Violência contra idosos durante a pandemia de Covid-19 no Brasil: contribuições para seu enfrentamento

Claudia Leite de Moraes Emanuele Souza Marques Adalgisa Peixoto Ribeiro Edinilsa Ramos de Souza Sobre os autores

Resumo

O distanciamento social tem sido usado pela maioria dos governos estaduais e municipais do Brasil como principal estratégia para a redução da velocidade de transmissão do novo coronavírus (SARS-CoV-2), agente etiológico da COVID-19. Entretanto, esse isolamento social tem tido várias repercussões negativas, dentre elas o aumento da violência intrafamiliar contra crianças, adolescentes e mulheres. Recentemente, a violência contra a pessoa idosa (VCPI) durante a pandemia também vem entrando na pauta das preocupações, embora a discussão sobre as possíveis estratégias de enfrentamento da VCPI durante a COVID-19 ainda seja inexpressiva em todo o mundo. Visando ampliar o debate sobre o tema no Brasil, este artigo pretende oferecer elementos teóricos e evidências de estudos anteriores para uma maior compreensão da situação de vulnerabilidade do idoso às situações de violência, das possíveis motivações para o aumento do número de casos de VCPI durante a COVID-19, bem como sugerir possíveis estratégias para o enfrentamento do problema.

Palavras-chave
Violência doméstica; Violência contra idosos; Abuso de idosos; Distanciamento social; Covid-19

Introdução

Com a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) causador da COVID-19, o mundo tem vivenciado não somente uma crise sanitária, mas também uma crise econômica, política e ética sem precedentes11 United Nations Development Programme (UNDP). Brief#2: Putting the un framework for socio-economic response to COVID-19 into action: insights United Nations Development Programme. New York: UNDP; 2020.

2 Pana-Cryan R, Ray T, Bushnell T, Quay B. Economic Security during the COVID-19 Pandemic: A Healthy Work Design and Well-being Perspective. Centers for Disease Control and Prevention; 2020 [cited 2020 Jun 29]. Available from: https://blogs.cdc.gov/niosh-science-blog/2020/06/22/economic-security-covid-19/
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-33 Ortega F, Orsini M. Governing COVID-19 without government in Brazil: Ignorance, neoliberal authoritarianism, and the collapse of public health leadership. Global Public Health 2020; 15(8):1-21.. Desde a confirmação do 1º caso do COVID-19 em Wuhan, China, em dezembro de 2019, até 23 de julho de 2020, já havia registro de 15.012.731 casos confirmados e 619.150 óbitos ao redor do mundo44 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19): Situation Report - 185. Geneve: WHO; 2020. [cited 2020 Jul 23]. Available from: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200723-covid-19-sitrep-185.pdf?sfvrsn=9395b7bf_2
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, entre os quais 2.287.475 de casos confirmados e 84.082 óbitos no Brasil55 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Painel de casos de doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) no Brasil pelo Ministério da Saúde. Brasília: MS; 2020 [cited 2020 Jul 24]. Available from: https://covid.saude.gov.br/
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. Na ausência de uma vacina específica e de tratamentos eficazes, as estratégias para o enfrentamento do problema têm se baseado em medidas individuais habitualmente utilizadas para prevenção de doenças de transmissão respiratória, tais como lavagem regular das mãos e uso de máscaras, além de medidas de distanciamento social.

Apesar de extremamente relevante para a redução da transmissão da doença e consequentemente do número de casos e óbitos, tal distanciamento, em médio e longo prazo, também traz sérios prejuízos para a atividade econômica em todos os seus níveis e para a vida em sociedade22 Pana-Cryan R, Ray T, Bushnell T, Quay B. Economic Security during the COVID-19 Pandemic: A Healthy Work Design and Well-being Perspective. Centers for Disease Control and Prevention; 2020 [cited 2020 Jun 29]. Available from: https://blogs.cdc.gov/niosh-science-blog/2020/06/22/economic-security-covid-19/
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. A redução do poder aquisitivo, especialmente dos trabalhadores autônomos, comerciantes, do setor de serviços, da construção civil, empregados domésticos, ligados ao setor de Turismo, dentre outros, compromete ainda mais a qualidade de vida de brasileiros e brasileiras. A suspensão das atividades presenciais, que culminou com o fechamento de creches, escolas e universidades, interrupção de muitas atividades profissionais e o trabalho remoto, fazem com que os indivíduos acumulem tensões inerentes ao convívio familiar pleno, muitas vezes em residências precárias que agregam muitos moradores66 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00074420.. Soma-se a isto o medo de adoecer, de perder entes queridos, a redução do apoio social formal e informal e a incerteza sobre o futuro66 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00074420.. As orientações quanto à necessidade de ficar em casa, especialmente para aqueles de grupos de risco para complicações graves da doença, e o medo da contaminação pelo SARS-CoV-2 também prejudicam o acompanhamento regular da população nos serviços de saúde, reduzindo o alcance das ações de promoção de saúde, prevenção e linhas de cuidado das doenças crônicas não transmissíveis e demais condições clínicas.

