Aumento da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo: uma análise de tendência

Increase in physical violence against women perpetrated by the intimate partner: a trend analysis

Márcia Moroskoski Franciele Aline Machado de Brito Rosimara Oliveira Queiroz Ieda Harumi Higarashi Rosana Rosseto de Oliveira Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a tendência temporal da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo no Paraná. Trata-se de um estudo de séries temporais (2009 a 2016) dos registros de violência física contra a mulher por parceiro íntimo no Paraná. Os dados foram obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação-SINAN. Foram calculadas taxas de violência física contra a mulher por parceiro íntimo, segundo características sociodemográficas e meio de agressão. Para a análise de tendência, utilizou-se a regressão polinomial. As notificações aumentaram de 11,1 casos/100.000 mulheres em 2009 para 91,2 em 2016, com aumento anual médio de 14,84. Houve elevação nas taxas de violência física contra a mulher em todas as macrorregionais de saúde, destacando-se a Oeste, com a maior taxa média, e a Norte, com maior crescimento anual médio. O cônjuge foi o principal agressor. Entretanto, registrou-se crescimento das agressões por ex-cônjuges e namorados(as). Também houve aumento de notificações entre mulheres de 20-29 e 50-59 anos, com oito anos ou mais de estudo, e raça/cor preta/parda, amarela e indígena. Os resultados mostram aumento das notificações de violência física contra a mulher por parceiro íntimo, com mudanças no perfil sociodemográfico das vítimas.

Key words:
Intimate partner violence; Violence against women; Gender violence

Abstract

The scope of this article is to analyze the temporal trend by conducting a time series study of physical violence against women by an intimate partner in the State of Paraná between 2009 and 2016. Records of violence were obtained from the Notifiable Diseases and Violent Events Information System-SINAN. Levels of physical violence against women were calculated according to sociodemographic characteristics and means of aggression. For the trend analysis, polynomial regression was used. The notifications increased from 11.1 cases/100,000 women in 2009 to 91.2 in 2016, with an average annual increase of 14.84. There was an increase in rates of physical violence against women in all the Health Macroregional units, especially in the West with the highest average rate and in the North with the highest average annual increase. The spouse was the main aggressor. However, there was an increase in aggression by ex-spouses and boyfriends. There was also an increase in notifications among women aged 20-29 and 50-59 years, with eight years or more of study, and black/brown, yellow and indigenous race/color. The results reveal an increase in notifications of physical violence against women by an intimate partner, with changes in the sociodemographic profile of the victims.

Key words:
Intimate partner violence; Violence against women; Gender violence

Introdução

A violência física contra a mulher é um sério problema de saúde pública, sendo considerada uma das principais formas de violação dos direitos humanos, interferindo no direito à vida, à saúde e à integridade física11 Brasil. Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres; 2011. [acessado 2019 Abr 22]. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres. O termo violência por parceiro íntimo (VPI) é utilizado para definir qualquer ato de violência na unidade doméstica ou em relação íntima de afeto, independentemente de coabitação22 Moreira AM, Ceccarelli PR. Há múltiplas faces na violência por parceiro íntimo. Rev Med Minas Gerais 2016; 26(Supl. 8):351-354..

Estimativas publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que a violência física contra a mulher é uma realidade mundial, e o percentual de mulheres que sofrem violência física por seus parceiros varia de 13% no Japão a 61% em algumas regiões do Peru33 Organização Mundial de Saúde (OMS). Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. Washington: OMS; 2012.. Além disso, 38% dos assassinatos de mulheres são cometidos por um parceiro íntimo44 Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Folha informativa - violência contra as mulheres; 2017. [acessado 2019 Abr 22]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5669:folha-informativa-violencia-contra-as-mulheres&Itemid=820
https://www.paho.org/bra/index.php?optio...
. Nos Estados Unidos, uma a cada quatro mulheres relata ter sofrido violência física por seu parceiro55 Websdale N, Ferraro K, Barger SD. The domestic violence fatality review clearinghouse: introduction to a new National Data System with a focus on firearms. Inj Epidemiol 2019; 6(1):1-8.,66 Violence Police Center. When men murder women: an analysis of 2016 homicide data. Washington: Violence Police Center; 2018., enquanto em Gana esse número sobe para 28%77 Tenkorang EY, Owusu AY. A life course understanding of domestic and intimate partner violence in Ghana. Child Abuse Negl 2018; 79:384-394..

