Territorialização com uso de georreferenciamento e estratificação de vulnerabilidade social familiar na Atenção Básica

Monyelle de Oliveira Calistro Ygor Teixeira Izabel Ricaelle Argentino Silva Lacerda Samara Mendes de Sousa João Agostinho Neto Sandra Mara Pimentel Duavy Francisco Elizaudo de Brito JúniorSobre os autores

Resumo

O presente artigo objetivou descrever a territorialização com uso do georreferenciamento e da construção de mapeamento geográfico e a estratificação de vulnerabilidade social familiar na Atenção Primária à Saúde vivenciado por uma equipe de residentes do programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva baseada nos principais problemas sociais. Para territorialização utilizou-se dos programas SW Maps e Google Earth Pro e para caracterização sociodemográfica e clínica das famílias fichas A e B do e-SUS, transcritas em planilha para cálculo da estratificação. Através do score final gerado com o preenchimento de sentinelas, o programa estratificou as famílias em graus de vulnerabilidade de diferentes possibilidades, sendo elas, sem risco, baixo risco, médio risco, alto risco e altíssimo risco. Na territorialização identificou-se ruas, travessas e georreferenciou-se pontos de riscos, equipamentos sociais, famílias com e sem cadastros do e-SUS e casas desocupadas. Das 615 famílias georreferenciadas, 316 (51,38%) não tinham cadastro ou esses estavam incompletos no momento da coleta, enquanto que 299 famílias possuíam cadastro preenchido nas quais observou-se que a maioria (60,53 %) apresentou situação de baixo risco e uma parcela considerável foi considerada de médio risco.

Palavras-chave
Mapeamento geográfico; Atenção Primária à Saúde; Problemas sociais

Introdução

Considerada porta de entrada preferencial do usuário no Sistema Único de Saúde (SUS)11 Brasil. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2017., ordenadora da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e o primeiro nível de atenção dentro dessa Rede22 Brasil. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Diário Oficial da União 2011; 19 set., a Atenção Básica (AB), também chamada de Atenção Primária à Saúde (APS) compõe um conjunto de ações de saúde desenvolvidas por uma equipe multiprofissional à população de um território e visa impactar positivamente nos determinantes e condicionantes de saúde da coletividade11 Brasil. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2017..

A inserção da equipe multiprofissional que compõe a Estratégia Saúde da Família (ESF) no território garante a integralidade nas ações em saúde, a partir do diagnóstico e planejamento situacional estabelecendo maior vínculo e cuidado em saúde, e constitui-se como um dos principais instrumentos de intervenção desta estratégia para o desempenho das ações de vigilância em saúde33 Silva Júnior ESD, Medina MG, Aquino R, Fonseca ACF, Vilasbôas ALQ. Acessibilidade geográfica à atenção primária à saúde em distrito sanitário do município de Salvador, Bahia. Rev Bras Saude Mater Infant 2010; 10(Supl. 1):s49-s60.,44 Carneiro Junior N, Jesus CHD, Crevelim MA. A estratégia saúde da família para a equidade de acesso dirigida à população em situação de rua em grandes centros urbanos. Saude Soc 2010; 19(3):709-716., assim, o processo de territorialização possibilita conhecer as singularidades da vida social e as necessidades em saúde da população55 Monken M, Barcellos C. O território na promoção e vigilância em saúde. Rio de Janeiro: EPSJV; 2007. através do cadastramento familiar e da geografia da área, organizando as ações de promoção e prevenção em saúde66 Silva DM. Atualização do cadastramento das famílias na Estratégia Saúde da Família: elaboração de um plano de intervenção. [monografia]. Montes Claros: Universidade Federal de Minas Gerais; 2018..

Com o intuito de melhorar a análise e avaliação dos dados em saúde pública, os profissionais podem aliar a territorialização ao Sistema de Informação Geográfica (SIG)77 Câmara G, Davis C, Monteiro AMV. Introdução à ciência da geoinformação. São José dos Campos: INPE; 2001., o qual permite processar dados georreferenciados com grande poder de integração e processamento88 León MEDS. SIG na Saúde Pública -Estudo de caso: mortalidade infantil em Dom Pedrito/RS [dissertação]. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Maria; 2007.. Esse instrumental tecnológico vem sendo considerado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como uma das mais efetivas tecnologias existentes para facilitar os processos de decisão e tomadas de decisão em saúde pública99 Organização Panamericana de Saúde (OPAS). Sistemas de informação geográfica em saúde: conceitos básicos. Brasília: OPAS; 2002..

