Primary Care Asssement Tool: diferenças regionais a partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Luiz Felipe Pinto Leonardo Arêas Quesada Otavio Pereira D’Avila Lisiane Hauser Marcelo Rodrigues Gonçalves Erno Harzheim Sobre os autores

Resumo

Em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de forma inédita entre os institutos oficiais de estatística em todo o mundo, incluiu um módulo especial sobre avaliação da atenção primária à saúde em seu principal inquérito populacional de base domiciliar, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). O inquérito considerou a versão reduzida do instrumento Primary Care Assessment Tool (PCAT), desenvolvida e disseminada por Starfield e Shi para avaliar a existência e extensão das características de estrutura e processos dos serviços de atenção primária em saúde. Trata-se da maior amostra probabilística com o uso desse instrumento já realizada em um único país do mundo que entrevistou usuários com 18 anos ou mais (n = 9.677). Os resultados dos escores gerais do PCAT do Brasil (5,9 [5,8; 5,9]) apontam grandes contrastes regionais e intraregionais, com a região Sul do país destacando-se com as melhores avaliações dos serviços de atenção primária (escore geral = 6,3 [6,2; 6,5]) e a região norte, por outro lado, com as menores (escore geral = 5,5 [5,3; 5,7]). Foram também observadas diferenças estatisticamente significantes e mais favoráveis entre os moradores de domicílios cadastrados pelas equipes de saúde da família, entre os mais idosos e entre que mais utilizam os serviços de saúde (adultos com morbidades referidas).

Palavras-chave:
Atenção Primária à Saúde; Avaliação em saúde; Inquéritos domiciliares; PCAT; Brasil

Introdução

Na década de 1990, a médica e professora Barbara Starfield, por meio de mais de uma centena de estudos elaborados ou revisados na Universidade Johns Hopkins nos Estados Unidos, sistematizou uma definição de Atenção Primária à Saúde (APS), que passou a ser utilizada internacionalmente11 Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. Starfield Primary Care Course. Presentations, 2020. [cited 2020 Jul 23]. Available from: http://ocw.jhsph.edu/courses/starfieldcourse/presentations.cfm
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e, desde então, foi reconhecida pela Associação Mundial de Médicos de Família22 WONCA. Global Family Doctor. The Barbara Starfield collection, 2020. [cited 2020 Jul 23]. Available from: https://www.globalfamilydoctor.com/InternationalIssues/BarbaraStarfield.aspx
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e pela própria Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, que publicou em acesso aberto as principais conferências realizadas ao longo de sua carreira de pesquisadora11 Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. Starfield Primary Care Course. Presentations, 2020. [cited 2020 Jul 23]. Available from: http://ocw.jhsph.edu/courses/starfieldcourse/presentations.cfm
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Para Starfield33 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002.: a atenção primária é aquele nível de um sistema de serviços de saúde que oferece a entrada para todas as novas necessidades e problemas, contemplando a atenção para todas as condições, exceto as muito incomuns ou raras, e coordenando o cuidado.

A partir dessa definição, a autora conceituou quatro funções ou atributos considerados essenciais para as ações e serviços de atenção primária: (1) acessibilidade e utilização do serviço de saúde como primeiro contato e fonte de cuidado para cada novo problema ou novo episódio de um mesmo problema de saúde, com exceção das emergências e urgências médicas; (2) longitudinalidade: existência de uma fonte continuada de atenção, assim como sua utilização ao longo do tempo; (3) integralidade: estabelecimento de uma carteira de serviços disponíveis de atenção primária, de forma a oferecer atenção integral, tanto de caráter biopsicossocial, como ações de promoção, prevenção, cura e reabilitação; (4) coordenação da atenção: o que pressupõe alguma forma de continuidade de atendimento pelo mesmo profissional, ou por meio de prontuários clínicos, ou de ambos, promovendo a integração dos serviços e do cuidado global do paciente.

Starfield33 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002. acrescenta: A atenção primária aborda os problemas mais comuns na comunidade, oferecendo serviços de prevenção, cura e reabilitação para maximizar a saúde e o bem-estar.

Além dos componentes essenciais, Shi et al.44 Shi L, Starfield B, Xu J. Validating the adult primary care assessment tool. J Fam Pract 2001; 50(2):161-175. propuseram outras três funções, chamadas “derivadas”, que qualificam as ações dos serviços de APS: (1) atenção à saúde centrada na pessoa e na família (orientação familiar), (2) orientação comunitária: reconhecimento por parte do serviço de saúde das necessidades da comunidade através de dados epidemiológicos e do contato direto; sua relação com ela, assim como o planejamento e a avaliação conjunta dos serviços, (3) competência cultural: adaptação do provedor (equipe e profissionais de saúde) às características culturais especiais da população para facilitar a relação e a comunicação com ela. Na visão desses autores, um serviço desenhado para atender às necessidades da população pode ser considerado como provedor de atenção primária quando apresenta os quatro atributos essenciais, aumentando seu poder de interação quando também apresenta os atributos derivados. No momento em que um serviço de saúde é fortemente orientado para o alcance da maior presença destes atributos ele se torna capaz de prover atenção integral. Essa definição da Atenção Primária à Saúde pode ser uma das formas de guiar as estratégias de avaliação e investigação dos serviços na APS. Para medir esses atributos essenciais e derivados, Starfield propôs que se desenhasse um conjunto de perguntas num instrumento intitulado Primary Care Assessment Tool (PCAT).

