Fatores sociodemográficos e estilo de vida relacionados aos comportamentos violentos em universitários

Sociodemographic and lifestyle factors related to violent behaviors among university students

Fernando Silva Guimarães Thaynã Ramos Flores Joseph Murray Andréa Dâmaso Bertoldi Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste estudo foi caracterizar a prevalência de comportamentos violentos como agressão, roubo e porte de arma ou faca, segundovariáveis sociodemográficase de estilo de vida como inatividade física, uso de drogas ilícitas, uso prejudicial de álcool, tabagismo e consumo alimentar não saudável em estudantes universitários. Estudo transversal, do tipo censo, realizado com estudantes de 18 anos ou mais, em cursos presenciais de uma instituição pública de ensino superior no Sul do Brasil. Na análise dos dados utilizou-se a regressão de Poisson para obtenção das Razões de Prevalências (RP) com ajuste baseado em modelo hierárquico conceitual. A prevalência de um ou mais comportamentos violentos foi de 15,1%. Após ajuste, a prevalência foi significativamente maior para homens [RP=1,40 (IC95% 1,10;1,77), p=0,01]. Observou-se associação entre um ou mais comportamentos violentos com maior atividade física, maior uso de drogas ilícitas e maior consumo prejudicial de álcool. Os resultados são importantes para identificar o perfil sociodemográfico de estudantes perpetradores de comportamentos violentos, podendo ser úteis para o planejamento de ações de promoção a saúde voltadas à prevenção de fatores de risco modificáveis que se mostraram associados aos comportamentos violentos nesta população.

Key words:
Violence; Universities; Risk behaviors; Cross-sectional studies

Abstract

The scope of this study was to characterize the prevalence of violent behaviors such as aggression, robbery and carrying a weapon, according to sociodemographic and lifestyle variables such as physical inactivity, use of illicit drugs, harmful alcohol consumption, smoking habits and unhealthy food consumption among university students. A cross-sectional, census-type study was carried out with students aged 18 years or older, in face-to-face classrooms at a public higher education institution in southern Brazil. In the data analysis Poisson regression was used to calculate Prevalence Ratios (PR) with adjustment based on a hierarchical conceptual model. The prevalence of one or more violent behaviors was 15.1%. After adjustment, the prevalence was significantly greater for males [PR=1.40 (95%CI 1.10; 1.77), p=0.01]. Violence was associated with higher levels of physical activity, use of illicit drugs and harmful consumption of alcohol. The findings show the sociodemographic profile of students who perpetrate violent behaviors, and can be useful for planning health promotion interventions aimed at preventing modifiable risk factors associated with violent behavior in this population.

Key words:
Violence; Universities; Risk behaviors; Cross-sectional studies

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência é definida como “uso intencional de força física ou poder, com uso de ameaças ou não, contra si mesmo, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que possui alta probabilidade de resultar em lesões, morte, danos psicológicos ou privação”11 Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.. Desde o final da década de 1980, o tema violência começou a integrar o campo da saúde pública devido ao rápido crescimento de mortes e traumas relacionados a causas violentas, principalmente na região das Américas22 Minayo MCS. Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad Saude Publica 1994; 10:S7-S18.. Deste modo, mais pesquisas têm sido realizadas com o objetivo de contribuir para a avaliação da violência e seus impactos, tais como estudos baseados em autorrelato sobre vitimização e, também, sobre comportamento agressivo33 Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Cien Saude Colet 2006; 11:1163-1178..

Grande parte dos estudantes universitários é formada por adultos jovens, que compõem a faixa etária com maior exposição à violência44 Reinchenheim ME, de Souza ER, Moraes CL, Jorge MHPM, Silva CMFP, Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. Lancet 2011; 377(9781):1962-1975.. De forma simultânea, os estudantes estão expostos a fatores de risco relacionados a violência já conhecidos em populações de adultos jovens, como uso de drogas ilícitas e uso abusivo de álcool55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015., o que pode aumentar a probabilidade da ocorrência da perpetração de atos violentos, além de características psicológicas, como impulsividade e falta de autocontrole55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015.. É importante considerar também a característica complexa da violência, com múltiplas causas biopsicossociais, que demonstra a importância da caracterização sociodemográfica na população universitária, uma vez que adultos jovens de menor nível socioeconômico55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015. e cor da pele preta4 tem maior envolvimento como vítimas e perpetradores de violência comunitária, principalmente no Brasil. Tanto estudos internacionais quanto nacionais realizados com esta população e que investigaram comportamentos violentos frequentemente trazem a caracterização sociodemográfica em virtude da característica social dos desfechos analisados66 Campos L, Isensse DC, Rucker TC, Bottan ER. Condutas de saúde de universitários ingressantes e concluintes de cursos da área da saúde. Rev Bras Pesq Saude 2016; 18(2):17-25.

7 Faria YO, Gandolfi L, Moura LBA. Prevalência de comportamentos de risco em adulto jovem e universitário. Acta Paul Enferm 2014; 27(6):591-595.

8 Colares V, Gonzalez E, Franca Cd. Condutas de saúde entre universitários: diferenças entre gêneros. Cad Saude Publica 2009; 25(3):521-528.

9 Franca C, Colares V. Estudo comparativo de condutas de saúde entre universitários no início e no final do curso. Rev Saude Publica 2008; 42(3):420-427.
-1010 Centers for Disease Control and Prevention (CDC). United States National College Youth Risk Behavior Survey. Atlanta: CDC; 2017..

