Fatores associados ao risco de insegurança alimentar e nutricional em famílias de assentamentos rurais

Jamylle Araújo Almeida Amaury Silva Santos Maria Adriana de Oliveira Nascimento José Valter Costa Oliveira Danielle Góes da Silva Raquel Simões Mendes-Netto Sobre os autores

Resumo

A insegurança alimentar ocorre quando o direito a uma alimentação em qualidade e quantidade adequada de forma regular é desrespeitado. O objetivo deste estudo foi identificar a situação de insegurança alimentar (IAN) e suas possíveis associações com variáveis socioeconômicas e dietéticas em assentamentos rurais de Sergipe. Essa situação foi verificada através da escala brasileira de insegurança alimentar e as associações através da análise de regressão multivariada por odds ratio (OR). Foram avaliadas 179 famílias de quatro assentamentos do estado de Sergipe. Identificou-se prevalência de 88,8% de IAN, sendo 48,6% insegurança leve, 25,1% moderada e 15,1% grave. Associação estatística ajustada foi encontrada entre a IAN e as variáveis renda familiar per capita (ORa = 3,11, p = 0,008) e variedade alimentar (Ora = 2,73, p = 0,004). As famílias apresentaram alta prevalência de insegurança alimentar e nutricional, determinada nesta população, pela baixa renda familiar e pela baixa variedade da alimentação. É imprescindível políticas públicas mais efetivas, que, de fato, garantam a segurança alimentar e sejam mais completas, visando também à educação nutricional e maior possibilidade para produção de alimentos.

Assentamentos rurais; Segurança alimentar; Fatores socioeconômicos

Introdução

Segundo a lei 11.346/2006 a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) compreende a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis11. Brasil. Lei nº. 11.346 de 15 de setembro de 2006. Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Diário Oficial da União 2006; 18 set..

A escala brasileira de segurança alimentar (EBIA), mensura essa situação que pode variar desde o grau mais leve, no qual há preocupação pela incerteza de acesso aos alimentos, até o nível mais grave, que se caracteriza pela presença da fome. A ONU estima que, em 2013, 867 milhões de pessoas no mundo estiveram subnutridas cronicamente e que 70% das pessoas em Insegurança Alimentar (IAN) estavam situadas em zonas rurais22. Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). Statistical Yearbook. Rome: FAO; 2013..

No Brasil, apesar da redução quando comparado ao ano de 2004, 22,6% dos domicílios estão em algum grau de insegurança alimentar, o que representa 52 milhões de pessoas. A área rural apresenta prevalências de insegurança alimentar superiores à zona urbana e a região nordeste apresenta os mais elevados percentuais do Brasil, além do maior percentual de famílias no grau moderado ou grave na área rural brasileira33. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: segurança alimentar 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014..

Uma importante parcela da população rural está nos assentamentos, pois representa quase 1 milhão das famílias brasileiras, além disso, promove aumento na oferta de alimentos e diminuição do êxodo rural. O nordeste detém cerca de 30% dessas famílias, porém com apenas 11,2% dos hectares destinados aos assentamentos no Brasil44. Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). [online]. Brasília; 2014. [acessado 2014 dez 27]. Disponível em: http://painel.incra.gov.br/sistemas/index.php
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Em Sergipe, a maioria dos assentamentos estão localizados em solos de baixa fertilidade, clima seco, possuem baixa infraestrutura e ficam distantes das áreas economicamente ativas55. Lopes ESA. Da colonização dirigida na Amazônia à reforma agrária no nordeste: (origem, trajetórias e perspectivas de colonos e assentados). São Cristóvão: Editora UFS; 2013.. A reforma agrária é um projeto de relevância nacional, que vem sendo altamente comprometido em sua implementação, porém apenas a conquista da terra não é garantia da segurança alimentar66. Cócaro, H, Cócaro ES, Reis RM, Calegario CLL. Condições de (in)segurança alimentar em um assentamento rural do estado do Mato Grosso. Cadernos de Agroecologia 2011; Fortaleza. p. 1-6.

7. Busato MA, Gallina LS, Dreyer DC, de Quadros JC, Lavratti E, Teo CRPA. Segurança alimentar e nutricional e as condições do ambiente em assentamento rural de Santa Catarina. Alim. Nutr. 2011; 22(4):555-559
-88. Obana K, Pereira APA, Cesário AC, Vieira VCR. Prevalência e gradientes da insegurança alimentar em um assentamento de reforma agrária localizado no sul do estado de Minas Gerais. Cadernos de Agroecologia 2010; Porto de Galinhas..

