Adequação da frequência e tipos de refeições realizadas por idosos comunitários do sul do Brasil

Adequacy of the frequency and types of meals consumed by community-dwelling elderly folk in the south of Brazil

Caroline Karpinski Mariana Otero Xavier Ana Paula Gomes Renata Moraes Bielemann Sobre os autores

Resumo

O objetivo do estudo foi descrever a frequência e tipos de refeições realizadas por idosos de Pelotas-RS e fatores associados à frequência adequada de refeições. Foi realizado estudo transversal com indivíduos ≥60 anos. Questionou-se sobre as refeições diárias na semana anterior à entrevista. A adequação de refeições foi definida conforme recomendação do Ministério da Saúde (pelo menos três refeições principais e dois lanches por dia). As variáveis independentes foram as características sociodemográficas, de saúde e da rotina alimentar. Razões de prevalência e intervalos de confiança de 95% foram calculados por regressão de Poisson. Dos 1.438 idosos entrevistados, cerca de 40% afirmaram realizar quatro refeições diárias. O almoço foi a refeição mais relatada, seguido do café da manhã. Apresentaram frequên cia adequada de refeições 30,6% dos homens e 38,6% das mulheres (p=0,002). Homens com edentulismo (perda dentária total) tiveram 35% maior probabilidade de adequação, enquanto essa probabilidade foi cerca de 30% menor em mulheres de cor da pele não branca, não escolarizadas e que declararam falta de dinheiro para a compra de alimentos. Um a cada três idosos atendeu a recomendação da frequência adequada de refeições e algumas características sociodemográficas foram negativamente associadas com esse hábito.

Key words:
Elderly; Eating habits; Diet; Meals

Abstract

The scope of this study was to describe the frequency and types of meals consumed by the elderly in Pelotas (Brazil) and factors associated with the adequacy of meal frequency. A cross-sectional study was carried out with ≥60 years of age individuals. They were asked about daily meals during the week prior to the interview. The adequacy of meals was defined as recommended by the Ministry of Health (at least three main meals and two small snacks per day). The independent variables were sociodemographic, health and food routine characteristics. Prevalence ratios and 95% confidence intervals were calculated using Poisson regression. Of the 1,438 elderly individuals interviewed, about 40% reported consuming four meals a day. Lunch was the most reported meal, followed by breakfast. A total of 30.6% of men and 38.6% of women had adequate frequency of meals (p=0.002). Men with edentulism (total tooth loss) were 35% more likely to eat adequately, while this probability was about 30% lower among non-white women, those without schooling and those who reported a lack of money to buy food. One in each three elderly people met the recommendation of adequate frequency of meals and some sociodemographic characteristics were negatively associated with this habit.

Key words:
Elderly; Eating habits; Diet; Meals

Introdução

O envelhecimento da população reflete dois eventos demográficos: a queda da fecundidade, que teve seu início em meados da década de 196011 Simões CCS. Relações entre as ações históricas na dinâmica demográfica brasileira e os impactos decorrentes do processo de envelhecimento da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2016., e a queda na taxa de mortalidade, por consequência de melhora nas políticas públicas de saúde do Brasil22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mudança demográfica no Brasil no início do século XXI: subsídios para as projeções da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2015.. Estima-se que até 2030 a população idosa dobre no país em relação ao que se identificou em 2010, atingindo em torno de 41,5 milhões de pessoas22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mudança demográfica no Brasil no início do século XXI: subsídios para as projeções da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2015..

Com o processo de envelhecimento ocorrem mudanças na composição corporal, no funcionamento do aparelho digestivo, diminuição da função sensorial, desenvolvimento de doenças crônicas, além de efeitos secundários causados pelo uso de fármacos, os quais podem afetar o consumo alimentar dos idosos33 Brownie S. Why are elderly individuals at risk of nutritional deficiency? Int J Nurs Pract 2006; 12(2):110-118.,44 Campos MTFS, Monteiro JBR, Ornelas APRC. Fatores que afetam o consumo alimentar e a nutrição do idoso. Rev Nutr 2000; 13(3):157-165.. Além dos fatores biológicos, o contexto social também é determinante para a nutrição dos idosos, uma vez que o nível econômico, a cessação do trabalho, problemas psicológicos e modificações na estrutura familiar, afetam os hábitos alimentares e, consequentemente, a nutrição desse grupo etário33 Brownie S. Why are elderly individuals at risk of nutritional deficiency? Int J Nurs Pract 2006; 12(2):110-118.,44 Campos MTFS, Monteiro JBR, Ornelas APRC. Fatores que afetam o consumo alimentar e a nutrição do idoso. Rev Nutr 2000; 13(3):157-165.. Ademais, a capacidade funcional diminuída pode ocasionar dependência para a realização de atividades diárias relacionadas à alimentação, como a compra e a preparação dos alimentos55 Bernstein M. Nutritional Needs of the Older Adult. Phys Med Rehabil Clin N Am 2017; 28(4):747-766.,66 Guyonnet S, Rolland Y. Screening for Malnutrition in Older People. Clin Geriatr Med 2015; 31(3):429-437..