A identificação rigorosa da presença e extensão desses atributos é fundamental para definir um serviço como orientado para a Atenção Primária à Saúde. Starfield33 Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco, Ministério da Saúde; 2002. afirma que, ao avaliar a APS, é necessário identificar se tais serviços são orientados pelos seus atributos, uma vez que a presença e melhor pontuação deles promovem melhores indicadores de saúde, maior satisfação dos usuários, menores custos e maior equidade, e, consequentemente, provocam impacto sobre o estado de saúde das populações e das pessoas. Tais afirmações vêm sendo corroboradas por outros autores55 Kringos DS, Boerma W, Van der Zee J, Groenewegen P. Europe's strong primary care systems are linked to better population health but also to higher health spending. Health Aff (Millwood) 2013; 32(4):686-694..

O uso do Primary Care Assessment Tool no Brasil e no mundo

Desde que Starfield et al.66 Starfield B, Cassady C, Nanda J, Forrest CB, Berk R. Consumer experiences and provider perceptions of the quality of primary care: implications for managed care. J Fam Pract 1998; 46(3):216-226., Cassady et al.77 Cassady CE, Starfield B, Hurtado MP, Berk RA, Nanda JP, Friedenberg LA. Measuring consumer experiences with primary care. Pediatrics 2000; 105:998-1003. e Shi et al.44 Shi L, Starfield B, Xu J. Validating the adult primary care assessment tool. J Fam Pract 2001; 50(2):161-175. publicaram as suas pesquisas originais apresentando à comunidade científica os instrumentos do Primary Care Assessment Tool (PCAT) para a avaliação das ações e serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) nos Estados Unidos, foram realizados centenas de estudos ao longo dos últimos vinte anos em todos os continentes, com versões validadas e adaptadas à realidade de cada país, sendo a África o último continente a utilizá-lo88 Bresick G, Sayed AR, Le Grange C, Bhagwan S, Manga N. Adaptation and cross-cultural validation of the United States Primary Care Assessment Tool (expanded version) for use in South Africa, 2015. Afr J Prim Health Care Fam Med 2015; 7(1):a783..

Em comum, os pesquisadores pioneiros foram liderados pelos professores Barbara Starfield e Leiyu Shi da Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. A instituição americana passou então a disseminar diversos estudos com o uso dessa ferramenta em seu site institucional11 Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. Starfield Primary Care Course. Presentations, 2020. [cited 2020 Jul 23]. Available from: http://ocw.jhsph.edu/courses/starfieldcourse/presentations.cfm
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, servindo, portanto, como o principal repositório digital para gestores, pesquisadores e estudantes. Desde então, Starfield passou a influenciar e apoiar diversos estudos na América Norte e América Latina99 Harzheim E, Oliveira MMC, Agostinho MR, Hauser L, Stein AT, Gonçalves MR, Trindade TG, Berra S, Duncan BB, Starfield B. Validação do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: PCATool-Brasil adultos. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade 2013; 8(29):274-284.,1010 Berra S, Hauser L, Audisio Y, Mántaras J, Nicora V, Oliveira MMC, Starfield B, Harzheim E. Validity and reliability of the Argentine version of the PCAT-AE for the evaluation of primary health care. Rev Panam Salud Publica 2013; 33(1):30-39. e posteriormente, em menor escala, na Europa. Recentemente, Shi vem desenvolvendo vários estudos com o uso do instrumento, em países da Ásia com pesquisadores locais1111 Yang H, Shi L, Lebrun L, Zhou X, Liu J, Wang H. Development of the Chinese primary care assessment tool: data quality and measurement properties. Int J Qual Health Care 2013; 25(1):92-105.

12 Wang W, Shi L, Yin A, Lai Y, Maitland E, Nicholas S. Development and validation of the tibetan primary care assessment tool. BioMed Res Int 2014, article ID 308739, 7 pages.

13 Wei X, Li H, Yang N, Wong S, Owolabi O, Xu J,Shi L, Tang J, Li D, Griffiths S. Comparing quality of public primary care between Hong Kong and Shanghai using validated patient assessment tools. PLoS ONE 2015; 10(3):e0121269.

14 We X, Li H, Yang N, Wong S, Chong M, Shi L, Wong M, Xu J, Zhang D, Tang J, Li D, Meng Q, Griffithsa S. Changes in the perceived quality of primary care in Shanghai and Shenzhen, China: a difference-in-difference analysis. Bulletin of the World Health Organization 2015; 93(6): 407-416.

