Prevalência e fatores associados a multimorbidades em idosos brasileiros

Laércio Almeida de Melo Kenio Costa de Lima Sobre os autores

Resumo

Objetivou-se identificar a prevalência de multimorbidade em idosos no Brasil e seus fatores associados com variáveis socioeconômicas e referentes ao estilo de vida. Trata-se de um estudo transversal e de base populacional. Para a sua realização, foi utilizada a base de dados da Pesquisa Nacional de Saúde. O idoso foi considerado com multimorbidade quando se tinha um diagnóstico de duas ou mais doenças crônicas. Na análise dos dados, o teste Qui-quadrado foi utilizado e em seguida as razões de prevalência foram estimadas por meio da regressão múltipla de Poisson, ambos com nível de confiança de 95%. Foram avaliados 11.697 idosos e a prevalência de multimorbidade foi de 53,1%. Como resultado na análise multivariada, os idosos do sexo feminino (p < 0,001), os mais envelhecidos (p = 0,002), os que não são solteiros, mais fortemente associados aos viúvos (p = 0,001) e os que possuem plano de saúde no ato da entrevista (p < 0,001) estão associados à multimorbidade. Ademais, comparando com os idosos que possuem duas doenças crônicas, as mulheres estão associadas à presença de três (p = 0,003) e quatro ou mais doenças crônicas (p < 0,001). Conclui-se que a multimorbidade em idosos brasileiros é uma condição bastante comum e que ela tem sido influenciada por fatores socioeconômicos e pouco relacionada ao estilo de vida.

Palavras-chave
Multimorbidade; Idosos; Fatores associados

Introdução

No que tange à saúde, a ocorrência de múltiplas doenças crônicas é uma condição bastante comum. Tal situação se deve provavelmente à redução do limiar de diagnóstico positivo para algumas doenças crônicas, envelhecimento populacional ou possivelmente pelo próprio aumento na prevalência dessas doenças11 Starfield B. Challenges to primary care from co- and multi-morbidity. Prim Health Care Res & Dev 2011; 12(1):1-2.. E quando se trata da população idosa, a ocorrência de diferentes problemas de saúde em um mesmo indivíduo, também conhecida como multimorbidade, apresenta-se como um problema ainda mais frequente. Este fato pode estar intimamente relacionado ao aumento da expectativa de vida da população22 Salive ME. Multimorbidity in older adults. Epidemiol Rev 2013; 35:75-83..

Com relação ao conceito de multimorbidade, apesar de bem estabelecido na literatura, a definição quanto ao número de condições crônicas em um mesmo indivíduo varia consideravelmente. Dentre essas variações, existem estudos que consideram a multimorbidade como sendo o acometimento de duas ou mais doenças crônicas e outros como sendo a presença de pelo menos três33 Violan C, Foguet-Boreu Q, Flores-Mateo G, Salisbury C, Blom J, Freitag M. Prevalence, determinants and patterns of multimorbidity in primary care: a systematic review of observational studies. PLoS One 2014; 9(7):e102149.. Como consequência desse fato, as estimativas de prevalência da multimorbidade em idosos também variam. Estima-se na literatura que a prevalência de múltiplas doenças crônicas está numa faixa de 30,7% a 57%44 Mini GK, Thankappan KR. Pattern, correlates and implications of non-communicable disease multimorbidity among older adults in selected Indian states: a cross-sectional study. BMJ Open 2017; 7(3):e013529.

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-1010 Cavalcanti G, Doring M, Portella MR, Bortoluzzi EC, Mascarelo A, Delani MP. Multimorbidity associated with polypharmacy and negative self-perception of health. Rev Bras Geriatr Gerontol 2017; 20(5):634-642..

Levando-se em consideração a sua prevalência, gravidade e seu impacto na qualidade de vida, a multimorbidade atualmente é considerada um problema de saúde pública1111 Nunes BP, Thumé E, Facchini LA. Multimorbidity in older adults: magnitude and challenges for the Brazilian health system. BMC Public Health 2015; 15:1172.. Devido a um percentual que pode atingir mais de 50%, a prevalência dessa condição em idosos é alta, e segundo estudos de tendência, a previsão é que esse número aumente cada vez mais1212 Veras R, Lima-Costa MF. Epidemiologia do Envelhecimento. In: Almeida NDF, Barreto ML, organizadores. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 427-37.