No Brasil, 1,6 milhão de mulheres sofreram espancamento ou tentativa de estrangulamento em 2018, o que representa três agressões por minuto. Outro dado extremamente preocupante revela que 76,4% das mulheres indicaram que o agressor era um conhecido88 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. São Paulo; 2018..

Estudos apontam que entre os fatores associados à violência física contra a mulher por parceiro íntimo estão a menor escolaridade e renda, pertencer a minorias étnicas e exposição à violência durante a infância99 Aizpurua E, Copp J, Ricarte JJ, Vázquez D. Controlling behaviors and intimate partner violence among women in Spain: an examination of individual, partner, and relationship risk factors for physical and psychological abuse. J Interpers Violence 2017; 36(1-2):231-254.. Em contrapartida, a inserção de mulheres no mercado de trabalho e na comunidade, bem como o apoio social e de redes, agem como fatores de proteção para esse tipo de violência1010 Gerino E, Caldarera AM, Curti L, Brustia P, Rollé L. Intimate partner violence in the golden age: systematic review of risk and protective factors. Front Psychol 2018; 9:1595..

Considerando a necessidade de vigilância dos casos de violência contra a mulher e visando reprimir esse tipo de crime, várias legislações foram criadas no Brasil1111 Brasil. Lei no 10.778, de 24 de novembro de 2003. Estabelece a notificação compulsória, no território nacional, do caso de violência contra a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados; 2003. [acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.778.htm

12 Brasil. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências; 2006. [acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...

13 Brasil. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos; 2015. [acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
-1414 Brasil. Lei nº 13.827, de 13 de maio de 2019. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, a` mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça; 2019. [acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13827.htm. No entanto, mesmo com todos esses avanços, estudos apontam para o aumento dos casos de violência contra a mulher1515 Nishida FS, Castro VC. Violência contra a mulher no Paraná: aspectos epidemiológicos. Enciclopédia Biosfera 2016; 13(24):1517.. Desse modo, a vigilância das taxas e a identificação do perfil das mulheres em situação de violência por seus parceiros, bem como o reconhecimento de quem são seus principais agressores, é de suma importância, visto que esses dados podem subsidiar a elaboração e implementação de políticas públicas para o controle do agravo. Nesse sentido, este estudo teve por objetivo analisar a tendência temporal da violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo no Estado do Paraná de 2009 a 2016.

Métodos

Trata-se de um estudo ecológico, de séries temporais, em que foram analisados os registros relacionados à violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo no estado do Paraná, referentes ao período de 2009 a 2016. Localizado na região Sul do Brasil, o Paraná é constituído por 399 municípios, agrupados em quatro macrorregionais de saúde (Leste, Oeste, Noroeste e Norte).

Nesse cenário, a população do estudo foi constituída a partir dos casos notificados de violência física contra a mulher, com idade de 20 a 59 anos, perpetrada pelo parceiro íntimo, e residentes nas quatro macrorregionais de saúde do estado, durante os oito anos pesquisados. Os registros de violência física contra a mulher foram obtidos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) e os dados das estimativas populacionais foram retirados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ambos disponíveis on-line no site do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).

Foram calculadas as taxas de violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo pela razão entre o número de casos em mulheres de 20 a 59 anos e o total de mulheres dessa mesma faixa etária na mesma região e período, multiplicado por 100.000.

As variáveis sociodemográficas analisadas foram: idade (20 a 29 anos, 30 a 39 anos, 40 a 49 anos e 50 a 59 anos), escolaridade (< 8 anos de estudo e ≥ 8 anos de estudo), raça/cor (branca, preta/parda, amarela e indígena) e meio de agressão (força corporal/espancamento, objeto perfurocortante, enforcamento, objeto contundente, arma de fogo e outros).

Para verificar a variação percentual e a distribuição da violência, optou-se por agrupar o período de estudo em dois quadriênios (2009 a 2012 e 2013 a 2016). Para quantificar a variação percentual do agressor e dos dados sociodemográficos, realizou-se a razão da subtração entre os percentuais de 2013 a 2016 e 2009 a 2012 pelos percentuais de 2009 a 2012, multiplicado por 100.

