esta é uma proposta alternativa para atender uma população que historicamente está excluída das políticas públicas de saneamento e distribuição de água. Boa parte da população que hoje ocupa o Assentamento Rural de Rio Pardo é de migrantes nordestinos, oriundos da época da construção da Usina Hidrelétrica de Balbina no fim dos anos 1970 e de pessoas que foram assentadas, muitas vezes de forma precária, no campo. Assim, os custos de manutenção desse método não deveriam repousar sobre o usuário, devendo ser incorporados pelo sistema de saúde municipal ou pelo INCRA. Considerando que o consumo anual de cloro é de aproximadamente 4kg por poço, o custo médio estimado de manutenção do clorador simplificado seria de aproximadamente R$70,00 por ano. Os resultados desta pesquisa foram apresentados à Prefeitura Municipal de Presidente Figueiredo visando a continuidade da implantação deste método e a avaliações de outros fatores importantes, conforme propostos neste estudo: 1) aceitação e manutenção dos cloradores pelos moradores, a longo prazo; 2) efetividade da descontaminação produzida pelos cloradores em períodos de grande flutuação diária do nível de água dos poços e ao longo das estações do ano; 3) efetividade da instalação de boias nos cloradores; 4) verificação da concentração de cloro residual na água, assim como a eventual formação de compostos tóxicos como os trihalometanos; 5) acompanhamento não só da eventual descontaminação das fontes, mas também da água de armazenamento e no momento do consumo, buscando compreender os fatores que contribuem para a contaminação e/ou boas práticas para a descontaminação das águas; 6) acompanhamento dos indicadores de saúde, ligados às doenças transmitidas por águas contaminadas; 7) prevalência de parasitos resistentes à cloração. Caso seja considerado custo-efetivo, este método poderá ser incorporado à política de saúde pública deste e de outros municípios, servindo de modelo para implantação em outros assentamentos rurais da Amazônia.

Agradecimentos

Agradecemos à associação de moradores de Rio Pardo e a todos moradores envolvidos nesta pesquisa. Este trabalho não teria sido possível sem a participação da equipe da Superintendência Estadual do Amazonas (SUEST/AM) da FUNASA. Agradecemos o apoio da Prefeitura de Presidente Figueiredo/AM pela parceria nos trabalhos desenvolvidos no assentamento, aos técnicos de laboratório do Instituto Leônidas e Maria Deane/Fiocruz Amazônia (em especial a Michele Silva de Jesus, Ricardo Mota e Diego Lázaro Leite) pelo auxílio no trabalho de campo para coletas e análises laboratoriais, ao Dr. Fernando Abad-Franch e à Dra. Maria Luiza Garnelo Pereira pelos comentários que contribuíram para esta publicação. Esse artigo é a contribuição número 25 do Programa de Pesquisa em Ecologia de Doenças Infeciosas na Amazônia do Instituto Leônidas e Maria Deane - Fiocruz (PP- EDTA) e foi parte da dissertação de Danielle Costa Ferreira que contou com o apoio logístico e financeiro do ILMD/Fiocruz Amazônia e bolsa de estudos da CAPES.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2015
  • Revisado
    04 Dez 2015
  • Aceito
    07 Dez 2015
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