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-1515 Rechel B, Grundy E, Robine JM, Cylus J, Mackenbach JP, Knai C, McKee M. Ageing in the European Union. Lancet 2013; 381(9874):1312-1322.. A presença de multimorbidade em idosos pode acarretar sérios prejuízos, incluindo maiores riscos de morte e de declínio funcional, além de impactar na diminuição da expectativa de vida nesse segmento populacional1616 Gijsen R, Hoeymans N, Schellevis FG, Ruwaard D, Satariano WA, van den Bos GA. Causes and consequences of comorbidity: a review. J Clin Epidemiol 2001; 54(7):661-674.,1717 DuGoff EH, Canudas-Romo V, Buttorff C, Leff B, Anderson GF. Multiple Chronic Conditions and Life Expectancy: A Life Table Analysis. Med Care 2014; 52(8):688-694.. Apesar da possibilidade de ser controlada por meio de tratamentos e mudanças de hábitos de vida, o manejo adequado de um paciente com multimorbidade é um desafio para os serviços de saúde nos diferentes níveis de complexidade. Ademais, identificar os fatores associados à prevalência dessa condição, pode ajudar nesse manejo de forma adequada1212 Veras R, Lima-Costa MF. Epidemiologia do Envelhecimento. In: Almeida NDF, Barreto ML, organizadores. Epidemiologia & saúde: fundamentos, métodos, aplicações. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 427-37.,1818 Ording AG, Sorensen HT. Concepts of comorbidities, multiple morbidities, complications, and their clinical epidemiologic analogs. Clin Epidemiol 2013; 5:199-203..

Dessa maneira, com a identificação desses fatores associados, a formulação de políticas públicas voltadas para a prevenção destes agravos e a elaboração de estratégias nas áreas de promoção, vigilância e atenção à saúde ficam facilitadas1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Programa de avaliação para a qualificação do Sistema Único de Saúde. Brasília: MS; 2011. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: http://observasaude.fundap.sp.gov.br/saude2/sus/Acervo/SUS_AvlQualif_3.pdf
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. Somada a essa importância, é necessário estudos de abrangência populacional maior que avaliem os fatores associados à multimorbidade em idosos, uma vez que aqueles autores que se propuseram a estudar esse tema, o fizeram em populações de pequenos portes55 Ha NT, Le NH, Khanal V, Moorin R. Multimorbidity and its social determinants among older people in southern provinces, Vietnam. Int J Equity Health 2015; 14:50.,66 Banjare P, Pradhan J. Socio-economic inequalities in the prevalence of multi-morbidity among the rural elderly in Bargarh District of Odisha (India). PLoS One 2014; 9(6):e97832.,88 Agborsangaya CB, Lau D, Lahtinen M, Cooke T, Johnson JA. Multimorbidity prevalence and patterns across socioeconomic determinants: a cross-sectional survey. BMC Public Health 2012; 12:201.

9 Marengoni A, Winblad B, Karp A, Fratiglioni L. Prevalence of chronic diseases and multimorbidity among the elderly population in Sweden. Am J Public Health 2008; 98(7):1198-2000.
-1010 Cavalcanti G, Doring M, Portella MR, Bortoluzzi EC, Mascarelo A, Delani MP. Multimorbidity associated with polypharmacy and negative self-perception of health. Rev Bras Geriatr Gerontol 2017; 20(5):634-642.. Nesse contexto, o presente estudo objetivou identificar a prevalência de multimorbidade em idosos no Brasil e seus fatores associados. Além disso, a busca por fatores associados também foi realizada comparando a presença de três e quatro ou mais doenças crônicas com aqueles idosos que possuíam duas doenças crônicas.

Metodologia

O presente estudo caracteriza-se por ser do tipo transversal e de base populacional. Para a sua realização, foi utilizada a base de dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) com coletas de dados feitas em 2013 e 2014. A PNS é representativa para moradores a partir de 18 anos, residentes em domicílios particulares do país em áreas urbana e rural, abrangendo as cinco macrorregiões geográficas. Entretanto, este estudo teve como unidade de análise apenas os indivíduos idosos (11.697 indivíduos), com idade igual ou maior que 60 anos. O projeto de pesquisa da PNS foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

Para estimar a prevalência de multimorbidade, o idoso considerado com essa condição tinha que ter um diagnóstico de duas ou mais doenças crônicas. As doenças crônicas consideradas foram aquelas pesquisadas na PNS, sendo elas: hipertensão, diabetes, colesterol alto, doença cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC), asma, artrite ou reumatismo, problemas de coluna, depressão, doenças mentais (esquizofrenia, transtorno bipolar ou transtorno compulsivo-obsessivo), doenças no pulmão (bronquite crônica, enfisema ou doença pulmonar obstrutiva crônica), câncer e insuficiência renal. Para todas as doenças crônicas supracitadas, as suas identificações foram dadas a partir da pergunta “algum médico já lhe deu o diagnóstico para essa doença?”