Neste contexto, diferentes instituições da rede de proteção de crianças, adolescentes e mulheres vêm denunciando um aumento expressivo do número de casos de violência familiar. Inicialmente na China e depois na Itália, França, Espanha, Argentina e outros países77 Bassan P. Casos de violência doméstica no RJ crescem 50% durante confinamento. G1 Globo 2020; 23 mar.

8 EURACTIV. Domestic violence increases in France during COVID-19 lockdown. EURACTIV Network 2020; [cited 2020 Mar 30]. Available from: https://www.euractiv.com/section/politics/news/domestic-violence-increases-in-france-during-covid-19-lockdown/
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9 Godin M. As Cities Around the World Go on Lockdown, Victims of Domestic Violence Look for a Way Out. Time 2020. [cited 2020 Mar 18]. Available from: https://time.com/5803887/coronavirus-domestic-violence-victims/
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10 Golfieri M, Andrian A. O aumento da violência doméstica em tempos de covid-19. Estadão 2020. [cited 2020 Abr 01]. Available from: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-aumento-da-violencia-domestica-em-tempos-de-covid-19/
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11 UK WsA. The Impact of COVID-19 on Women and Children Experiencing Domestic Abuse, and the Life-Saving Services that Support Them. 2020 [cited 2020 Mar 17]. Available from: https://www.womensaid.org.uk/the-impact-of-covid-19-on-women-and-children-experiencing-domesticabuse-and-the-life-saving-services-that-support-them/.
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-1212 World Health Organization (WHO). COVID-19 and violence against women: What the health sector/system can do. Geneva: WHO; 2020., os crescentes casos de violência doméstica contra a mulher e de feminicídio chamaram a atenção e vêm sendo alvo de alertas constantes aos gestores responsáveis pelas políticas de contingenciamento, aos serviços da rede de proteção aos grupos mais vulneráveis, aos profissionais de saúde e à sociedade em geral. Pesquisadores66 Marques ES, Moraes CL, Hasselmann MH, Deslandes SF, Reichenheim ME. A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cad Saude Publica 2020; 36(4):e00074420.,1313 Campbell AM. An increasing risk of family violence during the Covid-19 pandemic: Strengthening community collaborations to save lives. Forensic Science International Reports 2020; 2:100089.

14 Cluver L, Lachman JM, Sherr L, Wessels I, Krug E, Rakotomalala S, Blight S, Hillis S, Bachman G, Green O, Butchart A, Tomlinson M, Ward CL, Doubt J, McDonald K. Parenting in a time of COVID-19. Lancet 2020; 395(10231):e64, 2020 04 11.

15 Colbourn T. COVID-19: extending or relaxing distancing control measures. Lancet Public Health 2020; 5(5):E236-E237.
-1616 Emanuel EJ, Persad G, Upshur R, Thome B, Parker M, Glickman A, Zhang C, Boyle C, Smith M, Phillips JP. Fair Allocation of Scarce Medical Resources in the Time of Covid-19. N Engl J Med 2020; 382(21):2049-2055., organizações internacionais1717 End Violence Against Children. Protecting children during the COVID-19 outbreak: resources to reduce violence and abuse. End Violence Against Children 2020. [cited 2020 Mar 26]. Available from: https://www.end-violence.org/protecting-children-during-covid-19-outbreak
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18 ONU Mulheres. Gênero e COVID-19 na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta. Geneva: ONU Mulheres; 2020.