15 Hu R, Liao Y, Du Z, Hao Y, Liang H, Shi L. Types of health care facilities and the quality of primary care: a study of characteristics and experiences of Chinese patients in Guangdong Province, China. BMC Health Serv Res 2016; 16(335).
-1616 Feng S, Shi L, Zeng J, Chen W, Ling L. Comparison of primary care experiences in village clinics with different ownership models in guangdong province, China. PLoS ONE 2017; 12(1):e0169241..

No Brasil, uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenada pelo professor Erno Harzheim e com ajuda da professora Barbara Starfield1717 Harzheim E, Starfield B, Rajmil L, Álvarez-Dardet C, Stein AT. Internal consistency and reliability of Primary Care Assessment Tool (PCATool-Brasil) for child health services. Cad Saude Publica 2006; 22(8):1649-1659., validou a versão oficial do instrumento para usuários crianças (de 0 a 12 anos) no ano de 2006, utilizando a mesma escala Likert do instrumento original, a saber: “com certeza sim”, “provavelmente sim”, “provavelmente não” e “com certeza não”. Posteriormente, essa equipe apoiou o Ministério da Saúde na elaboração do Manual de Avaliação da APS utilizando o PCATool1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool pcatool. Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: MS;2010. 80 p.:il. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). [acessado 2020 fev 10]. Disponível: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual _avaliacao_atencao_primaria.pdf ..

Em 2020, a Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) / Ministério da Saúde publicou um manual1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Saúde da Família. Manual do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária à Saúde: PCATool-Brasil - 2020. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Brasília: MS; 2020. 237 p. [acessado 2021 abr 22]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/instrumento_avaliacao_atencao_primaria_saude.pdf com uma versão atualizada do conjunto de instrumentos que compõem a chamada “família PCATool”, com incorporação de versões inéditas e atualização pontualmente da redação de alguns itens. Com isso, as versões reduzidas do questionário, tanto para usuários adultos quanto para crianças, passaram a figurar no elenco de questionários, além das versões “usuário adulto” e “profissional de saúde” para saúde bucal. Para adaptá-los à realidade brasileira, cada versão original foi transformada em ferramenta aplicável por entrevistadores e passou por um processo de tradução, debriefing, adaptação e validação, caracterizado pela aplicação de métodos estatísticos que possibilitam tornar conhecidas as medidas de validade e fidedignidade do instrumento.

A essa institucionalização pelo Ministério da Saúde do Brasil de uma metodologia de avaliação dos serviços de atenção primária à saúde, seguiu-se outra muito importante. Em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com apoio técnico e financeiro da própria Secretaria de Atenção Primária a Saúde do Ministério da Saúde (SAPS/MS), substituiu o antigo módulo da PNS-2013 e incluiu a versão reduzida para usuários adultos do PCATool2020 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional de Saúde: 2019. Atenção primária à saúde e informações antropométricas. Brasil / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Rio de Janeiro: IBGE; 2020. 66p. [acessado 2021 abr 22]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101758.pdf.

O objetivo central desse artigo é comparar os resultados obtidos pelo IBGE na avaliação dos usuários adultos dos serviços de atenção primária à saúde entre as regiões do País no Sistema Único de Saúde (SUS).

Material e Métodos

A PNS 2019 / IBGE é o maior inquérito populacional brasileiro de base domiciliar na área da saúde realizado com plano de amostragem probabilística por conglomerados. Possui multipropósitos e investiga, em seus módulos, diversos domínios da atenção à saúde no país. Do total de 88.531 adultos com 18 anos elegíveis para responder ao Módulo H (específico para APS e que usou a versão reduzida do PCAT), obteve-se um total de 9.677 adultos respondendo ao instrumento de avaliação da APS (PCATool-Brasil) (Figura 1 e Tabela 1). Optamos por apresentar as estimativas juntamente com os respectivos intervalos de 95% de confiança, com um nível de significância de 5%.

Tabela 1
Distribuição da amostra realizada e população-expandida no Módulo H da Pesquisa Nacional de Saúde Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação, Capitais - 2019.

Figura 1
Fluxograma com a amostra realizada de adultos com 18 anos ou mais que responderam ao questionário do PCAT (“Módulo H”) - Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Brasil, 2019.

Critérios de elegibilidade para o PCAT na PNS-2019

Na PNS-2019, as perguntas iniciais “H1”, “H2”, “H4” contém os critérios de elegibilidade para início das respostas ao instrumento propriamente dito. São elas: H1. Quando foi a última vez que o(a) Sr(a) consultou com um(a) médico(a)? (seguem apenas aqueles que tiveram consulta há menos de seis meses); H2. Essa consulta foi o seu primeiro atendimento com esse(a) médico? (seguem respondendo apenas aqueles que disserem “não”); H4. Onde procurou o atendimento médico por este motivo? (seguem respondendo apenas aqueles que disserem unidade básica de saúde (posto ou centro de saúde ou unidade de saúde da família”

Dessa forma, assegura-se que só irão responder e avaliar os serviços aquelas pessoas que, de certa forma, possuem algum vínculo com uma unidade de atenção primária à saúde no SUS, isto é, pessoas que consultaram mais de uma vez o mesmo médico nos seis meses anteriores à data da entrevista. A opção feita no inquérito do IBGE foi de considerar na sequência das questões de elegibilidade, apenas as pessoas que acessaram os serviços de atenção primária no SUS. Contudo, sabe-se que ao longo da última década, também a saúde suplementar no Brasil vem tentando implementar modelos de atenção à saúde com base nos atributos da APS e considerando, no processo de trabalho, equipes multiprofissionais para o cuidado em saúde.