Em relação aos fatores associados à ocorrência de multimorbidade em idosos, foram analisados dois blocos de variáveis, o primeiro representado por variáveis socioeconômicas (sexo, idade, cor ou raça, estado civil, escolaridade e plano de saúde) e o segundo por variáveis referentes ao estilo de vida (uso de bebida alcoólica, tabagismo e exercício físico). Além de se verificar a associação dessas variáveis com a presença de duas ou mais doenças crônicas, também foi feita a associação dessas variáveis comparando a presença de duas e três doenças crônicas e duas e quatro doenças crônicas.

Para a análise dos dados, utilizou-se o programa estatístico Statistical Package for the Social Science (SPSS) 20.0. Inicialmente, para a confecção das tabelas, foi feita a distribuição de frequência de todas as variáveis do estudo. E por fim, com o objetivo de verificar a associação entre as variáveis sociodemográficas e de estilo de vida com a presença de multimorbidade em idosos, o teste Qui-quadrado foi utilizado com um nível de confiança de 95%. Para as variáveis independentes com p < 0,200 foi testada a multicolinearidade através da realização de testes do qui-quadrado e, devido ao tamanho amostral, tais associações foram consideradas significativas para um valor de p = 0,000001. Em seguida, as razões de prevalência ajustadas foram estimadas por meio da regressão múltipla de Poisson. Vale ressaltar ainda, que os dados foram ponderados considerando o efeito do plano amostral, as taxas de não resposta e os pesos de pós-estratificação.

Resultados

Foram avaliados 11.697 idosos brasileiros, com idade média de 70,1 anos (± 0,1), variando de 60 a 107 anos. No presente estudo, houve uma predominância do sexo feminino (60%), idosos de cor branca (54,7%), idosos mais jovens (com idade entre 60 a 69 anos) (55,2%), casados (44,5%), daqueles com ensino fundamental incompleto (38,4%), dos que não praticam exercício físico (77,4%), de idosos sem plano de saúde (68,3%) e dos que não bebem (73,6%) e não fumam (84,7%). A prevalência de multimorbidade em idosos brasileiros foi de 53,1%.

Na Tabela 1, é apresentada a frequência das variáveis independentes e a associação com a variável multimorbidade em idosos na análise univariada. Com bases nos dados apresentados, observa-se que a prevalência de multimorbidade em idosos está associada ao sexo feminino, aos mais velhos, aos que não são solteiros (mais fortemente associado aos viúvos), aos de baixa escolaridade, àqueles com plano de saúde e ao fato de não fazerem uso no momento da pesquisa de bebida alcoólica e tabaco. Segundo o modelo da análise multivariada, ainda na Tabela 1, os fatores associados à prevalência de multimorbidade em idosos foram: sexo feminino, idosos mais velhos, mais fortemente ao estado civil viúvo e com plano de saúde.

Tabela 1
Associação entre a multimorbidade em idosos com as variáveis socioeconômicas e de estilo de vida, e suas medidas da razão de prevalência bruta e ajustadas.

Ao se comparar, os idosos que possuíam duas doenças crônicas com aqueles que possuíam três (Tabela 2), a análise univariada mostrou que a prevalência de três doenças crônicas estava associada ao sexo feminino, aos idosos com ensino fundamental incompleto, aos que não fumam e aos que não realizam atividade física. Já na análise multivariada (Tabela 2), permaneceu significativo apenas o fato do idoso ser do sexo feminino.

Tabela 2
Associação entre a presença de duas ou três doenças crônicas em idosos com as variáveis socioeconômicas e de estilo de vida, e suas medidas da razão de prevalência bruta e ajustadas.

Por fim, na Tabela 3, comparou-se idosos que possuíam duas doenças crônicas com os que possuíam quatro ou mais. Nota-se, na análise univariada, que um número maior de doenças crônicas estava associado ao sexo feminino e ao não uso de bebida alcoólica no momento da entrevista. Nesse caso, após o ajuste na análise multivariada, apenas o sexo feminino permaneceu significativo.