Adicionalmente, a população universitária é mais suscetível a problemas de saúde mental, tais como sintomas depressivos e ansiedade1111 Duffy A, Saunders KEA, Malhi GS, Patten S, Cipriani A, McNevin SH, MacDonald E, Geddes J. Mental health care for university students: a way forward?. Lancet Psychiatry 2019; 6(11):1-3., que por sua vez são associados a violência autoprovocada (suicídio), sendo esta a segunda causa de morte em estudantes universitários à nível mundial1212 Turecki G, Brent DA. Suicide and suicidal behaviour. Lancet 2016; 387(10024):1227-1239.. Em inquérito bianual realizado em população em idade universitária pelo Center for Disease and Control (CDC) dos Estados Unidos, a prevalência de estudantes do sexo masculino que estiveram envolvidos em briga física aumentou de 28,4% em 2015 para 30% em 20171313 for Health Metrics and Evaluation (IHME). GBD Compare Data Visualization. Seattle: IHME, University of Washington; 2018., o que demonstra a importância de investigar estes comportamentos nesta população.Embora o envolvimento em atos de violência interpessoal, tanto como vítima quanto como agressor, esteja associado com problemas de saúde mental e também com violência autoprovocada55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015., existem poucos dados ou estudos abordando o tema na população universitária brasileira66 Campos L, Isensse DC, Rucker TC, Bottan ER. Condutas de saúde de universitários ingressantes e concluintes de cursos da área da saúde. Rev Bras Pesq Saude 2016; 18(2):17-25.

7 Faria YO, Gandolfi L, Moura LBA. Prevalência de comportamentos de risco em adulto jovem e universitário. Acta Paul Enferm 2014; 27(6):591-595.

8 Colares V, Gonzalez E, Franca Cd. Condutas de saúde entre universitários: diferenças entre gêneros. Cad Saude Publica 2009; 25(3):521-528.
-99 Franca C, Colares V. Estudo comparativo de condutas de saúde entre universitários no início e no final do curso. Rev Saude Publica 2008; 42(3):420-427., principalmente no que diz respeito a estudantes como propagadores de violência interpessoal.

Diante deste contexto, o objetivo deste estudo foi caracterizar a prevalência de comportamentos violentos, segundo variáveis sociodemográficas e sua associação com fatores de estilo de vida como inatividade física, uso de drogas ilícitas, uso prejudicial de álcool, tabagismo e consumo alimentar não saudável em estudantes universitários de uma instituição pública de ensino superior no Sul do Brasil.

Metodologia

Estudo transversal, do tipo censo, realizado com estudantes, de 18 anos ou mais, ingressantes no primeiro semestre de 2017 e matriculados regularmente no segundo semestre de 2017 em cursos presenciais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), localizada ao Sul do Brasil. O inquérito fez parte de uma grande pesquisa que investigou temas relacionados a saúde dos estudantes universitários, tendo duração de oito meses (novembro de 2017 a julho de 2018), considerando o calendário acadêmico da instituição.

Foram realizadas visitas a 81 cursos de graduação presenciais da UFPel, lotados nas cidades de Pelotas e Capão do Leão e que admitiam alunos no primeiro semestre anual. A estimativa anual no primeiro semestre da instituição era de, aproximadamente, três mil estudantes. A partir de listas atualizadas fornecidas pela reitoria da universidade, foram identificados 2.706 alunos ingressantes no primeiro semestre de 2017, estando regularmente matriculados no segundo semestre do mesmo ano. A partir destas listas e com o apoio dos colegiados dos cursos de graduação, foi possível encontrar a maior parte dos alunos elegíveis para o estudo de acordo com os horários e disciplinas dos cursos. A coleta de dados foi realizada por meio de questionário autoaplicado, de forma anônima, em tablets, utilizando o software Research Electronic Data Capture (RedCap). A participação dos alunos foi inteiramente voluntária e as perdas e recusas foram caracterizadas e registradas de acordo com o sexo biológico, idade e cor da pele dos universitários, sendo considerados como perdas os alunos não encontrados após três ou mais revisitas às salas de aula. O controle de qualidade ocorreu pelo treinamento dos mestrandos para supervisão da aplicação do questionário e possíveis dúvidas que pudessem ocorrer por parte do entrevistado devido ao caráter anônimo do questionário.

Os desfechos do presente estudo foram coletados por meio questionário sobre comportamentos violentos originalmente desenvolvido no Reino Unido e adaptado e aplicado previamente no Brasil1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589.. Todas as questões tinham o tempo recordatório de 12 meses, sendo realizadas de acordo com cada comportamento violento. Para avaliar agressão física com intenção de lesionar, o questionamento utilizado foi: “Nos últimos 12 meses, quantas vezes você bateu em outras pessoas com a intenção de machucá-las? (não inclua irmãos, irmãs, nem brincadeiras de luta e chutes em jogos)”, para a identificar furto ou roubo a pergunta foi: “Nos últimos 12 meses, quantas vezes você roubou dinheiro ou objetos que alguém estava carregando ou usando?”, caso a resposta fosse pelo menos uma vez, também era perguntado sobre uso de ameaça ou violência neste roubo: “Neste(s) roubo(s) de dinheiro ou outros objetos, você fez ameaças ou usou força e violência contra outra pessoa?”. Por fim, foi questionado sobre prevalência de porte de arma de fogo ou faca para proteção ou agressão, por meio da pergunta: “Nos últimos 12 meses, quantas vezes você carregou faca ou outra arma para se proteger ou brigar?”. No presente estudo, para fins de análise dos dados, foi categorizado comportamento violento nos últimos 12 meses de forma dicotômica em: não (para nenhum comportamento violento) e sim (para um ou mais comportamentos violentos).