O que mede o escore geral do PCAT?

O Módulo H da PNS-2019 contempla o instrumento de avaliação da atenção primária à saúde para usuários adultos em versão reduzida, adaptado a partir das versões publicadas pelo Ministério da Saúde1818 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção em Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: primary care assessment tool pcatool. Secretaria de Atenção em Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília: MS;2010. 80 p.:il. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). [acessado 2020 fev 10]. Disponível: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual _avaliacao_atencao_primaria.pdf .,1919 Brasil. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Saúde da Família. Manual do Instrumento de Avaliação da Atenção Primária à Saúde: PCATool-Brasil - 2020. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Brasília: MS; 2020. 237 p. [acessado 2021 abr 22]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/instrumento_avaliacao_atencao_primaria_saude.pdf. Nele, as respostas de cada pergunta à escala de Likert (valores de 1 a 4) são transformadas em uma nota (escore) de 0 a 10. Este escore indica a maior ou menor presença e extensão dos atributos no serviço em avaliação, podendo ser classificado em “alto” quando maior ou igual a 6,6 e “baixo” se menor que 6,6. Isto é, o padrão mínimo desejável para cada atributo (na versão completa do instrumento) ou para o conjunto de atributos (na versão reduzida do questionário) deve ser igual ou superior a uma nota de 6,6. Destaca-se que, conforme a metodologia na versão reduzida, é permitido exclusivamente o cálculo do escore geral do PCAT.

Plano de análise

Nesse artigo foi selecionado um conjunto de variáveis disponível na PNS 2019 que permite regional e local quanto ao escore geral do PCAT (nota de 0 a 10), segundo: (1) sexo, (2) faixa etária, (3) raça/cor, (4) faixas de rendimento domiciliar per capita, (5) estado conjugal, (6) comorbidades selecionadas (hipertensão arterial, diabetes, doença do coração, asma, depressão, doença crônica no pulmão). Também é possível cotejar os escores gerais, estratificando os domicílios cadastrados x não cadastrados pelas Equipes de Saúde da Família; e aqueles que receberam x não receberam visitas domiciliares pelos agentes comunitários de saúde (ACS) ou pelos agentes de combate a endemias (ACE) nos últimos 12 meses.

Resultados

Optou-se por dividir a apresentação dos resultados em duas partes. Na primeira, traça-se o perfil da população adulta elegível que respondeu ao Módulo H da PNS-2019. Na segunda parte são analisados os resultados dos escores gerais obtidos pela metodologia do PCAT.

Perfil dos adultos que utilizam regularmente os serviços de atenção primária no SUS

O estudo contou com uma amostra de 9.677 participantes que representam uma população expandida de 17.260.556 adultos. Todas as capitais foram incluídas e a amostra final é representativa para todas as regiões do país. Desse total de adultos que acessaram os serviços com regularidade, 41,1% o fizeram na Região Sudeste; 28,2% no Nordeste; 17,7% no Sul; 6,8% no Norte; e 6,1% no Centro-Oeste. As mulheres representaram cerca de 70%, e a distribuição etária entre três grupos, sugere homogeneidade: 18 a 39 anos (32,6%), 40 a 59 anos (35,8%) e 60 anos ou mais (31,6%). Contudo, observaram-se diferenças etárias entre as regiões, sendo o Norte com maior participação de pessoas com 18 a 39 anos (46,5%) e, o Sul e o Sudeste com mais idosos (35,9% e 35,4%, respectivamente).

No que tange à autodeclaração de cor ou raça, 60,9% das pessoas afirmaram ser pardas ou pretas e 38,0% referiram ser brancas. Para pessoas autodeclaradas com cor ou raça parda/preta, 85,9% moravam na Região Norte, 79,7% na Região Nordeste, 56,3% na Região Sudeste, 29,7% na Região Sul e 67,9% na Região Centro-Oeste. Essa foi a variável do perfil sociodemográfico com diferenças mais evidentes entre as regiões do País.

O pagamento de um plano de saúde nessa subpopulação de pessoas que responderam ao Módulo H é bem inferior ao observado na população-residente em geral, isto é, apenas 5,6% declararam ter um plano privado de assistência à saúde, enquanto no segundo caso, 28,5%.