Tabela 3
Associação entre a presença de duas ou quatro doenças crônicas ou mais em idosos com as variáveis socioeconômicas e de estilo de vida, e suas medidas da razão de prevalência bruta e ajustadas.

Discussão

Este estudo objetivou identificar a prevalência de multimorbidade em idosos, buscando associação com as condições socioeconômicas e estilo de vida. Os resultados encontrados são representativos para a população idosa do Brasil. Diante de sua gravidade na saúde pública e o impacto na qualidade de vida desses idosos, identificar tal prevalência e os fatores associados é de grande valia para o estabelecimento de medidas voltadas para a prevenção destes agravos1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Programa de avaliação para a qualificação do Sistema Único de Saúde. Brasília: MS; 2011. [acessado 2018 Jan 15]. Disponível em: http://observasaude.fundap.sp.gov.br/saude2/sus/Acervo/SUS_AvlQualif_3.pdf
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A prevalência da multimorbidade em idosos encontradas no presente estudo foi de 53,1%, números semelhantes aos encontrados em outras pesquisas sobre o tema44 Mini GK, Thankappan KR. Pattern, correlates and implications of non-communicable disease multimorbidity among older adults in selected Indian states: a cross-sectional study. BMJ Open 2017; 7(3):e013529.

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-1010 Cavalcanti G, Doring M, Portella MR, Bortoluzzi EC, Mascarelo A, Delani MP. Multimorbidity associated with polypharmacy and negative self-perception of health. Rev Bras Geriatr Gerontol 2017; 20(5):634-642.. Considerando uma frequência dessa condição em mais da metade da população idosa no Brasil, percebe-se o quão comum ela é. Esse número, torna-se ainda mais alarmante quando se verifica que a multimorbidade está associada à incapacidade, maiores necessidades de utilização de cuidados e gastos em saúde55 Ha NT, Le NH, Khanal V, Moorin R. Multimorbidity and its social determinants among older people in southern provinces, Vietnam. Int J Equity Health 2015; 14:50.. Sendo assim, medidas preventivas que busquem um envelhecimento ativo e saudável, tornam-se cada vez mais necessárias. Essa alta prevalência pode ser explicada pela expectativa de vida cada vez maior desses idosos, o que possibilita uma maior probabilidade de acúmulos de doenças crônicas nesses indivíduos22 Salive ME. Multimorbidity in older adults. Epidemiol Rev 2013; 35:75-83..

Ser do sexo feminino mostrou-se associado a uma maior prevalência de multimorbidade em idosos nas análises uni e multivariada. Ademais, as mulheres tiveram maiores números de doenças crônicas que os homens quando se estratificou a multimorbidade em duas, três ou quatro ou mais doenças crônicas. Estas associações, ao se comparar gêneros, podem estar relacionadas ao fato de as mulheres possuírem expectativa de vida mais longa e pior estado de saúde em relação aos homens. Por sua vez, isso implica em uma maior necessidade de atenção para a saúde da mulher em todos os ciclos da vida, para que se tenha um envelhecimento saudável presente nesse segmento populacional44 Mini GK, Thankappan KR. Pattern, correlates and implications of non-communicable disease multimorbidity among older adults in selected Indian states: a cross-sectional study. BMJ Open 2017; 7(3):e013529.

5 Ha NT, Le NH, Khanal V, Moorin R. Multimorbidity and its social determinants among older people in southern provinces, Vietnam. Int J Equity Health 2015; 14:50.

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7 Jerliu N, Toçi E, Burazeri G, Ramadani N, Brand H. Prevalence and socioeconomic correlates of chronic morbidity among elderly people in Kosovo: a population-based survey. BMC Geriatr 2013; 13:22.

8 Agborsangaya CB, Lau D, Lahtinen M, Cooke T, Johnson JA. Multimorbidity prevalence and patterns across socioeconomic determinants: a cross-sectional survey. BMC Public Health 2012; 12:201.

9 Marengoni A, Winblad B, Karp A, Fratiglioni L. Prevalence of chronic diseases and multimorbidity among the elderly population in Sweden. Am J Public Health 2008; 98(7):1198-2000.
-1010 Cavalcanti G, Doring M, Portella MR, Bortoluzzi EC, Mascarelo A, Delani MP. Multimorbidity associated with polypharmacy and negative self-perception of health. Rev Bras Geriatr Gerontol 2017; 20(5):634-642..