As variáveis independentes utilizadas foram sexo biológico (masculino/feminino), idade (18 a 19 anos/20 a 22 anos/23 anos ou mais) com objetivo de categorizar os adolescentes segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)1515 World Health Organization (WHO). Health for the world's adolescents: a second chance in the second decade. Geneva: WHO; 2015., cor da pele (branca/preta/parda), estado civil (solteiro/casado ou união estável), nível econômico segundo a Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP (A e B/C/D e E)1616 Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de classificação econômica do Brasil. São Paulo: ABEP; 2014., tipo de escola no ensino médio (pública/privada), tipo de moradia atual (pensionato, república ou casa do estudante/ casa ou apartamento próprio, alugado ou cedido), turno do curso de graduação (manhã, tarde e/ou integral/noturno), área do curso de graduação (área da saúde/outras áreas). As demais variáveis independentes, relacionadas ao estilo de vida, foram a inatividade física, avaliada pelo Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ)1717 Hallal PC, Victora CG. Reliability and validity of the International Physical Activity Questionnaire (IPAQ). MedSci Sports Exerc 2004; 36(3):556. e, posteriormente, para fins de análise, categorizada em “não e sim”; consumo prejudicial de álcool, avaliado pelo Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT)1818 Lima CT, Freire AC, Silva AP, Teixeira RM, Farrel M, Prince M. Concurrent and constructvalidity of the Audit in urban Brazilian sample. Alcohol Alcohol 2005; 40:584-589. o qual também para fins de análise foi categorizado em sim (≥8 pontos é considerado rastreio positivo para consumo prejudicial de álcool)18 e não; tabagismo atual (não/sim) e uso de qualquer droga ilícita ao menos uma vez na vida (não/sim). Em relação a variável de consumo alimentar não saudável, esta foi categorizada em “não e sim”, sendo os alimentos coletados por meio de questionário com período recordatório de 24 horas, e operacionalizada de acordo com o seguinte questionamento: “Ontem, você consumiu...” sendo substituído pelos seguintes alimentos, serão citados apenas os que foram utilizados no presente estudo: hambúrguer de origem animal ou embutidos; bebidas adoçadas; macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote ou biscoitos salgados e biscoitos recheados, doces ou guloseimas. A definição do indicador de consumo alimentar não saudável foi baseada na classificação adotada pelo Sistema de Vigilância e Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas não Transmissíveis por Inquérito Telefônico (Vigitel)1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2017: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: MS; 2018..

A análise dos dados foi realizada no programa estatístico STATA versão 15.0. Primeiramente foi realizada uma análise descritiva dos desfechos e das variáveis independentes, sendo apresentadas as prevalências e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). A ocorrência de comportamento violento (um ou mais) foi avaliada de acordo com as variáveis sociodemográficas sexo, idade, cor da pele, estado civil, nível socioeconômico, tipo de escola do ensino médio, tipo de moradia, turno do curso de graduação, área do curso de graduação e conforme asvariáveis de estilo de vida como inatividade física, uso de drogas ilícitas , consumo prejudicial de álcool, tabagismo e consumo alimentar considerado não saudável através de análise multivariável utilizando regressão de Poisson com variância robusta2020 Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3(1):1-13.. As análises aconteceram com ajustes para os possíveis fatores de confusão, sendo estes observados com base em modelo hierarquizado21 (Figura 1). Sendo sexo biológico, idade, cor da pele, estado civil, nível econômico, tipo de escola do ensino médio e tipo de moradia atual as variáveis pertencentes ao primeiro nível de análise. O segundo nível foi composto pelas variáveis área do curso de graduação e turno do curso de graduação. As variáveis de estilo de vida (inatividade física, consumo prejudicial de álcool, tabagismo, uso de drogas ilícitas e consumo alimentar considerado não saudável) fizeram parte do terceiro nível. As variáveis foram incluídas na análise ajustada de acordo com seu nível do modelo hierárquico e selecionadas em backward, de acordo com cada nível e mantendo aquelas com valor de p<0,20. Foram consideradas estatisticamente significativas as associações com valor de p<0,05.

Figura 1
Modelo hierárquico conceitual.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas, tendo como número de protocolo. Os alunos responderam o questionário somente após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Foram identificados 2.706 universitários elegíveis para o estudo. A taxa de resposta foi de 69% (1.865 respondentes). As perdas e recusas foram caracterizadas em conjunto (n=831), e diferiram estatisticamente do censo estudado quanto ao sexo biológico (p=0,001) e idade (p=0,001), sendo a maioria do sexo masculino (52,8%) e com 23 anos ou mais (46,7%).

Na Tabela 1 estão descritas as características da população estudada. Com relação aos comportamentos violentos avaliados individualmente (Figura 2), observou-se que entre os 1.826 estudantes respondentes, cerca de 8% (IC95% 6,7;9,2) referiram ter batido, nos últimos 12 meses, em outras pessoas com intenção de machucar, aproximadamente 10% (IC95% 8,4;11,1) afirmaram ter carregado arma ou faca para se proteger ou brigar e 2% (IC95% 1,4;2,7) relataram ter roubado dinheiro ou objetos de uma pessoa, sendo que dentre estes 46% (IC95% 30,3;62,4) referiram ter usado ameaças ou força e violência nestes roubos, ao menos uma vez.

Tabela 1
Descrição da amostra de acordo com variáveis sociodemográficas e variáveis de estilo de vida dos respondentes, ingressantes na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em 2017/1 e matriculados em 2017/2. Rio Grande do Sul, Brasil.

Figura 2
Prevalência (%) de condutas violentas em universitários ingressantes na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em 2017 (N=1.826).