Para a análise de tendência, utilizou-se o modelo de regressão polinomial, em que as taxas de violência física contra mulheres perpetradas pelo parceiro íntimo foram consideradas como variáveis dependentes (y) e os anos de estudo como variável independente (x). A variável ano foi transformada na variável ano-centralizada (x-2012) e as séries foram suavizadas por meio de média móvel de três pontos. Foram testados os modelos de regressão polinomial linear (y = β0 + β1x1), quadrático (y = β0 + β1x1 + β2x2), e cúbico (y = β0 + β1x1 + β2x2 + β3x3). Considerou-se tendência significativa aquela cujo modelo estimado obteve p valor < 0,05. Para a escolha do melhor modelo foi considerada ainda a análise do diagrama de dispersão, do valor do coeficiente de determinação (r2) e a análise dos resíduos (suposição de homocedasticidade verdadeira). Quando todos os critérios eram significativos para mais de um modelo e o coeficiente de determinação era semelhante, optou-se pelo modelo mais simples. As análises foram realizadas por meio do software SPSS, versão 20.1.

Por se tratar de uma pesquisa com dados secundários, foi solicitada a dispensa de análise junto ao Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (COPEP/UEM), obtendo-se a aprovação.

Resultados

Foram notificados 14.793 casos de violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo no Paraná no período de 2009 a 2016. A taxa estadual de notificação de violência física na população feminina de 20 a 59 anos passou de 11,1 casos por 100 mil mulheres em 2009 para 91,2 em 2016. Destaca-se a macrorregional Oeste, com taxa de 105,4 notificações por 100 mil mulheres em 2016 (Gráfico 1).

Gráfico 1
Taxas de violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo, segundo macrorregionais de saúde. Paraná, Brasil, 2009 a 2016.

A análise de regressão polinomial evidenciou tendência crescente nas taxas de violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo em todas as macrorregionais de saúde e no estado do Paraná. A maior taxa média foi registrada na macrorregional Oeste (68,43/100 mil mulheres), e a menor na macrorregional noroeste (27,84/100 mil mulheres). Contudo, a região Norte apresentou o maior crescimento médio anual nas taxas (15,97/ano) (Tabela 1).

Tabela 1
Tendência das taxas de violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo, segundo macrorregionais de saúde. Paraná, Brasil, 2009 a 2016.

Entre os parceiros íntimos, o cônjuge foi o principal agressor. Todavia, no estado do Paraná, houve crescimento de 20,9% das agressões por ex-cônjuges e 18,7% por namorados(as). Na macrorregional Noroeste, esses dados são ainda mais alarmantes, uma vez que houve aumento de 48,8% das agressões por ex-cônjuges e 24,0% por namorados(as). Chama atenção também o aumento de 23,1% nos casos de agressão por ex-namorados(as) na macrorregional Oeste, um dado divergente das demais macrorregionais de saúde e do estado (Tabela 2).

Tabela 2
Violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo, segundo tipo de agressor e macrorregionais de saúde. Paraná, Brasil, 2009 a 2016.

Em relação às características sociodemográficas da mulher em situação de violência, é possível perceber uma mudança no perfil das notificações. No primeiro quadriênio do estudo, a taxa de violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo foi maior na faixa etária dos 30-39 anos (38,5/100 mil). Já no segundo quadriênio, foi superior na faixa dos 20-29 anos (39,1/100 mil), representando um aumento de 1,9% das notificações nessa faixa de idade. Cabe ressaltar, ainda, o aumento de 10,2% nos casos de violência física por parceiro íntimo em mulheres de 50-59 anos de idade (Tabela 3).

Tabela 3
Violência física contra a mulher perpetrada pelo parceiro íntimo, segundo características sociodemográficas e meio de agressão. Paraná, Brasil, 2009 a 2016.

Com relação à escolaridade, percebe-se também uma mudança no perfil notificado, visto que, no primeiro período de estudo, maiores índices foram registrados em mulheres com menos de oito anos de estudo (41,1/100 mil), enquanto, no segundo período, as maiores taxas foram entre mulheres com oito anos de estudo ou mais (43,9/100 mil). O aumento percentual das notificações de violência contra mulheres com maior escolaridade foi de 12,1%, ao passo que nas com menor escolaridade diminuiu 14,5%. Outro dado que chama atenção é o aumento de 6,3% da subnotificação do item “Escolaridade” (Tabela 3).