Além do gênero feminino, foi verificado uma associação com a multimorbidade em idosos, mesmo após o ajuste para outras variáveis, o fato deles serem mais velhos, possuir plano de saúde e aqueles que não eram solteiros, mais fortemente associados aos viúvos. Com relação à idade, este estudo corrobora a literatura44 Mini GK, Thankappan KR. Pattern, correlates and implications of non-communicable disease multimorbidity among older adults in selected Indian states: a cross-sectional study. BMJ Open 2017; 7(3):e013529.,66 Banjare P, Pradhan J. Socio-economic inequalities in the prevalence of multi-morbidity among the rural elderly in Bargarh District of Odisha (India). PLoS One 2014; 9(6):e97832.,77 Jerliu N, Toçi E, Burazeri G, Ramadani N, Brand H. Prevalence and socioeconomic correlates of chronic morbidity among elderly people in Kosovo: a population-based survey. BMC Geriatr 2013; 13:22.,99 Marengoni A, Winblad B, Karp A, Fratiglioni L. Prevalence of chronic diseases and multimorbidity among the elderly population in Sweden. Am J Public Health 2008; 98(7):1198-2000.. Sugere-se, portanto, que os idosos mais velhos, por sofrerem de forma mais acentuada o envelhecimento fisiológico, tendam a possuir mais multimorbidades66 Banjare P, Pradhan J. Socio-economic inequalities in the prevalence of multi-morbidity among the rural elderly in Bargarh District of Odisha (India). PLoS One 2014; 9(6):e97832.. Já aqueles com planos de saúde particular, possivelmente possuem mais acessos às consultas médicas e, por consequência, mais facilidade para receber um diagnóstico da presença de alguma doença crônica. Uma outra razão que possa explicar essa associação, é a possibilidade de os idosos terem adquirido planos de saúde particular após o diagnóstico de doenças crônicas em algum serviço de saúde. Por se tratar de um estudo transversal, a presente pesquisa não tem como identificar quem veio primeiro, a multimorbidade ou a aquisição de planos de saúde particular.

No que se refere à associação com aqueles idosos não solteiros, entende-se que os casados, os separados e especificamente os viúvos, os quais tiveram maior associação, podem sofrer abusos mais frequentes. Ao separar-se do cônjuge ou ficar viúvo, os idosos tendem a voltar para a casa de seus familiares podendo sofrer abandono, abuso emocional, exploração financeira ou material, negligência e abuso físico. Tais abusos quando somados ao envelhecimento fisiológico podem acarretar em uma maior probabilidade de se ter acúmulo de doenças crônicas2020 Daly JM, Merchant ML, Jogerst GJ. Elder abuse research: a systematic review. J Elder Abuse Negl 2011; 23(4):348-365.. O mesmo estende-se para aqueles idosos casados, que estão inseridos em uma casa com cônjuges e em uma comunidade, havendo a possibilidade de sofrerem abusos.

Dentro apenas da análise univariada, outros fatores se mostraram associados à multimorbidade em idosos, sendo eles: menores níveis de educação e o fato de não fazerem uso de bebida alcoólica e tabaco no momento da entrevista. Para o nível de escolaridade, a literatura sobre o tema corrobora com os resultados deste estudo55 Ha NT, Le NH, Khanal V, Moorin R. Multimorbidity and its social determinants among older people in southern provinces, Vietnam. Int J Equity Health 2015; 14:50.,99 Marengoni A, Winblad B, Karp A, Fratiglioni L. Prevalence of chronic diseases and multimorbidity among the elderly population in Sweden. Am J Public Health 2008; 98(7):1198-2000.. Piores níveis educacionais inviabilizam um indivíduo a buscar conhecimentos e, consequentemente, acessar mais informações sobre promoção da saúde e adotar estilos de vida saudáveis, não prevenindo o acúmulo de doenças crônicas55 Ha NT, Le NH, Khanal V, Moorin R. Multimorbidity and its social determinants among older people in southern provinces, Vietnam. Int J Equity Health 2015; 14:50..