A informatização da AB tem se confirmado em vários países como uma estratégia importante para automatizar os processos e qualificar a gestão da informação1010 Montague E. The promises and challenges of health information technology in primary health care. Primary Health Care. Prim Health Care Res Dev 2014; 15(3):227-230.. O Ministério da Saúde (MS) em 2013 com a intenção de reestruturar o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) em nível nacional produziu sistemas de software (SUS eletrônico), sendo um deles o de Coleta de Dados Simplificada (CDS)1111 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diretrizes Nacionais de Implantação da Estratégia e-SUS Atenção básica. Brasília: MS; 2014.. As fichas do e-SUS AB, incluindo as fichas de cadastro individual e as fichas de cadastro domiciliar são fichas de papel que compõem o CDS e servem para alimentar esse sistema informatizado1212 e-SUS Atenção Básica Manual Online [Internet]. [acessado 2020 jun 20]. Disponível em: http://www2.eerp.usp.br/Nepien/ManualeSUS/CDS.html.
http://www2.eerp.usp.br/Nepien/ManualeSU...
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Através da análise das fichas do e-SUS pode-se determinar o risco social e de saúde das famílias adscritas, refletindo o potencial de adoecimento de cada núcleo familiar pela definição de sentinelas e score de risco, como ocorre pela utilização da Escala de Risco Familiar de Coelho e Savassi1313 Coelho FLG, Savassi, LCM. Aplicação de Escala de Risco Familiar como instrumento de priorização das Visitas Domiciliares. Rev Bras Med Fam Comunidade 2004; 1(2):19-26., estabelecendo assim, de maneira simples, clara e fácil a priorização das visitas domiciliares de acordo com o grau de risco familiar e em microáreas de maior necessidade, sem deixar de cobrir todas as famílias1414 Costa ACI, Araújo DD, Melo JAS, Rafael MEPPB. Aplicabilidade e limitações da Escala de risco familiar de Coelho e Savassi para o processo de trabalho da enfermagem na atenção básica em saúde. Relato de experiência da Unidade de Saúde da Família de Saúde da Família Macaxeira/Buriti. In: 2º Seminário Nacional de Diretrizes para Enfermagem na Atenção Básica a Saúde. Recife: ABEN; 2009. p.98-100..

O modelo de estratificação de risco desenvolvido pelo programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva (RMSC) da Universidade Regional do Cariri (URCA) no projeto de modelagem ecossistêmica articula os processos de ensino, serviço e comunidade, tratando-se de um modelo de vigilância desenvolvido por residentes atuantes em Unidades Básicas de Saúde (UBSs) da cidade do Crato que se utiliza de determinantes sociais e ambientais obtidos pelo processo de territorialização, estratificação de risco familiar1515 Rodrigues LM, Amorim ARB, Moura BRD, Mota DDN, Júnior FEDB. Modelagem Ecossistêmica para Vigilância em Saúde na Atenção Básica. In: XVII Congresso do COSEMS/CE. Rev Sustentação 43. Crato; 2018..

Com esse perfil epidemiológico são construídos mapas epidemiológicos com a distribuição das famílias de acordo com riscos encontrados utilizando-se de ferramentas tecnológicas são implantadas salas de situação em saúde nas UBSs e construídos matrizes ecossistêmicas de indicadores e planejamento para ações em saúde1515 Rodrigues LM, Amorim ARB, Moura BRD, Mota DDN, Júnior FEDB. Modelagem Ecossistêmica para Vigilância em Saúde na Atenção Básica. In: XVII Congresso do COSEMS/CE. Rev Sustentação 43. Crato; 2018.. Assim, o objetivo deste trabalho é descrever o processo de territorialização com uso do georreferenciamento e estratificação de vulnerabilidade social familiar na atenção básica vivenciado por uma equipe de residentes do programa de RMSC.