Do ponto de vista do mercado de trabalho entre as pessoas que acessam com regularidade os serviços de APS, 46,2% são pessoas ocupadas, isto é, pessoas que na semana de referência da coleta de dados na PNS 2019 trabalharam pelo menos uma hora em atividade remunerada, ainda que temporariamente afastadas nessa semana. Quanto à faixa de rendimento domiciliar per capita, as estimativas informam a grande dependência dos adultos com menores rendimentos no uso da APS no Brasil, isto é, 64,7% recebem até um salário-mínimo, 32,3% mais de um até três salários, e apenas 3,0% recebem mais de três salários-mínimos. Quanto ao perfil de morbidade, 39,2% referiram já ter tido diagnóstico médico de hipertensão arterial sistêmica, 15,9% de diabetes mellitus, 15,3% de depressão, 7,8% doença do coração e 5,9% asma (Tabela 2).

Tabela 2
Perfil sociodemográfico, aspectos do mercado de trabalho e escore geral do PCAT para adultos de 18 anos ou mais de idade que utilizaram algum serviço da atenção primária à saúde nos últimos seis meses antes da data da entrevista - Brasil, 2019 (N = 17.260.557).

Escores gerais do PCAT estimados

O resultado do escore geral do PCAT no Brasil foi 5,9 [5,8; 5,9]. Na perspectiva regional e intraregional os resultados apontam importantes contrastes. A região Sul do país se destaca como a que apresenta melhores avaliações dos serviços de atenção primária (escore geral = 6,3 [6,2; 6,5]) e a região norte, no outro lado com as piores (escore geral = 5,5 [5,3; 5,7] ) (Figura 2).

Figura 2
Escores gerais do PCAT - Brasil, 2019.

Quando são cotejadas as variáveis sociodemográficas, econômicas e de morbidade referida, o retrato traçado pela PNS-2019 para o escore geral do PCAT aponta semelhanças e diferenças. Não há diferença estatisticamente significante entre os escores de homens (5,9) e mulheres (5,8); adultos de cor branca (5,9) ou parda/preta (5,9), ter/não ter cônjuge (5,9); ter/não ter plano de saúde (5,9); ocupado no mercado de trabalho (5,8)/não ocupado (5,9).

Para a faixa etária, quanto maior a idade da pessoa, melhor foi a avaliação dos serviços de APS, isto é, para o grupo entre 18 a 39 anos, o escore foi de 5,6; para 40 a 59 anos (5,9) e para os idosos com 60 anos ou mais (6,1). Para o rendimento domiciliar per capita, a faixa intermediária (mais de um salário-mínimo a três salários-mínimos) apresentou estimativa superior (6,0), quando comparadas as demais (5,8) (Tabela 3). E, por fim, quanto à morbidade referida, as pessoas com diagnóstico médico de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, depressão, doença do coração avaliaram de forma mais positiva os serviços do que as que apresentaram ausência dessas morbidades (Figura 2).

Tabela 3
Distribuição da população elegível de adultos de 18 anos ou mais de idade que utilizaram algum serviço da atenção primária à saúde nos últimos seis meses antes da data da entrevista, escores gerais do PCAT segundo características selecionadas - Brasil e Grandes Regiões, 2019.

Ao observar escores gerais do PCAT, estratificando os domicílios cadastrados x não cadastrados pelas Equipes de Saúde da Família, os primeiros foram melhores avaliados. E, ainda, os resultados apontam diferenças estatisticamente significantes entre aqueles que são acompanhados pelas Equipes de Saúde da Família e receberam visita domiciliar de um ACS ou membro da equipe (6,1 [6,0 - 6,2]) e aqueles que não receberam a visita (5,7 [5,5 - 5,8]). Comportamento semelhante ocorre quando se cotejam os que agentes de controle de endemias visitaram em seus domicílios: os escores também foram superiores (6,0 [5,9 - 6,1]), quando se observam os que não foram visitados (5,6 [5,4 - 5,7]) (Figura 3).

Figura 3
Escores gerais do PCAT segundo condição da ocupação, cadastramento na Estratégia de Saúde da Família, frequência com que recebeu a visita domiciliar - Brasil, Unidades da Federação, 2019.

Por fim, a PNS-2019 também permite comparar entre as unidades da federação, o percentual de domicílios brasileiros cadastrados pelas eSF com o desempenho obtido no escore geral do PCAT. Questiona-se se maior cobertura populacional de atenção primária pelas eSF (variável independente), pode também conduzir a um maior escore geral (variável dependente). Os resultados trazem evidências da existência de dois grupos de UF distintos, separados pela reta de regressão em que se considerou como “fixa” a cobertura domiciliar populacional de eSF (Figura 4). Três estados se destacam fora dessa tendência, com escores totais acima de 6,3: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso.

Figura 4
Relação entre a proporção de domicílios cadastrados pelas Equipes de Saúde da Família (eSF) e o escore geral do PCAT Brasil - Unidades da Federação, 2019.

Discussão

Que seja do conhecimento dos autores, o IBGE é, dentre os institutos oficiais de estatística em todo o mundo, o que realizou a maior avaliação da história do uso do PCAT, com base em amostras aleatórias por conglomerados de base domiciliar em todas as unidades da federação do país. Inaugurou com isso, o que se pode considerar como “estudos de linha de base” para avaliação dos serviços de APS na perspectiva dos usuários adultos com metodologia científica robusta e comparável internacionalmente.