A diminuição na quantidade de refeições entre os idosos pode estar associada à redução fisiológica do apetite, que juntamente com a saciedade precoce, podem levar à redução na quantidade de alimentos ingeridos durante as refeições e a um maior número de lanches entre as mesmas77 Visvanathan R. Anorexia of Aging. Clin Geriatr Med 2015; 31(3):417-427.. A saúde bucal também é relevante, pois problemas como a perda dentária podem interferir na ingestão de alimentos, bem como na escolha dos produtos a serem consumidos55 Bernstein M. Nutritional Needs of the Older Adult. Phys Med Rehabil Clin N Am 2017; 28(4):747-766..

Em 2010, o Ministério da Saúde (MS) elaborou os “Dez passos para uma alimentação saudável para pessoas idosas”. Um dos pontos descritos trata da distribuição dos alimentos ao longo do dia, levando em conta o contexto fisiológico desse grupo, sendo recomendada a ingestão de alimentos distribuída em cinco a seis refeições ao longo do dia, dando preferência para desjejum, almoço e jantar, com o intuito de garantir o fornecimento de nutrientes necessários, além de aporte energético adequado e bem-estar para um envelhecimento saudável88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Alimentação saudável para a pessoa idosa: um manual para profissionais de saúde. Brasília: MS; 2009..

A ingestão alimentar em quantidades adequadas é extremamente importante para que se mantenha o funcionamento adequado do organismo, bem como para prevenir o catabolismo do tecido muscular, especialmente na população idosa que frequentemente é acometida pela redução fisiológica do apetite99 Cruz-Jentoft AJ, Kiesswetter E, Drey M, Sieber CC. Nutrition, frailty, and sarcopenia. Aging Clin Exp Res 2017; 29(1):43-48.. Ainda, o hábito de pular refeições, especialmente o café da manhã, mostrou-se associado com uma menor ingestão de micronutrientes, quando comparado à ingestão diária dessa refeição, fator de grande importância para a nutrição de grupos de risco, como os idosos1010 Leech RM, Worsley A, Timperio A, McNaughton SA. Understanding meal patterns: definitions, methodology and impact on nutrient intake and diet quality. Nutr Res Rev 2015; 28(1):1-21..

Diante disso, o objetivo do presente estudo foi descrever o número de refeições e os tipos de refeições diárias realizadas por idosos comunitários moradores da zona urbana de Pelotas-RS, bem como analisar a associação entre a prevalência de adequação da frequência de refeições e variáveis sociodemográficas e de saúde.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal de base populacional, com idosos de 60 anos ou mais, residentes da zona urbana do município de Pelotas. Os dados utilizados são provenientes do estudo “COMO VAI?” (Consórcio de Mestrado Orientado para a Valorização da Atenção ao Idoso), realizado entre janeiro e agosto de 2014.

O processo de amostragem foi realizado em dois estágios. Primeiramente, foi feita uma divisão dos setores censitários, de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do ano de 2010, e os mesmos ordenados de acordo com a renda média dos moradores, sendo sorteados sistematicamente 133 setores. Posteriormente, houve a seleção de aproximadamente 31 domicílios por setor, de forma que fossem identificados pelo menos 12 idosos por setor. Foram excluídos da amostra, idosos institucionalizados (hospitais, instituições de longa permanência, prisões), com incapacidade física ou mental para realizar os testes solicitados ou responder os questionários sem a presença de um familiar ou cuidador. Essa incapacidade, bem como a possibilidade de fazer a entrevista com ou sem ajuda, foi avaliada pela percepção tanto da entrevistadora, quanto dos familiares/cuidadores do idoso. Também foi considerado critério de exclusão idosos que estavam em nutrição enteral.

As entrevistas foram realizadas nos domicílios dos idosos, por entrevistadoras treinadas e padronizadas, com utilização de netbooks para registro das informações. Para um controle de qualidade, foram selecionados aleatoriamente 10% dos idosos, a fim de checar a realização das entrevistas e identificar inconsistências nos dados coletados.

As informações referentes ao número e aos tipos de refeições realizadas ao longo do dia pelos idosos foram coletadas através do relato dos entrevistados com base em respostas do tipo sim/não para cada uma das refeições. Os idosos foram questionados se na semana anterior à entrevista habitualmente fizeram as seguintes refeições: “Na maioria dos dias, o(a) Sr(a). costuma fazer as seguintes refeições: café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche ou café da tarde, jantar ou café da noite, e lanche antes de dormir?”. Como parâmetro para avaliar a adequação da frequência de refeições fora utilizado o primeiro passo dos “Dez passos para uma alimentação saudável para pessoas idosas”, o qual recomenda a realização de pelo menos três refeições principais (café da manhã, almoço e jantar) e dois lanches saudáveis por dia88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Alimentação saudável para a pessoa idosa: um manual para profissionais de saúde. Brasília: MS; 2009..