Método

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem quantitativa a partir da aplicação das tecnologias de georreferenciamento e estratificação de vulnerabilidade social familiar, baseada nos principais problemas sociais, durante um processo de territorialização realizado no período de março de 2019 a março de 2020 pela turma 3 do programa de RMSC da URCA.

Foram realizadas incursões no território pela turma da RMSC acompanhados pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), responsáveis pelas microáreas. A territorialização foi realizada na ESF do Parque Grangeiro II, Crato, Ceará. A equipe da ESF é composta por um médico, uma enfermeira, uma técnica em enfermagem, quatro ACS, um auxiliar administrativo e uma auxiliar de serviços gerais. As geotecnologias foram utilizadas para um melhor conhecimento da área e classificação das famílias adscritas do território em graus de vulnerabilidade socioeconômicos e clínicos.

O estudo foi desenvolvido em duas etapas. A primeira ocorreu entre abril a setembro de 2019, com a territorialização das quatro microáreas: Microárea I: Vila Gregório e Vila Pedrosa, Microárea II: Vila Nova, Microárea III: Sítio Coqueiro e Microárea IV: Sítio Caiana.

Utilizou-se um aplicativo de celular gratuito disponível para Android, o SW Maps que possibilita carregar shapefiles, simbolizar com base nos atributos, navegação, coleta de dados via GPS e manualmente, além de exportar e compartilhar informações via Android1616 SWMaps - Candidato a substituto do ArcPAD? [Internet]. [acessado 2020 maio 26]. Disponível em: http://forest-gis.com/2017/08/swmaps-candidato-asubstituto-do-arcpad.html/.
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. Através da latitude e longitude, pode-se georreferenciar os locais do território com adição de pontos que ao exportá-los para um outro programa, o Google Earth Pro, foi gerado um mapeamento geográfico do território georreferenciado. O Google Earth Pro trata-se de uma tecnologia avançada que permite uma perspectiva tridimensional de qualquer local do mundo1717 Siqueira TA, Deus SPD. Google Earth Pro: Possibilidades para o estudo da cidade no ensino de geografia. In: Anais do IX Fórum Nacional NEPEG de formação de professores de geografia..

Na segunda etapa foi realizada a caracterização sociodemográfica e clínica das famílias adscritas através das fichas do e-SUS de cadastro familiar e individual e posteriormente transcritas em planilha do Microsoft Excel elaborada para cálculo da estratificação da vulnerabilidade familiar. Através do score final gerado com o preenchimento de sentinelas ilustradas no Quadro 1 o programa estratificou as famílias em graus de vulnerabilidade de cinco diferentes possibilidades, sendo elas, sem risco, baixo risco, médio risco, alto risco e altíssimo risco (Quadro 2).

Quadro 1
Pontuação de cada variável socioeconômica e clínica das sentinelas e condições para pontuar pela renda per capita.
Quadro 2
Graus de risco familiar de acordo com o score final.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa da URCA.

Resultados

A equipe da ESF Parque Grangeiro II atua em quatro microáreas, e cada uma tem como responsável um ACS, sendo elas Microárea I: Vila Gregório e Vila Pedrosa, Microárea II: Vila Nova, Microárea III: Sítio Coqueiro e Microárea IV: Sítio Caiana. As duas últimas são localizadas na zona rural, no entanto o Sítio Coqueiro é totalmente da zona rural. As microáreas mais distantes da UBS são a III e a IV.

Na territorialização, através da ferramenta do SW Maps identificou-se as ruas, travessas e georreferenciou-se pontos de riscos, equipamentos sociais, famílias com e sem cadastros do e-SUS e casas desocupadas, obtendo como resultado o Quadro 3.

Quadro 3
Georreferenciamento de alguns pontos do território pertencente à ESF Parque Grangeiro II. Crato-CE, Brasil, 2019.