No que diz respeito à raça/cor, maiores índices de violência física foram registradas em mulheres brancas. Entretanto, enquanto as notificações em mulheres brancas diminuíram, houve aumento de 3,9% nas pretas e pardas, 6,0% nas amarelas e 120,8% nas indígenas (Tabela 3).

A força corporal/espancamento foi o meio de agressão mais utilizado para a violência (77,1/100 mil), sendo que as notificações por esse meio cresceram 0,9% durante o período de estudo. Em seguida, os meios de agressão mais utilizados foram: objeto perfurocortante (8,8/100 mil), enforcamento (7,4/100 mil), objeto contundente (5,4/100 mil) e arma de fogo (1,3/100 mil). Vale enfatizar que as notificações de agressão por objeto contundente apresentaram crescimento de 11,7% nos registros (Tabela 3).

Discussão

Os dados do presente estudo mostram tendência crescente nas taxas de notificação de violência física contra a mulher perpetrada por parceiro íntimo no Paraná e em todas as macrorregionais de saúde. A macrorregional Oeste destacou-se com o maior índice, fato que indica a necessidade de novos estudos para identificar os fatores associados nesta região.

Identificou-se, ainda, uma mudança no perfil das mulheres em situação de violência, visto que, no primeiro quadriênio, maiores taxas foram registradas em mulheres na faixa etária dos 30 a 39 anos e com menos de oito anos de estudo. Já no segundo quadriênio, maiores taxas foram encontradas em mulheres na faixa etária dos 20 a 29 anos, e com oito anos ou mais de estudo.

Pesquisadores frisam que a violência atinge mulheres de diversas idades e níveis educacionais1616 Pierine SM. Mulheres que denunciaram a violência: questões de justiça e saúde [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista; 2017.. No entanto, o aumento das notificações de violência entre as com maior escolaridade pode ser reflexo do acesso à informação e a serviços de segurança, educação e saúde que estimulem o rompimento do ciclo da violência e a denúncia do agressor1717 Souza VLCA. Projeto Penha está na escola! Construção de rede de proteção às mulheres no CED 310, Santa Maria DF. Rev Com Censo 2019; 6(3):109-114.,1818 Deboni MA, Silva LVF. Lei Maria da Penha: análise de campanhas publicitárias de superação à violência contra a mulher. Rev Fragm de Cultura 2018; 28(2):191-206..

Em relação ao aumento dos casos de violência por parceiro íntimo, pesquisa realizada em todo o Brasil pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou aumento de 23% dos casos de violência praticada por parceiros no ano de 2018, em comparação com o ano anterior99 Aizpurua E, Copp J, Ricarte JJ, Vázquez D. Controlling behaviors and intimate partner violence among women in Spain: an examination of individual, partner, and relationship risk factors for physical and psychological abuse. J Interpers Violence 2017; 36(1-2):231-254.. A literatura que aborda a tendência dos casos de violência física contra a mulher por parceiro íntimo é escassa. Contudo, o aumento da violência física contra a mulher, sem considerar o agressor, foi salientado por alguns autores1919 Dantas GSV, Silva PL, Silva JK, Rios MA. Caracterização dos casos de violência física contra mulheres notificados na Bahia. Arq Ciênc Saúde 2017; 24(4):63-68.,2020 Silva LEL, Oliveira MLC. Características epidemiológicas da violência contra a mulher no Distrito Federal, 2009 a 2012. Epidemiol Serv Saude 2016; 25(2):331-342..

Pesquisa desenvolvida em serviços de urgência e emergência das capitais brasileiras apontou que as principais vítimas de agressão por seus parceiros são mulheres jovens (20 a 39 anos) e negras2121 Garcia LP, Silva GDM. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica 2018; 34(4):e00062317.. Em um município pernambucano, mulheres com menos de 30 anos de idade e que cursaram apenas o ensino fundamental representavam a maioria dos casos de violência, e o principal agressor era o companheiro2222 Holanda ER, Holanda VR, Vasconcelos MS, Souza VP, Galvão MTG. Fatores associados à violência contra as mulheres na atenção primária de saúde. Rev Bras Promoç Saúde 2017; 31(1):1-9.. Do mesmo modo, mulheres em situação de vulnerabilidade, ou seja, jovens, com histórico de abuso e que residiam no país há pouco tempo, também eram mais propensas a sofrer violência por parceiro íntimo, segundo estudo realizado em um país desenvolvido99 Aizpurua E, Copp J, Ricarte JJ, Vázquez D. Controlling behaviors and intimate partner violence among women in Spain: an examination of individual, partner, and relationship risk factors for physical and psychological abuse. J Interpers Violence 2017; 36(1-2):231-254..

