Marques SMF. Implantação de programa de acreditação de serviços de saúde: a qualidade como vantagem competitiva. Rio de Janeiro: MedBook; 2015.

Paulo Leonardo Ponte Marques Antonio Rodrigues Ferreira Junior Luiza Jane Eyre de Souza Vieira Sobre os autores
2015

As transformações decorrentes da contemporaneidade têm exigido maior capacidade organizativa aos serviços de saúde, que necessitam adaptar suas estruturas e processos de trabalho visando suprir as necessidades da população a partir de uma atenção com qualidade. Frente a esse desafio, a autora Sueli Marques, biomédica, mestre em Gestão Integrada de Organização e com especializações voltadas para a saúde pública e administração hospitalar, apresenta em 11 capítulos, distribuídos em 208 páginas, conceitos, princípios e, principalmente, ferramentas que podem ser aplicados para a melhoria da organização na oferta de uma atenção à saúde balizada nos pilares da qualidade e da integralidade.

No início de cada capítulo e em alguns momentoschave a autora evoca argumentações de renomados ícones do meio acadêmico, político, econômico, industrial e científico que nos induzem a refletir sobre os desafios inerentes a uma gestão de qualidade, notadamente no setor saúde, onde o risco de erro potencializa a demanda de organização nos serviços.

No primeiro capítulo, a autora aborda a saúde e a doença pautada na perspectiva das necessidades humanas, na imprecisa fronteira entre o normal e o patológico, e na complexidade que envolve a constituição da doença inscrita no espaço em que está situada, instigando aos leitores ajuizarem sobre a necessidade de se internalizar uma abordagem ampliada sobre a pessoa, declinando de uma interlocução aninhada em rupturas e paradigmas.

A abordagem histórica da evolução industrial é apresentada no segundo capítulo, o qual discute o produto e o serviço desde os “Tempos Modernos” até as primeiras análises de falhas no processo de produção da indústria automobilística. Em uma visão fortemente influenciada pelo capitalismo, ressalta-se também que a avaliação é um aspecto subjetivo e depende dos aspectos relacionados à diversidade de pessoas e culturas.

No capítulo três a autora elabora uma rápida retrospectiva sobre a evolução dos serviços de assistência à saúde mostrando que as doenças sempre preocuparam a civilização, que buscou conhecimentos para diagnosticar e cuidar desde os primórdios da história. Finaliza com os dizeres legais e constitucionais que desde 1988 garantem ao cidadão o direito universal à saúde no Brasil.

A qualidade, temática central do livro, é fortemente destacada no capítulo quatro, o qual corresponde a mais de 40% de todo o livro, enfatizando os princípios e as ferramentas que proporcionaram fortes avanços obtidos pelas indústrias e empresas japonesas e americanas no período pós-segunda guerra mundial. A autora apresenta a experiência japonesa na utilização de ferramentas processuais para modificação das práticas com a finalidade de reconstrução do país, a partir do conceito Kaizen (mudança para melhor). Aponta que o processo produtivo do Japão incorporou os conceitos administrativos de Fayol, aprimorando-os com base em princípios direcionados à satisfação do cliente, reconhecimento dos problemas, gerenciamento e montagem de trabalhos em equipe, promoção do relacionamento, autodisciplina, informação e capacitação dos colaboradores.

Dentre as ferramentas utilizadas, a autora destaca, de forma simples e exemplificada, as de Kaouru Ishikawa, amplamente empregadas no processo de planejamento, avaliação e monitoramento em saúde nos dias atuais, como o gráfico de Pareto, o diagrama causa e efeito (espinha de peixe), histograma, gráficos de dispersão, fluxogramas e cartas de controle. Também é destacado e descrito, em detalhes, o PDCA (Plan, Do, Check, Act), ferramenta que tem por objetivo nortear um processo por meio de fases que deverão ser continuamente aplicadas em busca da melhoria da qualidade. Outra ferramenta importante é o simples 5W2H (What, Who, When, Why, Where, How, How Much), utilizada para evitar descompassos no desenvolvimento de um plano de ação.