Das 615 famílias georreferenciadas, 316 (51,38%) não tinham cadastro familiar no e-SUS ou esses estavam incompletos no momento da coleta, mesmo nas microáreas mais próximas da UBS. As famílias do território foram classificadas em cinco graus de vulnerabilidade de acordo com suas condições socioeconômicas e clínicas. A Figura 1 consiste numa imagem retirada do Google Earth Pro da vulnerabilidade familiar das quatro microáreas.

Figura 1
Vulnerabilidade social das famílias cadastradas no e-SUS do território pertencente a ESF do Parque Grangeiro II. Crato-CE, Brasil, 2019.

Do total de 299 famílias com cadastro preenchido das fichas A e B do e-SUS observou-se que a maioria (60,53 %) apresentou situação de baixo risco e uma parcela considerável foi considerada de médio risco (Quadro 4). Das variáveis das sentinelas de condições socioeconômicas presentes no Quadro 1, as que mais contribuíram para situação de risco das famílias foram: fossa rudimentar como forma de escoamento do banheiro de 44,14% das famílias, seguido de chão batido como tipo de acesso ao domicílio (42,47%) e água clorada como água para consumo (34,44%). Outro dado socioeconômico relevante foi a variação na renda per capita mensal das famílias entre as microáreas, na I e na II, respectivamente 49,10% e 45,67% das famílias possuíam renda per capita mensal de até RS 238,00 enquanto que para a microárea III esse valor correspondeu apenas a 10,93% das famílias, e na microárea IV a 23,80% em que valores de renda per capita superiores foram encontrados para maioria das famílias.

Quadro 4
Vulnerabilidade social das famílias do território pertencente à ESF Parque Grangeiro II por microárea. Crato-CE, Brasil, 2019.

As variáveis das sentinelas das condições clínicas que mais pontuaram foram usuário de álcool (14,97%), Hipertensão Arterial Sistêmica (13,90%) e Diabetes mellitus (4,38%) nos 935 usuários cadastrados.

Discussão

Considerável número de pontos de risco foram localizados durante o processo de territorialização, locais propícios a situações de maior vulnerabilidade para comunidade, como esgoto a céu aberto, terrenos baldios, casas abandonadas, que configuram problemas de segurança e saúde pública por servirem como depósito de entulho e lixo para moradores circunvizinhos podendo resultar em acúmulo de água parada e possíveis criadouros para mosquitos como Aedes aegypti, transmissor de arboviroses (dengue, zika, chikungunya e febre amarela). Esses terrenos também podem servir de esconderijo para marginais e delinquentes após prática de violência ou assalto1818 Tavares GG, Santos OP, Rosseto LP, Bernardes GD. Território e riscos ambientais: Perfil da área de abrangência da ESF-bairro de Lourdes. Hygeia 2016; 13(23):81-99..

Ao longo do território foram georreferenciados pontos poluídos do rio Granjeiro, principal rio urbano municipal cuja bacia inicia-se na Chapada do Araripe e termina no Rio Batateiras1919 Moreira AAC. Modelagem hidrológica da bacia hidrográfica do rio Granjeiro- Crato-CE: composição do cenário atual e simulação de uso e ocupação do solo [dissertação]. Juazeiro do Norte: Universidade Federal do Ceará; 2013.. Identificou-se presença de matérias inorgânicas e entulhos ao longo do rio, enchentes (principalmente em tempos de chuvas), e moradores que lançam seus desejos sanitários diretamente no rio por não possuírem forma de escoamento adequada. A poluição dos ecossistemas aquáticos, o desmatamento, a urbanização mal planejada, com ocupação indevida de áreas próximas dos cursos d`águas, transformam drasticamente a natureza desses cursos locais o que traz impacto sobre o meio ambiente e os habitantes2020 Botelho MHC. Águas de chuva: engenharia das águas pluviais nas cidades. 4ª ed. São Paulo: Blucher; 2017..

Outro dado importante identificado no processo de territorialização foi a escassez de equipamentos sociais, o que demanda uma atenção por parte dos gestores com o plano diretor do município para ampliação e/ou criação dos que ainda não existem que são escolas, creches, farmácias, clínicas odontológicas, academias de ginástica, parques, laboratórios, telefones públicos, entre outros.