Estudos vêm mostrando a relação da IAN com menor renda familiar, baixa escolaridade, maior número de moradores no domicílio, condições inadequadas de saneamento básico, ausência de vínculo empregatício e maior prevalência entre famílias de zona rural99. Morais DC, Dutra LV, Franceschini SDCC, Priore SE. Insegurança alimentar e indicadores antropométricos, dietéticos e sociais em estudos brasileiros: uma revisão sistemática. Cien Saude Colet 2014; 19(5):1475-1488.. Quanto à ingestão alimentar, além da restrição quantitativa identificada pela Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), a IAN também tem sido relacionada a uma qualidade dietética inferior, com menor consumo de alimentos ricos em proteínas (pertencentes ao grupo das leguminosas, leites e derivados e carnes e ovos) e reguladores (frutas e verduras), além de maior omissão de refeições e consumo glicídico99. Morais DC, Dutra LV, Franceschini SDCC, Priore SE. Insegurança alimentar e indicadores antropométricos, dietéticos e sociais em estudos brasileiros: uma revisão sistemática. Cien Saude Colet 2014; 19(5):1475-1488..

Sabe-se da importância de uma alimentação saudável e adequada para a promoção da saúde e prevenção de doenças tanto por déficit como por excesso de nutrientes1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: MS; 2008..

Considerando a erradicação da fome como objetivo do milênio22. Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). Statistical Yearbook. Rome: FAO; 2013., a vulnerabilidade dos assentamentos rurais e a importância do tema para formulação de políticas públicas mais efetivas, este estudo objetivou avaliar a associação entre insegurança alimentar e variáveis dietéticas e socioeconômicas de famílias de assentamentos rurais em Sergipe.

Metodologia

Este estudo é do tipo analítico, transversal e fez parte do projeto de pesquisa “Experimentação Participativa e Agroecologia em Assentamentos Rurais de Sergipe”, sob a coordenação da Embrapa Tabuleiros Costeiros em parceria com a Universidade Federal de Sergipe. O período de coleta de dados foi entre maio de 2011 e 2013 e as informações coletadas são referentes aos dados socioeconômicos, antropométricos, dietéticos e de insegurança alimentar.

A população de estudo foi composta por 179 famílias, de um total de 184, pertencentes a quatro assentamentos localizados em regiões de Sergipe, sendo eles Assentamento Rural São Sebastião (ARSS, município de Pirambu, Leste Sergipano), José Gomes da Silva (ARJGS, município de Lagarto, Centro-Sul Sergipano), Novo Marimbondo (ARNM, município de Tobias Barreto, Centro-Sul Sergipano) e José Felix de Sá (ARJFS, município de Aquidabã, Médio Sertão Sergipano). Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), 170 famílias foram beneficiadas com lotes agrários nesses quatro assentamentos, porém durante a coleta foi verificado que alguns filhos dos beneficiários formaram famílias e construíram residências no lote dos pais, o que justifica um número maior de participantes na pesquisa1111. Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). [online]. Brasília, Distrito Federal; 2015. [acessado 2015 jan 12]. Disponível em: http://www.incra.gov.br/images/reforma_agraria/projetos_e_programas/relacao_beneficiarios/sr23_se.pdf
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A coleta de dados foi realizada por pessoal devidamente treinado, o que fez necessário a permanência dos pesquisadores nos assentamentos durante algumas semanas pela dificuldade de acesso e distância das localidades.

As famílias foram visitadas em suas residências e, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o chefe de família, aquele que contribuía com a maior renda, respondeu um questionário socioeconômico previamente estruturado e o recordatório de 24 horas. Além destes, também foi aplicado a EBIA, um método adaptado e validado para a população brasileira da zona urbana e rural, utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).

Este método consiste em 15 perguntas com possibilidade de resposta sim/não sobre restrição alimentar devido às limitações econômicas nos últimos três meses. Para as famílias que possuíam membros com menos de 18 anos foram considerados os seguintes pontos de corte, de acordo com as respostas afirmativas, 1-5 insegurança leve (IAL), 6-10 insegurança moderada (IAM), 10-15 insegurança grave (IAG). Para as famílias sem menores de 18 anos foram considerados como ponto de corte 1-3 IAL, 4-5 IAM, 6-8 IAG e nenhuma resposta afirmativa foi considerada como segurança alimentar para ambos os casos1212. Santos LPD, Costa MGD, Santos JVD, Lindemann IL, Gigante DP. Comparação entre duas escalas de segurança alimentar. Cien Saude Colet 2014; 19(1):279-286.. Adotou-se como variável dependente a situação de segurança ou insegurança alimentar. Também foram realizadas medidas antropométricas em todos os membros da família, totalizando 706 pessoas.