Uma importante contribuição da autora aos debates sobre uma gestão de qualidade está na definição de importantes conceitos utilizados para a orientação no cotidiano dos serviços, evidenciando e acrescentando exemplos, descrições do passo a passo para implantação de rotinas, normas, procedimento operacional padrão, regulamentos, diretrizes, políticas. Seja para o setor privado ou o público, destaca-se a importância da mensuração e do acompanhamento das ações para que sejam alcançados os objetivos com uma qualidade competitiva. Nessa miragem são apresentadas a tríade – estrutura, processo e resultado –, e os pilares da qualidade de Donabedian11. Donabedian A. Evaluación de la calidad de la atención médica. Revista Calidad Asistencial 2001; 16(Supl. 1):S11-S27., exemplificando índices e indicadores que utilizam a tecnologia da informação como suporte à gestão de qualidade.

O capítulo cinco, essência do subtítulo da obra, desenha a qualidade sob o ponto de vista da gestão, indicando o quão é importante e indispensável o investimento e envolvimento da equipe para se “fazer a diferença” e se sobressair no contexto global e competitivo. A capacidade de liderar profissionais com qualidade técnica e perfil profissiográfico resolutivo frente às diferentes dinâmicas sociais é essencial em um contexto cada vez mais concorrente, pois este demanda racionalização dos processos e eficiência nos resultados.

Para que isso seja viável, o planejamento, temática central do capítulo seis, é descrito com uma linguagem clara, simples e extremamente pragmática, com ênfase no planejamento estratégico e análise situacional. Neste último é descrita a ferramenta denominada Matriz SWOT, polarizada entre a busca dos pontos fortes, fracos; oportunidades e ameaças que possam, a partir do ambiente interno ou externo, facilitar ou dificultar o planejamento e o consequente desenvolvimento operacional das ações.

O reconhecimento de um trabalho de qualidade vem à baila especificamente nos capítulos sete a dez. No capítulo sete a autora apresenta a agência certificadora internacional (Joint Comission on Accreditations of Hospitals - JCAH), a agência certificadora brasileira (Organização Nacional de Acreditação – ONA) e os níveis classificatórios na certificação de qualidade para os serviços de saúde. A acreditação é definida como um processo que visa avaliar, de forma permanente, se a instituição de saúde assegura a qualidade da assistência.

Embora não seja obrigatória a certificação, a autora aponta que a legislação vigente na Lei n° 8.080/90, Código de Defesa do Consumidor e Código de Defesa Civil, registram a obrigatoriedade dos serviços em ofertarem um atendimento seguro e de qualidade. Os capítulos oito e nove apresentam ainda as instruções para implantar a fase de preparação para a acreditação, englobando as etapas que encadeiam desde a aquisição do manual de acreditação, que detalha os padrões e as exigências a serem seguidos (incluindo as principais legislações), às ações práticas direcionadas pela tríade de Donabedian11. Donabedian A. Evaluación de la calidad de la atención médica. Revista Calidad Asistencial 2001; 16(Supl. 1):S11-S27.. A mensagem do capítulo dez se resume à indispensável educação contínua, com vistas a manter a certificação e, principalmente, garantir a evolução do corpo social e da cultura organizativa.

Ao permitir uma leitura fácil, rápida, sem apropriar-se de uma linguagem que o restringisse às instâncias acadêmicas, o livro é direcionado, especialmente, aos profissionais que gerenciam os serviços de saúde, públicos ou privados, e que buscam ferramentas práticas para organizar os processos assistenciais em busca da qualidade da atenção aos usuários. Independente de se conseguir um certificado a partir do cumprimento de padrões rígidos e exibi-lo em molduras e inférteis paredes das instituições, a oferta da qualidade deve ser a essência nos serviços que se propõem a gerenciar um cuidado vital, bem imensurável, porém imbuído de incalculável valor.

Referências

  • 1
    Donabedian A. Evaluación de la calidad de la atención médica. Revista Calidad Asistencial 2001; 16(Supl. 1):S11-S27.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018
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