Atualmente, estudos como o de Neves apontam para o fato de que a responsabilidade para estipular critérios relacionados ao planejamento de equipamentos urbanos comunitários caber diretamente aos planos diretores municipais, possibilita a implantação desses de forma pouco sustentável, pouco acessível à população, mal distribuídos e mal dimensionados, baseada na realidade de outros municípios e não nas necessidades locais2121 Neves FH. Planejamento de equipamentos urbanos comunitários de educação: algumas reflexões. Cad Metropole 2015; 17(34):503-516..

Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde, lazer e similares2222 Brasil. Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. Diário Oficial da União 1979; 19 dez., vale destacar que no território não existe nenhuma escola ativada, apenas o espaço físico de uma unidade escolar no Sítio Coqueiro desativada, o que faz com que os alunos necessitem se deslocar para escolas fora do espaço territorial, que é um fator desestimulante ao ingresso e permanência desses no ensino escolar2323 Silva ADP, Azevedo SDC. A escola como território: relações de poder e políticas educacionais. Cad Geogr 2019; 29(2):55-69.. A acessibilidade de equipamentos públicos está relacionada às características destes ambientes, porque os comportamentos são influenciados pelo ambiente que os cercam, que facilita, inibe ou define ações2424 Rio DV. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo: Pini: 1990..

No território, os locais de prática de exercícios físicos ficam restritos aos poucos campos de futebol, campos esportivos privados e a associação dos moradores presente na microárea Vila Nova, na qual atualmente acontece um projeto inaugurado pela residente em educação física voltado às mulheres das microáreas próximas com práticas de exercícios físicos, relaxamento muscular e rodas de conversas orientando para o cuidado integral em saúde. A escassez de equipamentos sociais com espaço para prática de exercícios físicos, como campos de futebol, academias de ginástica, clubes recreativos reflete diretamente na saúde da comunidade propiciando o desenvolvimento de doenças crônica.

A Política Nacional da Atenção Básica (PNAB) de 2017 define como atribuição comum a todos profissionais que atuam na AB cadastrar e manter atualizado o cadastramento e outros dados de saúde das famílias e dos indivíduos no sistema de informação da AB vigente, no entanto destaca como de responsabilidade do ACS cadastrar todas as pessoas de sua área, mantendo os dados atualizados por meio das visitas domiciliares11 Brasil. Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União; 2017., Na estratificação da vulnerabilidade familiar, apesar da importância dos cadastros familiares para o diagnóstico situacional em saúde menos da metade das famílias georreferenciadas tinham o cadastro do e-SUS completo no momento da análise, fato que dificultou o levantamento do estudo.

Vários são os motivos que podem ter contribuídos para o não preenchimento das fichas, um dos quais consiste no fato de nesse território existir um número considerável de famílias com elevado poder aquisitivo que possuem plano de saúde privado e não procuraram atendimento no SUS. Um estudo feito por Baralhas e Pereira2525 Baralhas M, Pereira MAO. Prática diária dos agentes comunitários de saúde: dificuldades e limitações da assistência. Rev Bras Enferm 2013; 66(3):358-365. mostrou que uma das dificuldades enfrentadas pelo ACS na execução de suas práticas diárias está na falta de tempo de alguns usuários para recebê-los e na postura que alguns adotam em não aceitar suas visitas, por não entenderem os benefícios que o trabalho desses profissionais traz para as ações de prevenção de doenças e promoção da saúde.

Essa desatualização dos cadastros familiares acontece em outras ESFs como no município de Salinas, norte de Minas Gerais, o qual foi descrito como problema prioritário na ESF Floresta I2626 Silva DM. Atualização do cadastramento das famílias na Estratégia Saúde da Família: elaboração de um plano de intervenção [monografia]. Montes Claros: Universidade Federal de Minas Gerais; 2018.. A PNAB de 2017 traz ainda uma atualização no número de pessoas que pode ficar sob responsabilidade de cada ACS dentro do território, que deve ser de no máximo 750 pessoas por ACS, independentemente do número de famílias da microárea. Como existe uma quantidade de famílias sem cadastro no território do Parque Grangeiro II, no momento da análise, não teve como confrontar os dados para identificar se a população de cada um desses profissionais ultrapassou 750 pessoas.