As variáveis socioeconômicas investigadas referem-se à escolaridade, profissão, idade, sexo e renda mensal dos moradores de cada domicílio, além da participação em algum tipo de Programa de Transferência de Renda do Governo (PTR). O critério adotado neste trabalho para a definição das linhas de pobreza e de indigência utiliza pontos de corte designados pelo Banco Mundial, o qual considera U$ 1,00 por dia por pessoa como linha de indigência e U$ 2,00 por dia por pessoa como linha de pobreza1313. The World Bank. World Development Report. Oxford: Oxford University Press; 1990., calculado a partir da renda total da família, incluindo os valores recebidos por PTR.

Para maior confiabilidade, o recordatório de 24 horas foi aplicado com auxílio de álbum de fotografias com porções de diversos alimentos em tamanho variados, confeccionado a partir da junção de outros álbuns1414. Lopez RPS, Botelho RBA. Álbum fotográfico de porções alimentares. São Paulo: Metha; 2008.

15. Sales RL, Costa NMB, Silva MMS. Avaliando o consumo alimentar por fotos. [CD-ROM]. Viçosa: UFV; 2004.

16. Vitolo MR. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. Rio de Janeiro: Ed Rúbio; 2008.
-1717. Zabotto CB, Vianna RPT. Registro fotográfico para inquéritos dietéticos: Utensílios e Porções. Goiânia: UFG; 1996..

A estimativa da ingestão de nutrientes e dos grupos alimentares foi feita através do software Nutrition Data System for Research (NDSR. Versão 2011. Minneapolis, University of Minnesota) de análise de dietas. Os dados de teor de nutrientes do software foram comparados à Tabela de Composição de Alimentos (TACO) e quando inferior a 80% ou excedente 120% corrigiu-se segundo o valor encontrado na tabela de referência1818. Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação – NEPA. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos. 2° ed. Campinas: Unicamp; 2006.. A avaliação ocorreu com base nas Ingestões Dietéticas de Referência1919. Padovani RA, Amaya-Fárfan J, Colugnati FAB, Domene SMA. Dietary reference intakes: aplicabilidade das tabelas em estudos nutricionais. Revista de Nutrição 2006; 19(6):741-760. e segundo o guia alimentar da população brasileira1010. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: MS; 2008..

Foi considerada uma alimentação variada quando citados alimentos de, no mínimo, cinco grupos alimentares, sendo desconsiderada a contagem dos grupos óleos e gorduras e doces e açúcares.

Quanto às medidas antropométricas, foi calculado o IMC para adultos e idosos e o IMC/idade para crianças e adolescentes, identificando o estado nutricional. O diagnóstico ocorreu com base nas recomendações da OMS2020. World Health Organization (WHO). Obesity: Preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO consultationonobesity. Geneve: WHO; 1998..

Os instrumentos utilizados foram balança eletrônica da marca Líder, modelo P-150M, com capacidade de 150 kg, graduação de 100g; estadiômetro portátil “alturexata” com escala bilateral de 35 a 213 cm e resolução de 0,1cm; fita métrica Sanny Medical em aço plano com largura de 0,5cm, precisão de 0,1cm; e adipômetro Lange® desenvolvido pela Cambridge Scientific Industries, EUA.

Para a análise estatística foi utilizado o software IBM SPSS Statistics 16.0. Foram realizadas análises descritivas para caracterização da população, o teste qui-quadrado de Pearson e as razões de prevalência bruta e ajustada por odds ratio, que foram aplicados para investigar a associação entre as variáveis independentes (socioeconômicas, dietéticas e antropométricas) com a prevalência de insegurança alimentar. Associações com p < 0,20 foram selecionadas para o modelo de regressão multivariada ajustada, considerando-se com significância estatística p < 0,05 e intervalo de confiança de 95%.

Para melhor ajuste estatístico, as variáveis dependentes foram classificadas em dois grupos: 1) Segurança e Insegurança Alimentar Leve (SAN – IAL) e 2) Insegurança Alimentar Moderada e Grave (IAMG). A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de Sergipe.

Resultados

Nestes assentamentos as terras são destinadas principalmente para a agricultura, apenas uma pequena parte é destinada à prática da pecuária. Seus principais cultivos em comum são o milho, o feijão e a mandioca. Estes alimentos geralmente são usados para a subsistência, porém quando excede a produção também são comercializados em feiras livres. Ainda quanto ao cultivo, é presente em algumas casas as hortas, visando o comércio local. O uso de agrotóxicos é uma prática comum, sendo adquiridos pelos próprios agricultores em casas agropecuárias, nem sempre com a correta recomendação técnica.

Possuem infraestrutura incompleta, com presença de energia elétrica, porém nem todos possuem água encanada, destinação de resíduos sólidos e tratamento de esgoto. Em nenhum dos assentamentos há escolas ou postos de saúde em funcionamento, tornando necessária a locomoção até comunidades vizinhas. Os assentamentos apresentam como atividades de lazer principalmente a ida a bares, os jogos de futebol, as festividades locais e os cultos religiosos.