Chama-nos atenção tanto os valores absolutos dos escores obtidos em cada estado, assim como no Brasil como um todo. Além de haver diferenças regionais importantes, há claramente uma insuficiência de escores, demonstrando a necessidade de qualificar melhor a APS brasileira no SUS. O fato de as equipes de Saúde da Família apresentarem escores superiores às Unidades Básicas de Saúde tradicionais mostra o acerto brasileiro em apostar na ESF como forma de qualificação da APS. Entretanto, o momento sanitário, a introdução de novas tecnologias de informação e cuidado, assim como as mudanças de financiamento da APS brasileira levadas a cabo em 20192121 Harzheim E, D'Avila OP Ribeiro DC, Ramos LG, Silva LE, Santos CMJ, Costa LGM, Cunha CRH, Pedebos LA. Novo financiamento para uma nova Atenção Primária à Saúde no Brasil. Cien Saude Colet 2020; 25(4): 1361-1374. exigem que maior ênfase em acesso, qualidade e valor em saúde2222 Porter ME. What is value in health care? Perspective. The New England J Med 2010; 363:26. sejam tomadas pelos três níveis de gestão, a fim de oferecer à parte mais vulnerável da população brasileira serviços com maior presença dos atributos da APS. Os dados apresentados demonstram que a APS no SUS cumpriu seu papel de incluir os mais vulneráveis no sistema de saúde, mas ainda necessita desenvolver mais fortemente os atributos e características que a fortaleçam para que cumpra seu objetivo de melhorar a saúde e a qualidade de vida da população.

O PCAT é um instrumento a serviço da APS utilizado em várias localidades de vários países, com propriedades psicométricas avaliadas. Isso confere ao PCAT uma vantajosa característica de comparabilidade internacional2323 D'Avila OP, Pinto LFS, Hauser L, Gonçalves MR, Harzheim E. O uso do Primary Care Assessment Tool (PCAT): uma revisão integrativa e proposta de atualização. Cien Saude Colet 2017; 22(3):855-865.

Não existem estudos com tamanha abrangência publicados na literatura científica consultada pelos autores até o momento, que possam subsidiar comparações ou análises temporais. Na região da Catalunha na Espanha foi proposto um estudo de base populacional com metodologia estatística semelhante em uma versão chamada de “supercurta” do instrumento, intitulada “PCAT-A10”2424 Rocha KB, Rodríguez-Sanz M, Berra S, Borrell C, Pasarín MI. Evaluación de la atención primaria, versión modificada del instrumento PCAT-A10. Atención Primaria 2021; 53(1):3-11. para pessoas maiores de 14 anos.

Na perspectiva do uso do instrumento para monitoramento dos serviços de APS, o PCAT vem sendo utilizado por um grupo de pesquisadores canadenses da Universidade de Alberta que publicou um estudo de painéis repetidos acompanhando adultos nos mesmos serviços de saúde ao longo de 10 anos na cidade de Alberta2525 Moe GC, Moe JES, Bailey AL. Evaluating the implementation of collaborative teams in community family practice using the Primary Care Assessment Tool. Can Fam Physician 2019; 65(12):e515-e522..

O Brasil foi um dos primeiros países a adaptar e avaliar as propriedades psicométricas do PCAT no mundo, logo após dos EUA (país de origem do instrumento) e Canadá. Os estudos brasileiros, que utilizaram o PCAT, apontam para alta heterogeneidade dos serviços, um escore geral com amplitude de valores: 3,66 em Ilhéus a 7,01 no Rio de Janeiro. O mesmo pode ser observado quanto aos escores essenciais, valores de alta amplitude que variaram entre 3,86, na cidade de Ilhéus, na Bahia, a 7,37 no município do Rio de Janeiro2323 D'Avila OP, Pinto LFS, Hauser L, Gonçalves MR, Harzheim E. O uso do Primary Care Assessment Tool (PCAT): uma revisão integrativa e proposta de atualização. Cien Saude Colet 2017; 22(3):855-865. Dentre as capitais brasileiras estudos anteriores que utilizaram PCATool no Brasil encontraram resultados próximos aos apresentados na PNS 2019: Belo Horizonte 2014 (Escore essencial: 5,88, escore geral: 5,94); Curitiba 2013 (Escore essencial: 5,75, escore geral: 5,12); Rio de Janeiro 2015 (Escore essencial: 5,93, escore geral: 5,73); Porto Alegre 2013 (Escore essencial: 5,41, escore geral: 5,22), Florianópolis 2012 (Escore essencial: 6,6, escore geral: 6,4)99 Harzheim E, Oliveira MMC, Agostinho MR, Hauser L, Stein AT, Gonçalves MR, Trindade TG, Berra S, Duncan BB, Starfield B. Validação do instrumento de avaliação da atenção primária à saúde: PCATool-Brasil adultos. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade 2013; 8(29):274-284.,2626 Silva AS. Avaliação dos atributos da atenção primária à saúde na estratégia saúde da família em municípios do sul de Minas Gerais [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2014.