As situações de baixo risco e médio risco foram as mais prevalentes na estratificação da vulnerabilidade familiar, fato semelhante ao encontrado no Um trabalho feito por Nataka et al.2727 Nakata PT, Koltermann LI, Vargas KR, Moreira PW, Duarte ÊRM, Rosset-Cruz I. Classificação de risco familiar em uma Unidade de Saúde da Família. Rev Lat-Am Enferm 2013; 21(5):1088-1095. realizado em uma ESF de Porto Alegre em 2013 através da consulta de dados da ficha A do SIAB mostrou que uma proporção significativa (31,5%) de 927 famílias avaliadas foi classificada com algum grau de risco, sendo a maioria de menor risco. As variáveis mais frequentes para situação de risco nesse estudo foram baixas condições de saneamento, Hipertensão Arterial Sistêmica e drogatização, respectivamente.

Com relação às condições socioeconômicas apresentadas ao longo do território, a renda per capita mensal das famílias chamou atenção por demonstrar grande variação entre as microáreas. Vale salientar que o bairro Parque Grangeiro II possui famílias de um poder aquisitivo bastante elevado, enquanto as famílias que moram nos arredores da UBS apresentam em sua maioria baixa condição social.

Um estudo feito por Tavares2828 Tavares CAJDS. Desastres ambientais: Análise de caso no bairro Granjeiro, em Crato/CE. Rev Tocantinense Geogr 2019; 8(15):54-63. trouxe algumas razões que contribuem para que famílias com alto poder aquisitivo sejam atraídas para residir no território do Parque Grangeiro, uma possível causa está na tendência de pessoas com alto poder aquisitivo procurar por locais distantes das áreas de maior aglomeração de pessoas, pela localização no sopé da Chapada do Araripe e possuir uma considerável área de proteção ambiental cuja condição atmosférica local apresenta um clima mais ameno do que cidades vizinhas.

Considerações finais

O processo de territorialização permitiu o diagnóstico situacional de toda área territorial pertencente à ESF do Parque Grangeiro II, identificando suas diversidades, vulnerabilidades, fragilidades, potencialidades, sendo muito relevante, tendo em vista que utilizou-se de ferramentas avançadas como estratégias inovadoras para equipe do território possibilitada pela inserção da Residência Multiprofissional em Saúde da Família da URCA na ESF. A aplicação dessas geotecnologias mostrou-se eficaz uma vez que facilitou a geração, o armazenamento, a localização bem como a análise de dados de saúde da população.

A estratificação de vulnerabilidade familiar no território do Parque Grangeiro II, por meio de scores de riscos, outra prática inovadora para unidade teve como principal limitação o fato de boa parte das famílias georreferenciadas não possuírem cadastro familiar no e-SUS ou esses estavam incompletos no momento da análise, apesar da importância dos cadastros familiares para o diagnóstico situacional em saúde. Mais da metade das famílias cadastradas foram classificadas como de baixo risco e uma parcela considerável de famílias de médio risco resultado semelhante ao de outros estudos encontrados na literatura. Quanto à presença das sentinelas de risco das condições clínicas, as referentes à usuário de álcool, Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes mellitus foram as que mais pontuaram nos 935 usuários cadastrados. Esse levantamento tem como principal vantagem facilitar o planejamento estratégico, para que o mesmo ocorra de forma equitativa, priorizando as famílias com maiores riscos.

A relevância dessa experiência está ainda no despertar da consciência dos residentes para importância de conhecer o território e estabelecer nele um olhar vigilante para que as ações em saúde desenvolvidas pela equipe aconteçam privilegiando aspectos essenciais à vida das pessoas que habitam nele, enxergando-o como espaço vivo, que está em constante transformação e a utilização de sistemas de informações trouxe agilidade no processo e maior visibilidade dos resultados encontrados, mostrando-se muito útil no que se propôs, devendo pois ser estimulada nos processos de trabalho das ESFs.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2020
  • Aceito
    16 Dez 2020
  • Publicado
    18 Dez 2020
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