Os resultados da presente pesquisa revelam que a violência física contra mulheres brancas está diminuindo no Paraná, ao passo que entre as pretas/pardas, amarelas e indígenas está aumentando. Esses dados vão ao encontro da literatura que já evidencia que mulheres jovens, pretas/pardas e de minorias étnicas são as principais vítimas da violência88 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. São Paulo; 2018.,2323 Waiselfisz JJ. Mapa da violencia 2015 - homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO; 2015..

O crescimento da violência física por parceiro íntimo entre mulheres pretas e pardas pode ser retrato da discriminação racial e da marginalização das populações afrodescendentes. A desigualdade social torna-se evidente quando dados sobre acesso a educação, mercado de trabalho, salário e criminalização são analisados2424 Muniz DM, Zimmermann TR. Da injúria racial à violência institucional: interseccionalidade da violência de gênero sob a perspectiva da mulher negra. Rev Direitos Culturais 2018; 13(29):125-142..

Dados do IBGE indicam que 68,6% dos cargos gerenciais são ocupados por brancos, enquanto a maioria das pessoas abaixo da linha de pobreza são pretas e pardas (32,9%). A desigualdade ainda pode ser observada na área educacional, posto que o analfabetismo é maior entre pretos e pardos (20,7%) do que em brancos (11,0%). Na política, apenas 24,4% dos deputados federais eleitos são pretos e pardos. Em relação à violência, a taxa de homicídio em mulheres pretas e pardas é de 10,1/100 mil, bem acima do registrado em mulheres brancas (5,2/100 mil)2525 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Desigualdade social por cor ou raça no Brasil. Brasília: IBGE; 2019..

Um dossiê sobre as condições de vida das mulheres negras no Brasil frisou que as denúncias de agressão feitas por mulheres pretas e pardas são tratadas com descrédito, resultado de uma sociedade racialmente desigual2626 Intituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea; 2013.. Com isso, as mulheres relatam se sentir mais expostas e com medo de denunciar2626 Intituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: Ipea; 2013., o que pode contribuir para o ciclo da violência.

Merece destaque o aumento expressivo dos casos de violência física por parceiro íntimo em mulheres indígenas, o que pode ser resultado da atual conjuntura dos povos indígenas brasileiros. Situações como o contato com não indígenas, recolhimento das populações em áreas pequenas, trabalho temporário dos homens fora das reservas, a profissionalização das mulheres, a diminuição da prática xamânica e de rituais, a degradação da paisagem natural e a introdução de drogas nessas comunidades reservadas tornaram as relações de gênero conflitivas, contribuindo para a violência2727 Zimmermann TR, Seraguza L, Viana AE. Relações de gênero e violência contra mulheres indígenas em Amambai - MS (2007-2013). Rev Espaço Ameríndio 2015; 9(1):105-126..

Apesar do exposto, a associação entre violência por parceiro íntimo e raça/cor/etnia ainda não é clara, uma vez que maiores taxas nessas populações podem ser reflexo da condição social desfavorável em que se encontram2828 D'Oliveira AFPL, Schraiber LB, França-Junior I, Ludermir AB, Portella AP, Diniz CS, Couto MT, Valença O. Fatores associados à violência por parceiro íntimo em mulheres brasileiras. Rev Saude Publica 2009; 43(2):299-311.. Sendo assim, estudos mais aprofundados são necessários para melhor compreensão sobre a temática. No mesmo sentido, documento publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) reforça que a violência contra a mulher não pode ser analisada fora do contexto social em que elas estão inseridas2929 Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal). Observatorio de Igualdad de Género de América Latina y el Caribe. Informe anual 2013-2014: el enfrentamiento de la violencia contra las mujeres en América Latina y el Caribe. Santiago: Cepal; 2015..