19 Organização das Nações Unidas (ONU). Relatora da ONU: Estados devem combater violência doméstica na quarentena por COVID-19. Brasília: ONU Brasil; 2020. [cited 2020 Mar 27]. Available from: https://nacoesunidas.org/relatora-da-onu-estados-devem-combater-violencia-domestica-na-quarentena-por-covid-19/
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20 World Health Organization (WHO). Coronavirus disease (COVID-19) advice for the public: Healthy Parenting. WHO; 2020. [cited 2020 Mar 30]. Available from: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/advice-for-public/healthy-parenting
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-2121 WHO, UNICEF, Children EVA, Things IG, Health PfL, USAID, WWO, End Violence Agains Children, CDC, Childhood, Accelerate, University of Oxford, UNODC. COVID-19 parenting. 2020 [cited 2020 Mar 26]. Available from: https://www.covid19parenting.com/
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e a mídia leiga2222 BBC. Coronavirus: 'Domestic abuse pandemic likely due to shutdown'. London: BBC; 2020 [cited 2020 Mar 30]. Available from: https://www.bbc.com/news/uk-wales-52076789
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23 BBC. Coronavirus: la preocupación por las víctimas de violencia de género que tienen que convivir en cuarentena con su agresor (y dónde buscar ayuda). BBC News Mundo; 2020. [cited 2020 Mar 24]. Available from: https://www.bbc.com/mundo/noticias-52009140.
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24 Ribeiro D. Com isolamento, a questão da violência contra a mulher fica ainda mais grave. Folha de S Paulo 2020; Mar 27.
-2525 Salisbury H. What might we learn from the covid-19 pandemic? BMJ 2020; 368:m1087. também têm chamado a atenção para o problema ao indicar o aumento das denúncias de violência contra estes subgrupos populacionais em diferentes regiões geográficas e contextos sociais.

A pandemia expôs e intensificou o contexto de desigualdades econômicas previamente existentes no país, assim como o distanciamento social reduziu o já difícil acesso aos serviços de saúde e de proteção social. Nesse cenário, cabe trazer à discussão a possibilidade de aumento da violência contra a pessoa idosa (VCPI), que se manifesta nas formas de violência psicológica, física, sexual, patrimonial e institucional, negligência e abuso financeiro2626 Brasil. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Violência contra a pessoa idosa: vamos falar sobre isso? Perguntas mais frequentes sobre direitos das pessoas idosas. Brasília: Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; 2020.. Considerada uma grave violação dos direitos humanos, a VCPI também é um importante problema de saúde pública em todo o mundo devido à sua elevada magnitude e às sérias consequências à saúde física e mental, bem como à qualidade de vida de suas vítimas2727 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization; 2002.,2828 Yon Y, Mikton CR, Gassoumis ZD, Wilber KH. Elder abuse prevalence in community settings: a systematic review and meta-analysis. Lancet Global Health 2017; 5(2):e147-e56.. O quadro é ainda mais nocivo, pois frequentemente é sofrida em silêncio e encoberta pelas relações de proximidade e dependência entre a vítima e o autor da agressão, bem como pelo medo de retaliações e abandono.

Apesar da relevância do tema, a discussão sobre as possíveis estratégias de enfrentamento da VCPI durante a COVID-19 é ainda inexpressiva em todo o mundo. Em levantamento recente, apenas dois artigos científicos2929 Elman A, Breckman R, Clark S, Gottesman E, Rachmuth L, Reiff M, Callahan J, Russell LA, Curtis M, Solomon J, Lok D, Sirey JA, Lachs MS, Czaja S, Pillemer K, Rosen T. Effects of the COVID-19 Outbreak on Elder Mistreatment and Response in New York City: Initial Lessons. J Appl Gerontol 2020; 39(7):690-699.,3030 Han SD, Mosqueda L. Elder Abuse in the COVID-19 Era. J Am Geriatr Soc 2020; 68(7):1386-1387. chamaram a atenção para a possibilidade de aumento das violências a este grupo populacional durante a pandemia. Publicações em outros meios de comunicação também são escassas. No Brasil, a produção acadêmica sobre o tema é inexistente e o primeiro pronunciamento do governo federal alertando sobre o aumento do número de casos de VCPI ocorreu apenas quatro meses depois da primeira ocorrência confirmada da doença no país. Nessa oportunidade, o Ministério da Mulher, da Família, dos Direitos Humanos (MMFDH) apontou um incremento nas denúncias registradas pelo “Disque 100” no triênio de março a maio, que passou de 3 mil em março para 8 mil em abril e 17 mil em maio (meses com maiores taxas de isolamento social), o que corresponde a um crescimento de 267% e 567% durante o período3131 Mazzi C. Denúncias de violência contra idosos quintuplicaram durante a pandemia, apontam dados do Disque 100. O Globo 2020. [cited 2020 Jun 15]. Available from: https://oglobo.globo.com/sociedade/denuncias-de-violencia-contra-idosos-quintuplicaram-durante-pandemia-apontam-dados-do-disque-100-24480857
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. Esses dados reforçam a importância de identificar e trazer o tema para o centro das discussões acadêmicas e governamentais, com o intuito de realizar uma reflexão coletiva sobre possíveis estratégias para o seu enfrentamento.