27 Pieri FM. A atenção aos doentes de hanseníase no sistema de saúde de Londrina, PR [tese]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2013.

28 Harzheim E, Hauser L, Pinto LF. Avaliação do grau de orientação para Atenção Primária em Saúde: a experiência dos usuários das Clínicas da Família e Centros Municipais de Saúde na cidade do Rio de Janeiro. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2015. (Relatório Final da Pesquisa PCATool - Rio-2014).
-2929 Carvalho VCHS, Rossato SL, Fuchs FD, Harzheim E, Fuchs SC. Assessment of primary health care received by the elderly and health related quality of life: a cross-sectional study. BMC Public Health 2013; 13:605..

O resultado do escore geral do PCAT no Brasil (5,8; 5,9), foi menor do que o encontrado em estudos internacionais como em Montevidéu (7,51/6,93), Seul e região metropolitana (7,63/7,45), Departamento de Santander na Colômbia (7,84/6,99), Shigats e Linzi no Tibete (7,36/7,41), Columbia nos EUA (6,99/6,63) e África do Sul 6,6288 Bresick G, Sayed AR, Le Grange C, Bhagwan S, Manga N. Adaptation and cross-cultural validation of the United States Primary Care Assessment Tool (expanded version) for use in South Africa, 2015. Afr J Prim Health Care Fam Med 2015; 7(1):a783.,1212 Wang W, Shi L, Yin A, Lai Y, Maitland E, Nicholas S. Development and validation of the tibetan primary care assessment tool. BioMed Res Int 2014, article ID 308739, 7 pages.,3030 Berterretche R, Sollazzo A. El abordaje de la Atención Primária de Salud, modelos organizativos y prácticas: caso de un centro de salud público urbano de Montevideo, Uruguay 2011. Saude Debate 2012; 36(94):461-472.-3131 Rodríguez-Villamizar LA, Acosta-Ramírez N, Ruiz-Rodríguez M. Evaluación del desempeño de servicios de Atención Primaria en Salud: experiencia en municipios rurales en Santander, Colombia. Rev Salud Publica 2013; 15(2):167-179..

Um aspecto que se destaca em nossos resultados é o escore geral do PCAT abaixo dos padrões considerados de excelência (ponto de corte: ≥ 6,6) em todas as regiões do país. Isto reflete a heterogeneidade dos serviços de APS, principalmente a ESF, que apesar de terem impulsionado uma melhora em diversos indicadores ao longo das últimas décadas, com contribuição inegável na área de saúde materno-infantil, ainda necessita avançar na qualidade do cuidado das doenças crônicas, visto a rápida transição demográfica pela qual temos passado. Para alcançarmos tais resultados é fundamental que haja mudanças no formato de financiamento das equipes de APS/ESF, protagonismo maior da telessaúde na coordenação do cuidado e acesso das pessoas aos serviços, assim como indicadores claros e mensuráveis, com avaliação periódica de gestores nos três níveis da federação3232 Tasca R, Massuda A, Carvalho WM, Buchweitz C, Harzheim E. Recomendações para o fortalecimento da atenção primária à saúde no Brasil. Rev Panam Salud Publica 2020; 44:e4..

Limitações do Estudo

Se considerarmos a tríade clássica da avaliação em saúde (“avaliação de estrutura-processos-resultados”), o PCAT mede atributos nas dimensões de estrutura e processo. Todavia, é possível utilizar essa tríade, em uma perspectiva quantitativa comparada. A identificação empírica dos atributos da APS permite verificar a associação entre estes e indicadores de resultados - a efetividade - da atenção sobre a saúde da população. Paralelamente ao aumento da cobertura dos serviços de atenção primária no Brasil, através da Estratégia Saúde da Família (ESF), evidencia-se, nacional e internacionalmente, crescente associação entre melhores desfechos de saúde e maior presença e extensão desses atributos.

Uma das limitações da PNS 2019 refere-se ao tamanho das amostras para as estimativas das capitais do País. Em se tratamento do módulo H, uma adaptação possível seria ampliar o tempo de referência de uma das perguntas de elegibilidade, passando a arguir o morador sobre “consulta médica nos últimos 12 meses”, ao invés dos últimos seis meses.