Quanto a ocorrência de comportamento violento nos últimos 12 meses, a prevalência foi de 15,1% (IC95% 13,50;17,00) para um ou mais comportamentos violentos. A Tabela 2 apresenta a prevalência de comportamento violento (um ou mais) de acordo com as variáveis sociodemográficas e variáveis de estilo de vida, houve associação estatisticamente significativa da ocorrência de comportamento violento (um ou mais) com sexo, cor da pele, tipo de moradia, inatividade física, uso de drogas ilícitas, uso prejudicial de álcool e tabagismo.

Tabela 2
Prevalência de comportamento violento (um ou mais) de acordo com as variáveis sociodemográficas e variáveis de estilo de vida dos respondentes, ingressantes na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em 2017/1 e matriculados em 2017/2. Rio Grande do Sul, Brasil.

A Tabela 3 apresenta análise bruta e ajustada entre a ocorrência de comportamento violento e as variáveis sociodemográficas e variáveis de estilo de vida. Após o ajuste, de acordo com o modelo hierárquico, persistiram as associações com sexo, cor da pele, tipo de moradia, inatividade física, uso de drogas ilícitas e uso prejudicial de álcool. Os homens apresentaram probabilidade 40% maior de praticar um ou mais comportamentos violentos, quando comparados as mulheres [RP=1,40 (IC95% 1,10;1,77), p=0,01]. Em relação ao tipo de moradia, estudantes que moravam em casa ou apartamento tiveram probabilidade 29% menor de praticar um ou mais comportamentos violentos quando comparados àqueles que residiam na casa do estudante, pensionato ou república. Estudantes que se autodeclararam de cor de pele preta tiveram probabilidade 51% maior [RP=1,51 (IC95% 1,10;2,07), p=0,01] de realizar um ou mais comportamentos violentos quando comparados aos de cor de pele branca. Com relação às variáveis de estilo de vida, estudantes considerados inativos fisicamente apresentaram probabilidade 32% menor [RP=0,68 (IC95% 0,53;0,87), p=0,01] de praticar um ou mais comportamentos violentos quando comparados aos estudantes considerados fisicamente ativos. Com relação ao uso de drogas ilícitasuniversitários que usaram pelo menos uma vez na vida tiveram probabilidade 1,46 vezes maior [RP=1,46 (IC95% 1,13;1,89), p=0,01] de ter um ou mais comportamentos violentos comparados àqueles que nunca utilizaram drogas e os que fizeram uso prejudicial de álcool apresentaram probabilidade 1,58 vezes maior [RP=1,58 (IC95% 1,25;2,01), p=0,01] de praticar um ou mais comportamentos violentos em comparação aos que não fizeram esse uso prejudicial de álcool.

Tabela 3
Análise bruta e ajustada entre comportamento violento (um ou mais) nos últimos 12 meses e as variáveis sociodemográficas e variáveis de estilo de vida em estudantes ingressantes na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) no semestre 2017/1 e matriculados em 2017/2 (N=1.826). Rio Grande do Sul, Brasil.

Discussão

A prevalência de uma ou mais condutas violentas, identificada pelo presente estudo, foi 15,1%, sendo diferente, estatisticamente para as variáveis sociodemográficas sexo e cor da pele. Esta relação de homens perpetrarem mais atos violentos do que as mulheres já está bem consolidada na literatura, sendo consistente resultados com outros estudos88 Colares V, Gonzalez E, Franca Cd. Condutas de saúde entre universitários: diferenças entre gêneros. Cad Saude Publica 2009; 25(3):521-528.,99 Franca C, Colares V. Estudo comparativo de condutas de saúde entre universitários no início e no final do curso. Rev Saude Publica 2008; 42(3):420-427.,2222 Malta DA, Souza ER, Silva MMA, Silva CS, Andreazzi MAR, Crespo C, Mascarenhas MDM, Porto DL, Figueroa ALG, Neto OLM, Penna GO. Vivência de violência entre escolares brasileiros: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Cien Saude Colet 2010; 15(2):3053-3063.,2323 Belem IC, Rigoni PAG, Dos Santos VAP, Vieira JLL, Vieira LF. Associação entre comportamentos de risco para a saúde e fatores sociodemográficos em universitários de educação física. Motricidade 2016; 12(1):3-16.. Uma possível explicação para essas diferenças entre sexos pode estar relacionada ao contexto de sociedade machista ocidental2323 Belem IC, Rigoni PAG, Dos Santos VAP, Vieira JLL, Vieira LF. Associação entre comportamentos de risco para a saúde e fatores sociodemográficos em universitários de educação física. Motricidade 2016; 12(1):3-16.. Ainda assim, homens têm maior chance de tomar decisões de risco, que estão fortemente associadas a pré-disposição à impulsividade2424 Romer D. Adolescent Risk Taking, Impulsivity, and Brain Development: Implications for Prevention. Dev Psychobiol 2010; 52(3):263-276., indicando que homens estão em maior risco de serem perpetradores de violência quando comparados às mulheres55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015.. No que diz respeito a cor da pele, indivíduos de cor da pele preta tiveram probabilidade 1,51 vezes maior de praticar uma ou mais condutas violentas quando comparados aos indivíduos de cor da pele branca. Semelhantemente a outros países, jovens adultos de cor da pele preta e de baixo nível socioeconômico possuem maior contato com a violência, tanto como perpetradores quanto como vítimas44 Reinchenheim ME, de Souza ER, Moraes CL, Jorge MHPM, Silva CMFP, Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. Lancet 2011; 377(9781):1962-1975., o que está associado com a iniquidade de estrutura social presente no Brasil22 Minayo MCS. Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad Saude Publica 1994; 10:S7-S18..