Alguns aspectos sobre a vulnerabilidade do idoso durante a pandemia

Para melhor compreender o aumento no número de casos e denúncias de VCPI durante a pandemia de COVID-19, parece interessante pontuar algumas vulnerabilidades que podem aumentar as dificuldades da pessoa idosa em situações como esta3030 Han SD, Mosqueda L. Elder Abuse in the COVID-19 Era. J Am Geriatr Soc 2020; 68(7):1386-1387.. Tal situação é consequência de uma série de condições que envolvem aspectos macroestruturais, contextuais, além dos relacionados à saúde física, emocional e cognitiva dos idosos. Dentre os primeiros, ressalta-se a discriminação contra a pessoa idosa e a falta de uma política multidimensional, dinâmica e integrada de proteção ao idoso que, de fato, promova o envelhecimento digno e saudável3232 Giacomin KC, Firmo JOA. Velhice, incapacidade e cuidado na saúde pública. Cien Saude Colet 2015; 20(12):3631-3640.

33 Pereira JK, Giacomin KC, Firmo JOA. A funcionalidade e incapacidade na velhice: ficar ou não ficar quieto. Cad Saude Publica 2015; 31(7):1451-1459.
-3434 Alcântara AO, Camarano AA, Giacomin KC. Política Nacional do Idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: IPEA; 2016.. Soma-se a isto as precárias condições de vida de boa parte dos idosos brasileiros que dependem de pensões e aposentadorias, insuficientes para a compra de itens essenciais (alimentos, medicações, vestuário etc.) à sua subsistência, especialmente quando tais recursos, muitas vezes, são a única fonte de renda da família composta por diferentes gerações que vivem no mesmo domicílio3434 Alcântara AO, Camarano AA, Giacomin KC. Política Nacional do Idoso: velhas e novas questões. Rio de Janeiro: IPEA; 2016..

Além da vulnerabilidade social e econômica, grande parte das idosas e dos idosos brasileiros é alvo do isolamento e do abandono por parte de familiares, muitas vezes sem condições estruturais de acolher e cuidar do parente durante a velhice3535 Freitas AVS, Noronha CV. Idosos em instituições de longa permanência: falando de cuidado. Interface (Botucatu) 2010; 14(33):359-369.,3636 Rabelo DF. Configuração e funcionamento de famílias com idosos que apresentam diferentes condições psicológicas e de saúde. Campinas: Universidade Estadual de Campinas; 2014.. Há ainda aqueles que residem em instituições de longa permanência, nem sempre com condições adequadas para a promoção da saúde e o envelhecer saudável3737 Tier CG, Fontana RT, Soares NV. Refletindo sobre idosos institucionalizado. Revista Brasileira de Enfermagem 2004; 57(3):332-335., além de especialmente sujeitas à transmissão de doenças infecciosas, tal como a COVID-193838 Moraes EN, Viana LG, Resende LMH, Vasconcellos LS, Moura AS, Menezes A, Mansano NH, Rabelo R. COVID-19 nas instituições de longa permanência para idosos: Estratégias de rastreamento laboratorial e prevenção da propagação da doença. Cien Saude Colet 2020; 25(9):3445-3458.,3939 Richards C. Infections in residents of long-term care facilities: an agenda for research. Report of an expert panel. J Am Geriatr Soc 2002; 50(3):570-576..

Dentre os aspectos relacionados à saúde física, destaca-se a “imunossenescência” (diminuição das funções do sistema imunológico) que predispõe os idosos a desfechos negativos em relação às doenças infecciosas, como a Covid-194040 Zhang W. Manual de Prevenção e Controle da Covid-19 segundo o Doutor Wenhong Zhang. São Paulo: Polo Books; 2020.. Além disto, uma parte considerável da população idosa possui uma ou mais doenças crônicas não transmissíveis, tais como hipertensão arterial, diabetes, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, neoplasias, cardiopatias, dentre outras4141 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Vigitel Brasil 2018: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico: estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2018. Brasília: MS; 2019.,4242 Giacomin KC, Duarte YAO, Camarano AA, Nunes DP, Fernandes D. Care and functional disabilities in daily activities ELSI-Brazil. Rev Saude Publica 2018; 52(Supl. 2):9s., que são importantes fatores prognósticos de quadros mais graves da doença4343 Wang L, He W, Yu X, Hu D, Bao M, Liu H, Zhou J, Jiang H. Coronavirus disease 2019 in elderly patients: Characteristics and prognostic factors based on 4-week follow-up. J Infect 2020; 80(6):639-645.