A caracterização sociodemográfica dos quatro assentamentos de Sergipe (Tabelas 1 e 2) analisada a partir de 179 famílias mostrou que entre os chefes dos domicílios 73,2% eram do sexo masculino, 40,2% estavam com excesso de peso, 71,5% eram agricultores, 67,4% tinham quatro ou menos pessoas residentes na casa. É importante destacar que dois chefes de famílias não puderam ser avaliados na antropometria devido a ausência nos assentamentos em dias de coleta, portanto houve uma redução na amostra do estado nutricional para 177 indivíduos. A constituição familiar mais comum era casal com filho (62,6%). É importante destacar que nenhum chefe de família teve acesso ao ensino superior e 78,2% têm ensino fundamental incompleto. Além disso, 19% das famílias foram classificadas abaixo da linha da pobreza (indigência).

Tabela 1
Caracterização de (in)segurança alimentar, sociodemográfica e socioeconômica de famílias assentadas. Sergipe, 2014.

Tabela 2
Caracterização sociodemográfica e nutricional dos chefes de famílias assentadas. Sergipe, 2014.

Apesar de nenhum dos assentamentos estudados possuírem escola, quando comparado à escolaridade entre os chefes e os filhos da família, os filhos possuem maior grau de estudo, com taxas de 1,9% de analfabetismo, 11% do ensino médio incompleto e 0,6% cursando o nível superior, corroborando com outros estudos2121. Souza-Esquerdo VF, Bergamasco SMPP, de Oliveira, JTA, Oliveira ES. Segurança alimentar e nutricional e qualidade de vida em assentamentos rurais. Segurança Alimentar e Nutricional 2013; 20(1):13-23..

A prevalência de famílias encontradas em insegurança alimentar foi de 88,8%, sendo 48,6% em IAL, ou seja, com incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro, 25,1% em IAM, indicando uma restrição alimentar qualitativa e quantitativa para adultos, e 15,1% em IAG, uma restrição quantitativa inclusive para as crianças, com possíveis episódios de fome2222. Segall-Corrêa AM, Pérez-Escamilla R, Maranha LK, Sampaio MFA, Yuyama L, Alencar F, Vianna RPT, Vieira ACF, Coitinho D, Schmitz BS, Leão MM, Gubert M. Acompanhamento e avaliação da segurança alimentar de famílias brasileiras: validação de metodologia e de instrumento de coleta de informação. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, Organização Pan-Americana da Saúde, Ministério de Saúde; 2003. (Relatório Técnico).. O Alpha Cronbach atingiu 0,91, considerado excelente, demonstrando que as perguntas foram respondidas de acordo com a expectativa teórica da própria da escala, em ordem crescente de gravidade da insegurança alimentar.

As associações entre as variáveis estão descritas na Tabela 3. A associação estatística foi encontrada entre a IAN e as variáveis renda familiar per capita, ingestão do grupo alimentar carnes e ovos, intervalo entre as refeições e alimentação variada.

Tabela 3
Razão de chance (OR) bruta e intervalo de confiança (IC) para (in)segurança alimentar segundo variáveis relacionadas à família e aos dados do chefe do domicílio de assentamentos rurais. Sergipe, 2014.

Não foram encontradas associações com diferenças significativas entre insegurança alimentar e ingestão energética, escolaridade, ingestão proteica (g/kg) e número de moradores do domicílio. Também não houve associação entre ser beneficiário ou não de PTR e o sexo do chefe de família e a IAN.

Na Tabela 4 é possível observar a razão de chances e o intervalo de confiança de 95% dos determinantes da IAN no modelo final da regressão ajustada. As variáveis que se mantiveram relacionadas à insegurança alimentar foram uma alimentação não variada e renda per capita ‘indigência’ que tinham, respectivamente, 2,7 e 3,11 vezes mais chances de estar em IAMG. As categorias intervalo entre as refeições e ingestão proteica permaneceram no modelo para melhor ajuste das variáveis.

Tabela 4
Razão de chances bruta e ajustada pela regressão logística multivariada para insegurança alimentar moderada e grave em famílias de assentamentos rurais. Sergipe, 2014.