A violência interpessoal é a primeira causa de morte na América Latina, em indivíduos com idade entre 15 e 49 anos, com taxa de 53,68 mortes por 100.000 habitantes (IC95% 52,14;55,18)2222 Malta DA, Souza ER, Silva MMA, Silva CS, Andreazzi MAR, Crespo C, Mascarenhas MDM, Porto DL, Figueroa ALG, Neto OLM, Penna GO. Vivência de violência entre escolares brasileiros: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Cien Saude Colet 2010; 15(2):3053-3063.. Nesse contexto, é preciso considerar as iniquidades sociais e também o acesso desigual à educação como fatores de risco para violência à nível de sociedade55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015., sendo estes tão importantes quanto os fatores individuais tais como uso de bebidas alcoólicas e uso de drogas ilícitas55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015.. No Brasil a violência estrutural é uma realidade, onde há opressão de grupos com maior vulnerabilidade social22 Minayo MCS. Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad Saude Publica 1994; 10:S7-S18., sendo os indivíduos de cor da pele preta e de menor condição socioeconômica as principais vítimas de violência no país44 Reinchenheim ME, de Souza ER, Moraes CL, Jorge MHPM, Silva CMFP, Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. Lancet 2011; 377(9781):1962-1975.. Ademais, no contexto educacional já existem evidências que indicam maior exposição à violência em estudantes de escolas públicas quando comparados a estudantes de escolas privadas55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015..

Adicionalmente, indivíduos que residem em casa ou apartamento possuem probabilidade 29% menor de praticar uma ou mais condutas violentas quando comparados aos estudantes que moram em pensionato, república ou casa do estudante. No contexto do presente estudo, é possível considerar como “proxy” de baixo nível socioeconômico os resultados das variáveis de cor da pele e tipo de moradia, o que reforça a desigualdade social citada anteriormente. Outra explicação seria um possível suporte social gerado por estudantes que residem, em conjunto ou não, em casa ou apartamento, assim como o suporte social familiar. O suporte social é um construto multidimensional que considera aspectos subjetivos do indivíduo relacionados a adequação e satisfação da dimensão social da sua vida, além do suporte material2525 Ribeiro JLP. Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS). Anal Psicol 1999; 17(3):547-558.. No estudo de Alradaydeh e Alorani2626 Alradaydeh MF, Alorani OS. The relationship between agression and perceived social suppor among university students in Jordan. Int J Humanit Soc Sci 2017; 7(1):200-205. com amostra de estudantes universitários, o suporte social de amigos demonstrou-se tão importante quanto o suporte social da família, sendo associado positivamente com uma boa saúde mental, o que diminuiria a probabilidade de contato do estudante com a violência2626 Alradaydeh MF, Alorani OS. The relationship between agression and perceived social suppor among university students in Jordan. Int J Humanit Soc Sci 2017; 7(1):200-205., uma vez que em jovens adultos os problemas de saúde mental estão associados a comportamentos violentos1111 Duffy A, Saunders KEA, Malhi GS, Patten S, Cipriani A, McNevin SH, MacDonald E, Geddes J. Mental health care for university students: a way forward?. Lancet Psychiatry 2019; 6(11):1-3.,1212 Turecki G, Brent DA. Suicide and suicidal behaviour. Lancet 2016; 387(10024):1227-1239.. É importante ressaltar que no presente estudo não foi encontrada associação entre condutas violentas e o estado civil, ao contrário do que aponta a literatura em que o casamento é considerado um fator de proteção para atos violentos como suicídio1 e recidiva criminal2727 Kendler KS, Lonn SL, Sundquist J, Sundquist K. The role of marriage in criminal recidivism: a longitudinal and co-relative analysis. Epidem Psych Sci 2017; 26(6):655-663..

O uso de drogas ilícitas e uso prejudicial de álcool são fatores de risco que podem aparecer no início da adolescência (idade entre 12-14 anos) e perdurar até a fase adulta do indivíduo55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015.. O uso abusivo de álcool na adolescência pode refletir em comportamento antissocial na vida adulta2828 Hammerton G, Mahedy L, Murray J, Maughan B, Edwards AC, Kendler KS, Hickman M, Heron J. Effects of excessive alcohol use on antisocial behavior across adolescence and early adulthood. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2017; 56(10):857-865., que por sua vez é um fator de risco para a perpetração de atos violentos1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589.. Em jovens adultos o uso prejudicial de álcool e drogas ilícitas possuem efeitos negativos em funções físicas e cognitivas, modulando a forma de processar informações e facilitando a tomada de decisões de risco, de forma impulsiva55 World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015..

A inatividade física mostrou-se associada com as condutas violentas de maneira protetiva, ou seja, universitários ativos fisicamente têm maior probabilidade de praticar atos violentos. Fatores de risco para prática de violência como impulsividade e busca por sensações de risco (risktaking) podem contribuir para esta relação, uma vez que estes dois fatores também estão associados com outros tipos de comportamentos de risco, tais como uso abusivo de álcool e uso de drogas ilícitas2424 Romer D. Adolescent Risk Taking, Impulsivity, and Brain Development: Implications for Prevention. Dev Psychobiol 2010; 52(3):263-276.. Outra possível explicação pode estar no baixo nível de frequência cardíaca, onde já existem evidências de associação com violência, principalmente entre indivíduos do sexo masculino2929 Murray J, Hallal PC, Mielke GI, Raine A, Wehrmeister FC, Anselmi L, Barros FC. Low resting heart rate is associated with violence in late adolescence: a prospective birth cohort study in Brazil. Int J Epidemiol 2016; 45(2):491-500.. Ainda, os comportamentos antissociais, que por sua vez são considerados fatores de risco para violência1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589., também estão associados com baixos níveis de frequência cardíaca3030 Portnoy J, Farrington DP. Resting heart rate and antisocial behavior: an updated systematic review and meta-analysis. Agress Behav 2015; 22:33-45..