Como variáveis independentes, foram investigadas características socioeconômicas e demográficas (sexo, idade, cor da pele, situação conjugal, escolaridade e nível socioeconômico), fatores relacionados à alimentação, saúde bucal (edentulismo e perda dentária severa), estado nutricional e polifarmácia (uso de pelo menos cinco medicamentos diferentes concomitantemente). Quanto às características socioeconômicas e demográficas, a variável sexo foi observada pelo entrevistador e dicotomizada em masculino/feminino. A idade foi obtida em anos completos e categorizada em 60-69/70-79/≥80. A cor da pele foi observada pelo entrevistador e posteriormente dicotomizada em branca/outras. A escolaridade, coletada em anos completos de estudo, foi categorizada em: nenhuma/1-7 anos/8 anos ou mais. A situação conjugal foi categorizada em: casado ou com companheiro/solteiro, separado ou divorciado/viúvo. Para a avaliação da situação econômica, foi utilizada como referência a classificação estabelecida pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas1111 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Alterações na aplicação do Critério Brasil, válidas a partir de 2013. São Paulo: ABEP; 2013., a qual considera informações sobre a posse de alguns bens, além da escolaridade do chefe da família e presença de empregada doméstica, sendo posteriormente categorizada em A/B (mais ricos), C, D/E (mais pobres).

Também foram avaliadas a mudança nos hábitos alimentares devido a algum problema de saúde; a falta de dinheiro para compra de alimentos; a realização de refeições desacompanhadas; e a necessidade de ajuda para compra, preparação e ingestão das refeições. As quatro perguntas realizadas pertencem ao Nutrition Screening Initiative Checklist (NSI)1212 Posner BM, Jette AM, Smith KW, Miller DR. Nutrition and health risks in the elderly: the nutrition screening initiative. Am J Public Health 1993; 83(7):972-978., instrumento de triagem que objetiva a avaliação de risco nutricional.

Com relação à perda dentária, as informações foram obtidas a partir do autorrelato, sendo verificadas pelas seguintes questões: “Quantos dentes naturais o(a) Sr(a). tem na parte de cima da sua boca? Por favor, se necessário, conte quantos são com auxílio da língua” e “Quantos dentes naturais o(a) Sr(a). tem na parte de baixo da sua boca? Por favor, se necessário, conte quantos são com auxílio da língua”. Para realização da análise, foi considerada a ausência de um ou mais dentes, conforme descrição do número de dentes remanescentes, a partir do qual foram obtidas duas variáveis: edentulismo (perda dentária total) e perda dentária severa (presença de menos de nove dentes). A presença de polifarmácia (uso de cinco ou mais medicamentos) foi avaliada a partir da informação sobre o número de medicamentos em uso contínuo, prescrito por médico ou dentista, nos 15 dias anteriores à entrevista1313 Nascimento R, Alvares J, Guerra AAJ, Gomes IC, Silveira MR, Costa EA, Leite SN, Costa KS, Soeiro OM, Guibu IA, Karnikowski MGO, Acurcio FA. Polypharmacy: a challenge for the primary health care of the Brazilian Unified Health System. Rev Saude Publica 2017; 51(Supl. 2):19s..

A avaliação do estado nutricional, foi realizada a partir do cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) dos idosos [(peso (kg) / (altura (m))²]. Para a medida de peso foi utilizada a balança eletrônica da marca Tanita, no modelo UM-080, com capacidade máxima para 150 kg e precisão de 100 gramas. Para a medida da altura foi utilizada a equação proposta por Chumlea1414 Chumlea WC, Guo S. Equations for predicting stature in white and black elderly individuals. J Gerontol 1992; 47(6):M197-M203., que utiliza no cálculo a altura do joelho como estimativa da altura em pé - método mais adequado para estimar a altura nessa faixa etária, conforme recomendação da Organização Mundial da Saúde1515 World Health Organization (WHO). Physical status: the use and interpretation of anthropometry: report of a WHO Expert Committee. Genebra: WHO; 1995. - a qual foi aferida utilizando-se estadiômetro infantil com medida máxima de 100 cm e precisão de 0,1 cm. Foi utilizada a recomendação da Organização Mundial da Saúde1616 Organização Mundial da Saúde (OMS). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: OPAS, 2005. para classificação do estado nutricional, sendo baixo peso o IMC<18,5 kg/m², peso adequado o IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m², sobrepeso o IMC entre 25,0 e 29,9 kg/m², e obesidade o IMC ≥ 30,0 kg/m². Como a proporção de idosos com baixo peso foi muito baixa (N=25; 1,8%), estes foram analisados junto à categoria dos eutróficos.