Recomendações

Os autores do presente artigo sugerem recomendações para a Pesquisa Nacional de Saúde. A primeira é quanto ao tamanho do questionário da PNS. A escolha das questões que compõem um instrumento de pesquisa é fruto de intenso debate entre o IBGE e pesquisadores da área da saúde pública. Essa troca entre gestores e acadêmicos gera um questionário possível e viável para ser aplicado em base domiciliar. Contudo, com o passar das décadas, desde o primeiro suplemento especial da saúde na então PNAD 1998, observa-se que chegou o momento de uma revisão geral da PNS, retirando-se questões que produzem estimativas com elevados coeficientes de variação e que, portanto, só podem ser divulgadas para o total do país. Isso pode abrir espaço para complementar a mensuração e avaliação da atenção primária à saúde no Brasil, que como se observou, tem papel estruturante na saúde pública de cada país e ainda mais, em tempos de pandemia. Deve-se lembrar que é nesse nível de atenção à saúde que são desenvolvidas as ações de imunização nos sistemas de saúde universais. Com isso, propõe-se que um dos fatores que restringe os resultados da PNS 2019 para a APS possa ser solucionado. Ele se refere ao uso da versão reduzida do PCAT que permite apenas o cálculo do escore geral do instrumento, isto é, seguindo-se a metodologia preconizada, não é possível obter os escores específicos de cada um dos atributos essenciais e derivados preconizados por Starfield e Shi (fundamentais para se ter uma linha de base da APS brasileira). Pensando no papel de maior avaliador externo das políticas públicas de saúde do Brasil, o IBGE poderia, portanto, incorporar na próxima edição da PNS, a versão completa de usuário adulto do PCAT no Módulo H, passando a chamá-lo de “Atributos da Atenção Primária à Saúde”.

A segunda recomendação é a ampliação do escopo do Módulo H, passando a considerar os “consultórios particulares, clínicas privadas ou ambulatórios de hospitais privados” como uma das possibilidades de resposta nesse Módulo. Afinal, pouco a pouco, também a saúde suplementar começou, na última década, a implementar modelos de atenção à saúde com base nas premissas da medicina de família e comunidade, do trabalho em equipes multiprofissionais, do desenvolvimento de visitas domiciliares e da estratégia de gestão de listas de pacientes por território.

E por fim, uma última recomendação é que o Ministério da Saúde crie um programa de trabalho permanente junto ao IBGE a fim de garantir perenidade no financiamento da PNS e de outros inquéritos de base domiciliar de interesse da saúde, ainda que a coleta de dados possa ser realizada de forma remota, tal como a PNAD COVID-19.

Ressalta-se a necessidade urgente de se ter anualmente, as estimativas populacionais municipais por sexo e faixa etária para que as ações de vigilância em saúde possam considerar os denominadores adequados no cálculo de seus indicadores epidemiológicos. Recentemente, o IBGE em parceria com o Ministério da Saúde desenvolveu uma iniciativa nesse sentido3333 Brasil. Ministério da Saúde (MS). População-residente: estudo de estimativas populacionais por município, idade e sexo 2000-2020. Brasília: SVS/ Ministério da Saúde; 2020. [acessado 2021 abr 22]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?popsvs/cnv/popbr.def.

Considerações finais

Em 2019, o Ministério da Saúde fortaleceu a APS e resgatou o papel institucional do IBGE, desenvolvendo cooperação técnica específica para estabelecer uma linha de base para a avaliação dos serviços de atenção primária à saúde, com metodologia sólida, validada internacionalmente e que, permite a comparação com rigor estatístico das realidades locais do Brasil, no desenvolvimento da principal política pública do SUS.

Deixando de lado um PMAQ que em sua vertente de pesquisa com abordagem quantitativa - na avaliação dos usuários - não possuía representatividade estatística por ter considerado amostras de voluntários respondentes (“amostra de colaboradores”), o Ministério da Saúde inovou em meados de 2019, ao percorrer o caminho mais difícil, de pactuação com o IBGE, e adaptou um dos módulos da PNS, trazendo a APS como um de seus Módulos, a partir de instrumento que, em 2010, o Ministério da Saúde recomendava para avaliação dos serviços de APS.

Por um lado foi um caminho mais árduo trilhado, por outro, nos trouxe o padrão-ouro estatístico para inquéritos de base populacional que tenham por objetivo traçar uma linha de base nacional, regional e estadual para uma das facetas da avaliação em saúde, que é a perspectiva dos usuários. O uso dos métodos e técnicas de amostragem probabilísticas são recomendados pelos institutos de estatística em todo o mundo, dentre outros motivos, por permitir estimar os erros de amostragem presentes em qualquer estudo dessa natureza, e pela força que possuem em sua validade externa (no sentido estatístico) que é a capacidade de generalizar os resultados amostrais para a população em estudo.

Os resultados demonstraram que os governos brasileiros ao longo das últimas décadas acertaram ao manter e aperfeiçoar o modelo de atenção primária à saúde, baseado na Estratégia de Saúde da Família e que a capilaridade de suas ações e intervenções alcançaram e são reconhecidas em todos os cantos do Brasil pelas pessoas cadastradas e acompanhadas nessa estratégia e pelas pessoas com diversas morbidades crônicas, que mais utilizam os serviços do SUS. O resgate do IBGE como maior avaliador externo das ações de saúde do Brasil permitiu a construção de uma linha de base para avaliação dos usuários dos serviços de APS em cada unidade da federação, com rigor e representatividade estatística.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Set 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 2021
  • Aceito
    06 Maio 2021
  • Publicado
    08 Maio 2021
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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