No presente estudo, quanto a prevalência das condutas violentas, aproximadamente 8,0% dos universitários relataram ter batido em outras pessoas com intenção de machucar, nos últimos 12 meses. Estudos transversais realizados no Brasil, considerando o envolvimento em brigas em instituições localizadas em Pernambuco, Brasília e em instituição pública no Sul do Brasil, utilizando amostras de universitários, encontraram prevalências de 5,3%99 Franca C, Colares V. Estudo comparativo de condutas de saúde entre universitários no início e no final do curso. Rev Saude Publica 2008; 42(3):420-427., 1,9%77 Faria YO, Gandolfi L, Moura LBA. Prevalência de comportamentos de risco em adulto jovem e universitário. Acta Paul Enferm 2014; 27(6):591-595. e 8,5%3131 Pomini MC, Fadel CB. Influência da posição acadêmica sobre condutas de saúde de universitários. Rev ABENO 2018; 18(1):74-83., respectivamente. É importante ressaltar que estes trabalhos utilizaram o instrumento de monitoramento da saúde de universitários nos Estados Unidos, o National College Health Risk Behavior Survey (NCHRBS), sendo que a pergunta era referente ao envolvimento em brigas físicas, nos últimos doze meses, não especificando se o indivíduo teve envolvimento como vítima ou agressor nestas brigas3232 Franca C, Colares V. Validação do National College Health Risk Behavior Survey para utilização com universitários brasileiros. Cien Saude Colet 2010; 15(1):1209-1215.. Em estudo transversal realizado com dados da Coorte de Nascimentos de 1993, na cidade de Pelotas, comparando dados de estudo longitudinal realizado na cidade de Bristol, na Inglaterra, ambos com amostra de adolescentes aos 18 anos, foi encontrada prevalência de envolvimento em brigas físicas de aproximadamente 8,0% dasmulheresde Pelotas e 2,4% para mulheres de Bristol1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589.. Em relação ao sexo masculino, a prevalência foi de 18% para adolescentes de Pelotas e 9,2% para os adolescentes britânicos1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589..

Para o comportamento de roubo de dinheiro ou objetos de desconhecidos, 2,0% dos universitários responderam afirmativamente. Esta pergunta não está presente em instrumentos utilizados em estudos realizados no Brasil com universitários66 Campos L, Isensse DC, Rucker TC, Bottan ER. Condutas de saúde de universitários ingressantes e concluintes de cursos da área da saúde. Rev Bras Pesq Saude 2016; 18(2):17-25.

7 Faria YO, Gandolfi L, Moura LBA. Prevalência de comportamentos de risco em adulto jovem e universitário. Acta Paul Enferm 2014; 27(6):591-595.

8 Colares V, Gonzalez E, Franca Cd. Condutas de saúde entre universitários: diferenças entre gêneros. Cad Saude Publica 2009; 25(3):521-528.
-99 Franca C, Colares V. Estudo comparativo de condutas de saúde entre universitários no início e no final do curso. Rev Saude Publica 2008; 42(3):420-427.,3131 Pomini MC, Fadel CB. Influência da posição acadêmica sobre condutas de saúde de universitários. Rev ABENO 2018; 18(1):74-83.. Estudo realizado com dados da Coorte de Nascimentos de 1993, encontrou prevalência menor de 1,0% para ambos os sexos1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589.. No mesmo estudo, a prevalência foi menor do que 0,1% para adolescentes britânicos da mesma idade1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589.. Até o momento não foram encontrados estudos questionando universitários sobre perpetração de roubos. Em relação a esta questãoexiste uma vasta literatura demonstrando que, além de diminuir as chances de viés de informação, os questionários auto aplicados produzem dados válidos e úteis sobre perpetração de crimes3333 Jolliffe D, Farrington DP, Hawkins JD, Catalano RF, Hill KG, Kosterman R. Predictive, concurrent, prospective and retrospective validity of self-reported delinquency. Crim. Behav Ment Health 2003; 13(3):179-197..

Aproximadamente 10% dos universitários relataram ter carregado arma de fogo ou faca, para se proteger ou brigar, nos últimos 12 meses. Estudos que usaram a mesma questão em população universitária, com tempo recordatório menor (um mês), realizados em diferentes locais, sendo um em universidade pública de Pernambuco em 200699 Franca C, Colares V. Estudo comparativo de condutas de saúde entre universitários no início e no final do curso. Rev Saude Publica 2008; 42(3):420-427. e o outro em uma instituição de Brasília77 Faria YO, Gandolfi L, Moura LBA. Prevalência de comportamentos de risco em adulto jovem e universitário. Acta Paul Enferm 2014; 27(6):591-595., relataram prevalências de 1,7% e 4,3%, respectivamente. Além disso, estudo realizado na cidade de Pelotas, já citado anteriormente, que usou o mesmo instrumento, apresentou prevalência de 2,2% para mulheres e 10,2 % para homens, para este comportamento violento1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589.. Comparando com uma coorte britânica, as prevalências encontradas para este comportamento foram de 0,8% para mulheres e 3,0% para os homens na cidade de Bristol na Inglaterra1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589..