Discussão

Os principais achados deste estudo compreendem a identificação de altas taxas de IAN (88,8%) em assentamentos rurais de Sergipe e a relação desta situação associada à baixa renda e baixa variedade alimentar. Quando comparado aos dados publicados pela PNAD (2014), a prevalência de IAN encontrada neste estudo foi mais que o triplo da média encontrada no Brasil (22,6%) e consideravelmente maior do que a do nordeste (38,1%). A insegurança alimentar moderada e grave, neste estudo, soma 40,2%, bem maior do que a das áreas rurais do Nordeste (20,1%) e do Brasil (7,8%)33. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: segurança alimentar 2013. Rio de Janeiro: IBGE; 2014.. Com relação a outros assentamentos em diferentes regiões do país, onde o percentual de IAMG varia de 0 a 22%, percebe-se que a prevalência apresentada neste estudo é bem mais preocupante66. Cócaro, H, Cócaro ES, Reis RM, Calegario CLL. Condições de (in)segurança alimentar em um assentamento rural do estado do Mato Grosso. Cadernos de Agroecologia 2011; Fortaleza. p. 1-6.,77. Busato MA, Gallina LS, Dreyer DC, de Quadros JC, Lavratti E, Teo CRPA. Segurança alimentar e nutricional e as condições do ambiente em assentamento rural de Santa Catarina. Alim. Nutr. 2011; 22(4):555-559,88. Obana K, Pereira APA, Cesário AC, Vieira VCR. Prevalência e gradientes da insegurança alimentar em um assentamento de reforma agrária localizado no sul do estado de Minas Gerais. Cadernos de Agroecologia 2010; Porto de Galinhas.,2121. Souza-Esquerdo VF, Bergamasco SMPP, de Oliveira, JTA, Oliveira ES. Segurança alimentar e nutricional e qualidade de vida em assentamentos rurais. Segurança Alimentar e Nutricional 2013; 20(1):13-23.,2323. Veiga LS, Cócaro H, Cócaro ES, Costa RN, Jesus EL, Oliveira MLS. Relações entre (in)segurança alimentar e as condições sociais em um assentamento rural do estado de Minas Gerais. In: VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia; 2013; Porto Alegre. p. 1-5.. Possivelmente, a baixa produção de alimentos durante o período de coleta tenha maximizado esses percentuais, especialmente devido à escassez hídrica provocada por estiagens frequentes na região estudada, considerando-se que em 2013 ocorreu a pior seca dos últimos 30 anos, deixando 1228 municípios da região nordeste em estado de emergência2424. Brasil. Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais. INPE [online]. São José dos Campos, São Paulo; 2015. [acessado 2015 maio 31]. Disponível em: http://www.inpe.br/noticias/namidia/img/clip20032013_08.pdf
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A FAO Statistical Yearbook (2013) relatou que, entre os anos de 2010 e 2012, 19,1% da população mundial sofria privação de acesso aos alimentos, sendo um percentual maior em países de baixa renda, e uma maior concentração na África (28,9%) do que nos países em desenvolvimento (22,5%). Quando visto de forma mais detalhada é possível identificar que o norte da África apresenta um percentual bem menor (5,8%) do que a África subsaariana (33,3%). Dentre os países com piores índices estão Burundi (81,4%), República dos Camarões (77,8%), Eritreia (75,4%), Somália (74,3%), que se aproximam do percentual encontrado neste estudo, e Zâmbia (56,3%), todos estes africanos, além do Haiti (53,2%), situado no Caribe22. Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). Statistical Yearbook. Rome: FAO; 2013..

A falta de associação entre IAN, ingestão energética e variáveis de composição corporal pode refletir a transição nutricional, demonstrando que a IAN não é mais necessariamente caracterizada pela desnutrição. Alguns trabalhos já identificaram relação entre insegurança alimentar e excesso de peso, visto que tem aumentado nas classes economicamente desfavorecidas, provavelmente pela aquisição de alimentos com baixo valor nutricional e alta densidade calórica por menores preços99. Morais DC, Dutra LV, Franceschini SDCC, Priore SE. Insegurança alimentar e indicadores antropométricos, dietéticos e sociais em estudos brasileiros: uma revisão sistemática. Cien Saude Colet 2014; 19(5):1475-1488.,2525. Souza BFDNJ, Marín-León L. Food insecurity among the elderly: cross-sectional study with soup kitchen users. Revista de Nutrição 2013; 26(6):679-691.,2626. Monteiro F, Schmidt ST, da Costa IB, Almeida CCB, Silva Matuda N. Bolsa Família: insegurança alimentar e nutricional de crianças menores de cinco anos. Cien Saude Colet 2014; 19(5):1347-1357..

Ao contrário de outros trabalhos99. Morais DC, Dutra LV, Franceschini SDCC, Priore SE. Insegurança alimentar e indicadores antropométricos, dietéticos e sociais em estudos brasileiros: uma revisão sistemática. Cien Saude Colet 2014; 19(5):1475-1488.,2727. Bittencourt LS, Santos SMCD, Pinto EDJ, Aliaga MA, Ribeiro-Silva RC. Factors Associated with Food Insecurity in Households of Public School Students of Salvador City, Bahia, Brazil. J Health Popul Nutr 2013; 31(4):471-479.