44 Centers for Disease Control and Prevention (CDC). People Who Are at Increased Risk for Severe Illness. CDC; 2020 [cited 2020 30 jun]. Available from: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/need-extra-precautions/people-at-increased-risk.html?deliveryName=USCDC_2067-DM31413
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-4545 Jordan RE, Adab P, Cheng KK. Covid-19: risk factors for severe disease and death. BMJ 2020; 368:m1198.. Outro ponto relevante é que o distanciamento social, fundamental para a redução da transmissão da COVID-19, especialmente para as pessoas com mais de 60 anos, limita o acesso dos idosos aos serviços de saúde para o acompanhamento regular, o que pode agravar ou descompensar condições clínicas pré-existentes3030 Han SD, Mosqueda L. Elder Abuse in the COVID-19 Era. J Am Geriatr Soc 2020; 68(7):1386-1387.,4646 Ribeiro AP, Moraes CL, Sousa ER, Giacomin K. O que fazer para cuidar das pessoas idosas e evitar as violências em época de pandemia? Associação Brasileira de Saúde Coletiva: GT violência e saúde; 2020 [cited 2020 May 14]. Available from: https://www.abrasco.org.br/site/gtviolenciaesaude/tag/violencia-contra-o-idoso/
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O distanciamento social também pode provocar problemas de saúde mental que debilitam ainda mais o bem-estar dos idosos, tais como sentimento de solidão, insônia, ansiedade, perda de apetite e depressão4747 Choi H, Irwin MR, Cho HJ. Impact of social isolation on behavioral health in elderly: Systematic review. World J Psychiatry 2015; 5(4):432-438.

48 Ong AD, Uchino BN, Wethington E. Loneliness and Health in Older Adults: A Mini-Review and Synthesis. Gerontology 2016; 62(4):443-449.

49 Runcan PL. Elderly institutionalization and depression. Procedia - Social and Behavioral Sciences 2012; 33:109-113.
-5050 Santini ZI, Jose PE, York Cornwell E, Koyanagi A, Nielsen L, Hinrichsen C, Meilstrup C, Madsen KR, Koushede V. Social disconnectedness, perceived isolation, and symptoms of depression and anxiety among older Americans (NSHAP): a longitudinal mediation analy-sis. Lancet Public Health 2020; 5(1):e62-e70.. Estudos também apontam um aumento do risco de doenças cardiovasculares, autoimunes, problemas neurológicos e cognitivos5151 Gerst-Emerson K, Jayawardhana J. Loneliness as a public health issue: the impact of loneliness on health care utilization among older adults. Am J Public Health 2015; 105(5):1013-1019. e de maior dependência para a realização de atividades da vida diária3030 Han SD, Mosqueda L. Elder Abuse in the COVID-19 Era. J Am Geriatr Soc 2020; 68(7):1386-1387.,4646 Ribeiro AP, Moraes CL, Sousa ER, Giacomin K. O que fazer para cuidar das pessoas idosas e evitar as violências em época de pandemia? Associação Brasileira de Saúde Coletiva: GT violência e saúde; 2020 [cited 2020 May 14]. Available from: https://www.abrasco.org.br/site/gtviolenciaesaude/tag/violencia-contra-o-idoso/
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. Como detalhado a seguir, tais vulnerabilidades fazem parte de um conjunto de processos e condições que, além de ameaçarem os direitos dos idosos de um envelhecer digno e com boa saúde, favorecem e desencadeiam a ocorrência de violências que precisam ser enfrentadas.

O modelo ecológico como pilar para a compreensão do aumento da violência contra a pessoa idosa durante a Covid-19

Por entender que a VCPI consiste em um fenômeno complexo e multicausal, utilizamos o modelo ecológico, proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para entender os processos envolvidos na gênese das violências, como base para a compreensão dos possíveis determinantes do aumento deste tipo de violência no contexto da pandemia2727 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization; 2002.. Tal modelo propõe que as violências, especialmente as interpessoais, são fruto de fatores macroestruturais, comunitários, relacionais e individuais, que interagem e se retroalimentam, promovendo cenários facilitadores e dificultadores para a ocorrência das violências, muitos deles sensivelmente impactados pela crise sanitária, econômica e pelo distanciamento social prolongado durante a pandemia.