O estudo possui algumas limitações, como o viés de memória proveniente do tipo de questão, onde o estudante perpetrador de atos violentos poderia sentir medo ou receio de admitir, mesmo que confidencialmente, que realizou um comportamento violento. Essa possibilidade poderia subestimar as prevalências dos desfechos analisados, em conjunto com o viés de “não respondentes”, que resulta da ausência dos estudantes perpetradores de atos violentos e, neste caso, não estariam presentes na sala para participar da pesquisa, considerando queos universitários caracterizados como perdas e recusas foram diferentes dos estudantes respondentes à pesquisa. No entanto, acredita-se que não seja somente os alunos perpetradores de atos violentos os que mais se ausentaram das salas de aula quando estava sendo realizado o estudo. Esse viés reflete ainda mais a relevância deste estudo, visto que as prevalências podem ainda ser maiores do que as encontradas.

Considerando as prevalências de condutas violentas encontradas no presente estudo, de forma mais ampla os resultados podem ser comparáveis com aqueles encontrados no estudo realizado com dados da Coorte de Nascimentos de 1993, na cidade de Pelotas. Além da utilização do mesmo instrumento de pesquisa em ambos, as prevalências das condutas violentas também foram semelhantes, apesar do método de aplicação do questionário ser anônimo no presente estudo e confidencial no estudo de Pelotas1414 Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589.. O critério utilizado para categorização da faixa etária foi baseada na (OMS)15 e permitiu um olhar específico para os estudantes adolescentes que consiste na fase mais propícia para tomada de decisões de risco, além de reações impulsivas2424 Romer D. Adolescent Risk Taking, Impulsivity, and Brain Development: Implications for Prevention. Dev Psychobiol 2010; 52(3):263-276.. Existem diferenças na faixa etária dos indivíduos de ambos os estudos, porém considerando as demais pesquisas realizadas no Brasil, essa discrepância é pequena. Ainda é preciso considerar a presença de não universitários e universitários na amostra do estudo de Pelotas.

A partir dos achados deste estudo será possível identificar os comportamentos de risco como uso prejudicial de álcool e drogas ilícitas, bem como a inatividade física, que consistem em fatores de risco para a saúde modificáveis e que, de acordo com os resultados encontrados, possuem associação com comportamentos violentos. Torna-se importante o papel dos gestores universitários em consonância com o sistema de saúde local para que intervenções possam ser realizadas com objetivo de diminuir a prevalência destes comportamentos, visto que estes quando adotados de maneira precoce podem perdurar para o resto da vida do indivíduo3434 Douglas KA, Collins JL, Warren C, Kann L, Gold R, Clayton S, Ross JG, Kolbe LJ. Results from the 1995 national college health risk behavior survey. J Am Coll Health 1997; 46(2):55-67.. Adicionalmente, práticas educativas dentro do ambiente universitário podem ser implementadas, com o objetivo de conscientizar e capacitar os acadêmicos de forma multidisciplinar, bem como atividades de extensão e disciplinas optativas voltadas para o tema3535 Silva P, Almeida SG, Martins AG, Gamba MA, Alves ECS, Junior RF. Práticas educativas sobre violência contra a mulher na formação de universitários. Rev Bioetica 2016; 24(2):276-285.. Cabe ressaltar que esta pesquisa pretende contribuir com a literatura sobre a temática, considerando que não foram encontrados estudos investigando ocorrência de comportamentos violentos e fatores de risco para saúde em amostra com estudantes universitários.

As associações encontradas entre os comportamentos violentos e as variáveis sociodemográficas, como cor da pele e tipo de moradia, podem indicar que a população universitária possui perfil semelhante a população em geral, quando tratamos de violência interpessoal, o que reforça a importância de políticas de apoio social dentro do ambiente universitário. Além destes comportamentos violentos terem impacto nos anos potenciais de vida perdidos (APVP) em adolescentes e adultos jovens3636 Matos KF, Martins CBG. Mortalidade por causas externas em crianças, adolescentes e jovens: uma revisão bibliográfica. Rev Espaço Saude 2013; 14(2):82-93., o inquérito foi realizado em um período de mudança no contexto político do país, onde a agressividade e o tema sobre maior acesso a armas, principalmente as de fogo, estavam em alta, e neste sentido deve-se considerar que o ambiente universitário reflete as tensões e mudanças contemporâneas que envolvem a sociedade como um todo, resultando em implicações diretas sob a vida do estudante universitário3737 Lima RS, Sinhoretto J, Bueno S. A gestão da vida e da segurança pública no Brasil. Soc Estado 2015; 30(1):123-144..