A análise de dados foi realizada através do programa estatístico Stata 14.0 de maneira estratificada por sexo. O desfecho foi dicotomizado (sim/não) quanto à adequação da frequência de refeições diárias conforme a proposta do MS (realização das três refeições principais e pelo menos dois lanches por dia)88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Alimentação saudável para a pessoa idosa: um manual para profissionais de saúde. Brasília: MS; 2009.. A prevalência da adequação foi analisada utilizando-se o teste Qui-quadrado de Pearson e demonstradas as proporções com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), conforme as variá veis independentes. Foi realizada regressão de Poisson para obtenção das razões de prevalências (RP) brutas e ajustadas e seus respectivos IC95%. Na análise ajustada, seguiu-se modelo hierárquico, construído pelos autores, com três níveis. O primeiro nível (mais distal), incluiu variáveis socioeconômicas e demográficas. Por questões de colinearidade entre as variáveis “nível econômico” e “falta de dinheiro para compra de alimentos”, permaneceu no modelo estatístico aquela de menor valor-p; as variáveis relacionadas aos hábitos alimentares e à saúde bucal compuseram o segundo nível, sendo que também devido à colinearidade, entre as variáveis “edentulismo” e “perda dentária severa” permaneceu no modelo final a de menor valor-p. As variáveis de estado nutricional e polifarmácia, compuseram o terceiro nível (mais proximal). As variáveis foram todas inseridas, respeitando-se o nível hierárquico, sendo mantidas na análise ajustada aquelas que apresentassem valor-p<0,20. O ajuste estatístico foi realizado para as variáveis de mesmo nível e para as de nível superior. Foi utilizado o comando svy para considerar o efeito de delineamento amostral em todas as análises.

O projeto de estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Todos os participantes ou responsáveis assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo garantido o direito de recusa à participação no estudo e sigilo com relação aos dados informados.

Resultados

Nos 3.799 domicílios amostrados, localizou-se 1.844 idosos, sendo entrevistados 1.451 indivíduos (78,7%) e, destes, 1.438 responderam questões inerentes ao tema do presente estudo. As perdas do estudo foram maiores em mulheres e idosos com idade entre 60 e 69 anos de ambos os sexos.

Na Tabela 1 pode-se observar a descrição da amostra segundo características socioeconômicas, demográficas, de saúde e relacionadas à alimentação. Do total de homens, a maior parte tinha idades entre 60 e 69 anos (54,0%), era de cor da pele branca (84,6%), casados/com companheiro (76,0%), com escolaridade entre 1 e 7 anos completos de estudo (59,1%) e de nível socioeconômico C (48,8%). Quanto ao estado nutricional, houve predominância de indivíduos com sobrepeso (46,2%). Pouco menos de um terço dos homens (30,5%) afirmou o uso contínuo de cinco ou mais medicamentos, 53,8% possuíam perda dentária severa e 30,4% possuíam edentulismo. Com relação à rotina alimentar, 19,1% afirmaram já ter passado por situação de falta de dinheiro para compra de alimentos e 32,2% afirmaram mudança na alimentação devido a algum problema de saúde. A maioria afirmou não realizar as refeições desacompanhados (78,7%) e não necessitar de ajuda para compra, preparo e realização das refeições (87,9%).

Tabela 1
Descrição da amostra de idosos segundo as características socioeconômicas, demográficas, de saúde e relacionadas à alimentação (n=1.438). Pelotas-RS, Brasil, 2014.

Entre as mulheres, a maioria tinha entre 60 e 69 anos (51,4%), era de cor da pele branca (83,1%), com escolaridade entre 1 e 7 anos completos de estudo (51,7%) e pertencia ao nível socioeconômico C (54,6%). A maior parte eram viúvas (42,6%). Mais de um terço delas apresentou sobrepeso (39,4%) e a porcentagem de mulheres obesas (33,2%) foi superior àquela de baixo peso/eutrofia (27,4%). Com relação à polifarmácia, cerca de 38,6% afirmaram o uso contínuo de cinco ou mais medicamentos. Quanto à saúde bucal, observou-se que 65,0% das mulheres possuíam perda dentária severa (incluindo edentulismo), e dentre essas, cerca de 44,3% possuíam edentulismo. O total de 20,6% da amostra feminina afirmou já ter passado pela situação de falta de dinheiro para compra de alimentos, e 29,3% relatou mudança na alimentação devido a problema de saúde. Cerca de 34,2% das idosas afirmaram realizar as refeições desacompanhadas e 20,3% necessitar de ajuda para compra, preparo e realização das refeições (Tabela 1).

Na Figura 1 pode-se observar o número de refeições diárias realizadas pelos idosos. A maior parte dos homens e das mulheres afirmaram realizar o total de quatro refeições diárias (41,2% e 38,3%, respectivamente). A Figura 2 demonstra os tipos de refeições realizadas pelos idosos. O almoço foi a refeição com maior prevalência de realização, seguido do café da manhã e do jantar, em ambos os sexos. O lanche da manhã foi a única refeição que apresentou diferença entre os sexos, com maior prevalência entre as mulheres (42,5%, IC95%: 39,2-46,0), comparadas aos homens (32,1%, IC95%: 28,5-35,9). A ceia foi a refeição menos realizada pelos idosos de ambos os sexos (24,6% dos homens e 29,6% das mulheres). Com relação à adequação da frequência de refeições diárias, 35,6% (IC95%: 32,7-38,6) da amostra atingiu o preconizado pelo MS, ou seja, realizavam três refeições diárias - café da manhã, almoço e jantar - e pelo menos mais dois lanches ao longo do dia, sendo 30,6% (IC95%: 26,9-34,5) dos homens e 38,6% (IC95%: 35,1-42,2) das mulheres.