28. Godoy KC, Sávio KEO, Akutsu RDC, Gubert MB, Botelho RBA. Perfil e situação de insegurança alimentar dos usuários dos Restaurantes Populares no Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(6):1239-1249.

29. Aquino, JDS, Sequeira-de-Andrade LAS, Silva PEBAD, Silva APD, Vieira CRDS, Lira PICD. Food insecurity and socioeconomic, food and nutrition profile of schoolchildren living in urban and rural areas of Picos, Piauí. Revista de Nutrição 2014; 27(4):395-404.
-3030. Lopes TS, Sichieri R, Salles-Costa R, Veiga GV, Pereira RA. Family Food Insecurity and Nutritional Risk in Adolescents from a Low-Income Area of Rio De Janeiro, Brazil. J Biosoc Sci 2013; 45(05):661-674., a escolaridade não mostrou associação com a IAN, provavelmente por esta população ser muito homogênea quanto à baixa escolaridade, resultado também encontrado em outras populações assentadas77. Busato MA, Gallina LS, Dreyer DC, de Quadros JC, Lavratti E, Teo CRPA. Segurança alimentar e nutricional e as condições do ambiente em assentamento rural de Santa Catarina. Alim. Nutr. 2011; 22(4):555-559,2121. Souza-Esquerdo VF, Bergamasco SMPP, de Oliveira, JTA, Oliveira ES. Segurança alimentar e nutricional e qualidade de vida em assentamentos rurais. Segurança Alimentar e Nutricional 2013; 20(1):13-23.,3131. Fietz VR, Salay E, Watanabe EAMT. Condições socioeconômicas, demográficas e estado nutricional de adultos e idosos moradores em assentamento rural em Mato Grosso do Sul, MS. Rev Segurança Alimentar e Nutricional 2010; 17(1):73-82.. A baixa escolaridade contribui para que, de maneira geral, as pessoas não consigam oportunidades de trabalho bem remuneradas fora dos assentamentos, não promovendo um aumento de renda e diminuição da insegurança alimentar. Ao mesmo tempo, vislumbra-se esperanças de melhoria, uma vez que um número crescente de crianças e adolescentes estão galgando maiores índices de escolaridade, o que poderá refletir em melhorias em relação ao quadro atual.

A falta de associação entre IAN e sexo do chefe de família vai de encontro a outros trabalhos que verificaram a maior vulnerabilidade a IAN quando havia chefe do sexo feminino2727. Bittencourt LS, Santos SMCD, Pinto EDJ, Aliaga MA, Ribeiro-Silva RC. Factors Associated with Food Insecurity in Households of Public School Students of Salvador City, Bahia, Brazil. J Health Popul Nutr 2013; 31(4):471-479.,3030. Lopes TS, Sichieri R, Salles-Costa R, Veiga GV, Pereira RA. Family Food Insecurity and Nutritional Risk in Adolescents from a Low-Income Area of Rio De Janeiro, Brazil. J Biosoc Sci 2013; 45(05):661-674.. Neste estudo a prevalência da mesma profissão (agricultores) com condições semelhantes para produzir alimentos e a baixa prevalência de mulheres chefes de família com filho e sem cônjuge, pode ter influenciado esse resultado. Contudo, há de se ressaltar que, de maneira geral, quando as mulheres são reconhecidas como as titulares no recebimento de recursos de programas de transferência de renda, há um fortalecimento da família, pois há um reconhecimento de que esses serão obtidos em seu benefício. Além disso, elas priorizam a alimentação dos filhos e quando o alimento é insuficiente, como o caso deste estudo, é preciso apoiar ainda mais as mulheres para que estas consigam se alimentar e assegurar a manutenção da família. No entanto, percebe-se que mesmo com várias políticas públicas estimulando a titularidade por parte das mulheres, isso ainda está longe de ser realidade em muitas áreas rurais.