No Paraná e nas macrorregionais de saúde, o cônjuge foi o principal agressor, seguido pelo ex-cônjuge, corroborando pesquisa desenvolvida em todo o Brasil que apontou o parceiro e o ex-parceiro como os principais agressores de mulheres2323 Waiselfisz JJ. Mapa da violencia 2015 - homicídio de mulheres no Brasil. Brasília: FLACSO; 2015., e também com estudo realizado com notícias veiculadas pela imprensa brasileira3030 Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Mapa da violência contra a mulher. Brasília; 2018.. Na mesma perspectiva, ocorrências policiais analisadas em uma Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) localizada em uma cidade gaúcha revelaram que 75% dos casos de violência foram praticados por um parceiro íntimo3131 Acosta DF, Gomes VLO, Fonseca AD, Gomes GC. Violência contra a mulher por parceiro íntimo: (in)visibilidade do problema. Texto Contexo Enferm 2015; 24(1):121-127..

Na Nigéria, o principal perpetrador de violência contra a mulher é o cônjuge, e entre os fatores associados estão: falta de educação formal, emprego no setor informal e cônjuge desempregado e com baixa escolaridade3232 Iliyasu Z, Galadanci HS, Abubakar S, Auwal MS, Odoh C, Salihu HM, Aliyu MH. Phenotypes of intimate partner violence among women experiencing infertility in Kano, Northwest Nigeria. Int J Gynaecol Obstet 2018; 133(1):32-36..

Em relação ao meio de agressão registrado nas notificações de violência física contra a mulher analisadas neste estudo, a força corporal/espancamento foi a mais utilizada, seguida de objeto perfurocortante, corroborando pesquisa anterior2121 Garcia LP, Silva GDM. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad Saude Publica 2018; 34(4):e00062317.. Até onde se sabe, poucos estudos abordam os meios de agressão especificamente quando o perpetrador é o parceiro íntimo. Entretanto, nos casos de violência contra a mulher sem considerar a modalidade do agressor e o tipo de violência, os meios de agressão mais utilizados são força corporal/espancamento (39,1%) e arma de fogo (11,7%)88 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. São Paulo; 2018..

Pesquisa realizada por meio de processos de uma vara especializada em violência doméstica e familiar contra a mulher da comarca de Belém do Pará, analisando todos os tipos de violência por parceiro íntimo, identificou que a agressão física com uso da força corporal foi empregada em 60,7% dos casos3333 Moraes MSB, Cavalcante LIC, Pantoja ZC, Costa, LP. Violência por parceiro íntimo: características dos envolvidos e da agressão. Psi Unisc 2018; 2(2):78-96..

Segundo a OMS, os fatores de risco da violência por parceiro íntimo podem ser divididos em quatro níveis: individual, relacional, comunitário e social. No nível individual estão: juventude, baixo nível socioeconômico/renda, baixa escolaridade, estado civil (separada/divorciada), gravidez, exposição a maus-tratos na infância, violência intraparental, abuso sexual, depressão, uso de drogas, aceitação da violência pela sociedade e exposição anterior ao abuso. Já no nível relacional são apontados a disparidade educacional, o número de crianças e a insatisfação conjugal. O nível comunitário, por sua vez, inclui a aceitação de papéis tradicionais de gênero, locais com alta proporção de pobreza, desemprego, analfabetismo masculino, baixa proporção de mulheres com alto nível de autonomia, baixa proporção de mulheres com alto nível de escolaridade e sanções comunitárias fracas. E, no nível social, estão a regulamentação do divórcio pelo governo, a ausência de legislação sobre a violência praticada pelo parceiro íntimo no âmbito do casamento e de lei protetora do casamento e a presença de normas de gênero e sociais tradicionais que tolerem a violência33 Organização Mundial de Saúde (OMS). Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. Washington: OMS; 2012..

Outros fatores de risco descritos na literatura são: mulheres com baixa escolaridade, sem renda própria, ter um parceiro muito controlador e brigas frequentes entre o casal3434 Silva EP, Valongueiro A, Araujo TVB, Ladermir AB. Incidência e fatores de risco para violência por parceiro íntimo no período pós-parto. Rev Saude Publica 2015; 49:46..