Figura 1
Número de refeições diárias realizadas por idosos não institucionalizados do Sul do Brasil. Pelotas-RS, Brasil, 2014.

Figura 2
Tipos de refeições e adequação da frequência de refeições diárias realizadas por idosos comunitários do Sul do Brasil. Pelotas-RS, Brasil, 2014.

Nas Tabelas 2 e 3 pode-se observar as análises bruta e ajustada, respectivamente, da associação de variáveis socioeconômicas, demográficas, de saúde e relacionadas à alimentação com a frequência adequada de refeições. Na análise bruta, entre os homens foi observada menor prevalência de adequação naqueles de menor nível socioeconômico (classe D/E comparada a A/B) e que afirmaram já ter faltado dinheiro para compra de alimentos, e maior prevalência entre aqueles que tinham edentulismo ou perda dentária severa em relação aos que não apresentavam essas condições. Após o ajuste, os idosos de classe econômica D/E apresentaram cerca de 50% menor prevalência de frequência adequada de refeições do que aqueles da classe A/B (RP=0,54; IC95%: 0,31-0,97). Ainda, idosos com edentulismo tiveram cerca de 1,3 vezes maior prevalência de frequência adequada de refeições (RP=1,35; IC95%: 1,03-1,78), quando comparados aos indivíduos que não apresentavam esta condição.

Tabela 2
Descrição e análise bruta da associação entre idosos que realizam uma frequência adequada de refeições diárias (passo um dos dez passos do MS) e variáveis socioeconômicas, demográficas, de saúde e relacionadas a alimentação. Pelotas-RS, Brasil, 2014.
Tabela 3
Análise ajustada da associação entre idosos que realizam uma frequência adequada de refeições diárias (passo um dos dez passos do MS) e variáveis socioeconômicas, demográficas, de saúde e relacionadas a alimentação. Pelotas-RS, Brasil, 2014.

Entre as mulheres, na análise bruta foram observadas menores prevalências de adequação entre aquelas de outra cor da pele que não a branca, comparadas às brancas, sem escolaridade, em relação àquelas com pelo menos 8 anos de estudo, e que declaram falta de dinheiro para compra de alimentos. Maior prevalência de adequação foi observada entre as que afirmaram uso contínuo de 5 ou mais medicamentos (polifarmácia) (Tabela 2). Na análise ajustada, permaneceram significativas, com cerca de 30% menor prevalência de adequação, mulheres idosas de cor da pele não branca (RP=0,72; IC95%: 0,54-0,96), em comparação às mulheres de cor da pele branca; idosas com nenhuma escolaridade (RP=0,69; IC95%: 0,50-0,97), em relação àquelas com pelo menos oito anos de estudo, e aquelas com falta de dinheiro para a compra de alimentos (RP=0,71; IC95%: 0,53-0,94). As mulheres que declararam “mudança na alimentação por problema de saúde”, apresentaram cerca de 20% maior prevalência de adequação quanto à frequência de refeições diárias (RP=1,23; IC95%: 1,01-1,50) quando comparadas àquelas que não relataram essa situação. Ainda, embora com intervalo de confiança englobando a unidade, mulheres obesas apresentaram cerca de 15% menor prevalência de adequação quanto à frequência de refeições (RP=0,85; IC95%: 0,68-1,06, p=0,042) (Tabela 3).

Discussão

Este estudo avaliou a adequação da frequência e os tipos de refeições habitualmente realizadas por idosos moradores da cidade de Pelotas-RS. Verificou-se que cerca de um terço da amostra segue a recomendação do primeiro passo dos hábitos saudáveis postulados pelo Ministério da Saúde especificamente para idosos, sendo que as mulheres apresentaram maior prevalência de adequação, comparadas aos homens. A maior parte da amostra realizava o total de quatro refeições diárias. Em ambos os sexos, o almoço foi a refeição mais realizada, seguida do café da manhã e do jantar, sendo que nove em cada dez idosos afirmaram realizar essas refeições. Entre os homens, aqueles com edentulismo apresentaram maior frequência de adequação e aqueles de menor nível econômico, menor. Nas mulheres, aquelas com outra cor da pele que não a branca, não escolarizadas e que declararam falta de dinheiro para a compra de alimentos apresentaram menor frequência adequada de refeições, enquanto que aquelas que declararam ter modificado a alimentação por problema de saúde apresentaram maior prevalência de frequência adequada de refeições diárias.