Sabe-se que a baixa renda familiar é um dos principais determinante da IAN99. Morais DC, Dutra LV, Franceschini SDCC, Priore SE. Insegurança alimentar e indicadores antropométricos, dietéticos e sociais em estudos brasileiros: uma revisão sistemática. Cien Saude Colet 2014; 19(5):1475-1488.,2727. Bittencourt LS, Santos SMCD, Pinto EDJ, Aliaga MA, Ribeiro-Silva RC. Factors Associated with Food Insecurity in Households of Public School Students of Salvador City, Bahia, Brazil. J Health Popul Nutr 2013; 31(4):471-479.,2828. Godoy KC, Sávio KEO, Akutsu RDC, Gubert MB, Botelho RBA. Perfil e situação de insegurança alimentar dos usuários dos Restaurantes Populares no Brasil. Cad Saude Publica 2014; 30(6):1239-1249.,2929. Aquino, JDS, Sequeira-de-Andrade LAS, Silva PEBAD, Silva APD, Vieira CRDS, Lira PICD. Food insecurity and socioeconomic, food and nutrition profile of schoolchildren living in urban and rural areas of Picos, Piauí. Revista de Nutrição 2014; 27(4):395-404.,3030. Lopes TS, Sichieri R, Salles-Costa R, Veiga GV, Pereira RA. Family Food Insecurity and Nutritional Risk in Adolescents from a Low-Income Area of Rio De Janeiro, Brazil. J Biosoc Sci 2013; 45(05):661-674.,3232. Anschau FR, Matsuo T, Segall-Corrêa AM. Insegurança alimentar entre beneficiários de programas de transferência de renda. Rev. Nutr 2012; 25(2):177-189.,3333. Figuero A, Pedraza D. Segurança alimentar em famílias com crianças matriculadas em creches públicas do estado da Paraíba, Brasil. Revista de Nutrição 2013; 26(5):517-527.. Nesta população, a renda média mensal foi de R$ 651,00, valor um pouco inferior ao salário mínimo vigente em 2013, que era de R$ 678,00. Recebiam algum tipo de PTR do governo 83,2% das famílias, destes, 73,7% recebiam o Programa Bolsa Família (PBF). É importante destacar o papel deste programa para a melhoria da renda familiar e sua efetividade na diminuição da IAN3434. Instituto de pesquisa econômica aplicada (IPEA). Programa bolsa família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA; 2013.. Possivelmente sem a presença dos PTR a situação de insegurança alimentar encontrada seria ainda pior, visto que algumas famílias declararam que esta era a única fonte de renda fixa.

Ainda assim, apesar de um incremento na renda diminuir as possibilidades de IAN pelo aumento do poder de compra e de ter sido demonstrado que a maior parte da renda é destinada para a compra de alimentos3535. Instituto Brasileiro de Análises Sociais e econômicas (IBASE). Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das famílias beneficiadas. Rio de Janeiro: IBASE; 2008., vários estudos apontam que não necessariamente a melhoria na renda implica em melhor qualidade na alimentação2626. Monteiro F, Schmidt ST, da Costa IB, Almeida CCB, Silva Matuda N. Bolsa Família: insegurança alimentar e nutricional de crianças menores de cinco anos. Cien Saude Colet 2014; 19(5):1347-1357.,3535. Instituto Brasileiro de Análises Sociais e econômicas (IBASE). Repercussões do Programa Bolsa Família na Segurança Alimentar e Nutricional das famílias beneficiadas. Rio de Janeiro: IBASE; 2008.

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Neste estudo foi observado que dentre os grupos alimentares com ingestão abaixo do mínimo recomendado destacam-se as frutas (89,4%), hortaliças (90,5%) e leites e derivados (93,9%). Esses dados refletem um alto percentual de inadequação para diversos nutrientes, como fibras (90%), vitamina A (77,1%), C (73,7%) e E (96%), além de minerais como cálcio (86%), magnésio (90%) e potássio (91,6%) (dados não mostrados). É importante destacar que o consumo adequado desses nutrientes pode reduzir os riscos de doenças cardiovasculares, melhorar os níveis de colesterol plasmático e aumentar a eficiência do sistema imune1616. Vitolo MR. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. Rio de Janeiro: Ed Rúbio; 2008..

Os grupos alimentares mais consumidos foram carnes, leguminosas, óleos e gorduras (considerado pela alta frequência de alimentos preparados por fritura e consumo de margarina citado por 29,05% da população), além do grupo dos doces (representado principalmente pelo açúcar branco, com 91,6%, muito utilizado no preparo do café) e o grupo dos cereais, massas, raízes e tubérculos, em que os alimentos mais citados foram cuscuz (67,03%), farinha de mandioca (59,7%), arroz branco (79,3%) e pão branco (56,98%).

É importante citar que os alimentos produzidos nos lotes agrários eram basicamente milho, feijão e mandioca, além de uma pequena produção de hortaliças e frutíferas. Porém é dada preferência ao comércio em feiras livres, associando estes fatores pode-se entender a baixa ingestão de frutas, hortaliças e de leite e derivados nesta população. Possivelmente o consumo inadequado dos nutrientes pelo chefe da família se dá pela não disponibilidade de todos os grupos alimentares no domicílio, sugerindo que o consumo dos outros membros da família seja semelhante.