No nível macroestrutural, destaca-se que no Brasil, assim como em outras partes do mundo, há uma cultura que menospreza e discrimina a pessoa em função da sua idade, atitudes estas identificadas pelos termos etarismo, idadismo ou ageísmo, ainda mais evidentes em cenários de crise. No início da pandemia de COVID-19, por exemplo, observou-se um aumento de atitudes discriminatórias e preconceituosas dirigidas às pessoas idosas pela grande demanda de cuidados em saúde deste grupo, devido à sua maior vulnerabilidade ao desenvolvimento de formas mais graves da doença e, por conseguinte, maior necessidade de internações em unidades de terapia intensiva3030 Han SD, Mosqueda L. Elder Abuse in the COVID-19 Era. J Am Geriatr Soc 2020; 68(7):1386-1387.. A falta de políticas específicas voltadas aos idosos com objetivo de enfrentar os impactos da pandemia também contribui para a sensação de abandono e indica a negligência por parte do poder público para com os indivíduos desta faixa etária, constituindo-se em um dos exemplos da violência estrutural.

A crise econômica decorrente da pandemia e o reduzido alcance das políticas sociais de apoio aos trabalhadores que perderam seus empregos ou que estão impedidos de exercer suas atividades em função do isolamento ou mesmo aqueles que tiveram seus rendimentos muito reduzidos também contribui para o desencadeamento ou o agravamento de situações de violência, ao reduzir drasticamente a renda familiar. Neste cenário, instiga-se especialmente o abuso financeiro contra a pessoa idosa, mas também outras formas de violência.

Ainda no nível estrutural, a violência que ocorre no Brasil também se expressa nos 50% de moradias sem acesso a serviços de esgoto sanitário, 33 milhões de brasileiros vivendo sem abastecimento de água potável em vários estados da região Norte do país e nas suas inúmeras favelas, e ainda nas mais de 20% das moradias que contam com três ou mais pessoas vivendo em um único cômodo. Vale ainda mencionar as pessoas idosas em situação de rua que não podem sequer adotar as medidas mínimas de higiene preconizadas pelas autoridades sanitárias e que são absolutamente negligenciadas pelo poder público5252 Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Covid-19: pessoas idosas precisam de atenção especial. Rio de Janeiro: Abrasco; 2020..

No nível comunitário, a redução do apoio social e da rede de suporte social das pessoas idosas é um fato incontestável. Destaca-se a interrupção das atividades religiosas, das ações de organizações não governamentais voltadas ao bem-estar dos idosos, dos serviços de proteção social, bem como a redução do acesso aos serviços de saúde, o que contribui para a manutenção, o agravamento e o surgimento de novos casos de VCPI4646 Ribeiro AP, Moraes CL, Sousa ER, Giacomin K. O que fazer para cuidar das pessoas idosas e evitar as violências em época de pandemia? Associação Brasileira de Saúde Coletiva: GT violência e saúde; 2020 [cited 2020 May 14]. Available from: https://www.abrasco.org.br/site/gtviolenciaesaude/tag/violencia-contra-o-idoso/
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. Ademais, o distanciamento social também é um fator limitante para a identificação e a notificação dos casos de violência, o que impede o desencadeamento de ações da rede de proteção ao idoso que visem à interrupção da situação4747 Choi H, Irwin MR, Cho HJ. Impact of social isolation on behavioral health in elderly: Systematic review. World J Psychiatry 2015; 5(4):432-438.,5353 Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder Abuse: Global Situation, Risk Factors, and Prevention Strategies. Gerontologist 2016; 56(Supl. 2):S194-S205..

No nível relacional, o aumento da dependência de familiares e cuidadores para a realização de atividades básicas e instrumentais de vida diária e o maior tempo de convivência familiar acarretam no aditamento das tensões e conflitos entre aqueles que residem com familiares ou com cuidadores formais. O distanciamento social dos familiares que vivem em outros domicílios sobrecarrega ainda mais os que convivem com o idoso que passam a ser os únicos responsáveis pelo cuidado e ajuda em suas atividades de vida diária. Por outro lado, os idosos que vivem sozinhos também acabam sendo mais expostos ao SARS-CoV-2 por terem que se expor à contaminação ao ter que sair de casa para comprar alimentos, medicamentos e para outras necessidades. Há ainda a situação daqueles que vivem em instituições de longa permanência, particularmente vulneráveis à doença pelo alto nível de dependência de cuidadores e pelo convívio com grande número de indivíduos em ambientes muitas vezes pouco arejados e superpovoados, que também podem ser ainda mais vulneráveis às violências.