Os achados demonstraram que há um percentual expressivo de idosos que não mantêm um padrão desejável quanto à frequência de refeições diárias, para que assim fosse mantida uma nutrição adequada para um envelhecimento saudável. Quando a ingestão alimentar não é suficiente para suprir as demandas do corpo, parte da gordura corporal e massa muscular são degradadas, com o intuito de gerar energia para a manutenção das atividades normais do organismo99 Cruz-Jentoft AJ, Kiesswetter E, Drey M, Sieber CC. Nutrition, frailty, and sarcopenia. Aging Clin Exp Res 2017; 29(1):43-48.,1717 Morley JE. Pathophysiology of the anorexia of aging. Curr Opin Clin Nutr Metab Care 2013; 16(1):27-32..

Embora poucos estudos tenham avaliado a realização de tipos específicos de refeições nessa faixa etária, há algumas publicações que avaliaram a frequência de realização de café da manhã entre idosos. Estudos encontraram associação positiva de realização do café da manhã com demais aspectos de saúde, como a prevenção de obesidade, melhor qualidade de vida e autonomia1818 St-Onge MP, Ard J, Baskin ML, Chiuve SE, Johnson HM, Kris-Etherton P, Varady K, American Heart Association Obesity Committee of the Council on Lifestyle and Cardiometabolic Health, Council on Cardiovascular Disease in the Young, Council on Clinical Cardiology, Stroke Council. Meal Timing and Frequency: Implications for Cardiovascular Disease Prevention: A Scientific Statement from the American Heart Association. Circulation 2017; 135(9):e96-e121.

19 García Milla P, Candia Johns P, Durán Agüero S. Asociación del consumo de desayuno y la calidad de vida en adultos mayores autonomos chilenos. Nutr Hosp 2014; 30(4):845-850.
-2020 Gaal S, Kerr MA, Ward M, McNulty H, Livingstone MBE. Breakfast Consumption in the UK: Patterns, Nutrient Intake and Diet Quality. A Study from the International Breakfast Research Initiative Group. Nutrients 2018; 10(8):999., e maior ingestão de vitaminas e minerais1010 Leech RM, Worsley A, Timperio A, McNaughton SA. Understanding meal patterns: definitions, methodology and impact on nutrient intake and diet quality. Nutr Res Rev 2015; 28(1):1-21.. Em um estudo realizado em Santiago (Chile) com 1.285 idosos encontrou-se que nove em cada dez idosos realizavam o café da manhã1919 García Milla P, Candia Johns P, Durán Agüero S. Asociación del consumo de desayuno y la calidad de vida en adultos mayores autonomos chilenos. Nutr Hosp 2014; 30(4):845-850.. Já em estudo realizado no Reino Unido, quase a totalidade (99%) dos idosos da amostra tinham o hábito de tomar café da manhã2020 Gaal S, Kerr MA, Ward M, McNulty H, Livingstone MBE. Breakfast Consumption in the UK: Patterns, Nutrient Intake and Diet Quality. A Study from the International Breakfast Research Initiative Group. Nutrients 2018; 10(8):999..

Quanto a adequação da frequência de refeições que devem ser realizadas diariamente, no Brasil, Heitor et al.2121 Heitor SFD, Rodrigues LR, Tavares DMS. Fatores associados às complicações metabólicas e alimentação em idosos da zona rural. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3357-3366., utilizando o critério de avaliação da adequação a partir dos 10 passos para alimentação saudável do idoso do Ministério da Saúde, em estudo transversal realizado com 833 idosos da zona rural de Uberaba, Minas Gerais, observaram que as mulheres, assim como no presente estudo, apresentaram maior adequação quanto à frequência de refeições2121 Heitor SFD, Rodrigues LR, Tavares DMS. Fatores associados às complicações metabólicas e alimentação em idosos da zona rural. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3357-3366.. Outro estudo, realizado por Vinholes et al.2222 Vinholes DB, Assunção MCF, Neutzling MB. Freqüência de hábitos saudáveis de alimentação medidos a partir dos 10 Passos da Alimentação Saudável do Ministério da Saúde: Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2009; 25(4):791-799. também em Pelotas, com adultos a partir de 20 anos de idade, também encontrou maior proporção de realização de pelo menos três refeições e um lanche por dia (antiga recomendação dos dez passos para a alimentação saudável do MS), entre as mulheres, das quais 60,8% atingiam a recomendação2222 Vinholes DB, Assunção MCF, Neutzling MB. Freqüência de hábitos saudáveis de alimentação medidos a partir dos 10 Passos da Alimentação Saudável do Ministério da Saúde: Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica 2009; 25(4):791-799..

Estudos mostram que a expectativa de vida do sexo feminino é maior do que a do sexo masculino, isso deve-se ao maior cuidado das mulheres com relação à qualidade de vida, uma vez que há maior procura das mesmas pelos serviços saúde, tanto para serviços de prevenção, quanto aos de assistência à saúde2323 Abreu DM, Cesar CC, Franca EB. Gender differences in avoidable mortality in Brazil (1983-2005). Cad Saude Publica 2009; 25(12):2672-2682.