Esses são resultados semelhantes à Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) nos anos de 2002-03 e 2008-09, que identificaram um declínio no consumo de frutas e hortaliças, se tornando insuficiente, e excesso de calorias advindas do açúcar e gordura saturada na dieta dos brasileiros, além de um consumo maior de arroz, feijão, leguminosas, raízes e tubérculos no meio rural e farinha de mandioca no nordeste. Foi identificado também que o consumo de leite, frutas, hortaliças e carnes aumenta conforme a renda, ao contrário de feijões, tubérculos e raízes4040. Levy-Costa RB, Sichieri R, Pontes NDS, Monteiro CA. Disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil: distribuição e evolução (1974-2003). Rev Saude Publica 2005; 39(4):530-540.,4141. Levy RB, Claro RM, Mondini L, Sichieri R, Monteiro CA. Distribuição regional e socioeconômica da disponibilidade domiciliar de alimentos no Brasil em 2008-2009. Rev Saude Publica 2012; 46(1):6-15.. Identificou-se também uma alta inadequação para vitaminas A, C, E, cálcio e magnésio para a faixa etária de 19 a 59 anos, independente da situação do domicílio ser urbano ou rural4242. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-09. Rio de Janeiro: IBGE; 2010..

Entende-se neste estudo que ter uma alimentação variada implica na ingestão de cinco grupos alimentares dos seis principais (frutas, hortaliças, leguminosas, cereais, carnes e leite e derivados). Isto, invariavelmente, exige do indivíduo não apenas uma renda familiar satisfatória, mas também a existência de bons hábitos alimentares, que valorizem a diversidade alimentar, questões que nem sempre estão diretamente correlacionadas.

O estudo apresenta importante limitação quanto à coleta de dados tendo em vista o período de estiagem que ocorreu na região. Tal situação pode ter contribuído na alimentação e no plantio das famílias e conseqüentemente na percepção de insegurança alimentar.

Outra possível limitação foi a utilização da EBIA, uma escala psicométrica que verifica a percepção da insegurança alimentar e possivelmente sua classificação de segurança alimentar não contemple a definição de SAN da Lei 11.346/2006. Porém, este é um método adaptado para a população brasileira urbana e rural, de simples aplicação e análise, caracterizando as famílias em diferentes níveis de IAN. Além da fácil compreensão por parte do entrevistado e baixo custo é utilizado mais frequentemente em estudos, inclusive em inquéritos nacionais, o que permite maior confiabilidade na comparação de resultados.

Destaque-se, entretanto que o presente estudo reporta um inquérito domiciliar, realizado em quatro assentamentos da reforma agrária, localizados em três diferentes regiões do estado. É possível que os dados apresentados representem a realidade dos demais assentamentos da região. Além disso, é inédito em identificar a baixa variedade dietética como fator de risco para insegurança alimentar em populações de assentamentos rurais.

Este resultado suscita a importância de que haja o fortalecimento de políticas públicas de transferência de renda, como o PBF, e que incentivem o pequeno agricultor de famílias mais vulneráveis, como o programa de aquisição de alimentos (PAA). Além disso, é imprescindível que estejam associados à educação em saúde no campo, maior fomento da produção agroecológica, da valorização dos alimentos regionais e de sua comercialização local. Acredita-se que diante dos resultados encontrados estas poderiam ser estratégias fundamentais para melhorar o panorama de insegurança alimentar dessa população. Suscita-se também a realização de mais estudos com essa população para designar outros possíveis determinantes da insegurança alimentar, e desta forma, proporcionar uma melhor formulação de políticas públicas.

Considerações finais

As famílias estudadas apresentaram alta prevalência de insegurança alimentar e nutricional, determinada pela baixa renda familiar e pela baixa variedade da alimentação. A população deste estudo demonstrou grande vulnerabilidade social, mesmo com grande parcela recebendo transferência de renda do governo, predominantemente o Programa Bolsa Família. Também foi observada uma alimentação monótona, baseada em arroz, farinha de mandioca, cuscuz, pão branco, feijão, carnes e café. Consequentemente também uma alimentação insuficiente, pois grande parte da população não consegue atingir nem o mínimo da recomendação para grupos alimentares importantes como leite e derivados, frutas e hortaliças. Apesar da posse da terra dignificar uma população outrora esquecida, estes ainda apresentam dificuldades quanto ao acesso aos serviços de educação, saneamento básico, saúde e assistência técnica.

Somado a isso, o hábito alimentar desta população pode favorecer a prevalência e/ou a ocorrência de DCNT, sobretudo as relacionadas à alimentação. Portanto, é imprescindível políticas públicas mais efetivas, que de fato garantam a segurança alimentar e que sejam mais completas, visando também à educação alimentar e mais possibilidades para produzir alimentos. Assim, no futuro pode-se evitar o surgimento de doenças e importantes traumas psicológicos advindos da insegurança alimentar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2017

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2015
  • Revisado
    26 Abr 2016
  • Aceito
    28 Abr 2016
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