Já em termos da dimensão que envolve as características individuais, o aumento do estresse e da ansiedade devido ao medo de adoecer, de não ter acesso aos serviços de saúde, de precisar ser hospitalizado ou mesmo de morrer devido à doença, em paralelo ao distanciamento de familiares e amigos e o pouco acesso às instituições de apoio social, podem promover o aumento de sintomas depressivos, bem como o agravamento de problemas neurológicos, cognitivos e de condições clínicas preexistentes, como já mencionado. Tudo isto favorece as novas ocorrências e o agravamento de situações de violência já instaladas2929 Elman A, Breckman R, Clark S, Gottesman E, Rachmuth L, Reiff M, Callahan J, Russell LA, Curtis M, Solomon J, Lok D, Sirey JA, Lachs MS, Czaja S, Pillemer K, Rosen T. Effects of the COVID-19 Outbreak on Elder Mistreatment and Response in New York City: Initial Lessons. J Appl Gerontol 2020; 39(7):690-699.,3030 Han SD, Mosqueda L. Elder Abuse in the COVID-19 Era. J Am Geriatr Soc 2020; 68(7):1386-1387.,4646 Ribeiro AP, Moraes CL, Sousa ER, Giacomin K. O que fazer para cuidar das pessoas idosas e evitar as violências em época de pandemia? Associação Brasileira de Saúde Coletiva: GT violência e saúde; 2020 [cited 2020 May 14]. Available from: https://www.abrasco.org.br/site/gtviolenciaesaude/tag/violencia-contra-o-idoso/
https://www.abrasco.org.br/site/gtviolen...
. A sobrecarga de cuidadores familiares, muitas vezes também idosos, que acumulam o cuidado ao idoso com tarefas de casa, cuidados com crianças e adolescentes, além do trabalho remoto, quando é o caso, ou as tensões da perda de emprego e/ou rendimentos também compõem este quadro de vulnerabilidade. O isolamento social está ainda associado ao abuso de álcool, tanto de idosos como de cuidadores, o que costuma ser um fator de risco para as diversas formas de violência5454 Brooks SK, Webster RK, Smith LE, Woodland L, Wessely S, Greenberg N, Rubin GJ. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. Lancet 2020; 395(10227):912-920..

Considerando as imensas e estruturais desigualdades que permeiam a sociedade brasileira, vale ressaltar que o grau de acúmulo das situações apontadas acima não é homogêneo em nosso País. O envelhecer depende dos perfis sociais, culturais, econômicos e de funcionalidade bastante variáveis nos diferentes cenários. Dependendo do contexto em que vive a pessoa idosa, os impactos das medidas de prevenção e de tratamento da COVID-19 podem ser determinantes para o agravamento de situações de violência. Os fatores promotores das distintas expressões de violência em momentos de crise são muito mais presentes em comunidades de baixa renda, com menor acesso aos serviços de saúde, que vivem em residências com precárias condições de saneamento, sem água encanada, alto grau de aglomeração e, consequentemente, maior dificuldade para realizar as medidas de prevenção individuais e coletivas preconizadas para a prevenção da doença e contenção da pandemia.

Estratégias para a redução da VCPI no contexto da pandemia

Sem a pretensão de esgotar o tema, é possível propor algumas iniciativas que podem reduzir os fatores facilitadores das violências contra a pessoa idosa e ampliar aqueles que promovem uma cultura de paz e solidariedade, que protegem o idoso e seus cuidadores neste momento de crise. Assim como o modelo ecológico pode subsidiar as reflexões sobre os fatores que favorecem a ocorrência de violências, ele também pode nos auxiliar na proposição de estratégias que visem a garantia dos direitos da pessoa idosa, melhoria do ambiente domiciliar e redução das situações de VCPI2727 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization; 2002..

Como apontado previamente, tratando-se de um fenômeno social complexo, as violências são produzidas pela interação entre fatores protetores e de risco de diversas naturezas. Deste modo, tanto sua prevenção, como sua linha de cuidado deve se basear em respostas em rede, que agreguem esforços intersetoriais envolvendo políticas públicas de saúde, assistência social, apoio econômico emergencial, segurança e justiça em ações de proteção de direitos, de promoção de saúde e de detecção precoce, notificação e cuidados dos casos já instalados5353 Pillemer K, Burnes D, Riffin C, Lachs MS. Elder Abuse: Global Situation, Risk Factors, and Prevention Strategies. Gerontologist 2016; 56(Supl. 2):S194-S205.,5555 World Health Organization (WHO). World report on ageing and health. Geneva: WHO; 2015.