24 Borim FSA, Francisco P, Neri AL. Sociodemographic and health factors associated with mortality in community-dwelling elderly. Rev Saude Publica 2017; 51:42.
-2525 Pilger C, Menon MU, Mathias TAF. Utilização de serviços de saúde por idosos vivendo na comunidade. Rev Esc Enferm USP 2013; 47(1):213-220.. Da mesma forma, a preocupação com a qualidade da ingestão alimentar também é maior em mulheres de todas as idades2626 Kiefer I, Rathmanner T, Kunze M. Eating and dieting differences in men and woman. J Mens Health Gend 2005; 2(2):194-201.,2727 Gomes AP, Soares AL, Goncalves H. Low diet quality in older adults: a population-based study in southern Brazil. Cien Saude Colet 2016; 21(11):3417-3428., justificando assim a maior adequação das mulheres com relação à frequência de refeições comparadas aos homens.

Como demonstrado neste estudo, fatores como a situação econômica podem estar relacionados com a frequência alimentar, especialmente entre as mulheres, embora nos homens a associação tenha seguido a mesma direção, e a significância estatística limítrofe observada pode ter ocorrido devido à menor precisão (menor proporção de homens na amostra). A insegurança alimentar é um quadro enfrentado por boa parte de população idosa brasileira e os reflexos da mesma encontram-se na saúde dessa população, que por não possuir poder aquisitivo para a compra de alimentos, muitas vezes necessita limitar não somente a qualidade, mas a frequência de refeições55 Bernstein M. Nutritional Needs of the Older Adult. Phys Med Rehabil Clin N Am 2017; 28(4):747-766.,2828 Amarya S, Singh K, Sabharwal M. Changes during aging and their association with malnutrition. J Clin Gerontol Geriatr 2015; 6(3):78-84..

Ainda no campo social, a escolaridade também é um fator determinante para o maior cuidado com a saúde. Estudos demostram que indivíduos com maior escolaridade procuram mais os serviços de saúde, além de apresentarem melhor qualidade de vida em todas as idades2525 Pilger C, Menon MU, Mathias TAF. Utilização de serviços de saúde por idosos vivendo na comunidade. Rev Esc Enferm USP 2013; 47(1):213-220.,2929 Robert SA, Cherepanov D, Palta M, Dunham NC, Feeny D, Fryback DG. Socioeconomic status and age variations in health-related quality of life: results from the national health measurement study. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci 2009; 64(3):378-389., o que pode justificar, em parte, a relação encontrada entre menor escolaridade e menor adequação da frequência de refeições entre as mulheres idosas. Nesse contexto, destaca-se ainda a menor prevalência de adequação da frequência de refeições entre idosas de outra cor da pele que não a branca, o que provavelmente também está relacionada com a situação de vulnerabilidade social, mais frequente nesse subgrupo.

No que tange a influência da saúde bucal sobre a frequência alimentar entre idosos, embora seja reconhecido que uma saúde bucal precária pode dificultar a mastigação, assim como ocasionar a ingestão de uma dieta monótona e de baixa qualidade66 Guyonnet S, Rolland Y. Screening for Malnutrition in Older People. Clin Geriatr Med 2015; 31(3):429-437.,2828 Amarya S, Singh K, Sabharwal M. Changes during aging and their association with malnutrition. J Clin Gerontol Geriatr 2015; 6(3):78-84., no presente estudo, idosos do sexo masculino com edentulismo apresentaram maior prevalência de adequação na frequência de refeições. Estudo de revisão recente que incluiu oito estudos longitudinais para avaliar se a perda dentária afetava a ingestão alimentar e o estado nutricional de adultos concluiu que há inconsistências nos achados e, portanto, não há evidências sólidas quanto a essa relação3030 Gaewkhiew P, Sabbah W, Bernabe E. Does tooth loss affect dietary intake and nutritional status? A systematic review of longitudinal studies. J Dent 2017; 67:1-8.. No presente estudo, apenas cerca de 15% dos idosos entrevistados não faz uso de prótese - incluindo alguma dentadura, chapa, ponte ou implante (dados não apresentados), podendo ser esse um dos motivos pelos quais os resultados tenham sido controversos. Ademais, também existe a possibilidade de que aqueles com edentulismo tenham uma maior frequência de consumo de alimentos por não conseguirem ingerir um volume adequado em uma mesma refeição, o que pode ocorrer, em parte, devido à dificuldade ou demora relacionadas à mastigação.

Mesmo considerando que a dependência para atividades como a compra e o preparo de alimentos seja importante nessa faixa etária, bem como a socialização das refeições66 Guyonnet S, Rolland Y. Screening for Malnutrition in Older People. Clin Geriatr Med 2015; 31(3):429-437., não foi observada associação entre a dependência para atividades relacionadas à alimentação e a realização de refeições acompanhadas com a frequência adequada de refeições. Contudo, entre mulheres que afirmaram ter modificado a alimentação devido a algum problema de saúde, a prevalência de adequação foi maior. Provavelmente esse achado está relacionado às mudanças em um conjunto de hábitos para melhorar o estilo de vida e a saúde em decorrência do surgimento de uma doença. Nesse sentido, destaca-se que, embora com associação limítrofe, foi observada menor prevalência de adequação da frequência de refeições entre mulheres com obesidade. É provável que estas ainda não iniciaram um processo de mudança relacionada aos hábitos alimentares e o fato de não ter uma regularidade quanto às refeições diárias pode impactar negativamente no estado nutricional88 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Alimentação saudável para a pessoa idosa: um manual para profissionais de saúde. Brasília: MS; 2009..