Ainda que a baixa escolaridade tenha sido descrita em algumas pesquisas como um fator de risco para a violência por parceiro íntimo, outros estudos mostram que a maioria das mulheres em situação de violência apresentavam oito anos de estudo ou mais3535 Griebler CL, Borges JL. Violência contra a mulher: perfil dos envolvidos em boletins de ocorrência da Lei Maria da Penha. Psico 2013; 44(2):215-225.,3636 Leite FMC, Bravim LR, Lima EFA, Primo CC. Violência contra a mulher: caracterizando a vítima, a agressão e o autor. Rev Pesq Cuid Fundam 2015; 7(1):2181-2191., ratificando os dados da presente pesquisa, que identificou, durante o segundo quadriênio analisado, taxas mais elevadas de violência física por parceiro íntimo em mulheres com maior escolaridade.

A escolaridade do parceiro íntimo também parece ser uma importante variável na dinâmica da violência doméstica, e a literatura destaca a baixa escolaridade da maioria dos homens autores de violência contra a mulher3737 Scott JB, Oliveira IF. Perfil de homens autores de violência contra a mulher: uma análise documental. Rev Psico da IMED 2018; 10(2):71-88.,3838 Silva AF, Gomes NP, Estrela FM, Lírio JGS, Lima VLA, Pereira A. Implicações da vivência de prisão preventiva por violência conjugal: narrativas masculinas. Rev Interface (Botucatu) 2019; 23:e170958.. Estudo realizado em uma DEAM localizada no Paraná apontou que 80% dos homens autores de violência contra a mulher possuíam ensino fundamental, 7,7% ensino médio e apenas 2,3% ensino superior3939 Madureira AB, Raimondo ML, Ferraz MIR, Marcovicz GV, Labronici LM, Mantovani MF. Perfil de homens autores de violência contra mulheres detidos em flagrante: contribuições para o enfrentamento. Rev Esc Anna Nery 2014; 18(4):600-606..

Alguns países conseguiram redução da violência física por parceiro íntimo, a exemplo da Nicarágua, que reduziu a prevalência de 11,9% em 1998 para 6,1% em 2012. No mesmo sentido, o Canadá apresentou queda de 50%, passando de 2,2% em 2004 para 1,1% em 2014. Em contrapartida, na República Dominicana os casos de agressões corporais por parceiros aumentaram de 9,8% em 2002 para 14,7% em 2013. Vale ressaltar que a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) estima que, no Brasil, 17% das mulheres serão vítimas de violência física ou sexual por parte de seus parceiros em algum momento da vida88 Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. São Paulo; 2018..

Considerando o cenário atual, torna-se urgente capacitar as equipes de profissionais das redes de atenção à saúde para que os casos de violência contra a mulher sejam identificados precocemente. O reconhecimento dos casos pode prevenir mortes precoces, já que o feminicídio envolve, na maioria dos casos, atos recorrentes de violência até chegar à sua forma mais extrema4141 Souza SMJ. O feminicídio e a legislação brasileira. R Katál 2018; 21(3):534-543..

Cabe enfatizar também que, desde 2006, a Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, criou mecanismos para coibir a violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher1212 Brasil. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências; 2006. [acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
. Em 2015, a Lei do Feminicídio alterou o Código Penal brasileiro para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e incluiu o feminicídio no rol dos crimes hediondos1313 Brasil. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos; 2015. [acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
. Em 2019, houve alterações na Lei Maria da Penha, com destaques para as leis nº 13.827, que autorizou a aplicação da medida protetiva de urgência pela autoridade judicial ou policial, em favor da mulher em situação de violência1414 Brasil. Lei nº 13.827, de 13 de maio de 2019. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para autorizar, nas hipóteses que especifica, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, a` mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes, e para determinar o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça; 2019. [acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13827.htm, nº 13.880, que determinou a apreensão da arma de fogo sob posse do agressor em casos de violência doméstica4242 Brasil. Lei nº 13.880, de 8 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para prever a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica, na forma em que especifica; 2019. [acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13880.htm e nº 13.882, que garantiu a matrícula dos dependentes da mulher vítima violência doméstica e familiar em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio4343 BRASIL. Lei nº 13.882, de 8 de outubro de 2019. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para garantir a matrícula dos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio; 2019. [ acessado 2019 Jun 5]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13882.htm.