Referências

  • 1
    Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.
  • 2
    Minayo MCS. Violência social sob a perspectiva da saúde pública. Cad Saude Publica 1994; 10:S7-S18.
  • 3
    Dahlberg LL, Krug EG. Violência: um problema global de saúde pública. Cien Saude Colet 2006; 11:1163-1178.
  • 4
    Reinchenheim ME, de Souza ER, Moraes CL, Jorge MHPM, Silva CMFP, Minayo MCS. Violence and injuries in Brazil: the effect, progress made, and challenges ahead. Lancet 2011; 377(9781):1962-1975.
  • 5
    World Health Organization (WHO). Preventing Youth Violence: an overview of the evidence. Geneva: WHO; 2015.
  • 6
    Campos L, Isensse DC, Rucker TC, Bottan ER. Condutas de saúde de universitários ingressantes e concluintes de cursos da área da saúde. Rev Bras Pesq Saude 2016; 18(2):17-25.
  • 7
    Faria YO, Gandolfi L, Moura LBA. Prevalência de comportamentos de risco em adulto jovem e universitário. Acta Paul Enferm 2014; 27(6):591-595.
  • 8
    Colares V, Gonzalez E, Franca Cd. Condutas de saúde entre universitários: diferenças entre gêneros. Cad Saude Publica 2009; 25(3):521-528.
  • 9
    Franca C, Colares V. Estudo comparativo de condutas de saúde entre universitários no início e no final do curso. Rev Saude Publica 2008; 42(3):420-427.
  • 10
    Centers for Disease Control and Prevention (CDC). United States National College Youth Risk Behavior Survey. Atlanta: CDC; 2017.
  • 11
    Duffy A, Saunders KEA, Malhi GS, Patten S, Cipriani A, McNevin SH, MacDonald E, Geddes J. Mental health care for university students: a way forward?. Lancet Psychiatry 2019; 6(11):1-3.
  • 12
    Turecki G, Brent DA. Suicide and suicidal behaviour. Lancet 2016; 387(10024):1227-1239.
  • 13
    for Health Metrics and Evaluation (IHME). GBD Compare Data Visualization. Seattle: IHME, University of Washington; 2018.
  • 14
    Murray J, Menezes AMB, Hickman M, Maughan B, Gallo EAG, Matijasevich A, Gonçalves H, Anselmi L, Assunção MC, Barros FC, Victora CG. Childhood behaviour problems predict crime and violence in late adolescence: Brazilian and British birth cohort studies. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 2015; 50(1):579-589.
  • 15
    World Health Organization (WHO). Health for the world's adolescents: a second chance in the second decade. Geneva: WHO; 2015.
  • 16
    Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Critério de classificação econômica do Brasil. São Paulo: ABEP; 2014.
  • 17
    Hallal PC, Victora CG. Reliability and validity of the International Physical Activity Questionnaire (IPAQ). MedSci Sports Exerc 2004; 36(3):556.
  • 18
    Lima CT, Freire AC, Silva AP, Teixeira RM, Farrel M, Prince M. Concurrent and constructvalidity of the Audit in urban Brazilian sample. Alcohol Alcohol 2005; 40:584-589.
  • 19
    Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Vigilância em Saúde. Vigitel Brasil 2017: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: MS; 2018.
  • 20
    Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 3(1):1-13.
  • 21
    Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MTA. The Role of Conceptual Frameworks in Epidemiological Analysis: A Hierarquical Approach. Int J Epidemiol 1997; 26(1):224-227.
  • 22
    Malta DA, Souza ER, Silva MMA, Silva CS, Andreazzi MAR, Crespo C, Mascarenhas MDM, Porto DL, Figueroa ALG, Neto OLM, Penna GO. Vivência de violência entre escolares brasileiros: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Cien Saude Colet 2010; 15(2):3053-3063.
  • 23
    Belem IC, Rigoni PAG, Dos Santos VAP, Vieira JLL, Vieira LF. Associação entre comportamentos de risco para a saúde e fatores sociodemográficos em universitários de educação física. Motricidade 2016; 12(1):3-16.
  • 24
    Romer D. Adolescent Risk Taking, Impulsivity, and Brain Development: Implications for Prevention. Dev Psychobiol 2010; 52(3):263-276.
  • 25
    Ribeiro JLP. Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS). Anal Psicol 1999; 17(3):547-558.
  • 26
    Alradaydeh MF, Alorani OS. The relationship between agression and perceived social suppor among university students in Jordan. Int J Humanit Soc Sci 2017; 7(1):200-205.
  • 27
    Kendler KS, Lonn SL, Sundquist J, Sundquist K. The role of marriage in criminal recidivism: a longitudinal and co-relative analysis. Epidem Psych Sci 2017; 26(6):655-663.
  • 28
    Hammerton G, Mahedy L, Murray J, Maughan B, Edwards AC, Kendler KS, Hickman M, Heron J. Effects of excessive alcohol use on antisocial behavior across adolescence and early adulthood. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2017; 56(10):857-865.
  • 29
    Murray J, Hallal PC, Mielke GI, Raine A, Wehrmeister FC, Anselmi L, Barros FC. Low resting heart rate is associated with violence in late adolescence: a prospective birth cohort study in Brazil. Int J Epidemiol 2016; 45(2):491-500.
  • 30
    Portnoy J, Farrington DP. Resting heart rate and antisocial behavior: an updated systematic review and meta-analysis. Agress Behav 2015; 22:33-45.
  • 31
    Pomini MC, Fadel CB. Influência da posição acadêmica sobre condutas de saúde de universitários. Rev ABENO 2018; 18(1):74-83.
  • 32
    Franca C, Colares V. Validação do National College Health Risk Behavior Survey para utilização com universitários brasileiros. Cien Saude Colet 2010; 15(1):1209-1215.
  • 33
    Jolliffe D, Farrington DP, Hawkins JD, Catalano RF, Hill KG, Kosterman R. Predictive, concurrent, prospective and retrospective validity of self-reported delinquency. Crim. Behav Ment Health 2003; 13(3):179-197.
  • 34
    Douglas KA, Collins JL, Warren C, Kann L, Gold R, Clayton S, Ross JG, Kolbe LJ. Results from the 1995 national college health risk behavior survey. J Am Coll Health 1997; 46(2):55-67.
  • 35
    Silva P, Almeida SG, Martins AG, Gamba MA, Alves ECS, Junior RF. Práticas educativas sobre violência contra a mulher na formação de universitários. Rev Bioetica 2016; 24(2):276-285.
  • 36
    Matos KF, Martins CBG. Mortalidade por causas externas em crianças, adolescentes e jovens: uma revisão bibliográfica. Rev Espaço Saude 2013; 14(2):82-93.
  • 37
    Lima RS, Sinhoretto J, Bueno S. A gestão da vida e da segurança pública no Brasil. Soc Estado 2015; 30(1):123-144.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Ago 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2020
  • Aceito
    08 Jun 2020
  • Publicado
    10 Jun 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br