Embora limitações para a alimentação possam ocorrer também devido ao uso de múltiplos medicamentos, uma vez que parte da renda pode acabar sendo gasta com essa compra55 Bernstein M. Nutritional Needs of the Older Adult. Phys Med Rehabil Clin N Am 2017; 28(4):747-766., não foi encontrada associação entre polifarmácia e frequência adequada de refeições. Todavia, a direção da associação foi positiva, indicando que aqueles que usam muitos medicamentos teriam uma maior adequação quanto à frequência de refeições diárias. Esse fato pode refletir a sobrevida com doenças crônicas ocasionada por tratamento medicamentoso adequado e também por hábitos de vida adequados, como a frequência alimentar. Cabe, porém, salientar que há indícios de que alguns medicamentos podem ter efeito direto na regulação do apetite3131 Clegg ME, Williams EA. Optimizing nutrition in older people. Maturitas 2018; 112:34-38.. Ainda, a utilização de fármacos, por outro lado, também pode ser considerada aliada a uma melhor adequação na frequência de refeições, visto que é recomendado que muitos medicamentos prescritos sejam administrados juntamente com alguma refeição, devido aos benefícios em sua absorção e para minimizar efeitos irritativos no trato gastrointestinal3232 Moura MRL, Reyes FGR. Interação fármaco-nutriente: uma revisão. Rev Nutr 2002; 15:223-238..

Dentre as limitações do presente estudo, é importante citar a porcentagem de perdas e recusas (em torno de 20%), superior no sexo feminino e naqueles com 60-69 anos. Nesse sentido, ressalta-se que podem ter influenciado a prevalência observada do desfecho subestimando o resultado encontrado com relação à frequência adequada de refeições, devido a uma melhor qualidade de saúde esperada para indivíduos mais jovens e a maior preocupação com saúde por parte das mulheres. Ainda, perguntas relacionadas à alimentação, as quais dependem da capacidade cognitiva e memória dos entrevistados, também podem ter sido prejudicadas, devido à diminuição comum dessas capacidades inerentes ao processo de envelhecimento. Por outro lado, a execução do estudo permitia a presença de um respondente chave, dependendo da condição do idoso para responder e, quanto ao questionário relacionado a ingestão alimentar, foram registradas informações referentes aos sete dias anteriores à entrevista, possibilitando a diminuição do erro de recordatório. Por último, é importante salientar que o objetivo do estudo foi restrito à análise da adequação quanto à frequência de refeições diárias recomendadas pelo MS para essa faixa etária, sem levar em conta questões como quantidade e qualidade dos alimentos consumidos em cada refeição. Assim, embora alguns idosos possam estar seguindo tal passo recomendado, não é possível afirmar que estes sejam “mais saudáveis”, visto que em cada refeição pode haver consumo alimentar além ou aquém das necessidades nutricionais.

Além das estratégias acima descritas para redução de um possível efeito negativo da capacidade cognitiva dos indivíduos da amostra na obtenção das informações, deve ser também destacada positivamente a seleção amostral, a qual buscou abranger todas as classes econômicas presentes, visando maior representatividade na amostra. Outro ponto positivo, é a característica do estudo, que por ser de base populacional, contribui para o fornecimento de informações sobre idosos da comunidade. Além disso, por ser um grande estudo desenvolvido por pesquisadores de diversas áreas, além das características sociodemográficas, foi possível avaliar diversos domínios da vida desses idosos, os quais podem ser causas ou consequências de hábitos alimentares saudáveis.

Por fim, os resultados apontaram que os idosos consumiam, em média, quatro refeições diárias e apenas um terço deles se guia a recomendação preconizada pelo Ministério da Saúde quanto à frequência de refeições. A refeição mais prevalente foi o almoço, seguido do café da manhã e jantar. A frequência adequada de refeições foi maior entre mulheres e questões sociais como a cor da pele, a escolaridade e a condição financeira mostraram-se associadas a essa prevalência. O direito humano à alimentação prevê o direito de estar livre da fome e à alimentação adequada e segura, garantindo o acesso estável a uma alimentação em quantidade necessária, o que é ainda mais importante na faixa etária idosa, altamente sensível a mudanças agudas na ingestão alimentar. Futuros estudos podem trazer maiores informações acerca da qualidade das refeições dos idosos. Finalmente, ressalta-se que é fundamental que as políticas alimentares voltadas ao idoso considerem a vulnerabilidade social e a segurança alimentar dessa população.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Ago 2021

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2019
  • Aceito
    01 Jun 2020
  • Publicado
    03 Jun 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br