Entre as estratégias de enfrentamento da violência adotadas pelo governo brasileiro, Unidades Especializadas de Atendimento (UEA) foram pensadas para ampliar e melhorar a qualidade do atendimento às mulheres em situação de violência. As UEA são compostas por delegacias especializadas, promotorias especializadas/núcleos de gênero do Ministério Público, núcleos/defensorias especializadas de atendimento à mulher, juizados especiais e centros especializados de atendimento à mulher em situação de violência. Todavia, dados de 2016 sinalizam que o Paraná possui apenas 38 UEA em funcionamento, o que representa 0,67 UEA para cada grupo de 100 mil mulheres. É importante destacar, ainda, que esse número é considerado um dos menores do Brasil, ficando abaixo do panorama nacional, que é de 1,03 UEA/100 mil mulheres4444 Instituto de Pesquisa DataSenado. Panorama da violência contra as mulheres no Brasil: indicadores nacionais e estaduais. Brasília: Senado Federal; 2016..

Outros programas que visam amparar as mulheres em situação de violência já foram criados, como o Casa da Mulher Brasileira. Esse serviço integra, num mesmo espaço físico, delegacia, juizado, Ministério Público, Defensoria Pública, apoio psicossocial, alojamento de passagem, transporte, brinquedoteca para os filhos e oficinas que visam a autonomia econômica da mulher4545 Brasil. Decreto nº 8.086, de 30 de agosto de 2013. Institui o Programa Mulher: Viver sem Violência e dá outras providências; 2013. [acessado 2019 Maio 2]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/decreto/D8086.htm,4646 Ayres CR. Casa da Mulher Brasileira: uma política pública para mulheres em situação de violência [dissertação]. Curitiba: Universidade Tecnológica Federal do Paraná; 2017.. No entanto, o Paraná possui apenas uma unidade implantada em Curitiba, não sendo suficiente para atender toda a demanda do Estado4646 Ayres CR. Casa da Mulher Brasileira: uma política pública para mulheres em situação de violência [dissertação]. Curitiba: Universidade Tecnológica Federal do Paraná; 2017..

Diante do exposto, torna-se fundamental o envolvimento dos profissionais da atenção primária à saúde (APS) na identificação precoce dos casos e na assistência qualificada às mulheres em situação de violência. Em momentos de tamanha fragilidade, os profissionais de saúde devem prestar uma assistência que exceda o cuidado físico, livre de preconceitos, julgamentos e estereótipos que ainda são identificados nas práticas profissionais4747 Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Fonseca, AD. Representações sociais de enfermeiras acerca da violência doméstica contra a mulher: estudo com abordagem estrutural. Rev Gaúcha Enferm 2018; 39:e61308..

Portanto, é necessário a organização dos serviços em redes de atenção, realizando ações intersetoriais que visem garantir a integralidade do cuidado4848 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: OPAS/CONASS; 2011.. Além disso, as políticas públicas devem ser implementadas de forma a garantir a segurança e a saúde das mulheres, tendo como objetivo a redução dos casos de violência.

Os resultados apresentados no presente estudo expressam o aumento da violência física contra a mulher por parceiro íntimo no Paraná. A macrorregional Oeste apresentou a maior taxa média do período. E a análise de regressão polinomial mostrou tendência crescente em todas as macrorregionais de saúde e também no estado do Paraná.

Fica clara a necessidade de medidas que visem a diminuição da desigualdade de gênero, para que a violência deixe de ser um ato punitivo e disciplinador contra as mulheres. Esta pesquisa contribuiu no sentido de apontar que, se nada for feito, as taxas de violência física contra a mulher por parceiro íntimo continuarão crescendo.

Nesse sentido, o conhecimento de quem são os agressores, dos principais meios utilizados para agressão e das características sociodemográficas das vítimas podem direcionar intervenções preventivas e qualificar as políticas públicas existentes, melhorando assim a qualidade de vida das mulheres. Dessa forma, acredita-se que o presente estudo se constitui em mais um meio de acesso à informação sobre a violência contra a mulher, podendo subsidiar a tomada de decisões para o enfrentamento desse problema de saúde pública e ampliar a discussão do tema.

No entanto, algumas limitações estão presentes nesta pesquisa. Uma delas diz respeito ao uso de dados obtidos no SINAN, sujeitos à incompletude das informações ou subenumeração dos casos. Há, ainda, dificuldade de encontrar estudos comparativos que contemplem a análise epidemiológica da violência física não fatal contra a mulher por parceiro íntimo em outras regiões do país, impossibilitando uma discussão mais precisa dos resultados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2019
  • Aceito
    12 Fev 2020
  • Publicado
    14 Fev 2020
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revscol@fiocruz.br