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https://www.who.int/en/news-room/detail/...
-5757 Moraes CL, Reichenheim ME. Programa de Investigação Epidemiológica em Violência Familiar (PIEVF-IMS/UERJ). Rio de Janeiro: CNPq; 2020..

Como pode ser visto no Quadro 1, no nível macroestrutural, estratégias e políticas sociais que promovam a sensibilização da sociedade para os direitos e as necessidades da pessoa idosa, além daquelas que facilitem o acesso aos serviços de saúde, de assistência e de previdência social e à rede de proteção são urgentes. Políticas voltadas ao apoio econômico às famílias de baixa renda para reduzir as desigualdades sociais, que tendem a aumentar ainda mais durante e após a pandemia, e à garantia dos direitos da pessoa idosa também são fundamentais.

Quadro 1
Iniciativas de promoção de saúde e prevenção da VCPI durante a pandemia da COVID-19

Do ponto de vista comunitário, ressalta-se a importância da manutenção e da ampliação dos equipamentos sociais da rede de proteção formal e informal ao idoso, tais como delegacias do idoso, conselhos, associações, dentre outros, bem como da rede informal dos vizinhos, porteiros de prédios e outras pessoas da comunidade para a identificação de situações de maior vulnerabilidade. Ainda há que se reforçar a importância das ações de solidariedade e compartilhamento do cuidado ao idoso entre as pessoas que vivem no domicílio a fim de reduzir a sobrecarga dos cuidadores5252 Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Covid-19: pessoas idosas precisam de atenção especial. Rio de Janeiro: Abrasco; 2020.,5858 Souza ER, Ribeiro AP, Atie S, Souza AC, Marques CC. Rede de proteção aos idosos do Rio de Janeiro: um direito a ser conquistado. Cien Saude Colet 2008; 13(4):1153-1163..

No âmbito relacional, há que se atentar para o fato de que o idoso é menos afeito às tecnologias de informática e de outros equipamentos que facilitam os contatos remotos, tais como correio eletrônico, mensagens telefônicas, plataformas digitais e outros. Desta forma, os telefonemas são uma importante estratégia de manutenção dos contatos com o idoso isolado fisicamente dos demais membros da família. A identificação de comportamentos suspeitos, desorientação, recusa de falar ao telefone ou mesmo aumento do sono durante o dia devem chamar a atenção para a possibilidade de violências. A busca por estratégias não violentas para a resolução de conflitos neste cenário de crise, no qual estresse e sobrecarga são mais frequentes, também é fundamental. Por fim, vale destacar, que do ponto de vista individual, as ações de promoção de saúde mental e física, alinhadas aos demais cuidados com o bem-estar, tanto dos idosos como de seus principais cuidadores, também contribuem para a manutenção de um ambiente familiar saudável e sem violência.

Considerações finais

A COVID-19 e o distanciamento social necessários à contenção da pandemia trouxeram à tona uma série de consequências negativas para os indivíduos e para a vida em sociedade, dentre elas o aumento das violências praticadas no domicílio. No contexto da pandemia, ou mesmo fora dela, os idosos são um dos grupos mais vulneráveis ao problema em função de um conjunto de motivos, dentre os quais destaca-se a habitual discriminação social ao envelhecimento e a insuficiência de políticas públicas de garantia de seus direitos ou em função da perda de poder aquisitivo das famílias no contexto de crise econômica desencadeada pela pandemia. A maior dependência de terceiros para a realização de suas atividades instrumentais e/ou básicas de vida diária, suas fragilidades com relação à saúde e bem-estar e o reduzido apoio social formal e informal consequentes ao isolamento social também tornam este grupo alvo preferencial das diferentes formas de violência neste momento.

Visando prevenir a ocorrência de novos casos de violência contra este grupo, ou mesmo interromper casos já existentes, é preciso que governos municipais, estaduais e federal insiram ações de diferentes níveis e naturezas que combatam a VCPI nas políticas de enfretamento da COVID-19 no País. Somente com uma atuação intersetorial e em rede será possível reduzir a ocorrência deste tão relevante problema, ainda mais evidente em tempos de crise sanitária, política, econômica e ética como a que estamos vivenciando. Para além do distanciamento social, políticas de proteção social são imperativas neste período de crise. Isto requer ações governamentais imediatas, no sentido de mitigar os efeitos econômicos e sociais da pandemia que priorizem o direito à vida ao invés dos interesses econômicos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Out 2020

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2020
  • Aceito
    28 Jul 2020
  • Publicado
    30 Jul 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br