Com relação ao estilo de vida, os resultados deste estudo divergem dos demais publicados na literatura44 Mini GK, Thankappan KR. Pattern, correlates and implications of non-communicable disease multimorbidity among older adults in selected Indian states: a cross-sectional study. BMJ Open 2017; 7(3):e013529.,66 Banjare P, Pradhan J. Socio-economic inequalities in the prevalence of multi-morbidity among the rural elderly in Bargarh District of Odisha (India). PLoS One 2014; 9(6):e97832.. Entretanto, os resultados aqui encontrados na análise univariada seguem uma lógica, uma vez que os idosos que possuem mais multimorbidades no Brasil, estão mais associados àqueles com planos de saúde particular e, por consequência, tendem a ter mais acesso a orientações médicas. Diante dessas orientações, possivelmente as recomendações de não fumar e de não usar bebida alcoólica devem estar presentes, já que o álcool e o tabaco estão entre os cinco fatores de risco mais relevantes para o surgimento e agravamento de doenças crônicas2121 Zaitune MPA, Barros MBA, César CLG, Carandina L, Goudbaum M. Fatores associados ao sedentarismo no lazer em idosos. Cad Saude Publica 2007; 23(6):1329-1338.. Seguindo a mesma lógica, essa possível justificativa estende-se ao fato daqueles idosos com maiores quantidade de doenças crônicas estarem associados na análise univariada ao hábito de não fumar e não consumir bebida alcoólica no ato da pesquisa.

Um diferencial deste estudo, é o fato de se ter avaliado uma associação entre a realização de exercícios físicos e a multimorbidade em idosos. Estudos publicados na literatura que buscaram estilos de vida associados à multimorbidade em idosos, não avaliaram a variável exercício físico44 Mini GK, Thankappan KR. Pattern, correlates and implications of non-communicable disease multimorbidity among older adults in selected Indian states: a cross-sectional study. BMJ Open 2017; 7(3):e013529.,66 Banjare P, Pradhan J. Socio-economic inequalities in the prevalence of multi-morbidity among the rural elderly in Bargarh District of Odisha (India). PLoS One 2014; 9(6):e97832.. Verificou-se, a partir dos resultados da presente pesquisa, uma baixa influência dessa variável tanto para a prevalência da multimorbidade quanto para uma maior quantidade de doenças crônicas presentes. Esse resultado provavelmente deve estar relacionado à própria característica dos idosos avaliados, em que mais de 70% não realizam exercícios físicos. Apenas na análise univariada, ao se comparar a presença de duas e três doenças, viu-se que um maior número de enfermidades faziam-se mais presentes naqueles idosos que não realizavam atividades físicas. Já é consenso na literatura que a inatividade física está associada a uma maior prevalência de quedas, debilidade física, alterações de humor e obesidade2222 Gualano B, Tinucci T. Sedentarismo, exercício físico e doenças crônicas. Rev Bras Educ Fís Esporte 2011; 25(n.esp):37-43.. Sendo assim, o aumento do número de doenças crônicas acumuladas nos idosos brasileiros pode estar correlacionado com as consequências da falta desses exercícios físicos diários, já que aumenta a incidência de diabetes e osteoporose, por exemplo.

Vale ressaltar que diante de alguns resultados contraditórios com estudos prévios na literatura, principalmente com aqueles ligados às variáveis “uso de bebida e tabaco”, se fazem necessários estudos longitudinais sobre o tema. Por se tratar de um estudo transversal, este não possibilita identificar uma relação de causa e consequência bem estabelecida e, por isso, apenas o levantamento de hipóteses pode ser inferido. Este estudo caracteriza-se por ter uma abrangência populacional grande e de inferência ao perfil do idoso brasileiro com multimorbidade. Sendo assim, uma atenção maior para medidas preventivas e estímulo ao envelhecimento saudável devem ser dadas ao idoso do sexo feminino, aos mais envelhecidos, aos que são viúvos, separados ou casados, aos de níveis escolares baixos e aos que não realizam exercícios físicos.

Conclusão

A partir dos resultados encontrados, como conclusão, percebe-se que a multimorbidade em idosos brasileiros é uma condição bastante frequente e que ela tem sido influenciada por fatores socioeconômicos e pouco relacionados ao estilo de vida. Ser do sexo feminino, mais envelhecido, possuir nível educacional baixo e ser viúvo, separado ou casado, estiveram associados a prevalência de multimorbidade em idosos brasileiros. Ademais, as mulheres estão mais associadas ao fato de se ter um número maior de doenças crônicas.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Out 2020

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2018
  • Aceito
    17 Dez 2018
  • Publicado
    19 Dez 2018
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